Proc. nº 813/2013
Recurso Contencioso
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 29 de Setembro de 2016
Descritores:
-Autorização de residência
-Caducidade da autorização
-Fortes indícios
-Vício de forma: falta de menções obrigatórias
SUMÁRIO:
I. A falta das menções aludidas no art. 113º, nº1, al. a) e b), do CPA não torna o acto inválido, em virtude de tais elementos (indicação da entidade que produz o acto e a qualidade em que agiu, se ao abrigo de poderes próprios ou delegados), não serem essenciais, nem a expressão do conteúdo da decisão, mas unicamente elementos de “externação ou documentação”, que podem e devem ser comunicados no acto de notificação.
II. Tem-se entendido haver fortes indícios da prática de crime quando, de acordo com os elementos probatórios recolhidos em determinada fase processual, se prevê que o agente virá muito provavelmente a ser condenado numa pena ou medida de segurança.
III. “Fortes indícios” deve ser considerado como um conceito indeterminado, que a Administração deve preencher e valorar devidamente e com os factos certos, nisso não havendo, em princípio, discricionariedade.
Proc. nº 813/2013
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I – Relatório
A, do sexo masculino, casado, da nacionalidade chinesa, titular do Bilhete de Identidade de Residente Não Permanente de Macau n.º 1XXXXX3(5), residente em Rua da XX, Edifício de XX, Bloco XX, XXº andar, apartamento XX, interpõe recurso contencioso do despacho de 6 de Novembro de 2013 do Secretário para a Economia e Finanças, proferido com delegação de poderes conferida pelo Chefe do Executivo da RAEM, que deferiu a proposta de caducidade da autorização de residência temporária concedida a si, bem como aos membros do seu agregado familiar, a saber cônjuge B e filho C.
Na petição inicial formulou as seguintes conclusões:
«1) Antes de interpor o presente recurso contencioso, o recorrente já apresentou aos 6 de Dezembro de 2013 perante o Tribunal de Segunda Instância um pedido de suspensão de eficácia do acto objecto do recurso contencioso.
2) O presente recurso contencioso tem como objecto o despacho de 6 de Novembro de 2013 do Secretário para a Economia e Finanças, proferido com competência conferida pelo Exmo. Sr. Chefe do Executivo da RAEM, no qual se deferiu a proposta de caducidade da autorização de residência temporária concedida ao recorrente A e aos membros do agregado familiar dele, cônjuge B e filho C.
3) Salvo o devido respeito, o recorrente não se conforma com o despacho referido e vem interpor o presente recurso. Ao abrigo do art.º 36.º da Lei de Bases da Organização Judiciária, compete ao Tribunal de Segunda Instância conhecer o presente recurso. O recorrente recebeu a notificação do despacho aludido aos 8 de Novembro de 2013. Nos termos do art.º 25.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, o presente recurso é interposto com tempestividade. Nos termos do art.º 25.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, o recorrente goza da legitimidade para interpor o presente recurso.
4) É muito breve o acto objecto do presente recurso contencioso, isto é, o despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 6 de Novembro de 2013, que se expressa em palavras seguintes: “Autorizo. (assinatura) 6/11/13”
5) O acto objecto do presente recurso contencioso viola o art.º 113.º n.º 1 alíneas a), b), c), d), e), f), n.º 2 e art.º 115.º n.º 1 e 2 do Código de Procedimento Administrativo.
6) Mesmo que o teor da “proposta” concordada no “parecer” autorizado pelo despacho do Secretário para a Economia e Finanças se reproduza nesse despacho próprio e se tenha como componente desse despacho, faltam os elementos principais previstos no art.º 113.º n.º 1 alíneas a) e b) do Código de Procedimento Administrativo.
7) Provavelmente entendem que o “acto de notificação” do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento já reparou o defeito do despacho do Secretário para a Economia e Finanças (acto administrativo), ou seja, os elementos que faltam. Mas o acto de notificação não é acto administrativo, portanto, não construi um acto administrativo de reparação.
8) Mais importantemente, esse acto de notificação foi praticado pelo Presidente substituto do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento, o qual, no aspecto quer de forma quer de competência, não pode reparar ou substituir o acto administrativo de decisão do Secretário para a Economia e Finanças.
9) Com base nisso, faltam os elementos principais referidos no despacho do Secretário para a Economia e Finanças, pelo que, nos termos do art.º 122.º n.º 1 do mesmo Código, o despacho deve ser nulo. Mesmo não se entendendo assim, o despacho é anulável nos termos do art.º 124.º.
10) Se o Tribunal não entender assim, o recorrente vem apresentar o pedido complementar com fundamentos seguintes:
11) De acordo com o teor da proposta concordada no parecer autorizado pelo despacho do Secretário para a Economia e Finanças (nomeadamente o ponto 9), por acusação de Ministério Público, “...verifica-se que é falsificado o certificado de habilitação académica da 1ª Escola Secundária Complementar de XX, XX (XX第一高中), fornecido por A neste pedido de residência” e “...quanto à falsificação de habilitação académica, por investigação auxiliar da Procuradoria Suprema Popular da China, verifica-se que é falsificado o documento comprovativo referido entregue pelo arguido, uma vez que não existe um estudante n.º 90XXXXX40, cujo nome é A”. Com base nisso, entendeu que o recorrente entregou o documento comprovativo falso como fundamento de pedido de residência, violou o art.º 3.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 e provocou a inexistência de pressuposto da autorização de pedido, deste modo, declarou caducada a autorização de residência temporária do recorrente, cônjuge e filho dele.
12) Após visto o respeitante processo administrativo, salvo a acusação do Ministério Público, não se vê o documento da Procuradoria Suprema Popular da China ou qualquer outro elemento ou documento comprovativo que revele a falsificação do certificado de habilitação académica do recorrente. Ou seja, as respectivas autoridades não realizam qualquer investigação, mas sim somente tomam como prova a acusação do Ministério Público de Macau ao dar provado que é falsificado o certificado de habilitação académica entregue pelo recorrente.
13) A acusação não é a sentença do tribunal, mas apenas implica que existe indício da prática de conteúdo ou acto alegado na acusação por parte do arguido e não se pode verificar e confirmar se é verdadeiro o conteúdo ou acto alegado antes de julgamento.
14) Em face disso, antes da prolação de sentença por parte do tribunal, a acusação do Ministério Público e os seus efeitos produzidos não são suficientes para provar que é falsificado o certificado de habilitação académica entregue pelo recorrente, isto é, não há prova suficiente de que não estão satisfeitos os requisitos previstos no art.º 3.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, portanto, deve ser anulado o correspondente despacho.
15) Além disso, o certificado de habilitação académica entregue pelo recorrente é autêntico e não falsificado. O recorrente vai recolher provas em XX e entregá-las ao Tribunal de Segunda Instância».
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Na contestação, a entidade recorrida pugnou pela improcedência do recurso em termos que aqui damos por integralmente reproduzidos.
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Houve lugar a alegações facultativas, tendo o recorrente sintetizado as suas da seguinte maneira:
«a) o acto objecto do presente recurso contencioso é o despacho proferido em 6 de Novembro de 2013 pelo Secretário para a Economia e Finanças com poder delegado pelo Chefe do Executivo da RAEM, que autorizou a proposta de declaração de caducidade das autorizações de residência temporária do recorrente A e dos seus agregados familiares, isto é, o seu cônjuge B e o seu filho C.
b) O conteúdo concreto do acto objecto do presente recurso contencioso é muito simples, do qual só contém duas linhas de palavras: “Autorizo a proposta (Assinatura) 6/11/13”.
c) O acto objecto do presente recurso contencioso violou o artigo 113.º n.º 1 alíneas a), b), c), d), e) e f), e n.º 2 e o artigo 115.º n.ºs 1 e 2, todos do Código do Procedimento Administrativo.
d) Mesmo que transcrevamos no referido despacho o conteúdo da proposta com que concordou o despacho do Secretário para a Economia e Finanças e o consideremos como parte integrante do referido despacho, ainda carece de elementos essenciais previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 113.º do Código do Procedimento Administrativo, isto é, o próprio despacho não indicou: (1) qual é a autoridade que proferiu o referido despacho; e (2) se há delegação ou subdelegação de poderes para proferir o referido despacho.
e) Provavelmente há entendimento de que o “acto de notificação” do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau já supriu a insuficiência do despacho do Secretário para a Economia e Finanças (acto administrativo), ou seja, os elementos que faltam, porém, o acto de notificação não é regulamentado pelo artigo 113.º do Código do Procedimento Administrativo mas sim pelo artigo 70.º do mesmo Código, pelo que, tal acto não serve para suprir o acto administrativo.
f) E, o mais importante é que tal acto de notificação foi praticado pelo presidente substituto do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau, não podendo, quer a nível formal, quer a nível de competência hierárquica, suprir ou substituir a decisão administrativa do Secretário para a Economia e Finanças.
g) Pelos acima expostos, ao abrigo dos artigos 122.º n.º 1 e 124.º do mesmo Código, o referido despacho deve ser nulo ou anulado por falta dos elementos essenciais acima referidos.
h) Além disso, a proposta com que concordou o despacho do Secretário para a Economia e Finanças (nomeadamente o ponto 9.º) referiu que através da acusação deduzida pelo Ministério Público de Macau “ (...) já se provou que a escritura pública do diploma do ensino secundário complementar da 1.ª Escola de XX de XX apresentada por A para efeito do pedido de autorização de residência é falsa” e “ (...) quanto às habilitações académicas falsas, com a ajuda da Suprema Procuradoria Popular da República Popular da China, provou-se que o aludido documento comprovativo apresentado pelo arguido é falso por não existir o aluno de nome “A”, com o n.º “90XXXXX40”. E dado que entendeu que o recorrente apresentou falso documento comprovativo das habilitações académicas para servir de fundamento do pedido de autorização de residência, isto violou o artigo 3.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 e conduziu a que nunca mais existissem os pressupostos do deferimento ao referido pedido, e em consequência declarou a caducidade das autorizações de residência temporária do recorrente, do seu cônjuge e do seu filho.
i) De facto, ao pedir a autorização de residência em 2006, o recorrente já apresentou ao referido Instituto o documento comprovativo das habilitações académicas adequado nos termos do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, isto é, a escritura pública do seu diploma do ensino secundário complementar, no sentido de comprovar que possui como habilitações académicas o ensino secundário complementar ou equivalente. Em Novembro do mesmo ano, o Secretário para a Economia e Finanças acabou por conceder autorizações de residência temporária ao recorrente e aos seus agregados familiares.
j) Quanto à prova das habilitações académicas, o recorrente, sendo como o requerente do referido procedimento administrativo e o interessado, já cumpriu o ónus da prova, prova que também foi aceite e confirmada pela referida Autoridade.
k) Porém, o despacho recorrido declarou a caducidade das autorizações de residência temporária do recorrente, do seu cônjuge e do seu filho, alterou a situação jurídica do recorrente e causou impacto negativo nos seus interesses. A Autoridade tem obrigação e responsabilidade de fazer averiguação e cabendo-lhe o ónus da prova para comprovar a falsidade do documento comprovativo das habilitações académicas apresentado pelo recorrente.
1) Porém, compulsando o referido processo administrativo, a Autoridade só se baseou no conteúdo descrito na acusação deduzida pelo Ministério Público, porém, não se encontra qualquer documento da Suprema Procuradoria Popular da República Popular da China ou outros elementos ou provas documentais para comprovar que o documento comprovativo das habilitações académicas do recorrente é falso.
m) A acusação não é decisão judicial, a mesma só implica que há indícios de que um determinado arguido tenha praticado algo ou acto descrito na acusação, porém, antes do julgamento, não se pode provar ou confirmar que o conteúdo e o acto descritos na acusação são verdadeiros, pelo que, a acusação não tem qualquer força probatória.
n) Como é sabido, o diploma é um documento que atesta as habilitações das pessoas. Obviamente, sendo um cidadão comum, o recorrente não tem competência para apresentar outras provas para comprovar a autenticidade dum diploma emitido por escola.
o) Pelo contrário, caso a referida Autoridade tenha suspeita sobre o diploma apresentado por particular, o órgão competente tem obrigação de procurar averiguar nos termos do artigo 86.º do Código do Procedimento Administrativo, não devendo exigir que o cidadão comprove tal suspeita nem citar simplesmente o conteúdo da acusação do Ministério Público.
p) Mais ainda, no procedimento da audiência escrita, o recorrente já reiterou a autenticidade do seu diploma.
q) No referido processo administrativo, a entidade recorrida, sem cumprir as suas obrigações do ónus da prova e da averiguação, praticou o acto administrativo ora impugnado, apesar de não existir qualquer prova com força probatória legal.
r) Além disso, em 10 de Janeiro de 2014, o recorrente apresentou complementarmente ao tribunal dois documentos comprovativos dos dados de arquivo da 1.ª Escola de XX e solicitou que o tribunal consultasse junto à referida escola através do mecanismo de cooperação judiciária mútua com o interior da China para provar a autenticidade desses documentos comprovativos, de forma a comprovar que o recorrente A tinha efectivamente estudado na referida escola e ali se graduou.
s) Quer o tribunal, quer a entidade recorrida, não impugnou ou se opôs aos referidos documentos comprovativos, pelo que, já não existe qualquer suspeita sobre a autenticidade do diploma do recorrente, devendo o mesmo ser considerado verdadeiro.
t) Daí, pode-se ver que a proposta com que concordou a entidade recorrida entendeu que o diploma do recorrente é falso, isto manifestamente não corresponde ao facto e é errado.
u) Pelos acima expostos, a proposta com que concordou o despacho da entidade recorrida aplicou o artigo 3.º n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 e subsidiariamente aplicou o artigo 9.º n.º 1 alínea 1) e o artigo 4.º n.º 2 alínea 3) da Lei n.º 4/2003 aos factos errados, por outras palavras, o referido despacho enferma manifestamente dos vícios de violação de lei, isto é, erro nos pressupostos de facto e erro na aplicação da lei, e carece de fundamentos de facto e de direito suficientes.
v) Solicita que o Tribunal de Segunda Instância declare nulo ou anulado o referido despacho».
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A peça alegatória da entidade recorrida terminou do seguinte jeito conclusivo:
« - A lei não permite que a autorização de residência seja requerida através de habilitações académica falsas.
- A razão pela qual a Autoridade deferiu o pedido de autorização de residência do recorrente não é que a autenticidade das habilitações académicas do recorrente foi confirmada, mas sim as suas habilitações académicas foram presumidas verdadeiras por não existirem provas em contrário.
- Isto é a confiança depositada pela Autoridade no recorrente com base no princípio da boa fé.
- Mesmo que seja assim, isto não impede que a Autoridade exija o esclarecimento do recorrente quando posteriormente tenha suspeita fundada sobre a autenticidade das habilitações académicas do recorrente.
- Neste caso, cabe ao recorrente o ónus da apresentação das provas para comprovar que as suas habilitações académicas são verdadeiras (artigos 87.º e 88.º do Código do Procedimento Administrativo).
- Caso o recorrente não consiga apresentar as provas, a Autoridade não tem razão para continuar a crer que as habilitações académicas do recorrente são verdadeiras.
- O recorrente não conseguiu apresentar provas para comprovar que as suas habilitações académicas são verdadeiras, pelo que, não merece qualquer censura o despacho recorrido que entendeu que o recorrente pediu a autorização de residência através das habilitações académicas não verdadeiras».
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O digno Magistrado do MP emitiu o seguinte parecer final:
«Objecto do presente recurso contencioso é o despacho de 06 de Novembro de 2013, da autoria do Exm.º Secretário para a Economia e Finanças, que homologou proposta de caducidade da autorização de residência do recorrente A e familiares concedida ao abrigo do quadro normativo aplicável à fixação de residência, em Macau, por parte de investidores.
A decisão estribou-se na circunstância de haver fortes indícios de o recorrente ter comprovado as suas habilitações académicas através de um certificado falso.
Na sua petição de recurso, o recorrente imputa ao acto recorrido vício de forma por falta de menções obrigatórias, incluindo a fundamentação, violação de lei por insuficiência de provas da falsidade do certificado de habilitação académica, e erro nos pressupostos de facto, porquanto o questionado certificado é verdadeiro.
Não se crê que a razão esteja do lado do recorrente. Vejamos.
Começa a petição de recurso por afirmar que o acto, contendo apenas a expressão “Autorizo”, seguida de assinatura e data, padece da omissão de menções obrigatórias, em violação do artigo 113.º, n.ºs 1, alíneas a), b), c), e) e f), e 2, e do artigo 115.º, n.ºs 1 e 2, do Código do Procedimento Administrativo. Cabe dizer, antes de mais, que o acto não se esgota no comando “autorizo”, seguido de assinatura e data. O despacho aparece contextualizado, podendo ver-se que apropria uma informação detalhada e explicativa dos motivos, de facto e de direito, por que propõe a caducidade das autorizações de residência do recorrente e familiares, bem como os pareceres concordantes que, sobre ela, foram exarados pelo Director-adjunto do Gabinete Jurídico e de Fixação de Residência e pelo Presidente da Comissão Executiva do IPIM. Portanto, do acto fazem também parte a informação e os pareceres que o antecederam.
Por outro lado, há que ter presente que nem todas as menções previstas no artigo 113.º respeitam a elementos do próprio acto administrativo, referindo-se, antes, à sua externação ou documentação, importando não confundir as menções respeitantes a elementos essenciais do próprio acto e as menções que devem constar do documento onde ele se revela - cf. Mário Esteves de Oliveira e outros em anotação a artigo idêntico do Código do Procedimento Administrativo de Portugal, Almedina, 2.ª edição, a fls. 581 e seguintes.
Pois bem, constata-se que todos estes elementos, pretensamente omitidos, estão contidos no acto, globalmente considerado, constituído não só pela parte decisória propriamente dita mas também pelos demais passos ou propostas em que ela se alicerça, e resultam claros do documento em que o acto se evidencia. Incluindo aqueles que, como o da alínea b), por exemplo, não são essenciais nem constituem requisito de validade, sendo que este, em concreto, não precisava até de qualquer referência, por força da norma do artigo 113.º, n.º 3, do Código do Procedimento Administrativo. Sendo de acrescentar que, no tocante a fundamentação, os motivos por que se decidiu, e no sentido em que se decidiu, estão de tal forma elencados e dissecados, quer do ponto de vista factual, quer na sua vertente jurídica, que qualquer pessoa de mediano entendimento consegue apreender as razões de facto e de direito da motivação, o que é bastante para se ter o acto por suficientemente fundamentado.
Improcede, pois, o vício de forma imputado ao acto.
Quanto à questão da alegada insuficiência de provas da falsidade do certificado de habilitações académicas, importa considerar que a lei não estabelece urna exigência probatória do tipo daquela que visa a certeza para além de toda a dúvida razoável, típica das decisões condenatórias em processo penal.
Está em causa o requisito do artigo 3.º, n.º 1, alínea 3), do Regulamento Administrativo n. º 3/2005, na medida em que a sua comprovação pode ter sido feita através de certificação de um diploma forjado, e as consequências daí advenientes à luz dos artigos 9.º, n.º 2, alínea 1), e 4.º, n.º 2, alínea 3), da Lei n.º 4/2003 (cf. também artigos 23.º do Regulamento Administrativo 3/2005 e 24.º do Regulamento Administrativo 5/2003). Nesta matéria, a lei exige e basta-se com a existência de fortes indícios, como se vê do supra-referido artigo 4.º, n.º 2, alínea 3). A ponderação, por parte da Administração, no exercício da sua actividade, da integração de conceitos ligados ao cometimento de crimes, como sejam os da existência de indícios ou de fortes indícios, não pode estar sujeita a exigências maiores do que aquela por que deve guiar-se o Ministério Público no exercício da acção penal. Indícios não são provas de certeza, são vestígios, elementos, sinais, que, reportados a um crime, permitem formular um juízo de probabilidade de ter sido cometido um determinado tipo de ilícito criminal. Quando, nesse plano, a lei exige fortes indícios ou suficientes indícios pressupõe uma convicção da probabilidade da futura condenação do arguido - cf. Jorge Noronha Silveira, O conceito de indícios suficientes no processo penal português, acessível através de www.odireitoonline.com, para quem as expressões processuais “indícios suficientes” e “fortes indícios” têm um alcance semelhante.
Dito isto, constata-se que, após várias denúncias anónimas, o IPIM tentou esclarecer administrativamente a questão da validade do certificado de habilitações académicas, o que não conseguiu, por alegada falta de colaboração de entidades da China continental. Por isso, aproveitou a investigação efectuada pelo Ministério Público, a quem o caso fora também sinalizado, e a acusação que, na sequência das investigações, foi deduzida, para, em face dos fortes indícios subjacentes a essa acusação, sugerir a caducidade da residência concedida ao recorrente e familiares.
Assim, atendendo a que a norma se basta com fortes indícios, não exigindo provas concludentes e insofismáveis, estavam reunidas as condições para a emissão do acto no sentido em que o foi, não se detectando qualquer afronta às normas aplicáveis a propósito dos indícios de cometimento de crimes. Aliás, tal como o acto recorrido faz questão de salientar, a acusação seguiu-se à confirmação, pelas autoridades judiciárias da China continental, de que o diploma de habilitações apresentado pelo recorrente ao IPIM não respeitava a habilitações do recorrente, mas de uma terceira pessoa. O que, de resto, veio a ser confirmado no julgamento que se seguiu à acusação referida, que culminou com a condenação do recorrente, já transitada em julgado, pelo crime que lhe ia imputado.
Improcede, assim, também este vício de violação de lei imputado ao acto.
Finalmente, o recorrente acha que o acto padece de erro nos pressupostos, dado que partiu do pressuposto de que o diploma é falso, quando é certo, segundo afirma, que se trata de documento verdadeiro, que espelha a realidade das suas habilitações.
Neste aspecto, o pressuposto não é, em bom rigor, a falsidade, enquanto juízo de certeza sobre a falta de genuinidade ou sobre a inveracidade do documento, pois, como vimos, o acto joga com o conceito de fortes indícios, não com a certeza acima de toda a dúvida razoável. Logo por aí a alegação estaria votada ao insucesso. Como quer que seja, dúvidas não restam, após o julgamento em processo criminal, de que se estava realmente perante diploma falso, pelo que, mesmo na hipótese equacionada pelo recorrente, faleceria a sua tese de erro nos pressupostos.
Também este vício soçobra.
Termos em que, na improcedência dos suscitados vícios, o nosso parecer vai no sentido do não provimento do recurso».
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Cumpre decidir.
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II – Pressupostos processuais
O tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III – Os Factos
1 – Em 14/11/2006 o recorrente, com base em investimento imobiliário, obteve para si, esposa e filho, o estatuto de residência em Macau (de si e seus familiares, mulher e filho).
2 – Foi apresentada no IPIM uma denúncia anónima dando conhecimento de o certificado de habilitações que o recorrente tinha apresentado era falso.
3 – O IPIM tentou obter confirmação junto das entidades competentes da República Popular da China, mas não foi bem sucedido, vindo porém o MP da RAEM a obter do MP da República Popular da China a informação de que não existiu na escola secundária complementar de XX, província de XX, nenhum estudante nº 90XXXXX40 chamado A.
4 – No dia 7 de Julho, por não possuir elementos em contrário acerca da veracidade do documento referido, foi concedida a renovação da autorização de residência para si e agregado familiar.
5 – Após outras denúncias anónimas, o IPIM enviou a situação para o Ministério Público, que a seu tempo deduziu acusação contra aquelee posteriormente informou do caso o IPIM.
6 – Com base nesta informação, foi lavrada no procedimento administrativo nº 0621/2006/02R a seguinte proposta escrita:
« Assunto: Acompanhamento da autorização de residência temporária
Proposta n.º: 01368/GJFR/2013
Processo n.º 0621/2006/02R
Data: 01/11/2013
Exmo. Sr. D, Director-adjunto do Gabinete Jurídico e de Fixação de Residência,
1. A, ora requerente, melhor identificado nos autos, adquiriu pelo preço de MOP$3.355.740,00 o apartamento VC sito em Rua XX n.º XX, Edifício XX, bloco XX, XXº andar; tinha fundos de valor não inferior a quinhentas mil patacas depositados a prazo no Banco E, Sucursal de Macau; era titular do certificado de habilitação literária emitido em 1997 pela 1 a Escola Secundária de XX da Província de XX. Nos termos do art.º 3.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, foi concedida em 14/11/2006 ao requerente e seus membros do agregado familiar a autorização de residência temporária.
2. Em seguida, este Instituto recebeu uma queixa anónima aos 14 de Março de 2012, pela qual se alegou que foram falsas as informações de habilitação literária de A. Para acompanhar essa queixa, no dia 2 de Abril de 2012, por ofício n.º 05679/GJFR/2012, este Instituto consultou XX Provincial Education Association for International Exchange a fim de verificar se o documento de habilitação académica foi autêntico. No dia 24 de Abril de 2012, recebeu via correio electrónico a resposta de XX Provincial Education Association for International Exchange, na qual se propôs que este Instituto notificasse o requerente de que podia ir pedir um certificado no Gabinete de Habilitação Académica junto dessa Association, sem que, porém, indicasse se o documento de habilitação literária foi autêntico (vide o anexo 1).
3. No dia 7 de Junho de 2012, o requerente A pediu a renovação da autorização de residência temporária. Como a queixa acima referida foi anónima e não foi acompanhada de qualquer prova da falsidade do certificado do requerente, este Instituto colocou o respectivo documento em arquivo e concedeu no dia 24 de Julho de 2012 a autorização de residência temporária aos interessados seguintes, melhor identificados nos autos:
Nome
Relação
Documento
N.º
Prazo de validade até
A
Requerente
Passaporte da China
G2XXXXX85
14/11/2015
B
Cônjuge
Passaporte da China
G3XXXXX65
14/11/2015
C
Descendente
Passaporte da China
G3XXXXX59
17/4/2014
4. No dia 17 de Outubro de 2012, este Instituto recebeu de novo uma queixa anónima, pela qual se alegou também que foram falsos os certificados de habilitação literária de A e seu cônjuge e se pediu que seja realizada investigação, mas, não foi juntada qualquer prova. Todavia, ponderando que já recebeu duas queixas anónimas da falsidade do certificado do requerente, se for verdadeiro o teor das queixas, o requerente é susceptível de entregar documento comprovativo falso e violar o disposto do Código Penal. Portanto, no dia 26 de Outubro de 2012, por ofício n.º 16095/GJFR/2012, este Instituto enviou o certificado ao Departamento de Reconhecimento de China Academic Degrees & Graduate Education Development Center, pedindo fazer verificação, mas ainda não recebeu qualquer resposta (vide o anexo 2).
5. No dia 3 de Abril de 2013, este Instituto recebeu por outra vez uma queixa anónima com o teor idêntico da queixa de 17 de Outubro de 2012, não sendo, também, acompanhada de qualquer documento comprovativo. Em face das três queixas, embora sejam anónimas, através de estudar a redacção e a expressão das cartas, presume-se que sejam apresentadas por uma mesma pessoa, entende-se que as partes se associam intensamente e não se exclui a possibilidade de que o queixoso tem informações sólidas. Para ser prudente, no dia 6 de Maio de 2013, por ofício n.º 04154/GJFR/2013, este Instituto remeteu as queixas e a cópia do processo ao Ministério Público para proceder à investigação ulterior. No dia 1 de Agosto de 2013, recebeu a resposta n.º kimpaniengon(2013)51 do Gabinete do Procurador, na qual se afirmou que já se instruiu processo de inquérito penal (n.º 7701/2013) quanto ao caso do requerente A e se iniciou a investigação (vide o anexo 3).
6. No dia 4 de Outubro de 2013, este Instituto recebeu de novo uma carta de queixa anónima, na qual se alegou que foi falso o certificado de habilitação literária do requerente A. No dia 1 de Agosto de 2013, por ofício n.º 11088/GJFR/2013, este Instituto consultou o Gabinete do Procurador para conhecer a situação actualizada do caso aludido. No dia 21 de Outubro de 2013, recebeu a resposta n.º 118/2013/KKH/BS do Ministério Público, na qual se afirmou que já acusou o arguido A aos 18 de Outubro de 2013 por ser susceptível de pedir autorização de residência temporária com habilitação literária falsa.
7. Para acompanhar o caso referido, no dia 22 de Outubro de 2013, por ofício n.º 11825/GJFR/2013, este Instituto pediu a acusação ao Gabinete do Procurador. No dia 23 e 29 de Outubro de 2013, recebeu respectivamente a resposta n.º 126/2013/KKH/BS e a acusação n.º oukimiengsou2017/2013. É apurado que o arguido estava ciente de que foi falsificado o certificado académico por ele fornecido da 1ª Escola Secundária Complementar de XX da Província de XX. Por investigação auxiliar da Procuradoria Suprema Popular da China, verifica-se que é falsificado o documento comprovativo supracitado entregue pelo arguido, uma vez que não existe um estudante n.º 90XXXXX40, cujo nome é “A”, portanto, propõe-se que seja aplicada a medida de coação de termo de identidade e residência (vide o anexo 5).
8. Os factos acima referidos são desfavoráveis à autorização de residência temporária já concedida ao requerente, assim sendo, no dia 23 de Outubro de 2013, por ofício n.º 11863/GJFR/2013, foi realizada a audiência escrita ao requerente (vide o anexo 6). No dia 28 de Outubro de 2013, o requerente prestou declaração para essa audiência, alegando que foi autêntico o certificado de habilitação académica fornecido em 2006 (vide o anexo 7).
9. No que diz respeito a esse contraditório escrito, cumpre analisar:
(1) De acordo com a acusação n.º oukimiengsou2017/2013, verifica-se que é falsificado o certificado de habilitação académica da 1ª Escola Secundária Complementar de XX da Província de XX, fornecido por A no pedido da autorização de residência.
(2) No tocante à falsificação aludida, por investigação auxiliar da Procuradoria Suprema Popular da China, verifica-se que é falsificado o documento comprovativo supracitado entregue pelo arguido, uma vez que não existe um estudante n.º 90XXXXX40, cujo nome é “A”.
10. Com base nisso, entende-se que não é necessário proceder à investigação sobre o certificado de habilitação académica entregue pelo requerente e já se realizou a audiência escrita. É aprovado por documentos escritos que o requerente forneceu documento comprovativo de habilitação literária no pedido de autorização de residência, portanto, não é necessário pedir ao requerente demais prova documental ou aplicar medida de suprimento.
11. No procedimento administrativo de pedido de residência por investimento, o requerente declarou que gozou da correspondente habilitação académica e entregou o certificado. Conforme o princípio de boa fé, as autoridades administrativas confiaram nele e autorizaram o seu pedido de residência que não devia ser autorizado.
12. São pressupostos da autorização do pedido de residência por investimento do requerente a confiança das autoridades administrativas, a declaração do requerente e o certificado de habilitação literária entregue, todavia, conheceu-se supervenientemente que o requerente submeteu documento comprovativo falso e é susceptível de violar o disposto dos art.º 244.º e art.º 250.º do Código Penal, isto é, é susceptível de falsificar e utilizar certificado falso, com o fim de enganar autoridade pública e obter benefício ilegítimo. Quanto a essa ilegalidade, foi submetido ao procedimento do Ministério Público para a efectivação de responsabilidade jurídica.
13. Deste modo, há forte indício da prática do crime referido por parte do requerente. Ao abrigo do art.º 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, subsidiariamente aplicado nos termos do art.º 9.º n.º 2 alínea (1) e art.º 4.º n.º 2 alínea (3) da Lei n.º 4/2003, não é de conceder a autorização de residência temporária ao requerente A.
14. Após a investigação, é aprovado que é falso o certificado de habilitação académica pelo requerente A fornecido nos termos do art.º 3.º n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, o que resulta na inexistência de pressuposto da autorização de pedido de residência do requerente.
15. Com base nisso, ao abrigo do art.º 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, subsidiariamente aplicado nos termos do art.º 24.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, fica caducada a autorização de residência temporária até 14/11/2015 do requerente A bem como a dos membros do agregado familiar a quem foi extensiva a autorização:
N.º
Nome
Relação
Prazo de validade até
2
B
Cônjuge
14/11/2015
3
C
Descendente
17/4/2014
16. De acordo com a Ordem Executiva n.º 49/2010, propõe-se ao Exmo. Sr. Secretário para a Economia e Finanças que seja determinada a caducidade da autorização de residência temporária do requerente A e seus membros do agregado familiar.
À consideração superior.
Técnico auxiliar
Ass. vide o original
F
7 - Seguiu-se o seguinte parecer do Director-Adjunto do Gabinete Jurídico e de Fixação de Residência:
«Concordo com a proposta.
Após a investigação, verifica-se que o requerente entregou o certificado falso de habilitação académica como fundamento no pedido de residência, o que resulta na inexistência do pressuposto da autorização desse pedido. Com base nisso, venho propor que seja declarada caducada a autorização de residência temporária anteriormente concedida ao requerente A, seu cônjuge B e descendente C.
À consideração da Comissão Executiva.
Ass. vide o original
D
Director-adjunto do Gabinete Jurídico e de Fixação de Residência
5 de Novembro de 2013».
8 – O Presidente lavrou igualmente despacho de concordância (fls. 36 do apenso traduções).
9 – O Secretário Para a Economia e Finanças proferiu o seguinte acto administrativo:
«Autorizo» (fls. 36).
***
IV – O Direito
1 – Introdução
Após denúncia anónimas endereçadas ao IPIM, segundo as quais o certificado de habilitações que o recorrente tinha apresentado para obter em 14/11/2006 o estatuto de residência em Macau (de si e seus familiares, mulher e filho), com base em investimento, era falso.
Comunicada a suspeita ao Ministério Público, viria a ser deduzida acusação contra o recorrente, pela prática de um crime de uso e falsificação de documento de especial valor, p. e p. pelo art. 244º, nº1, al. c) e 245º e 243º, al. c), do CP, na sequência do que foi na oportunidade proferida sentença (já transitada) que o condenou na pena de 1 ano e 9 meses de prisão, cuja execução foi, porém, suspensa pelo período de 2 anos e 6 meses.
Na República Popular da China, as respectivas autoridades judiciárias confirmaram que o diploma em causa não respeitava às habilitações do recorrente, mas a um outro indivíduo.
Face ao conjunto de indícios, alegadamente fortes, da prática de um crime por parte do recorrente, e ao abrigo dos arts. 23º do Regulamento Administrativo 3/2005, ex vi art. 24º do Regulamento Administrativo nº 5/2003, foi declarada caducada a autorização de residência temporária que o interessado possuía até 14/11/2015, decisão extensiva à esposa e ao descendente.
*
2 – Na petição inicial, o recorrente suscitou o vício de forma por falta de menções obrigatórias (as das alíneas a) e b), do art. 113º do CPA) e por falta de fundamentação, nos termos do art. 115º, nº1, nº1 e 2, do mesmo Código.
Invocou ainda o de erro sobre os pressupostos de facto.
Na alegação facultativa, reiterou, ainda que em outros termos, os mesmos vícios.
Apreciemo-los, então.
*
3 – Do vício de forma por falta de menções obrigatórias
Sustenta o recorrente que o acto administrativo impugnado deveria ter feito a indicação da autoridade que o praticou e a qualidade em que o fez. A falta dessas menções tornaria o acto inválido, ao abrigo das als. a) e b), do nº1, do art. 113º.
Pois bem. Aqueles dois elementos (indicação da entidade que produz o acto e a qualidade em que agiu, se ao abrigo de poderes próprios ou delegados), não são elementos essenciais. Não são expressão do conteúdo da decisão; são, antes, elementos de “externação ou documentação” (Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco Amorim, Código de Procedimento Administrativo, 2ª ed., pág. 581, 583), e que, por isso mesmo, nem sequer são factores de validade do acto (Autores e ob. cits., pág. 583).
De resto, o acto, até pela assinatura de quem o subscreve, mostra bem a quem pertence a sua autoria e esta chegou mesmo a ser comunicada no acto de notificação. E quanto à menção sobre a delegação de poderes, também ela acabou por ser reportada no referido acto de comunicação. De resto, e como resulta do nº3, do art. 113º, do CPA, a publicação no Boletim Oficial da delegação de poderes dispensa a menção no acto da existência da delegação ou subdelegação referida na alínea b), do nº1 do art. 113º citado. Daí que, quando haja essa publicação, se a notificação não comunicar esse elemento, deve o interessado fazer uso da faculdade do art. 27º, nº2, do CPAC, circunstância que até leva à suspensão dos prazos em curso para a respectiva impugnação.
Ora, no caso em apreço, a notificação que teve lugar levou ao conhecimento do interessado os aludidos elementos (não essenciais), pelo que ficou satisfeito o seu direito ao conhecimento deles.
*
4 – Vício de forma por falta de fundamentação
Entende o recorrente que o acto simples de “Autorizo” é insuficiente para respeitar o dever de fundamentação plasmado nos arts. 113º, alíneas d) a f) e 115º, nºs 1 e 2, do CPA.
Mas também aqui a invocação deste vício não colhe.
Com efeito, basta olhar para a proposta 01368/GJFR/2013 para logo se alcançar que toda a fundamentação necessária estava ali contida. De seguida foi elaborado o parecer do Director-Adjunto do Gabinete Jurídico e de Fixação de Residência que concorda com a referida proposta. E o acto administrativo em causa, apesar de não ter fundamentação própria, ao estatuir simplesmente “autorizo” não é senão um despacho de remissão para o conteúdo da proposta e parecer que o antecede. É a chamada fundamentação por remissão, que também está prevista no art. 115º, nº1, do CPA.
Neste sentido, não vemos como seja possível dizer que a este acto falte a fundamentação necessária.
Razão pela qual improcede o vício.
*
5 – Do erro sobre os pressupostos de facto
O que transparece da alegação do recorrente é que, nem os indícios eram fortes, nem a realidade dos factos era aquela a que chegou a entidade administrativa.
Mas, lamentavelmente, também neste ponto carece de razão.
A pergunta deve colocar-se assim: Existiam indícios fortes de que o diploma de habilitações apresentado pelo recorrente era falso, de maneira a integrar-se a situação na previsão do art. 4º, nº2, al. 3) e 9º, nº2, al. 1), da Lei nº 4/2003, de 17/03, disposições aplicáveis ao caso por força do art. 23º do Regulamento nº 3005?
A resposta é sim. Deve dizer-se que é discricionária a actividade da Administração na concessão de autorização de residência, de recusa de entrada e de caducidade da autorização já concedida, face ao disposto nas disposições conjugadas atrás mencionadas. Ou seja, a Administração pode tomar uma decisão favorável ou desfavorável aos interesses do administrado em função do interesse público subjacente.
No que concerne aos indícios propriamente ditos de haver sido cometido um crime por parte do recorrente (cfr. art. 4º, nº2, al. 3)), cremos que se trata de um conceito indeterminado, que a Administração deve preencher e valorar devidamente e com os factos certos, nisso não havendo, em princípio, discricionariedade.
Tem-se entendido haver fortes indícios da prática de crime quando, de acordo com os elementos probatórios recolhidos em determinada fase processual, se prevê que o agente virá muito provavelmente a ser condenado numa pena ou medida de segurança. (Ac. TSI, de 22/10/2015, Proc. nº 267/2014; Ac. TSI, de 12/05/2016, Proc. nº 769/2015).
Mas, como se disse já neste tribunal, “…para a aplicação da medida não era necessário que cada um dos referidos indivíduos viesse a ser punido criminalmente, já que “Não se torna necessário que os factos demonstrem inequivocamente o cometimento de um crime definitivamente julgado, bastando a existência dos referidos indícios para que a norma do art. 4º, nº2, al. 3), da Lei nº 4/2003 se possa aplicar, “ex vi” art. 12º, nº3, da Lei nº 6/2004” (cit. Ac. do TSI, Proc. nº 94/2015).
Com efeito, “Ao contrário do que sucede com a alínea 2), do nº2, do art. 4º da Lei 4/2003, em que se torna necessário um crime “julgado”, na alínea 3), desse número basta a existência de meros indícios de um crime “praticado”.” (Ac. TSI, de 18/04/2013, Proc. nº 647/2012).
Neste sentido, a aplicação da medida, não colide com o aludido princípio de presunção de inocência.” (Ac. TSI, de 12/05/2016, Proc. nº 267/2014).
Sucede que esta matéria foi objecto de uma acusação em processo criminal na RAEM, vindo o recorrente a ser condenado por sentença transitada em julgado pela prática de um crime de uso e falsificação de documento de especial valor, p. e p. pelo art. 244º, nº1, al. c) e 245º e 243º, al. c), do C.P.
Quer dizer, os indícios eram tão fortes que a eles sobreveio uma condenação.
Em resumo, para além da existência então de fortes indícios – o que desde logo permitia a integração na previsão do referido art. 4º, nº2, al. 3), da Lei nº 4/2003 – pode dizer-se que a realidade de facto os viria a comprovar, visto que o recorrente não conseguiu fazer prova nos presentes autos em sentido contrário.
Nós pensamos que isto basta para podermos concluir que a densificação do conceito pela entidade recorrida foi bem realizada, sem qualquer violação das normas acima citadas, portanto, bem como ainda se pode afiançar que nenhum erro sobre os pressupostos de facto existe.
O que leva, por conseguinte, à improcedência do vício.
***
V – Decidindo
Nos termos expostos, acordam em julgar improcedente o recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça em 4 UC.
TSI, 29 de Setembro de 2016
_________________________ _________________________
José Cândido de Pinho Joaquim Teixeira de Sousa
_________________________ (Fui presente)
Tong Hio Fong
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Lai Kin Hong
813/2013 29