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Processo nº 455/2016 Data: 22.09.2016
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Declarações do arguido.
Leitura.



SUMÁRIO

1. Ainda que em sede de Inquérito tenha o arguido autorizado a leitura das suas declarações em audiência de julgamento para o caso de nela não (poder) comparecer, não deve o Tribunal proceder à sua leitura se, em audiência, o Defensor do arguido a esta leitura se opuser.

2. Se se reconhece ao Defensor o poder de, em situação idêntica, (ausência do arguido), autorizar a leitura das suas declarações antes prestadas, não se vislumbram razões para que, nas mesmas circunstâncias, possa também o Defensor – a quem compete assegurar a defesa do arguido ausente – opor-se à dita leitura.

O relator,

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Processo nº 455/2016
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão do T.J.B. de 15.04.2016 decidiu-se absolver os (1ª a 6ª) arguidos, A, B, C, D, E e F, dos crimes que lhes eram imputados; (cfr., fls. 380 a 390 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, vem o Ministério Público recorrer, alegando – em síntese – que o Colectivo do T.J.B. incorreu em “erro de direito” por violação do art. 338° do C.P.P.M. e em consequente “erro notório na apreciação da prova”, pedindo o reenvio dos autos para novo julgamento; (cfr., fls. 405 a 410-v).

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Adequadamente processados os autos, e nada parecendo obstar, cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 383-v a 386-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. O presente recurso pelo Ministério Público trazido a este T.S.I. tem como objecto um “despacho a 07.04.2016 proferido em audiência de julgamento” e o “Acórdão absolutório” pelo Colectivo do T.J.B. a final prolatado, e em relação ao qual se assaca o vício de “erro notório na apreciação da prova”.

Sendo que na opinião do Recorrente é tal vício de “erro” consequência do decidido com o “despacho de 07.04.2016”, afigura-se-nos de começar por apreciar da bondade do aí decidido.

Vejamos, então, o que se decidiu.

Pois bem, a audiência de julgamento decorreu sem a presença das (1ª e 2ª) arguidas A e B, e, no seu decorrer, pelo Ministério Público foi requerida a leitura das declarações pela (2ª) arguida B prestadas na Polícia Judiciária, (constantes a fls. 14 e 15 dos autos), e, posteriormente, confirmadas e dadas como reproduzidas em novas declarações pela mesma prestadas no Ministério Público.

Decidindo, foi o pedido indeferido, sendo esta a decisão recorrida.

Quid iuris?

Na opinião do Ministério Público, a decisão recorrida não é de manter dado que nas declarações pela dita (2ª) arguida prestadas no Ministério Público, a mesma começou por declarar que dava como (integralmente) reproduzido o que antes tinha declarado na Polícia Judiciária, pelo que, ainda que a sua autorização se refira apenas às “declarações prestadas no Ministério Público”, sempre se terá de considerar esta autorização como “extensiva” ou “incluindo” as declarações antes prestadas na Polícia Judiciária.

Posição diferente teve o Tribunal a quo que considerou que a dita autorização não incluía as declarações prestadas na Polícia Judiciária.

Ora, antes de mais, e concentrando-nos apenas no alcance da “autorização”, cremos que se mostra de acolher o que pelo Exmo. Recorrente vem argumentado.

De facto, resulta de forma clara que nas declarações que a identificada arguida prestou no Ministério Público, pretendeu a mesma dar como reproduzido o que antes tinha declarado na Polícia Judiciária, e que, apenas por uma questão de celeridade e economia processual, não se fez (novamente) constar no respectivo auto, (lavrando-se o que antes tinha declarado na Polícia Judiciária), aí se fazendo (apenas) constar que a mesma “dava como reproduzido o que antes tinha declarado”.

Por aí, portanto, não se vê motivo para o indeferimento.

Contudo, o mesmo indeferimento, e ainda que por outros motivos, deve ser confirmado.

Vejamos.

Prescreve o art. 336° do C.P.P.M. que:

“1. Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência.
2. Ressalvam-se do disposto no número anterior as provas contidas em actos processuais cuja leitura em audiência seja permitida, nos termos dos artigos seguintes”.

Por sua vez, (como que complementando o assim preceituado) estatui o (seguinte) art. 337° que:

“1. Só é permitida a leitura em audiência de autos:
a) Relativos a actos processuais levados a cabo nos termos dos artigos 300.º e 301.º; ou
b) De instrução ou de inquérito que não contenham declarações do arguido, do assistente, da parte civil ou de testemunhas.
2. A leitura de declarações do assistente, da parte civil e de testemunhas só é permitida, tendo sido prestadas perante o juiz, nos casos seguintes:
a) Se as declarações tiverem sido tomadas nos termos dos artigos 253.º e 276.º;
b) Se o Ministério Público, o arguido e o assistente estiverem de acordo na sua leitura; ou
c) Tratando-se de declarações obtidas mediante rogatórias legalmente permitidas.
3. É também permitida a leitura de declarações anteriormente prestadas perante o juiz ou o Ministério Público:
a) Na parte necessária ao avivamento da memória de quem declarar na audiência que já não recorda certos factos; ou
b) Quando houver, entre elas e as feitas em audiência, contradições ou discrepâncias.
4. É ainda permitida a leitura de declarações prestadas perante o juiz ou o Ministério Público se os declarantes não tiverem podido comparecer por falecimento, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade duradoura.
5. Verificando-se o pressuposto da alínea b) do n.º 2, a leitura pode ter lugar mesmo que se trate de declarações prestadas perante o Ministério Público ou órgão de polícia criminal.
6. É proibida, em qualquer caso, a leitura de depoimento prestado em inquérito ou instrução por testemunha que, em audiência, se tenha validamente recusado a depor.
7. Os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado da sua recolha, não podem ser inquiridas como testemunhas sobre o conteúdo daquelas.
8. A permissão de uma leitura e a sua justificação legal ficam a constar da acta, sob pena de nulidade”.

E, tratando (agora especificamente) da “leitura (permitida) de declarações do arguido”, prescreve o art. 338° do mesmo C.P.P.M. que:

“1. A leitura de declarações anteriormente feitas pelo arguido só é permitida:
a) A sua própria solicitação e, neste caso, seja qual for a entidade perante a qual tiverem sido prestadas; ou
b) Quando, tendo sido feitas perante o juiz ou o Ministério Público, houver contradições ou discrepâncias entre elas e as feitas em audiência.
2. É correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 7 e 8 do artigo anterior”.

No caso dos autos, a (2ª) arguida em questão autorizou efectivamente a leitura das suas declarações prestadas no Ministério Público, (onde confirmava e dava por reproduzido o teor das que antes tinha prestado na Polícia Judiciária).

Porém, como não esteve presente na audiência de julgamento, esteve representada pelo seu Defensor que, perante o requerimento do Ministério Público no sentido da leitura das referidas declarações, manifestou “oposição”, afigurando-se-nos assim que não se pode deixar de dar relevância a esta manifestação de vontade.

Com efeito, (e como já se teve oportunidade de consignar no âmbito do Proc. n.° 881/2015, Decisão Sumária de 08.01.2016), se se reconhece ao Defensor o poder de, em situação idêntica, (ausência do arguido), autorizar a leitura, (e não se vê motivos para assim não se entender; cfr., v.g., o Ac. do T.U.I. de 29.09.2000 e de 11.05.2005, Proc. n.° 13/2000 e 8/2005, e do T.S.I. de 19.07.2012, Proc. n.° 573/2012), não se vislumbram razões para que, nas mesmas circunstâncias, o Defensor, a quem compete assegurar a defesa do arguido ausente, se possa opor ou que efectivamente se oponha à leitura, inexistindo assim, e por estes motivos, fundamento para se revogar a decisão proferida e recorrida, (especialmente, numa situação em que se decidiu – favorávelmente – pela absolvição do arguido, como foi o caso dos autos).

Aqui chegados, sendo de manter a decisão de indeferimento do pedido de leitura das declarações da (2ª) arguida, e constatando-se que o invocado “erro notório” assenta (precisamente) na omissão de leitura das aludidas declarações, impõe-se reconhecer que, também nesta parte, improcede o recurso.

Com efeito, se bem andou o Tribunal a quo ao não (autorizar e) proceder à leitura das declarações pela arguida antes prestadas, óbvio se apresenta também que não incorreu em nenhum “erro na apreciação da prova”, havendo que se decidir pela improcedência do presente recurso.

Decisão

4. Nos termos do exposto, acordam negar provimento ao recurso.

Sem custas dada a isenção do Recorrente.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Macau, aos 22 de Setembro de 2016
José Maria Dias Azedo
Tam Hio Wa
Chan Kuong Seng (vencido na decisão dos presentes autos recursórios, porque entendo dever proceder o recurso intercalar do M.P. (por ser de relevar apenas a vontade real declarada por escrito pela arguida em causa nos termos do art.º 338º, n.º 1, alínea a), do CPP), com consequente anulação do processado posterior ao pedido do M.P. da leitura, na audiência, das declarações dessa arguida).

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