--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ---------------------------
--- Data: 15/09/2016 --------------------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Juiz José Maria Dias Azedo ----------------------------------------------------------------------------
Processo nº 507/2016
(Autos de recurso penal)
(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)
Relatório
1. A, com os sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenado pela prática de 1 crime de “fuga à responsabilidade”, p. e p. pelo art. 89° e 94°, n.° 2 da Lei n.° 3/2007, (“Lei do Trânsito Rodoviário”), fixando-lhe o Tribunal a pena de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos e na pena acessória de inibição de condução pelo período de 2 anos, na condição de, no prazo de 20 dias, pagar MOP$10.000,00 à Associação de Reabilitação “B” de Macau; (cfr., fls. 107 a 112 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformado, o arguido recorreu para (tão só) imputar à decisão recorrida o vício de “erro notório na apreciação da prova”, pedindo a sua consequente absolvição; (cfr., fls. 118 a 126).
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Respondendo, pugna o Ministério Público pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 129 a 131).
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Admitido o recurso, e remetidos os autos a este T.S.I., em sede de vista juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:
“Submetido a julgamento em processo comum perante tribunal singular, acusado da prática de um crime de fuga à responsabilidade, viria o ora recorrente A a ser condenado na pena principal de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução, pelo período de 2 anos, desde que observada a condição imposta, e na pena acessória de 2 anos de inibição de condução.
Inconformado, vem recorrer da sentença condenatória, à qual imputa o vício de erro notório na apreciação da prova, acabando por requerer a sua absolvição ou o reenvio do processo para novo julgamento.
Diga-se, desde já, que se afigura totalmente improcedente a argumentação do recorrente, tal como a Exm.a colega proficientemente faz notar na sua resposta à motivação do recurso, cujo teor acompanhamos.
O recorrente tenta fazer vingar uma certa leitura da prova, à medida das suas conveniências, procurando enfatizar essencialmente o facto de a segunda testemunha, C, que se encontrava a dormir no veículo embatido, não ter acordado com o embate e ter acordado mais tarde com um simples batimento da polícia no vidro da janela do veículo.
Mas fá-lo sem sucesso e sem razão.
Como o Ministério Público argutamente salientou na primeira instância, nada habilita a concluir que o barulho produzido pelo embate foi menor que o barulho do toque da polícia no vidro e não é lícito fazer comparações entre o grau de vigilância exigido dos sentidos de quem toma as rédeas de um volante automóvel e de quem está em pleno sono.
Aliás o recorrente, para dar consistência à sua tese, utiliza juízos conclusivos não suportados na prova produzida, como sejam o de afirmar que a polícia acordou a segunda testemunha sem grande esforço, quando é certo que o agente policial (quarta testemunha) veiculou em audiência a ideia de que a segunda testemunha estava a dormir profundamente.
A sentença apresenta-se irrepreensível na análise crítica da prova e na apreciação dos vários elementos probatórios à luz das regras da experiência comum, explicitando fundada, convincentemente e com meridiana clareza a razão por que não pode conferir relevo à versão do arguido em detrimento dos restantes elementos probatórios, que apontam em sentido diverso, com destaque para o depoimento da testemunha presencial D.
No entendimento que a jurisprudência tem sedimentado sobre o invocado vício, expresso, v.g., no acórdão de 4 de Março de 2015, do Tribunal de Última Instância, exarado no Processo n.° 9/2015, não enferma a sentença recorrida de qualquer erro na apreciação da prova, muito menos do erro notório exigido pela norma do artigo 400.°, n.° 2, alínea c), do Código do Processo Penal”; (cfr., fls. 178 a 179).
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Em sede de exame preliminar constatou-se da manifesta improcedência do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados na sentença recorrida a fls. 107-v a 108-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Vem o arguido recorrer da sentença que o condenou pela prática de 1 crime de “fuga à responsabilidade”, p. e p. pelo art. 89° e 94°, n.° 2 da Lei n.° 3/2007, fixando-lhe o Tribunal a pena de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos e na pena acessória de inibição de condução pelo período de 2 anos, na condição de, no prazo de 20 dias, pagar MOP$10.000,00 à Associação de Reabilitação “B” de Macau.
Assaca à decisão recorrida o vício de “erro notório na apreciação da prova”, pedido a sua absolvição.
Porém, e como se nos apresenta evidente, não tem razão, totalmente inviável sendo a sua pretensão.
De facto, e como temos repetidamente afirmado, “O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 03.03.2016, Proc. n.° 82/2016, de 26.05.2016, Proc. n.° 998/2015 e de 14.07.2016, Proc. n.° 340/2016).
Como também já tivemos oportunidade de afirmar:
“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 17.03.2016, Proc. n.° 101/2016, de 26.05.2016, Proc. n.° 998/2015 e de 16.06.2016, Proc. n.° 254/2016).
E, no caso, (e em bom rigor), diz o recorrente que se devia ter dado como “não provado” que o arguido tinha conhecimento (ou consciência) que tinha embatido no carro do ofendido e que, mesmo assim, se tenha ausentado do local.
Ora, como bem nota o Ministério Público, inexiste motivo para alterar o decidido.
O Tribunal a quo apreciou a prova em conformidade com o estatuído no art. 114° do C.P.P.M., e não se vislumbra nenhum “erro”, muito menos notório.
O arguido limita-se a tentar impor a sua versão, onde nega que se tenha apercebido do embate das viaturas, e, o Tribunal, apreciando toda a prova produzida, concluiu, (especialmente, devido a força e intensidade do mesmo embate), que o arguido se apercebeu, e que, mesmo assim, alheou-se e ausentou-se do local, para se furtar à responsabilidade do incidente.
E, existindo, como efectivamente existem, elementos probatórios nos autos que permitem tal “conclusão”, e sendo ela, lógica e perfeitamente razoável e compatível com aqueles, há que dizer que o presente recurso se apresenta “manifestamente improcedente”, já que o recorrente se limita a afrontar a livre convicção do Tribunal a quo, o que, como é óbvio, não colhe.
De facto, não é por o recorrente considerar que existe erro, que o mesmo se verifica efectivamente, (já que, como se consignou, não basta uma “dúvida pessoal” ou uma “mera possibilidade ou probabilidade” para se afirma da sua ocorrência).
Outra questão não havendo a apreciar, resta decidir.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, decide-se rejeitar o recurso.
Pagará o recorrente 4 UCs de taxa de justiça, e como sanção pela rejeição do seu recurso, o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 15 de Setembro de 2016
José Maria Dias Azedo
Proc. 507/2016 Pág. 10
Proc. 507/2016 Pág. 11