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Processo nº 858/2015
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 29 de Setembro de 2016

ASSUNTO:
- Exercício do poder discricionário
- O interesse público

SUMÁRIO:
- O legislador apenas exemplifica os factores de ponderação para concessão da autorização da fixação de residência, não especificando em que medida estes factores são ponderados, deixando portanto uma margem de liberdade da actuação à entidade competente na apreciação em caso concreto.
- Sendo poder discricionário da Administração, o seu exercício só é sindicável pelo tribunal nos casos de erro manifesto, da total desrazoabilidade e do desvio de poder – als. d) e e) do nº 1 do artº 21º do CPAC, que não é o caso.
- Entre o interesse pessoal do Recorrente (fixar residência na RAEM para poder juntar com à filha) e o interesse público da RAEM (necessidade do controlo do número da população residente de forma a evitar um crescimento demográfico insuportável), não se afigura que a solução do acto recorrido padeça dos vícios alegados.
O Relator,
Ho Wai Neng

Processo nº 858/2015
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 29 de Setembro de 2016
Recorrente: A
Entidade Recorrida: Secretário para a Segurança

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
A, melhor identificado nos autos, vem interpor o presente recurso contencioso contra o despacho do Secretário para a Segurança, de 31/07/2015, que indeferiu o seu pedido de autorização de residência, concluíndo que:
1. A entidade incorre num erro sobre a interpretação do que seja a relação de paternidade, uma vez que confunde a relação de paternidade com a relação de coabitação entre o pai separado da mãe e os seus filhos.
2. A relação de paternidade reveste uma densidade que se destaca claramente da eventual existência de uma relação de casamento, ou de união de facto, entre os progenitores.
3. A relação de paternidade não cessa nem se altera com a divórcio ou com a cessação da união de facto entre os progenitores, mantendo pais e filhos os deveres inerentes àquela relação.
4. Mesmo ocorrida a cessação da relação de união de facto, o pai separado mantém todo o corpo de direitos e deveres inerentes ao seu papel de pai, sem que, para tanto, seja necessário habitar sob o mesmo tecto que a sua filha .
5. O art.º 1761.° CC determina que: "Ao progenitor que não exerça o poder paternal assiste o poder de vigiar a educação e condições de vida do filho".
6. Função de vigilância essa, corporizada num poder-dever, ou num direito-dever, que o pai só poderá exercer quando possa manter uma relação de proximidade com a filha, não diária, mas ao menos quotidiana, aferindo do seu estado de saúde físico e psico-emocional, do desenvolvimento das suas funções congnitivas, do seu desempenho escolar, e nos demais capítulos do livro inconcluso que é a história de vida de uma criança.
7. Resulta do acordo de regulação do poder paternal que a presença quotidiana paterna é do interesse da própria menor, caso contrário o tribunal não teria acolhido um tal acordo.
8. A LEI BÁSICA institui, no catálogo dos direitos fundamentais dos residentes - extensíveis aos não residentes que aqui se encontrem, pelo princípio da equiparação - de um direito à família de conteúdo lato.
9. Estabelecida a filiação, os direitos e deveres a ela inerentes são irrenunciáveis e não dependem de nenhum outro factor, como sejam a existência de uma relação de casamento entre os pais da menor. O exercício dos deveres, poderes e direitos que consubstanciam o seu conteúdo, quer por pais, quer por filhos, é imperativo e corresponde a um interesse público de ordenação e estruturação social inerente ao carácter gregário da espécie humana.
10. A entidade recorrida desatende o teor de uma tal relação, quando circunscreve as relações parentais da menor ao progenitor a quem foi atribuída a sua guarda, excluindo o pai da convivência com a filha por com ela não coabitar, e fazendo tabula rasa do teor do acordo de regulação do poder paternal judicialmente homologado, assim como dos poderes-deveres implicados pela lei civil
11. A CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA das Nações Unidas prevê e estabelece que "os Estados Partes respeitam o direito da criança separada de um ou de ambos os seus pais de manter regularmente relações pessoais e contactos directos com ambos, salvo se tal se mostrar contrário ao interesse superior da criança" (art.º 9.°/3)
12. Ao adoptar uma concepção redutora da relação da paternidade e dos direitos-deveres do progenitor a quem não foi atribuído o poder paternal da menor, partindo de pressupostos de facto errados, o acto apresenta-se viciado por erro nos pressupostos da avaliação da situação de facto.
13. O erro sobre pressupostos constitui um vício de ilegalidade do acto administrativo, gerador da sua anulabilidade.
14. A principal função da administração é prosseguir o interesse público, com salvaguarda do respeito pelos direitos subjectivos e pelos interesses legalmente protegidos dos particulares
15. No que à concessão da autorização de residência concerne, os interesses públicos à guarda da administração são identificáveis, em especial, nas seis alíneas do art.º 9.°/2 da Lei n.º 4/2003, quais sejam os factores que a administração deve ponderar aquando da concessão da autorização de residência em Macau.
16. Atentando-se na fundamentação invocada pela entidade recorrida, resulta cristalino que nenhum interesse público, de entre os que Lei n.º 4/2003 impõe à administração, ou quaisquer outros, é invocado para justificar o indeferimento da pretensão do RECORRENTE
17. No decurso do procedimento administrativo, o RECORRENTE produziu prova de que o seu interesse não diverge dos interesses públicos postulados pela lei, o que a entidade recorrida não contestou.
18. Na verdade, a entidade recorrida limitou-se a alegar dois motivos para o indeferimento do pedido de autorização de residência formulado pelo RECORRENTE:
a. O facto de não poder coabitar com a filha e, desse modo, exercer o seu papel de pai;
b. Desnecessidade da obtenção de residência, uma vez que o RECORRENTE, possuindo um contrato de trabalho, pode sempre obter autorização de permanência através do estatuto de trabalhador não residente.
19. A alternativa sugerida pela entidade recorrida coloca sobre o RECORRENTE um ónus de obter um elemento que de modo algum depende de si, que é o do seu potencial empregador obter uma quota para a contratação de trabalhador não-residente não-especializado.
20. Coisa que aquela sociedade aguarda há quatro meses, sem qualquer garantia de que venha a obter deferimento sobre o seu pedido.
21. Colocando nas mãos de terceiros a decisão sobre se a menor tem ou não um pai quotidianamente presente.
22. O actos produzidos no exercício de um poder discricionário da administração não deixam de estar sujeito ao crivo do princípio da proporcionalidade, tal como manda o art.° 5.° CPA
23. A proporcionalidade subdivide-se em três vectores adequação, necessidade e razoabilidade.
24. A entidade recorrida limitando-se a invocar que o RECORRENTE não tem interesse na residência na RAEM e que pode muito bem escolher outro caminho, o do pedido de autorização de permanência com o estatuto de trabalhador não-residente - o qual, como já se disse, não é viável na situação do RECORRENTE, e nem sequer é lógico ou consentâneo com a necessidade que este apresenta e invoca, i.e., a de poder estar presente na vida filha menor e assim cumprir cabalmente o seu estatuto de pai.
25. Os actos administrativos, mesmo que produzidos no exercício de poderes discricionários, são feridos de invalidade quando violem o princípio da proporcionalidade, nos termos do art.º 124.º CPA, por violação dos artigos 4.° e 5.° do mesmo texto legal.
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Regularmente citada, a Entidade Recorrida contestou nos termos constantes a fls. 63 a 72 dos autos, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido, pugnando pelo não provimento do recurso.
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O Ministério Público é de parecer da improcedência do recurso, a saber:
   “Na petição inicial, o recorrente pediu a anulação do acto recorrido que reza «同意,亦經考慮第4/2003號法律第9條第一款3項的規定,決定不予批准», assacando-lhe erro nos pressupostos da avaliação da situação de facto e a violação do princípio da proporcionalidade consagrado no n.º2 do art.5º do CPA.
   Sem prejuízo do respeito pela opinião diferente, entendemos que ao recorrente não assiste razão.
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   Exarado na Informação n.º200061/CRSMB/2015P (doc. de fls.16 a 19 dos autos), e interpretado em coerência com esta, o próprio despacho recorrido patenteia que a Administração nunca confundiu a relação de paternidade com a relação de coabitação, sabendo perfeitamente a distinção entre as duas relações, e nunca negou os direitos e deveres inerentes à qualidade do recorrente como pai da sua filha, nascida aos 21/11/2008 em Portugal.
   E, o que é igualmente certo é que de cabo a rabo, a Administração nunca impediu o recorrente de exercer o poder paternal, e nunca excluiu o mesmo da convivência com a sua filha, nem adoptava uma concepção redutora da relação da paternidade e dos direitos-deveres do progenitor.
   Em termos sintéticos, o pressuposto do acto em questão consiste no ajuizamento da Administração, no sentido de que a autorização da residência requerida pelo recorrente não é imprescindível nem condição sine qua non para ele exercer o seu poder paternal, dado que o recorrente se separou da mãe da sua filha, e esta vive e mora diariamente com a mãe.
   Pois, de acordo com o «Acordo sobre a regulação do exercício do Poder Paternal e sobre a prestação de Alimentos» judicialmente homologado (doc. de fls.42 a 44 do P.A.), ficam inteiramente a cargo da mãe a custódia da filha bem como as despesas com instrução, educação, actividades extra-curriculares, tratamento médicos e hospitalares da menor.
   Ponderando tudo isto, não descortinamos in casu o arrogado erro nos pressupostos da avaliação da situação de facto, afigurando-se-nos que com os argumentos nas 1ª e 10ª a 12ª conclusões da petição, o recorrente mal-entendeu e, até, distorceu o real significado do despacho em causa.
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   Ora, o recorrente arrogou também que no despacho in questio, a Administração não invocara nenhum interesse público, nomeadamente de entre os prescritos no n.º2 do art.9º da Lei n.º4/2003, para justificar o indeferimento da pretensão (do recorrente) de autorização da residência, e tal indeferimento infringira o princípio da proporcionalidade consignado no n.º2 do art.5º do CPA. (vide. as 14ª a 25ª conclusões da petição).
   Recorde-se que os Venerandos TUI e TSI consolidam a jurisprudência de que o n.º2 do art.9º da Lei n.º4/2003 confere verdadeiro poder discricionário à Administração, cuja avaliação e valorização de antecedentes criminais são judicialmente insindicáveis, salvo se padeçam de erro manifesto ou total desrazoabilidade. (a título exemplificativo, Acórdãos do TUI nos Processos n.º38/2012 e n.º123/2014, do TSI nos n.º766/2011, n.º570/2012 e n.º356/2013)
   Este segmento legal torna indubitável e patente que os pressupostos dos quais depende a autorização de residência são, quantitativa e qualitativamente, muito mais exigentes que os requisitos determinantes da recusa de entrada bem como da autorização de permanência dos indivíduos não-residentes. Acreditamos que são perfeitamente compreensíveis a preocupação e a cautela do legislador: quem obtenha a autorização de residência poderá, na maioria esmagadora dos casos, adquirir o estatuto de residente permanente da RAEM, pelo que se exigem mais ponderação, atenção e dedicação para defender e tutelar o interesse comunitário da RAEM.
   No vertente caso, cabe, em primeiro lugar, apontar que a Administração alega, como suporte e base legais, a disposição na alí.3) no n.º2 do art.9º da Lei n.º4/2003 para apoiar a decisão de indeferimento do pedido de autorização da residência do recorrente. O que torna manifestamente insubsistente a 16ª conclusão da petição.
   E o despacho sob impugnação demonstra convincentemente que a Administração indeferiu o pedido (de autorização da residência) do recorrente à luz da política de migração da RAEM, entendendo que a sua finalidade de acompanhar a sua filha menor, só por si, não é razão suficiente para a concessão da autorização de residência.
   Nesta medida, é incontroverso que o despacho recorrido se destina propositadamente a prosseguir e defender os interesses públicos subjacentes à política de migração da RAEM, tais como o bem-estar social, a educação, a habitação, a saúde pública, a segurança e ordem púbçicas.
   Perfilhamos a prudente jurisprudência que proclama que o “direito à família” e à “unidade familiar” não podem ser interpretados como “direitos absolutos” de quem os invoca como motivo para ser autorizado a residir na RAEM, e no âmbito de autorização de residência, à Administração cabe decidir com certa margem de liberdade, tendo-se em conta um conjunto de elementos, dos quais se destaca a oportunidade e conveniência para os interesses de toda a comunidade. (aresto do TSI no Proc. n.º109/2006)
   A leitura da doutrina autorizada permite-nos encontrar a regra sem excepção, no sentido de que qualquer ordenamento jurídico, soberano ou autónomo, reconhece que é discricionário o poder de decidir – deferir ou recusar – pedido de nacionalização ou de autorização de residência, e que a carência de cuidar familiares tenros, idosos ou doentes, só por si, não conduz vinculativa e necessariamente à concessão da nacionalidade ou da autorização de residência.
   Chegando aqui, e avaliando equitativamente o interesse público e o interesse particular do recorrente em jogo, inclinamos a entender que praticado no exercício de poder discricionário, o despacho in questio não enferma de injustiça grosseira ou de total desrazoabilidade, e não ofende o princípio da proporcionalidade.
***
   Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso.”
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Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
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II – Pressupostos Processuais
O Tribunal é o competente.
As partes possuem a personalidade e a capacidade judiciárias.
Mostram-se legítimas e regularmente patrocinadas.
Não há questões prévias, nulidades ou outras excepções que obstam ao conhecimento do mérito da causa.

III – Factos
Com base nos elementos existentes nos autos e no respectivo P.A., é assente a seguinte factualidade com interesse à boa decisão da causa:
1. O Recorrente possui nacionalidade portuguesa, sendo titular do passaporte n.º XXX, emitido em 13 de Março de 2015 pelo Consulado-Geral de Portugal para Hong Kong e Macau.
2. O Recorrente viveu em união de facto com B, cidadã portuguesa titular do bilhete de identidade de residente não permanente na RAEM n.º XXX.
3. Dessa união nasceu C, menor, actualmente com seis anos de idade, também residente em Macau, titular do bilhete de identidade de residente não permanente da RAEM n.º XXX.
4. Cessada a união, O Recorrente e B apresentaram, no Tribunal Judicial de Base da RAEM (TJB), pedido de homologação do acordo de regulação do poder paternal da menor C, no âmbito do qual ficaria estabelecido que a menor ficaria à guarda da mãe.
5. Quanto ao pai, as partes acordavam no seguinte:
a) Poderia visitar a filha em casa da mãe, sempre que o desejasse, e na medida em que tal não contendesse com os períodos de repouso e as obrigações escolares da menor;
b) Poderia, sempre que desejasse, levar a filha a pernoitar em sua casa nos fins-de-semana;
c) A menor passaria 15 dias de férias por ano com o pai;
d) O pai não ficava obrigado a prestar alimentos à menor.
6. O acordo foi homologado por sentença da Meretíssima Juiza do TJB, passada em julgado em 04 de Janeiro de 2012.
7. Em 06 de Maio de 2015, o Recorrente e a XXX LIMITADA - sociedade unípessoat por quotas constituída em Macau, inscrita na Conservatória do Registo Comercial e de Bens Móveis da RAEM sob o n.º XXX - assinaram um contrato de prestação de serviços.
8. Ao abrigo daquele contrato, a Sociedade obrigava-se a pagar ao Recorrente um salário no valor de MOP$13.500,00 (treze mil e quinhentas patacas), acrescido de um subsídio de habitação no valor de MOP$1.500,00 (mil e quinhentas patacas) após um período experimental de três meses.
9. O Recorrente não possui registo criminal em Portugal.
10. À data do pedido de autorização de residência, o Recorrente encontrava-se legalmente em Macau, por possuir visto de permanência válido até ao dia 06 de Julho de 2015.
11. À data do pedido de autorização de residência, a conta bancária do Recorrente apresentava um saldo positivo de MOP$30.628,00 (trinta e seis mil, seiscentas e vinte e oito patacas).
12. O Recorrente apresentou termo de fiança, subscrito por D, residente permanente da RAEM, titular do BIR nº XXX, nos termos e para efeitos do artº 18º do Regulamento Administrativo nº 5/2003.
13. Em 30/06/2015, foi elaborada a informação nº 200061/CRSMB/2015P, cujo teor é o seguinte:
“....
1. A, solteiro, nascido em 26/05/1978, natural de Lisboa e titular do Passaporte Português n° XXX, emitido pelo Macau (China) em 13/03/2015 e válido até 13/03/2020, requer Autorização de Residência na R.A.E.M., a fim de se juntar á filha, menor, residente não pennanente da RAEM.
2. Apresentou os seguintes documentos:
- Exposição relativo ao fundamento do pedido de A.R. (Fls.2-6);
- Fot. do Passaporte Português na XXX, válido até 13/03/2020 (Fls.7-10);
- Fot. do Certificado de Registo Criminal de Portugal, emitido a seu favor em 15/01/2015, pelo Sistema Informação de Identificação Criminal, do qual nada consta em desabono (Fls.11);
- Fot. do Boletim de Entrada do requerente com o visto de permanência válido até 12/05/2015, donde foi rrogado até 06/07/2015 (Fls.12);
- Fot. do BIR não permanente da filha n° XXX, válido até 18/11/2015 (Fls.13);
- Documentos comprovativos sobre todo o processo de regulação do exercício do poder paternal da filha, donde consta que por Sentença Judicial, a custódia da filha fica a cargo da Mãe (Fls.14-22);
- Declaração da Srª B (mãe da menor), a declarar que é do interesse do requerente (pai da menor) a permanência deste na RAEM, para cumprir com as suas obrigações e usufruir dos seus direitos de progenitor constantes no acordo extrajudicial sobre o exercício do poder paternal, nomeadamente no que concerne ao acompanhamento diário, ao convívio nos fins de semana e gozo de férias, com vista ao completo desenvolvimento da filha menor (Fls.23);
- Fot. do Çontrato de prestação de serviço, celebrado com a firma XXX Limitada, para exercer funções de ajudante de electricista, auferindo remuneração mensal de Mop 13,500.00 mais subsídio de habitação de Mop 1,500.00 (Fls.24-25);
- Fot. da Certidão do Registo Comercial da firma XXX Limitada, donde consta que tem por objecto instalações eléctricas, com capital social de Mop 25,000.00 (Fls.26-30);
- Fot. do extracto de conta bancária com saldo no valor de Mop 30,628.00 (Fls.31);
- Declaração do requerente, a declarar sob compromisso de honra que observará as leis da RAEM (Fls.32);
- Termo de Fiança, para os efeitos previstos no Art°. 18 do RA 5/2003, no qual consta como fiador o D, titular do B.I.R. Permanente da R.A.E.M. nº XXX (Fls.33-34).
3. Por entender não haver fundamento bastante para autorização de residência, foi o interessado notificado em audiência escrita nos termos do arts.º 93º e 94° do CPA, tendo-lhe sido concedido 10 dias para dizer o que se lhe oferecer (Doc.l).
4. Dentro do prazo concedido, e na sequência da notificação recebida, apresentou neste Serviço documento (Doc.2) a discordar da decisão provável de indeferimento e a expôr as razões de tal entendimento, do qual consta em síntese:
a) Ponto I - Da falta de fundamento invocado pelo Corpo de Polícia de Segurança Pública para indeferir o pedido de autorização de residência do interessado:
- Entende o Advogado no ponto 10, que com os fundamentos constantes na Audiência Escrita o CPSP, diz que não existem laços familiares entre o interessado e a sua filha menor residente em Macau;
b) Pontos II, III, IV - Pedido de Autorização de residência com fundamento na existência de laços familiares; Da manifesta existência de laços familiares do interessado com filha menor residente em Macau e Da separação de facto dos progenitores e subsequente acordo de regulação do poder paternal:
- O Advogado explora o seu entender sobre a formulação do pedido e as normas de direito e as condições do requerente para efeitos de autorização de residência com base na junção familiar á filha;
c) Ponto V - Da possibilidade do interessado promover junto do tribunal judicial de base a alteração do acordo de regulação do poder paternal:
- Expõe que se for autorizada a residência ao interessado este poderá já ter um contrato de trabalho na RAEM e poderá propor junto do Tribunal Judicial de Base a revisão do acordo de poder paternal de modo a que o referido acordo passe a reflectir essa situação mais estável e propor á mãe da filha o exercício desse mesmo poder em comum e passar a contribuir com despesas com a instrução, educação e outros;
d) Ponto VI e VII - Da irrelevância da separação de facto dos pais em face da existência de laços familiares do interessado separado com filha residente e Da advocação da aplicação dos laços familiares apenas nos casos de famílias tradicionais ou monoparentais:
- Contrapõe o descrito no ponto 28 e constante na Audiência escrita e expõe o que no seu entender e perante as normas do direito deve ser consideradas a prestação do pai como parte integrante do agregado familiar e como tal tem todas as condições para que lhe seja autorizada a residência, acrescentando no ponto 54 do ponto VII, que o que resulta do exposto nos pontos 1 e 2 da audiência escrita o CPSP alinhou em crença comum de que a mãe que fica com a filha menor á sua responsabilidade consegue fazer o papel de pai e mãe simultaneamente, embora a realidade demonstre que tal não é possível;
e) Ponto VIII - Manutenção da decisão de indeferimento viola princípios da legalidade, da igialdade e da justiça:
- Contrapõe que por todas as razões já invocadas, que não pode ser aceite a apologia que a Audiência faz de ser suficiente a filha menor residente viver com a mãe excluindo liminarmente interessado, pelo indeferimento do seu pedido, advogando que a junção por laços familiares só é concretizável dentro da instituição família tradicional ou monoparental, deixando de fora todos os outros casos, ignorando ostentivamente o direito da criança menor e do interessado, fazendo seguidamente a sua explanação em termos de direito;
f) Face ao exposto entende que deve ser autorizada a residência ao interessado por força do parentesco entre ambos.
5. O requerente não tem processo organizado no Departamento de Informações.
6. Análise:
1) Da audiência escrita consta o seguinte:
A filha reside com a mãe que exerce a sua custódia por decisão do Tribunal Judicial de Base de Macau, após acordo de poder paternal, sendo ela responsável pelas despesas com a instrução, educação, actividades extracurriculares, tratamentos médicos e hospitalares, o pai não está obrigado a prestar alimentos, podendo contudo visitar a filha sempre que quiser em casa da mãe e levá-la a pernoitar nos fins de semana, bem como passar 15 dias de férias com ela por ano, mediante certas condições explícitas no referido acordo.
Neste contexto verifica-se que a menor vive com a mãe e é ela que tem a sua custódia, do que emerge dos autos alegado ou não pelo requerente nada sobressai que a mãe não possa continuar a criar a filha como até aqui e que haja algo que afete o desenvolvimento da mesma, outro facto é que o pai não pode viver juntamente com a filha por razões óbvias e já referidas e para usufruir dos direitos que o Tribunal lhe concedeu não terá necessáriamente de haver uma residência.
O requerente apresenta um Contrato de Prestação de Serviços, celebrado com uma empresa de Macau para prestação de serviços, como ajudante de electricista, contrato esse condicionado à autorização da residência, o que não faz sentido uma vez que são coisas distintas, o fundamento do seu pedido não é o trabalho.
Desde que o requerente tenha um trabalho na RAEM, aliás como já sucedeu num anterior pedido de residência feito pelo requerente em que era trabalhador não residente, o objectivo de permanecer com a filha e concretizar os direitos obtidos serão desde logo concretizáveis através de uma autorização de permanência para trabalho.
2) Em nada diz que o requerente não têm laços familiares com a filha, conforme alega no ponto I, n° 10;
3) Igualmente não existe qualquer crença comum de que a mãe que fica com a menor á sua responsabilidade consegue fazer o papel de pai e mãe simultaneamente, conforme refere no ponto VII, nº 54;
4) Da audiência escrita, constam os fundamentos pelos quais se propõe o indeferimento do pedido, não havendo qualquer indício que diga que o interessado não é parte do agregado familiar, existem sim elementos que fundamentam a não autorização do pedido, tais como:
- o requerente está separado da mãe da filha
- a filha reside com a mãe logo ele não pode viver com a filha a menos que esta deixe de viver com a mãe
- há um acordo de poder paternal que foi feito por livre vontade e com a anuência de ambos pai e mãe da menor
- desse acordo constam as obrigações de ambos os pais em relação á menor
- o requerente desde que tenha um emprego pode estar junto da filha e pode usufruir dos seus direitos e obrigações
- entende-se que o requerente só não pode usufruir de uma autorização de residência por junção á filha, pelas razões já referidas e não por quaisquer outras razões
5) Anteriormente foi indeferido um pedido de A.R, por despacho do Exmº Sec. para Seg. de 05/05/2014, em que o interessado solicitava residência para trabalho, porém nesse mesmo pedido já manifestava interesse em viver juntamente com a filha.
Assim julgo ser de não autorizar o pedido de autorização de residência em apreço....”
14. Em 31/07/2015, o Sr. Secretário para a Segurança proferiu, na proposta supra em referência, o seguinte despacho: “同意,亦經考慮第4/2003號法律第一款3項的規定,決定不予批准。”
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IV – Fundamentação
O Recorrente requereu, nos termos conjugados da al. 5) do nº 2 do artº 9º da Lei nº 4/2003 e dos nºs 1 e 2 do artº 14º e dos nºs 1 e 2 do artº 20º do RA nº 5/2003, a fixação de residência na RAEM com fundamento na “junção familiar de pai à filha (residente não permanente da RAEM), favorecendo assim um mais completo e harmonioso desenvolvimento psicológico e afectivo da sua filha menor, na linha do acordo homologado pelo Tribunal Judicial de Macau, que consagra visitas diárias, convívios aos fins-de-semana e períodos de férias”, bem como no facto de “já ter uma oferta de emprego na RAEM, a qual lhe permitirá bastar-se a si próprio e ajudar também criar a sua filha menor residente.”
A Entidade Recorrida indeferiu sua pretensão por entender que os fundamentos invocados não eram suficientes para o efeito.
Na óptica do Recorrente, a decisão de indeferimento padece dos seguintes vícios:
- erro nos pressupostos da avaliação da sua situação de facto; e
- violação do princípio da proporcionalidade.
Vamos agora analisar se lhe assiste razão.
Em relação ao primeiro fundmento do recurso, bem notou o MºPº que a Administração não tinha confundido a relação da paternidade com o dever de coabitação, nem tinha adoptado uma concepção redutora da relação da paternidade e dos direitos-deveres do progenitor.
O que está em causa é simplesmente considerar que os fundamentos invocados pelo Recorrente não eram suficientes para a autorização da fixação de residência.
Não existe, portanto, qualquer erro no pressuposto de facto.
Será a decisão recorrida resulta duma apreciação errada?
Dispõe o artº 9º da Lei nº 4/2003 que:
1. O Chefe do Executivo pode conceder autorização de residência na RAEM.
2. Para efeitos de concessão da autorização referida no número anterior deve atender-se, nomeadamente, aos seguintes aspectos:
1) Antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no artigo 4.º da presente lei;
2) Meios de subsistência de que o interessado dispõe;
3) Finalidades pretendidas com a residência na RAEM e respectiva viabilidade;
4) Actividade que o interessado exerce ou se propõe exercer na RAEM;
5) Laços familiares do interessado com residentes da RAEM;
6) Razões humanitárias, nomeadamente a falta de condições de vida ou de apoio familiar em outro país ou território.
3. A residência habitual do interessado na RAEM é condição da manutenção da autorização de residência.
Como se deve notar o legislador apenas exemplifica os factores de ponderação para concessão da autorização da fixação de residência, não especificando em que medida estes factores são ponderados, deixando portanto uma margem de liberdade da actuação à entidade competente na apreciação em caso concreto.
Sendo poder discricionário da Administração, o seu exercício só é sindicável pelo tribunal nos casos de erro manifesto, da total desrazoabilidade e do desvio de poder – als. d) e e) do nº 1 do artº 21º do CPAC, que não é o caso.
Não ignoramos que o direito da união familiar é um direito fundamental do ser humano e reconhecemos a importância e o valor da família enquanto elemento essencial da sociedade.
Contudo, é de jurisprudência unânime tanto do TUI (Ac. de 06/04/2011, Proc. nº 56/2010) como do TSI (Ac. de 28/09/2006, Proc. 170/2006 e Ac. de 19/11/2015, Proc. nº 283/2014) de que tal direito não é um direito fundamental absoluto cujo exercício impõe necessariamente que a Entidade Recorrida tem de autorizar o pedido de fixação de residência de forma incondicional.
É de conhecimento notório e público de que RAEM é uma cidade pequena já com elevada densidade populacional, pelo que é perfeitamente compreensível a necessidade do controlo do número da população residente, de forma a evitar um crescimento demográfico insuportável.
Nesta conformidade, nada a censurar a actuação rigorosa da Entidade Recorrida na apreciação dos pedidos da concessão da autorização da fixação de residência.
Quanto à alegada violação do princípio da proporcionalidade, cumpre-nos dizer que, entre o interesse pessoal do Recorrente (fixar residência na RAEM para poder juntar com à filha) e o interesse público da RAEM (necessidade do controlo do número da população residente de forma a evitar um crescimento demográfico insuportável), não se afigura que a solução do acto recorrido seja desproporcional.
Tudo visto, resta decidir.
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V – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em julgar improcedente o presente recurso contencioso, mantendo o acto recorrido.
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Custas pelo Recorrente, com 4UC de taxa de justiça.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 29 de Setembro de 2016.

Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong

Fui presente
Joaquim Teixeira de Sousa
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858/2015