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 Processo n.º 985/2015
  (Recurso Contencioso)
   
  Data: 22/Setembro/2016
   
Assuntos:
  - Fundamentação do acto administrativo

SUMÁRIO :
    1. Uma coisa é enunciar uma razão, um fundamento, outra é explicá-lo, dizer das razões integrantes de uma motivação que levam a tomar uma decisão, de forma a poder acompanhar-se o raciocínio efectuado, outra ainda é o destinatário da decisão concordar com ela.
    2. A construção do regime dos vícios do acto administrativo, nomeadamente em função do vício no erro nos pressupostos de facto erige em essencial a demonstração da razão avançada, a descrição e individualização dos pressupostos que foram tidos em conta para se decidir de determinada maneira.
    3. Pode tomar-se uma decisão e invocar uma razão de ordem de desenvolvimento económico, turístico, de ordenação ambiental, paisagística, educacional, de segurança ou de saúde pública, mas se não se concretizam os dados concretos, se não se diz que é em função destes ou daqueles números, da existência desta ou daquela realidade física, material ou imaterial, das necessidades concretas, dos projectos delineados, dos planos visados, dos objectivos prosseguidos, das necessidades sentidas, da oferta e da procura, se não se densificam os interesses e necessidades a satisfazer e a prosseguir, a decisão administrativa pode ser clara, recta, bem intencionada, congruente até, mas não está completa, pois o destinatário, o interessado concreto, não dispõe dos elementos necessários que levaram àquela tomada de decisão de forma a poder acompanhar o processo racional, lógico e valorativo da decisão.
    
              O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira

















Processo n.º 985/2015
(Recurso Contencioso)

Data : 22 de Setembro de 2016

Recorrente: A

Entidade Recorrida: Chefe do Executivo

    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    1. A , mais bem identificado no processo, tendo sido notificado do despacho proferido pelo Excelentíssimo Senhor Chefe do Executivo da RAEM, em 16 de Setembro de 2015, no âmbito do Processo Administrativo N.º P0469/2013 instruído no Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM), pelo qual foi indeferido o pedido de concessão de autorização de residência provisória nesta RAEM, dele vem interpor recurso contencioso de anulação, alegando, em sede final:
    1 - O presente recurso contencioso de anulação é interposto do despacho proferido em 16 de Setembro de 2015 pelo Senhor Chefe do Executivo da RAEM pelo qual foi indeferido o pedido de concessão de autorização de residência provisória formulado pelo recorrente.
    2 - O acto recorrido em causa foi proferido no culminar do Procedimento Administrativo N.º (doravante abreviado por PA 0469/2014) instaurado pelo Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau na sequência do investimento realizado e do correspondente pedido de concessão de autorização de fixação de residência na RAEM.
    3 - Tal como demonstra o Documento N.º 4 em anexo ao presente recurso, o despacho recorrido foi proferido com base na concordância e adopção "ipis verbis" escalonada dos pareceres (jurídico e os de outra natureza) que foram sendo sedimentados ao longo do respectivo iter procedimental culminando no dito despacho, assim se tomando-os parte integrante deste último, passando a constituir a fundamentação fáctica e jurídica do acto recorrido.
    4 - No âmbito do referido procedimento, a técnica Sra. B elaborou um parecer técnico endereçado ao seu superior hierárquico e no qual fez a sua análise sobre as diversas componentes e deu a sua opinião sobre o investimento realizado e o pedido de autorização do recorrente - cfr. Documento N.º 4.
    5 - Esse parecer subiu as escadarias da máquina administrativa, tendo merecido por parte de cada um dos superiores hierárquicos os despachos/pareceres de concordância e proposta de indeferimento - cfr. Doc. N.º 4.
    6 - E, finalmente, preparado em papél timbrado do IPIM, veio o Sr Chefe do Executivo proferir o despacho de indeferimento de concessão de autorização de residência. O texto do despacho é idêntico ao do parecer do Presidente do IPIM e do parecer do técnico - cfr. Docs. N.ºs 1 e 4.
    7 - Se se entender que o despacho recorrido é apenas constituído pelo simples trecho de texto assinado pelo Chefe do Executivo - ifr. Docs. N.ºs 1, totalmente despido e desacompanhado dos sucessivos pareceres obrigatórios que o precederam no mesmo procedimento administrativo, então, é entendimento do recorrente que o mesmo despacho não está suficiente e esclarecidamente fundamentado fáctica e juridicamente, já que os pretensos argumentos de indeferimento não passam de alguns vagos termos genéricos (“... considerando o valor e espécie do investimento ... e as necessidades da RAEM ..."), o que fá-lo inquinar do vício de forma de falta de fundamentação, o que se pugna.
    8 - Porém, se se entender que os pareceres que constituem o Documento N.º 4 são partes integrantes do despacho recorrido, então o acto recorrido está inquinado do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, já que fez uma errónea apreciação e apuramento do valor de investimento feito pelo recorrente, ao arrepio do critério estabelecido no N.º 1 do artigo 7° do Regulamento Administrativo N.º 5/2003, que determina que na análise do pedido se tenha em conta, inter alia, o valor do investimento feito, e não o valor do investimento resultante do correspondente valor percentual da quota societária qu o recorrente detém.
    9 - Com efeito, segundo o critério anómalo esgrimido pela técnica em seu parecer, o investimento feito pelo recorrente cifrou-se no montante de MOP$3,773,560.36.
    10 - Todavia, tal como demonstra os Dcumentos N.ºs 8 e 9, o recorrente investiu a quantia de HKD$3.500.000,00, capital esse integralmente realizado por injecção de fundos financeiros.
    11 - Na análise ao investimento feito, a Administração não pode criar uma outra fórmula de cálculo de investimento ao arrepio do critério estabelecido no N.º 1 do artigo 7° do citado Regulamento, e com base nessa "fórmula" apurar um valor fictício de investimento e com esse número assim "apurado" e redutor concluir pelo menosprezo ou irrelevância do investimento feito.
    12 - É notória a diferença dos valores apurados com base nesses 2 diferentes critérios. Seguindo o critério correcto do N.º 1 do artigo 7°, o valor de investimento efectivo do recorrente é de HKD$3.500.000,00. Segundo o critério "criado" no parecer, o valor de investimento do recorrente "apurado" é de MOP$3,773,560.36 (este último valor apurando multiplicando a quota percentual do recorrente pelo valor total do investimento financeiro realizado pela sociedade).
    13 - O próprio IPIM, em uma das suas páginas disponibilizadas no seu site oficial na Internet, em instruções publicadas e destinadas a potenciais candidatos interessados nesse mesmo regime de investimento esclarece sobre os critérios a adoptar pelo IPIM na admissão, análise e decisão sobre pedidos de investimento feitos ao abrigo do Reg. Adm. N.º 3/2005. Um dos critérios de aferição do investimento é o do valor efectivo do investimento feito ou a fazer no projecto. Não refere a outro critério ou aquele adoptado no parecer técnico acima referido. Esclarece, ainda, que o investidor deve ser titular de uma determinada quota enquanto manifestação do seu interesse e participação no projecto e não como critério de aferição.
    14 - O acto recorrido labutou em pressupostos fácticos errados e sobre esses mesmos erróneos pressupostos de facto construiu a sua decisão jurídica, desembocando o acto recorrido no vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto.
    15 - O mesmo erro de raciocínio subjacente ao acto recorrido existe no parecer quando é feita a análise do contributo do investimento do recorrente na criação de postos de trabalho.
    16 - Correcta e cientificamente feito, deve apurar-se o número de postos de trabalho criado pelo investimento na sua totalidade, incluindo postos de trabalho para locais e não-residentes. o investimento em causa criou 69 postos de trabalho, sendo 26 locais e 43 para não-residentes.
    17 - Porém, e contrariamente, o parecer fez apenas multiplicar o número de empregados locais (26 postos) sobre a percentagem da quota detida (8,5%), e daí apura e afirma que o recorrente apenas contribuiu para a criação de 2,21 posto de trabalho local. Daí a sua insignificância e menosprezo. Ignorou por completo os 43 postos de trabalho criados para trabalhadores não-residentes.
    18 - Assim, nessa vertente de apuramento da contribuição do investimento do recorrente na criação de postos de trabalho o acto recorrido labutou em pressupostos fácticos errados e sobre esses mesmos erróneos pressupostos de facto construiu a sua decisão jurídica (acto recorrido), fazendo desembocar o acto recorrido no vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, o que se pugna.
    Por outro lado,
    19 - O exercício do poder discricionário não corresponde ao livre arbítrio. A lei, in casu, o artigo 7° do Reg. Adro. N.º 3/2005, criou momentos vinculados ao exercício do poder discricionário conferido ao Senhor Chefe do Executivo na apreciação e decisão sobre os pedidos de atribuição de autorização de residência aos investidores.
    20 - O exercício desses poderes deve nortear-se pelos critérios claros e objectivos definidos por lei ou regulamento, e quando esses critérios existem, como é o caso "sub judice", a sua inobservância flagrante toma contenciosamente sindicável o seu exercício.
    21 - In casu, entendemos que o despacho recorrido labutou em erro quanto ao exercício do poder discricionário, o que faz inquinar o acto impugnado no vício de violação de lei por erro manifesto no exercício do poder discricionário.
    22 - A restauração - na espécie de comida chinesa típica da Província de Cantão - constitui o tipo ou espécie de investimento realizado pelo recorrente.
    23 - O restaurante em causa está instalado em plena zona central de Macau, na Zona Nam Van, comportando 2 pisos completos, com mais de 30 mesas para atendimento de clientes, funcionando diariamente em horário pleno, desde as 10 horas até às 22 horas.
    24 - Para uma Cidade Turística e de Lazer como Macau aspira a ser, a restauração de qualidade constitui uma componente essencial e não despicienda para o desenvolvimento turístico local.
    25 - O acto recorrido apenas refere em termos vagos e imprecisos que " ... considerando as necessidades da RAEM .. ", não esclarecendo nem especificando quais são as necessidades actuais da RAEM no ramo de captação de investimento, e quais as razões porque o investimento de restauração do recorrente não se adequa às necessidades da RAEM ou se afasta do objecto por detrás da criação do regime constante do Reg. Adm. N.º 5/2003.
    26 - O que faz com que o acto recorrido seja ferido do vício de falta de fundamentação ou equivalente.
    27 - A decisão recorrida violou ainda o princípio fundamental da boa-fé que deve nortear a actividade administrativa, tal como vem plasmado no artigo 8° do Código do Procedimento Administrativo em vigor.
    28 - No exercício da actividade administrativa, e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa fé. Devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas, e, em especial da confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa (citado artigo 8° do CPA).
    29 - Ao aplicar critérios de análise diferentes dos que estão enunciados no regulamento administrativo e nas instruções que o próprio IPIM publicou no seu site oficial da Internet, mormente no que diz respeito à forma de apreciação do valor do investimento, e da contribuição na criação de postos de trabalho e um menosprezo pela actividade de restauração, induziu o recorrente em erro, fez criar-lhe uma expectativa jurídica atendível, que veio a naufragar.
    30 - Entendemos que, desta forma, o despacho recorrido violou o princípio da boa fé, o que faz inquinar o acto impugnado no vício de violação de lei por erro manifesto e total desrazoabilidade no exercício do poder discricionário - cfr. alinea d) do n.º 1 do artigo 21° do CPAC
    NESTES TERMOS, nos melhores de Direito, com o sempre mui douto suprimento de v: Excia., deve o presente recurso contencioso ser admitido e, a final, ser julgado procedente por provado, e com base na existência dos vícios supra referidos, ser anulado "in totum", assim se fazendo inteira e sã Justiça .
    
    2. O Exmo Senhor Chefe do Executivo (CE), tendo sido citado para contestar o recurso contencioso interposto por A, vem dizer o seguinte, em síntese:
    a) O acto recorrido não é um mero despacho de concordância com o parecer técnico do IPIM;
    b) O parecer técnico do IPIM não era vinculativo para o Chefe do Executivo;
    c) É irrelevante, para determinar a autoria e validade do acto administrativo, o tipo de papel em que o mesmo foi formalizado;
    d) A fundamentação de todo o acto administrativo é, em regra, sucinta;
    e) O acto recorrido contém fundamentos de facto e fundamentos de direito, não existindo incongruência, contradição e obscuridade;
    f) A concessão de autorização de residência, ao abrigo do RA 3/2005, é uma decisão discricionária, que se destina a atrair determinados investimentos e quadros para a RAEM, tendo obviamente que levar em conta as circunstâncias existentes no momento em que é tomada;
    g) O facto de determinado investimento não ser tão necessário à RAEM que justifique a concessão de autorização de residência, ao abrigo do RA 3/2005, não significa que ele não tenha qualquer interesse, em geral;
    h) Os fundamentos de facto do despacho recorrido não são errados;
    i) O órgão recorrido não exprimiu concordância com o que se diz no parecer do IPIM sobre o valor do investimento ou sobre o número de postos de trabalho criados;
    j) A Administração não induziu o recorrente em erro, pois nunca lhe garantiu que o seu requerimento seria deferido;
    k) O recorrente devia saber que o seu requerimento tanto poderia ser deferido, como indeferido, tudo dependendo da avaliação da Administração sobre a relevância do investimento para efeitos do RA312005;
    1) O recorrente não consubstancia a arguição de desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários.
    Por todas estas razões, somos de parecer que deverá ser negado provimento ao presente recurso.
    
    3. O Digno Magistrado do MP oferece o seguinte douto parecer:
    Objecto do presente recurso contencioso é o despacho de 16 de Setembro de 2015, da autoria do Exm.º Chefe do Executivo, que indeferiu requerimento de autorização de residência temporária a A e familiares, formulado ao abrigo da legislação aplicável à fixação de residência, em Macau, por parte de investidores.
    A decisão tem o seguinte teor: Ao abrigo do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, tendo em conta, por um lado, o valor e a espécie de investimento dos interessados, por outro lado, as necessidades da RAEM, não autorizo o requerimento de autorização de residência temporária dos seguintes interessados: ... [Segue-se o nome do requerente, ora recorrente, e dos seus familiares].
    Na sua petição de recurso, o recorrente imputa ao acto recorrido os vícios de falta de fundamentação, erro nos pressupostos, violação do princípio da boa-fé e manifesta desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários.
    A primeira questão que a petição de recurso levanta prende-se com o conteúdo do acto.
    Começa o recorrente por discretear acerca do assunto, intentando pôr de parte a aparente possibilidade de se estar perante acto de conteúdo próprio, autónomo, que não haja apropriado os pareceres e informações que o precederam. Nessa hipótese, afirma, o acto estaria evidentemente eivado de falta de fundamentação, já que os pretensos argumentos de indeferimento não passam de alguns vagos termos genéricos ...
    Não obstante a incredulidade do recorrente perante a ocorrência dessa hipótese de acto de conteúdo próprio, o certo é que é isso mesmo que sucede. O acto foi exarado em documento próprio, destacado dos pareceres e informações que o precederam, e, mais decisivo, não faz qualquer alusão remissiva a pareceres ou informações que porventura quisesse apropriar ou homologar.
    Temos, pois, que concluir que o acto e a sua fundamentação se contêm no singelo despacho de 16 de Setembro de 2015, tal como foi notificado ao recorrente. Se dúvidas houvesse, a autoridade recorrida ter-se-ia encarregado de as dissipar na sua contestação, ao asseverar que, na verdade, o acto não apropriou os pareceres e informações que o antecederam.
    Posto isto, haverá que dizer, desde já, que se toma espúrio estar a apreciar os vícios que o recorrente dirige ao acto por reporte aos pareceres e informações que o antecederam, porquanto tais pareceres e informações não integram o acto, contrariamente ao que o recorrente pressupôs. A menos que, do singelo teor do próprio acto, resulte alguma fundamentação ou motivação que, em substância, se reconduza ao essencial daqueles pareceres e informações. De contrário, não passará de um puro exercício de fantasia tentar prescrutar, no acto, aquele rol de vícios.
    Vejamos, começando pelo vício de forma por falta de fundamentação, pois, estando em causa apenas vícios conducentes à anulação do acto, é este o que, em primeiro lugar vem aflorado pelo recorrente, ante aquela hipótese de acto autónomo, que temos por verificada.
    Nos termos do artigo 115.º do Código do Procedimento Administrativo, a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto, equivalendo à sua falta a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
    Do inciso legal resulta que não vale como fundamentação a adopção de proposições ou juízos conclusivos desacompanhados da concretização factual em que assentam, porquanto dessa forma não se logra esclarecer a motivação do acto, desiderato que está na base do dever de fundamentação.
    Passando ao caso concreto, verifica-se que o acto convocou como motivos do indeferimento, por um lado, o valor e a espécie de investimento dos interessados, e, por outro, as necessidades da RAEM. Trata-se de óbvias asserções conclusivas, que nada concretizam ou especificam quanto aos motivos fácticos do indeferimento. O que se pretende, na realidade, significar com o apelo ao valor e à espécie do investimento? E o que são as necessidades da RAEM? Não se sabe. Em bom rigor, é impossível descortinar a motivação que, em concreto, levou ao indeferimento da autorização de residência temporária no seio do quadro normativo relativo à fixação de residência por parte de investidores. Quando assim sucede, a jurisprudência é unânime, quer em Macau, quer em Portugal - que aqui se invoca dada a similitude do quadro normativo em considerar o acto não fundamentado.
    Procede, assim, o vício de forma por falta de fundamentação, o que leva, no provimento do recurso, à anulação do acto - artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo - com prejuízo do conhecimento dos demais vícios, cuja abordagem aliás se toma inviável face à falta de fundamentação do acto.
    
    4. Foram colhidos os vistos legais.
    
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
    
    III - FACTOS
    Respiga-se da PA a factualidade seguinte:


1. O despacho impugnado é o seguinte:

“INSTITUTO DE PROMOÇÃO DO COMÉRCIO E DO INVESTIMENTO DE MACAU
Processo n.º 0469/2013 Requerimento de autorização de residência temporária do titular de investimento relevante
Aplica-se o Regulamento Administrativo n.º 3/2015 Requrente - A

Despacho do Chefe do Executivo da RAEM
  Ao abrigo do Regulamento Administrativo n.º 3/2015, tendo em conta, por um lado, o valor e a espécie de investimento dos interessados, por outro lado, as necessidades da RAEM, não autorizo o requerimento de autorização de residência temporária dos seguintes interessados:

N.º
Nome
Relacionamento
1
A
Requerente
2
C
Cônjuge
3
D
Descendente
4
E
Descendente
5
F
Descendente

O Chefe do Executivo
Ass.: vide o original
Aos 16 de Setembro de 2015”

2. Do processo recolhe-se ainda o seguinte:

“INSTITUTO DE PROMOÇÃO DO COMÉRCIO E DO INVESTIMENTO DE MACAU

Vossa referência n.º:
Data de emissão:
Nossa referência: 09101/GJFR/2015
Data: 08/10/2015

Assunto: autorização de residência temporária - Notificação de indeferimento (P0469/2013)

Sr.º:
  Nos termos do art.º 68.º al. a) do Código de Procedimento Administrativo, notifica-se o Sr.º de que, ao abrigo do despacho de 16 de Setembro de 2015 do Chefe do Executivo, indeferiu a autorização de residência temporária em Macau dos seguintes indivíduos. Junto se remete uma cópia do respectivo despacho (fls. 1).
  
N.º

Nome

Documento de identificação e número
1
A
Passaporte da China n.º E1028XXXX
2
C
Passaporte da China n.º G3418XXXX
3
D
Passaporte da China n.º G6102XXXX
4
E
Passaporte da China n.º G5253XXXX
5
F
BIRPHK n.º S63XXXX(1)

  Nos termos do Código do Procedimento Administrativo, se o Sr.º discorde da decisão acima referida, poderá, no prazo de 15 dias (a contar desde da data de notificação / mesmo abaixo), apresentar a reclamação ao Exm.º Sr.º Secretário para a Economia e Finanças, ou interpor o recurso contencioso ao Tribunal da Segunda Instância no prazo de 30 dias conforme as leis.
  Com os melhores cumprimentos.


Presente do
Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau
H
Ass.: vide. o original







(Tradução)
(fls. 33 a 40 dos autos)
Autorização de residência temporária
Arquivo n.º: 0459/2013

MM.º Presidente do IPIM
da RAEM

Assunto: declaração de modificação de acções possuídas

  Eu, A, do sexo masculino, casado, de nacionalidade chinesa, titular do passaporte da RPC n.º E1028XXXX emitida pelo Departamento de Controlo de Migração do Ministério de Segurança Pública da RPC, ora residente na China, Província de Hebei, Cidade de Baoding, XXXXXXXXXXXX, accionista do “J, Lda.”.
  Relativamente à declaração do aumento de número de acções que possuo, as formalidades do registo de transferência das acções já foram concluídas, portanto, apresento ao Instituto a certidão do registo comercial actualizado.

  Anexo: um documento.

A
Ass.: vide o original
aos 12 de Maio de 2015



INSTITUTO DE PROMOÇÃO DO COMÉRCIO E DO INVESTIMENTO DE MACAU
Processo n.º 0469/2013 Requerimento de autorização de residência temporária do titular de investimento relevante
Aplica-se o Regulamento Administrativo n.º 3/2015 Requrente - A

Despacho do Chefe do Executivo da RAEM
  Ao abrigo do Regulamento Administrativo n.º 3/2015, tendo em conta, por um lado, o valor e a espécie de investimento dos interessados, por outro lado, as necessidades da RAEM, não autorizo o requerimento de autorização de residência temporária dos seguintes interessados:

N.º
Nome
Relacionamento
1
A
Requerente
2
C
Cônjuge
3
D
Descendente
4
E
Descendente
5
F
Descendente

O Chefe do Executivo
Ass.: vide o original
Aos 16 de Setembro de 2015



INSTITUTO DE PROMOÇÃO DO COMÉRCIO E DO INVESTIMENTO DE MACAU
Processo n.º 0469/2013 Requerimento de autorização de residência temporária do titular de investimento relevante
Aplica-se o Regulamento Administrativo n.º 3/2015 Requrente - A

Parecer do Secretário para a Economia e Finanças
Concordo com a proposta.
Ass.: vide o original
Aos 23/07/2015

Parecer da Comissão Executiva do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau
  
Secretário para a Economia e Finanças:
  Ao abrigo do Regulamento Administrativo n.º 3/2015, tendo em conta, por um lado, o valor e a espécie de investimento dos interessados, por outro lado, as necessidades da RAEM, sugiro que não autorize o requerimento de autorização de residência temporária dos seguintes interessados:
N.º
Nome
Relacionamento
1
A
Requerente
2
C
Cônjuge
3
D
Descendente
4
E
Descendente
5
F
Descendente

Ass.: vide o original
H/Presidente
06/03/2015

Parecer do Chefe do Gabinete Jurídico e de Fixação de Residência:
  Concordo com a proposta.

Aos 05/03/2015
O director-adjunto do Gabinete Jurídico e de Fixação de Residência
I
Ass.: vide o original




INSTITUTO DE PROMOÇÃO DO COMÉRCIO E DO INVESTIMENTO DE MACAU
Proposta n.º 0469/residência/2013 Requerimento de autorização de residência temporária do titular de investimento relevante
Aplica-se o Regulamento Administrativo n.º 3/2005 Requerente: A

MM.o Director-adjunto do Gabinete Jurídico e de Fixação de Residência:
I. Fundamento de requerimento e elementos de identificação dos interessados
  O requerente, nos termos do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, pediu a autorização de residência temporária com fundamento de detenção de uma participação de 8,50% do “J, Lda.” (vide fls. 109 a 110), com os seguintes elementos de identificação dos interessados:
N.º
Nome
Relacionamento
Documento
N.º
Validade
1
A
Requerente
Passaporte da China
E1028XXXX
29/11/2022



Documento de autorização de entrada na Guiné-Bissau
RGB/B-01XXXX
Dez anos
2
C
Cônjuge
Passaporte da China
G3418XXXX
16/03/2019



Documento de autorização de entrada na Guiné-Bissau
RGB/B-019XXXX
Dez anos
3
D
Descendente
Passaporte da China
G6102XXXX
15/04/2022



Documento de autorização de entrada na Guiné-Bissau
RGB/B-01XXXX
Dez anos
4
E
Descendente
Passaporte da China
G5253XXXX
21/07/2016



Documento de autorização de entrada na Guiné-Bissau
RGB/B-01XXXX
Dez anos
5
F
Descendente
BIRPHK
S63XXXX(1)




Hong Kong Reentry Permit
RM111XXXX
20/09/2017

II. Plano de investimento relevante e respectivos documentos comprovativos entregues pelo requerente
1. Dados do registo comercial da companhia investida (vide fls. 95 a 118, fls. 150 e fls. 284 a 285)
Estalecimento
“J, Lda.”
Capital social registada
MOP$ 80.000,00 (vide fls. 109)
Data de registo
15/09/2006
Proporção de acções
MOP$ 6.800,00 (uma quota de 8,50%) (vide fls. 110)
Data de início da actividade
14/09/2006
Objecto
Restaurante
Local de exploração
(Aluguer do local) xxxxxxxxx, Macau (vide fls. 284 a 285)
Licença de exploração
Licença de restaurante de 2ª classe n.º 0201/2015 emitida pela DST, com prazo de validade até 31/12/2015 (vide fls. 150)

2. Descrição do plano de investimento do requerente (vide fls. 126 a 127):
Esta companhia vai lançar mais investimento para nova decoração, com o objectivo de desenvolver para um restaurante de super cinco estrelas que fornece hot pot e comida chinesa. Além disso, esta companhia estava a procurar novo local em Macau e ampliar o investimento para abrir a cadeia de restaurante.
3. A situação de investimento do requerente entre 01/01/2013-31/12/2013 (vide fls. 193 a 198):
N.º
Projecto
Valor (MOP)
1
Total do activo
32.535.250,77
2
Despesas de exploração
5.883.420,17
3
Vencimento do pessoal
5.888.602,80
4
Total das despesas de exploração
87.553,73
Valor total de investimento
44.394.827,47
O requerente possui uma quota de 8,5%
3.773.560,36

III. Análise feita em resposta às necessidades da RAEM
1. Parecer do CPSP (vide fls. 291 a 292):
O CPSP, ao abrigo do despacho do então Governador n.º 120-I/GM/97, pronunciou-se sobre os documentos de viagem dos interessados e notificou o presente Instituto de que os mesmos preenchem as condições de identidade para o requerimento de residência por investimento.
2. Por motivo de segurança:
Até hoje, não há nenhum documento para provar que o requerimento de autorização de residência temporária poderá constituir perigo para a segurança de Macau.
3. Parecer do respectivo departamento:
Não é aplicável.
4. Contribuição do respectivo investimento para o mercado de emprego de Macau: (vide fls. 119)
Segundo o mapa-guia de pagamento das contribuições para o FSS do 1º trimestre do ano 2014, foi verificado que neste trimestre a companhia já contratou 26 trabalhadores residentes, em termos de proporção de acções, o requerente contratou 2,21 trabalhadores residentes;
5. Análise sobre os projectos de investimento do requerente:
(1) Actividade: restaurante
(2) Valor de investimento: segundo as demonstrações financeiras durante o período
(3) entre 01/01/2013-31/12/2013, foi verificado que o valor total de investimento da companhia neste período é de MOP$44.394.827,47, em termos da participação de 8,50% do requerente, o valor total de investimento do requerente é de MOP$3.773.560,36, não sendo evidente.
(4) Mercado de emprego:
Segundo o mapa-guia de pagamento das contribuições para o FSS do 1º trimestre do ano 2014, foi verificado a companhia contratou 26 trabalhadores residentes, em termos da proporção de acções do requerente, o requerente não contribui muito para o mercado de emprego local.
(5) Neste caso concreto, considerando que o objecto investido não é carecido em Macau, o valor de investimento não é evidente e a contribuição para o mercado de emprego local não é elevada, assim, não se apresenta de interessa para Macau.
IV. Síntese:
1. Considerando que a actividade exercida investida pelo requerente não é carecida em Macau e como o requerente possuía apenas uma quota de 8,5% neste projecto de investimento, em termos de proporção de acções do requerente, o seu valor de investimento não é evidente, nem contribui muito para o mercado de emprego de Macau. Ademais, analisando sinteticamente a situação de investimento do requerente, não se apresenta de interesse para Macau, nem a relevância deste investimento.
2. Face à análise supracitada, conclui-se desfavorável ao requerimento de residência dos interessados, pelo que, procede-se à audiência escrita (vide fls. 302), e os interessados apresentaram a resposta (vide fls. 294 a 301), a saber:
(1) O plano de investimento apresentado pelo requerente é apenas um plano preliminar, a companhia encontra-se na fase de decoração, através da Assembleia Geral de todos os accionistas, delibera-se o aumento de valor de investimento até HKD$60.000.000,00;
(2) De acordo com o documento comprovativo entregue pelo requerente, foi provado que a companhia obteve a aprovação do “Prémio para Equipa Serviço de Qualidade” atribuída pela Direcção dos Serviços de Turismo (vide fls. 286 a 290).
(3) O requerente indicou que como a companhia se encontra na fase de decoração, pelo que contratou cerca de 40 trabalhadores, depois de conclusão de decoração, irá contratar 65 a 70 trabalhadores residentes, portanto, pediu a nova análise sobre seu requerimento de residência.
3. Análise sobre a audiência escrita supracitada:
(1) O requerente, na sua resposta, não se pronunciou sobre a sua espécie de investimento que não é carecida em Macau, nem sobre os factores favoráveis para Macau, apenas afirmou que a sua companhia se encontrava na fase de decoração e irá aumentar o valor de investimento e o número de trabalhador residente depois de conclusão de decoração.
(2) Aliás, em termos de proporção de acções de 8,5% do requerente, mesmo que o valor de investimento desta companhia aumente para HKD$60.000.000,00, o respectivo valor de investimento ainda não se pode dizer evidente, mais, o requerente não apresentou nenhum documento comprovativo para provar que a sua companhia tem capital social suficiente para realizar o respectivo plano de investimento.
(3) Igualmente, em função da proporção de acções do requerente, mesmo que a companhia aumente para 65 a 70 trabalhadores residentes, ainda não se regista contribuição relevante para o mercado laboral de Macau.
4. Nos termos do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, para efeitos do disposto no presente diploma, poderá ser considerada relevante: a instalação de unidades industriais que, pela natureza das respectivas actividades, contribuam para o desenvolvimento e diversificação da economia da Região Administrativa Especial de Macau; a instalação de unidades de prestação de serviços, designadamente serviços financeiros, de consultoria, de transporte e de apoio à indústria ou ao comércio, que se apresentem de interesse para a Região Administrativa Especial de Macau; a instalação de unidades hoteleiras e similares de reconhecido interesse turístico.
5. Contudo, neste caso concreto, o plano de investimento ou o valor e espécie de investimento do requerente não se apresentam de interesse para a RAEM. Portanto, sugere-se que não se considere como relevante tal investimento.
6. Face ao exposto, considerando, por um lado, o valor e espécie de investimento dos interessados, por outro lado, as necessidades da RAEM, ao abrigo do Regulamento Administrativo supracitado, sugere-se que não autorize este requerimento de autorização de residência temporária.
Submete-se à consideração superior.

Técnico auxiliar
B
Ass.: vide o original
Ao 1 de Dezembro de 2014”


    IV – FUNDAMENTOS
    
    1. A questão principal que se coloca e que é de molde a pôr em causa o acto recorrido prende-se com a análise da invocada falta de fundamentação do acto.
    
    2. Vejamos sumariamente os requisitos de se que deve revestir a fundamentação dos actos administrativos.
    A lei impõe no presente caso o dever de fundamentar a decisão, o que decorre expressamente do disposto no nº 1, al. c) do artigo 114º do CPA.
    Nos termos da alínea a) do n.º1 do artigo 114º do C.P.A., aprovado pelo D.L. n.º 57/99/M, de 11.10, “Para além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os actos administrativos que, total ou parcialmente, neguem, extingam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções”.
    Relativamente aos requisitos da fundamentação, impõe o artigo 115º C.P.A., no seu n.º1, que a “fundamentação deve ser expressa, através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituirão, neste caso, parte integrante do respectivo acto” e nos termos do n.º2 do mesmo artigo 115º “equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto”.
   
    Uma coisa é enunciar uma razão, um fundamento, outra é explicá-lo, dizer das razões integrantes de uma motivação que levam a tomar uma decisão, de forma a poder acompanhar-se o raciocínio efectuado, outra ainda é o destinatário da decisão concordar com ela.
    A construção do regime dos vícios do acto administrativo, nomeadamente em função do vício no erro nos pressupostos de facto erige em essencial a demonstração da razão avançada, a descrição e individualização dos pressupostos que foram tidos em conta para se decidir de determinada maneira.
    Pode-se tomar uma decisão e invocar uma razão de ordem de desenvolvimento económico, turístico, de ordenação ambiental, paisagística, educacional, de segurança ou de saúde pública, mas se não se concretizam os dados concretos, se não se diz que é em função destes ou daqueles números, da existência desta ou daquela realidade física, material ou imaterial, das necessidades concretas, dos projectos delineados, dos planos visados, dos objectivos prosseguidos, das necessidades sentidas, da oferta e da procura, se não se densificam os interesses e necessidades a satisfazer e a prosseguir, a decisão administrativa pode ser clara, recta, bem intencionada, congruente até, mas não está completa, pois o destinatário, o interessado concreto, não dispõe dos elementos necessários que levaram àquela tomada de decisão de forma a poder acompanhar o processo racional, lógico e valorativo da decisão, ficando impossibilitado de esgrimir argumentos contra a decisão tomada.
    De outra forma de nada serviria todo o trabalho de preparação do acto, enformado por pareceres, interpretações, sugestões, decisões intermédias, bastando, no fundo, ao decisor decidir, dizendo que é assim porque sim ou louvar-se apenas numa justificação descritiva, vaga, genérica, invocando a prossecução dos interesses superiores em função de dado sector ou ramo de actividade ou tutela da Administração.
    Tal como quando se decide punir alguém, não basta dizer que ele infringiu a lei; importa dizer o que fez e qual a lei violada. Torna-se necessária não apenas uma adequação entre a decisão e os seus fundamentos, mas sim a possibilidade de compreensão dessa adequação, o que se impõe em sede do acto administrativo. No fundo, mutatis mutandis, é assim nas diferentes tomadas de decisão que impliquem a participação do interessado: interna-se o paciente, não apenas porque o médico diz que está doente, repara-se o automóvel não apenas porque o mecânico diz que precisa de reparação; não se investe ou deixa de investir, sem analisar os meios e os custos.
    Na prática dos tribunais de Macau tem-se vindo a admitir uma fundamentação do acto administrativo por mera adesão aos fundamentos expressos nos pareceres e propostas para onde se remete, - não temos a certeza se essa será a melhor prática -, por vezes até, sufragando decisões que se resumem a um mero “concordo”, mas ainda aí é possível ao destinatário aferir das razões motivantes da decisão, pelo confronto e análise de toda uma fundamentação que subjaz à motivação da decisão.
    3. Descendo ao concreto…
    A decisão ora impugnanda mostra-se, a nosso ver, clara, concisa, mas não está completa, não sendo possível aferir da congruência das razões com os pressupostos subjacentes, não tendo havido qualquer preocupação dos serviços de assessoria da entidade recorrida em dar cumprimento a este requisito formal, questão que é pacífica e básica em direito administrativo, sendo essa uma boa prática seguida na generalidade dos diferentes departamentos. Ou seja, há que explicar a decisão e fazê-la corresponder ao suporte documental técnico e informativo que vai basear a decisão, que pode ser sucinta, mas absorver as razões dos pareceres, seja por referência e descrição expressa dessas razões, seja por mera remissão para os pareceres e propostas que estão juntas.
    Limita-se a dizer, sem mais que se indefere o pedido tendo em conta, por um lado, o valor e espécie do investimento, por outro, as necessidades da RAEM.
    Defende o jurista da Administração nos presentes autos, insistindo no erro, que o despacho é autónomo e elegeu os seus próprios pressupostos de facto, não tendo acolhido indiscriminadamente o conteúdo do parecer do IPIM.
    Se ainda se pode admitir que o valor e a espécie do investimento são elementos conhecidos, pois o interessado não pode de tal deixar de ter conhecimento, já fica sem saber quais as necessidades da RAEM e que com esse investimento se deixam de satisfazer.
    No caso presente, o que se verifica é que o despacho proferido foi lavrado numa folha à parte sem qualquer referência aos pareceres que informaram aquela decisão. Estamos em crer que na decisão proferida não deixaram de ser interiorizados todos os pressupostos e razões que a informaram, mas exige-se aqui que o leitor, o destinatário, tenha conhecimento dessa informação, não bastando um acto de fé para validar essa prática.
    Então, não se mostra manifesta a diferença entre o teor da fundamentação exarada e aquela que se encontra essa sim, descritiva e fundamentada, independentemente da concordância, que se colhe no seguinte segmento (entre outros) do parecer acima transcrito:
    
(4) “O requerente, na sua resposta, não se pronunciou sobre a sua espécie de investimento que não é carecida em Macau, nem sobre os factores favoráveis para Macau, apenas afirmou que a sua companhia se encontrava na fase de decoração e irá aumentar o valor de investimento e o número de trabalhador residente depois de conclusão de decoração.
(5) Aliás, em termos de proporção de acções de 8,5% do requerente, mesmo que o valor de investimento desta companhia aumente para HKD$60.000.000,00, o respectivo valor de investimento ainda não se pode dizer evidente, mais, o requerente não apresentou nenhum documento comprovativo para provar que a sua companhia tem capital social suficiente para realizar o respectivo plano de investimento.
(6) Igualmente, em função da proporção de acções do requerente, mesmo que a companhia aumente para 65 a 70 trabalhadores residentes, ainda não se regista contribuição relevante para o mercado laboral de Macau.
7. Nos termos do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, para efeitos do disposto no presente diploma, poderá ser considerada relevante: a instalação de unidades industriais que, pela natureza das respectivas actividades, contribuam para o desenvolvimento e diversificação da economia da Região Administrativa Especial de Macau; a instalação de unidades de prestação de serviços, designadamente serviços financeiros, de consultoria, de transporte e de apoio à indústria ou ao comércio, que se apresentem de interesse para a Região Administrativa Especial de Macau; a instalação de unidades hoteleiras e similares de reconhecido interesse turístico.
8. Contudo, neste caso concreto, o plano de investimento ou o valor e espécie de investimento do requerente não se apresentam de interesse para a RAEM. Portanto, sugere-se que não se considere como relevante tal investimento.
9. Face ao exposto, considerando, por um lado, o valor e espécie de investimento dos interessados, por outro lado, as necessidades da RAEM, ao abrigo do Regulamento Administrativo supracitado, sugere-se que não autorize este requerimento de autorização de residência temporária.
    
    Na verdade, como se assinalou já nesta instância, “A fundamentação serve propósitos de auto-controlo, impelindo a Administração a uma autodisciplina na análise e apreciação de cada caso, de forma a que pondere e reflicta bem sobre o assunto pendente e lhe dê o melhor tratamento factual e jurídico. Mas a fundamentação também visa uma função de altero-controlo, permitindo que o particular administrado fique munido da necessária dose de argumentos com os quais possa atacar a justiça e a legalidade da decisão administrativa”1
    É este o entendimento generalizado da doutrina e da jurisprudência, acolhida nos tribunais de Macau, como resulta ainda do recente acórdão do TUI, de 22/7/2016, Proc. n.º 45/2016, que sufragou este entendimento. Tratava-se aí de um caso muito semelhante àquele que ora nos ocupa, passando a transcrever-se a doutrina aí sintetizada de forma assertiva:

“Nos termos dos art.ºs 114.º e 115.º do CPA, a Administração deve fundamentar os seus actos administrativos, através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, sendo que equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
A fundamentação do acto administrativo pode consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto.
A exigência legal da menção expressa dos fundamentos fácticos e jurídicos da decisão administrativa corresponde aos diversos objectivos que demonstram a sua indispensabilidade não só para os interesses dos particulares, mas também para o público.
A fundamentação da decisão da Administrativa Pública apresenta uma plurifuncionalidade que visa não só a tradicional protecção dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares, mas sobretudo a maior prudência e objectividade no processo conducente à tomada da decisão e a correcção e justeza desta, satisfazendo, deste modo, o interesse público da legalidade e até juridicidade das actividades administrativas, bem como a compreensão do sentido decisório pelo próprio destinatário e o público em geral, evitando a potencial conflitualidade.
Se, no caso de indeferimento do pedido de concessão de autorização de resistência temporária com base em investimento, resulta do acto administrativo impugnado que a Administração fundamentou a sua decisão com mera referência ao “valor e espécie do investimento do interessado” e às “necessidades da RAEM”, é de concluir pela insuficiência da fundamentação do acto, equivalente à falta de fundamentação, que determina a anulação do acto nos termos do art.º 124.º do CPA.”
   
   Em face do exposto, considera-se que o acto praticado encerra vício de forma na sua vertente de falta de fundamentação, o que gera anulabilidade do acto por força das disposições conjugadas dos artigos 114º, 115º, 122º e 124º do CPA e de que assim se toma conhecimento.
    Prejudicado fica, assim, o conhecimento dos restantes vícios que vêm assacados ao acto.
    
    V - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em julgar procedente o presente recurso contencioso, anulando-se, em consequência, o acto proferido.
    Sem custas por não serem devidas.
    
               Macau, 22 de Setembro de 2016,
               
               João A. G. Gil de Oliveira
               Ho Wai Neng
               José Cândido de Pinho
               
               Fui presente
                 *
               Mai Man Ieng
               
1 - Ac. do TSI, de 16/2/2012, Proc. n.º 527/2010; de 27/10/2011, Proc. n.º 52072010; de 10/11/2011, Proc. n.º 525/2010
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985/2015 1/36