Proc. nº 91/2016
Recurso Contencioso
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 22 de Setembro de 2016
Descritores:
-Imposto de Selo
-Centros comerciais
-Instalação de lojistas
-Contratos atípicos
-Integração de lacunas
SUMÁRIO:
I. Os contratos de cedência de uso para instalação de lojista em Centro Comercial são contratos atípicos, não sujeitos a incidência de imposto de selo, nos termos dos arts. 26º a 30º do RIS e respectiva Tabela, preceitos que apenas se referem especificamente aos arrendamentos.
II. E se não é possível uma interpretação actualística daquelas disposições, tampouco é possível que a falta de previsão nelas destes contratos seja superada através da integração a que alude o art. 9º do Código Civil, essencialmente por se tratar de normas especiais de carácter tributário destinadas à criação de imposto, para cuja competência a Lei Básica reserva absolutamente à lei.
III. A integração pelo tribunal naqueles moldes nem mesmo à sombra do espírito do sistema é possível (art. 9º, nº3, CC).
Proc. nº 91/2016
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I – Relatório
“A”, sociedade com sede em Macau, na Alameda ……, matriculada sob o n.º 19XXX SO, e registada como contribuinte fiscal sob o n.º 8176XXXX (doravante designada por “Recorrente”), ---
Interpõe recurso contencioso ---
do despacho do Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 16 de Outubro de 2015, notificado por ofício da Direcção dos Serviços de Finanças de 24 de Novembro de 2015 (ref. n.º 318/NAJ/VP/2015), que indeferiu o recurso hierárquico interposto das decisões de reclamação deduzidas na sequência da liquidação oficiosa do imposto de selo referente a alegados contratos de arrendamento de espaços comerciais (5 lojas) localizados no edifício comercial “...” sinto na Av. …….
Na petição inicial formulou as seguintes conclusões:
A. O procedimento administrativo teve a sua génese nas notificações efectuadas pelos Ofícios n.ºs 896/NIS/DOI/RFM/2015, 897/NIS/DOI/RFM/2015, 900/NIS/DOI/RFM/2015 e 901/NIS/DOI/RFM/2015, todos de 30 de Abril, e 1226/NIS/DOI/RFM/2015, de 22 de Maio, os quais exteriorizaram a liquidação oficiosa da quantia total de MOP145,817.00 (cento e quarenta e cinco mil, oitocentas e dezassete Patacas), alegadamente devida a título de Imposto do Selo (doravante “IS”) sobre “contratos de arrendamento”.
B. O procedimento administrativo de 1.º grau fundamentou-se na alegada existência de “contratos de arrendamento” não selados e celebrados pela Recorrente com as sociedades B , C, D, E e F em relação às lojas “A241”, “AG21”, “A220”, “A248” e “A130” do espaço comercial do Edifício …, localizado na Avenida …….
C. Os únicos contratos que unem a Recorrente à B (Macau Branch), C, D, E e F reportam-se aos espaços “A241”, “AG21”, “A220”, “A248” e “A130” do centro comercial do Edifício ... e são contratos de utilização de espaço em centro comercial, denominados “Agreement for Granting a Right of Use” (doravante “GOU” ou “GOUs”) e, como tal, contratos atípicos e inominados, não estando os mesmos, de acordo com essa doutrina e jurisprudência, sujeitos às regras do arrendamento, não havendo incidência do artigo 27.º Regulamento do Imposto do Selo e da verba 6 da sua Tabela Geral (apenas da verba 23).
D. A entidade recorrida fez uma aplicação errada da lei, na medida em que pretende cobrar imposto de selo à Recorrente partindo do pressuposto de que a mesma é parte em contratos de arrendamento, o que não corresponde à verdade e, como tal, não tem a Recorrente a obrigação de pagar imposto de selo à Direcção dos Serviços de Finanças nos montantes que esta oficiosamente liquidou.
E. A entidade recorrida fez uma errada qualificação jurídica dos factos, pelo que o acto administrativo recorrido é anulável por vício de violação de lei, nos termos do artigo 21.º, n.º 1, alínea d) do CPAC.
F. A administração fiscal ao liquidar IS por aplicação do artigo 27.º do RIS e do artigo 6 da TGIS, praticou um acto ilegal, porquanto as citadas normas são de aplicação exclusiva a contratos de arrendamento.
G. Quer formal quer materialmente, os GOUs firmados entre a Recorrente e a B (Macau Branch), C, D, E e F para exploração das lojas “A241”, “AG21”, “A220”, “A248” e “A130” no espaço comercial em causa, encontram-se subtraídos ao regime do arrendamento, com todas as consequências legais tanto em termos civilistas e fiscais.
H. Em geral, nos GOUs, uma das partes - a ora Recorrente - obriga-se a proporcionar a outrem - o comerciante - o acesso a um conjunto de serviços acoplado ao uso temporário de uma coisa, mediante retribuição, mas concedendo esse acesso por outra via que não a do contrato típico de arrendamento a que se reporta o artigo 970.º do Código Civil.
I. No caso da cedência de lojas em centros comerciais a forma do arrendamento não é, em regra, seguida, não se podendo daqui extrair qualquer conclusão legítima de que todo o uso de um imóvel pertença a esse tipo contratual.
J. Esta questão tem sido amplamente discutida na doutrina e na jurisprudência das mais diversas jurisdições fiscais, onde a existência de espaços comerciais, com a natureza daquele que é gerido pela Recorrente, conduziu à necessidade de se admitirem contratos substancialmente diversos do arrendamento ainda que esses mesmos contratos possam conter algumas cláusulas geralmente incluídas em contratos típicos.
L. Os GOUs são celebrados à luz dos princípios gerais do direito de Macau e ao abrigo da autonomia privada das partes, não seguindo o regime do arrendamento, desde logo porque em termos de objecto do contrato estes espaços contêm características específicas derivadas (i) da pluralidade de lojas, (ii) do modo como se relacionam entre si e (iii) da articulação do que é próprio da loja com o que é comum a todo o espaço comercial.
M. Os componentes de pluralidade integrada e de comunhão, de onde se realçam os serviços como a segurança, a limpeza, o ar condicionado, as redes de saneamento e de energia, de telefone, actividades de animação e promoção, publicidade, marketing e tantas outras que são asseguradas pela entidade exploradora de um espaço comercial, são absolutamente estranhas ao contrato típico de arrendamento, conduzindo os GOUs muito para além dos limites e características enformadores do tipo contratual legal do arrendamento.
N. Os contratos celebrados pela Recorrente contêm uma contrapartida fixa e outra variável, constituída esta última por uma percentagem calculada sobre o volume de negócios apurado na loja, sendo que quando se pugna por uma partilha do resultado e do risco do negócio, ainda que parcialmente, o contrato absorve uma componente parciária, muito semelhante à de associação em participação e da comandita e absolutamente estranha ao arrendamento, no qual é característico a renda, enquanto contrapartida fixa estipulada entre as partes.
O. A partilha de espaços comuns com relações entre este e cada uma das lojas, a relação global das lojas com o ente explorador do espaço comercial e a inexistência de renda são suficientes para que se afaste a tributação do contrato em causa à luz dos artigos 27.º do RIS e 6 da TGIS.
P. A doutrina e a jurisprudência têm considerado de forma pacífica que os contratos de utilização de espaços em centros comerciais constituem contratos atípicos e inominados, não se subsumindo os mesmos ao tipo contratual do arrendamento.
Q. Esta posição há muito que tem vindo a ser adoptada em Portugal, como se pode ver pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07/01/2010 (Proc. n.º 4477/05.0TVLSB.L1.S1) e Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13/05/2003 (Proc. n.º 883/2003-7) e de 24/04/2012 (Proc. n.º 2357/07.3TVLSB.L1-1), nos quais se encontram várias referências doutrinais.
R. Também em Macau tem vingado o mesmo entendimento nos tribunais, existindo várias decisões a este respeito - a título de exemplo, veja-se o Acórdão deste Venerando Tribunal de 25/06/2015 (Proc. TSI 699/2013), bem como as sentenças do Tribunal Judicial de Base datadas de 2 de Maio, 13 e 30 de Junho de 2014 (respectivamente, nos processos que correram termos sob os n.ºs CV2-10-0017-CAO, CV2-09-0076-CAO e CV3-10-0021-CAO).
S. Os Tribunais de Macau interpretam e aplicam as mesmas normas jurídicas, dentro do mesmo sistema jurídico (o de Macau), não sendo credível nem aceitável que a entidade recorrida aplique os mesmos normativos legais de forma diferente, como se o respectivo quadro normativo fosse diferente (ou “privativo”).
T. A própria Repartição de Finanças reconhece que os Tribunais têm qualificado o contrato em questão como “atípico” e não como contrato de arrendamento, mas entende que as decisões proferidas não o foram em sede “fiscal” e não a vinculam, sem apresentar qualquer fundamentação jurídica para tal entendimento.
U. Se a entidade recorrida reconhece que o conceito (ou definição) “fiscal” de arrendamento é o mesmo conceito (ou definição) da lei civil - em particular ao que consta dos artigos 969.º e 970.º do Código Civil -, não se percebe como pode a mesma entidade afirmar que as decisões judiciais supra referidas não devem valer para efeitos de matéria fiscal.
V. Se é certo que as decisões proferidas nos processos acima referidos (e em outros...) não vinculam a Administração Fiscal, que não era parte nos referidos processos, já não se entende como é que a Administração Fiscal, reconhecendo que o conceito (ou definição) fiscal de arrendamento resulta da lei civil, ignore depois as referidas decisões judiciais e a interpretação que as mesmas fazem de que os contratos em questão não constituem contratos de arrendamento.
X. Em nenhum momento fez a entidade recorrida uma cabal qualificação dos contratos em questão como sendo de arrendamento ou não, limitando-se a afirmar que os contratos que a Recorrente alegadamente celebrou preenchem o conceito de arrendamento, não fundamentando tal interpretação e olvidando as decisões judiciais que referem que os contratos de utilização de espaços em centros comerciais não constituem contratos de arrendamento.
Z. É manifesto o erro sobre os pressupostos de facto e de direito que conduziram à prolação do acto recorrido em clara violação da lei, assim se legitimando que se requeira a sua anulação, porque anulável à luz do artigo 124.º do CPA e da alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º do CPAC.
AA. O Direito Fiscal sujeita o seu aplicador e intérprete à conformação com princípios básicos de protecção dos administrados, que encontram especial sedimentação no Princípios da Legalidade Tributária, especial na vertente que este absorve da Tipicidade Tributária.
BB. Os tributos, para além de só poderem ser criados por Lei, também só podem ser cobrados quando uma norma específica os preveja por via da incidência que será aplicável a um determinado facto tributário.
CC. Sendo os contratos em causa contratos de uso de espaços comerciais em zona comercial, não pode a administração fiscal impor o cumprimento de obrigações tributárias só aplicáveis aos arrendamentos, entendidos estes como os contratos típicos a que se reporta a lei civil nos artigos 1029.º e seguintes do Código Civil, porquanto só a estes se aplica esta disposição fiscal.
DD. A RAEM, garantindo um estado de direito aos seus cidadãos em toda a sua plenitude, absorveu vários princípios gerais enformadores do Direito Fiscal, sendo prova disso a alínea 15) do artigo 6.º da Lei n.º 13/2009 onde se estipula um critério de reserva de lei formal quando esteja em causa o regime tributário, norma que constitui o garante absoluto da segurança jurídica e de certeza no Direito que deve enformar toda a fiscalidade e que se traduz na possibilidade dada ao contribuinte de conhecer e computar os seus encargos tributários com base directa e exclusivamente na lei.
EE. O Princípio da Tipicidade enquanto parcela do da Legalidade, implica que se tenha em atenção quais as situações jurídicas tributáveis, seleccionando-se quais as manifestações de riqueza que num regime de numerus clausus poderão determinar a obrigação tributária.
FF. Quando o artigo 27.º do RIS e 6 da sua Tabela Geral se referem à obrigação de pagamento de IS sempre que seja celebrado um contrato de arrendamento, só esse contrato típico civilista poderá ser abrangido pela norma tributária, estando vedado à administração fiscal proceder de forma diversa sob pena de entrar no plano do exercício de poderes discricionários em matéria de elementos essenciais do imposto.
GG. Contratos como os que celebrou a Recorrente não são contratos de arrendamento e, por isso, não podem ser alvo de tributação em sede do artigo 27.º do RIS, enfermando o acto administrativo impugnado de manifesto vício de violação de lei na vertente dos pressupostos de facto, conducente a um erro sobre os pressupostos de direito por mandar aplicar as regras dos artigos 27.º do RIS e 6 da TGIS à situação em causa, violando assim os Princípios da Tipicidade e da Legalidade em Direito Fiscal que a alínea 15) do artigo 6.º da Lei n.º 13/2009 protege.
HH. O tipo de interpretação de lei levado a cabo pela Administração não pode deixar de se reconduzir a uma verdadeira integração de lacunas em Direito Fiscal, tendo a administração fiscal, ao invés de admitir a atipicidade dos GOUs e a sua exclusão das normas de incidência do RIS, optado por os tributar de acordo com as regras fiscais que o legislador pretendeu fossem de aplicação exclusiva aos contratos típicos de arrendamento, sendo, no entanto, a doutrina clara na proibição da integração de lacunas como uma decorrência normal da aplicação dos Princípios da Legalidade e da Tipicidade Tributárias.
II. Embora o artigo 9.º do CC admita a integração de lacunas nas modalidades de integração analógica e de integração de sistema, a verdade é que tal é absolutamente proibido em matéria de impostos, em especial quanto aos seus elementos essenciais, onde se destacam a incidência, benefícios fiscais, taxas e garantias dos contribuintes.
JJ. A administração fiscal ao pretender tributar os GOUs como se de arrendamentos se tratasse entra na esfera da integração de lacunas alargando a incidência do artigo 27.º do RIS e do artigo 6 da TGIS para outros tipos contratuais que a lei omite.
LL. Ao fazer uso da integração para a prolação do acto tributário que ora se impugna, a DSF ofende a alínea 15) do artigo 6.º da Lei n.º 13/2009, porquanto se substitui a competências exclusivas da Assembleia Legislativa, criando autonomamente tributos ao arrepio dos princípios básicos de um Estado de Direito.
MM. O acto impugnado enferma do vício de violação de lei, por violação do Princípio da analogia em direito fiscal, como decorrência obrigatória da aplicação da alínea 15) do artigo 6.º da Lei n.º 13/2009, assim se legitimando que se requeira a sua anulação, a abrigo do artigo 20.º e da alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º, ambos do CPAC.
NN. A fundamentação do despacho ora recorrido é deficiente em face dos factos apresentados e carece de uma verificação prévia com vista ao esclarecimento da realidade, tendo-se a entidade recorrida limitado a fazer uma breve e críptica referência a alegados contratos de arrendamento, não indicando porque motivos os qualifica como contratos de arrendamento face ao conceito consagrado na lei civil e impossibilitando a Recorrente de compreender o que está na base da decisão recorrida e de apresentar defesa tendo por base todos os elementos relevantes no processo.
OO. Ora, nos termos da alínea e) do art. 113.º do CPA, deve constar do acto “a fundamentação, quando exigível”, sendo a mesma exigível em todos os actos que “neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções” (al. a) do art. 114.º do CPA).
PP. Dado que o acto recorrido impõe o pagamento de um imposto à Recorrente, deve o respectivo órgão da administração fundamentar o mesmo, acrescendo que “equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto” (art. 115.º, n.º 2, CPA).
QQ. Como não substanciada, deve considerar-se que não existe fundamentação nos termos do artigo 115.º do CPA para insistir na decisão de indeferimento; como talo despacho recorrido viola o artigo 124º do CPA, e deve assim ser anulado.
RR. A entidade recorrida absteve-se de notificar a Recorrente quanto à demais informação que instruiu a sua decisão, não facultando à Recorrente cópia dos documentos que entende constituírem arrendamento e que serviram de base à sua decisão, pelo que o acto administrativo ora recorrido é anulável nos termos do artigo 124.º do CPA.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve o presente recurso ser apreciado e em conformidade ser o acto administrativo anulado nos termos do disposto no artigo 124.º do CPA, com fundamento na sua ilegalidade e na falta de fundamentação e notificação».
*
Por seu turno, a entidade recorrida concluiu assim a sua contestatória:
«Iª - O recurso que ora se contesta tem por objecto o despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, 16 de Novembro de 2015, exarado na Proposta nº 152/NAJ/VP/2015, de 5 de Novembro, notificado à recorrente através do Oficio nº 318/NAJ/VP/2015, de 24 de Novembro, que indeferiu o recurso hierárquico, interposto pela ora recorrente do indeferimento da reclamação - apresentada pela recorrente a 24 de Agosto de 2015 - contra o acto de liquidação oficiosa do imposto do selo que calculou o imposto do selo relativo aos contratos de arrendamento de loja em centro comercial celebrado com as B, C, D, E e F do espaço comercial do Edifício …, localizado na Avenida …….
IIª - Para a recorrente a ilegalidade do acto recorrido assenta no facto da administração tributária ter qualificado o contrato celebrado com lojista em centro comercial como contrato de arrendamento quando, no entender da recorrente, aquele contrato é um contrato atípico e logo não se encontra no âmbito de incidência do imposto do selo.
IIIª - Mas em sede de Direito Fiscal os arrendamentos representam uma manifestação de riqueza, quer seja em Portugal quer em Macau, e logo são taxáveis em ambos os sistemas.
IVª - Em Portugal, onde foi introduzido o imposto sobre o consumo, mais comummente imposto sobre o valor acrescentado (IVA), as operações que são sujeitas a este imposto não são sujeitas a imposto do selo. Isto, porque, o IVA incide sobre todas as prestações onerosas de serviços e logo sobre todas as actividades empresariais.
Vª - Portanto, em Portugal, a administração tributária entende que, em regra, os contratos de locação de bens imóveis é isenta de IVA e sujeitos a imposto do selo, com a excepção, entre outras, da locação de espaços destinados a actividades de natureza comercial e/ou industrial.
VIª - A fim de evitar a dupla tributação, o legislador português, quando previu a tributação daqueles contratos em sede de IVA exclui os mesmos da incidência de imposto de selo ao abrigo da norma de delimitação negativa do n.º 2 do artigo 1.º do CIS.
VIIª - “Tal exclusão do campo de incidência impede, assim, que o imposto do selo possa vir a ser repercutido no preço dos bens e serviços sujeitos a IVA, agravando a base de incidência deste último imposto e gerando um efeito de dupla tributação. O imposto do selo assume, por isso, um carácter residual face ao IVA, apenas incidindo sobre factos ou actos que além de previstos na Tabela Geral não estão sujeitos a IVA, ou que estando sujeitos, dele se encontrem isentos”. (Cfr. Saldanha Sanches/M.Anselmo Torres, “A incidência de selo sobre o trespasse”, Fiscalidade, n.º 32, pp5)
VIIIª - Os contratos sub judice reúnem os elementos essenciais da locação/arrendamento nos termos dos artigos 969.º e 970.º do CC podendo ter por fim o exercício de empresa comercial.
IXª -Em Macau, o Regulamento do Imposto do Selo no Capítulo VII, sob a epígrafe “Arrendamentos”, não faz a distinção de que tipo de arrendamento se trate.
Xª - No Capítulo VII, do Regulamento do Imposto do Selo, sob a epígrafe “Arrendamentos”, bem como da Tabela Geral não consta qualquer distinção de que tipo de arrendamento se trate.
XIª - O imposto do selo visa taxar uma manifestação de riqueza que se traduz no valor constante dos actos, contratos e outros actos ou situações jurídicas que se encontrem previstas no RIS conforme se retira da respectiva norma de incidência objectiva do artigo 1.º do RIS:
XIIª - Agiu a administração fiscal em estrito cumprimento do princípio da legalidade ao aplicar os artigos 26.º e segts. do RIS, artigo 6.º da TGRIS ao contrato celebrado entre a recorrente e as B, C, D, E e F
XIIIª - À luz do quadro legal aplicável - cfr. artigos 969.º e 970.º do Código Civil, artigo 27.º do RIS e artigo 6.º da TGRIS, - dos factos citados, estão definidos os pressupostos tributários que motivaram a Administração a proceder à liquidação oficiosa do imposto do selo.
XIVª - Não ocorreu nenhum vício de violação de lei, designadamente aplicação errada da lei bem como o eventual vício de forma por falta de fundamentação.
XVª - A falta ou insuficiência de fundamentação, constituindo um vício de forma, determina, em princípio, a invalidade do acto administrativo, mas sempre se dirá que os vícios poderão considerar-se sanados quando se demonstrar que, apesar da imprecisão ou omissão ou irregularidade do conteúdo do acto, foi atingido o objectivo que se visava atingir com a imposição deste conteúdo, designadamente que o seu destinatário se apercebeu do seu exacto alcance. O que se verifica no presente caso.
XVIª - A recorrente foi devidamente notificada da liquidação bem como das decisões que recaíram sobre os meios de reacção (reclamação e recurso hierárquico).
XVIIª - À Administração Fiscal, em sede de notificação, não é exigido que envie cópia ou certidão de todo o processo.
XVIIIª - Pelo que não se verifica quaisquer dos vícios assacados pela recorrente ao acto recorrido.
Termos em que se requer a V.Exª, que seja o presente recurso declarado improcedente e, consequentemente, mantido o acto recorrido».
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Houve lugar a alegações facultativas, em cujas peças as partes mantiveram no essencial as posições anteriormente assumidas.
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O digno Magistrado do MP pronunciou-se do seguinte modo:
«Objecto do presente recurso contencioso é o acto de 16 de Outubro de 2015, da autoria do Exm.º Secretário para a Economia e Finanças, que indeferiu o recurso hierárquico interposto por A, a propósito de liquidação oficiosa de imposto de selo relativamente a contratos de instalação de lojistas no espaço comercial ..., sito na Av. Dr. Sun Yat Sen, em Macau.
A recorrente entende que o imposto liquidado não é devido, porquanto não cabe no âmbito da norma de incidência, imputando ao acto os diversos vícios explicitados na sua petição de recurso, os quais, em maior ou menor grau, giram em torno das divergências interpretativas acerca das normas dos artigos 27.º do Regulamento do Imposto de Selo aprovado pela Lei 17/88/M, de 27 de Junho, e 6.º da Tabela Geral anexa.
Fomos recentemente chamados a pronunciar-nos num outro caso, em tudo idêntico ao presente. Dada a similitude das situações, iremos seguir muito de perto o parecer que então exarámos, e cujas linhas essenciais continuaremos a sustentar até que se venha a firmar jurisprudência sobre a matéria.
Está em causa a tributação, em imposto de selo, dos contratos designados por Agreement for Granting a Right of Use.
A questão essencial que se coloca é a de caracterizar os aspectos substanciais deste tipo de contratos, a fim de apurar se lhes subjaz alguma realidade que possa ser enquadrada na noção de arrendamento, tal como ela é recebida do direito civil, pois o direito fiscal não elegeu, nesta matéria, uma noção diversa daquela. Tal como sustenta Saldanha Sanches, no caso dos rendimentos provenientes da exploração de um centro comercial, o aspecto decisivo para a qualificação como rendimentos prediais não pode ser a forma contratual utilizada para a sua exploração, mas a substância desses mesmos contratos.
Pouco importará, pois, a catalogação que as partes lhes tenham dado, sendo indiferente que os tenham apodado de contratos atípicos ou inominados, contratos de integração, contratos de cooperação, etc. E também não haverá um interesse decisivo em estabelecer um paralelo com o regime fiscal português nesta matéria, pois é sabido que, em Portugal, a matéria de que ora curamos é tributada de forma diferente.
A nova realidade criada pela proliferação de grandes superfícies comerciais - verdadeiros polos de atracção de consideráveis massas de clientes pelas diversas valências que proporcionam -, trouxe consigo acrescidas exigências associadas à oferta integrada de uma panóplia de serviços de comércio, entretenimento e lazer, que obrigou os promotores à adopção de um novo paradigma de gestão. Neste novo paradigma, os donos dos prédios onde são instaladas e funcionam as grandes superfícies comerciais passam a ser concomitantemente proprietários imobiliários e empresários. As exigências derivadas da gestão necessariamente integrada destas superfícies acabam por trazer à baila a desadequação de um regime de locação rígido subordinado às clássicas regras tipificadas. É neste contexto que nascem os conhecidos contratos atípicos de instalação de lojistas em centros comerciais.
Estes contratos, que contam com o beneplácito de avalizada doutrina, acabam por estipular, a coberto do princípio da liberdade contratual, regras que diferem em muitos aspectos daquelas que o legislador manda aplicar aos típicos contratos de arrendamento. E, apesar de inicialmente terem visto o repúdio da jurisprudência, que tratava as situações neles disciplinadas como matéria de arrendamento, acabaram por ser admitidos pelos tribunais como uma forma válida de disciplinar a relação que se estabelece entre os donos/gestores do empreendimento e os lojistas que aí albergam os seus negócios.
Mas será que estamos perante uma realidade deveras diferente daquela que constitui a locação e o arrendamento, tal como o legislador os configura?
Cremos que não.
Alguma doutrina vem-se insurgindo contra a posição de manifesta supremacia em que se move o senhorio/empresário, em contraste com a debilitada posição a que está sujeito o lojista, caso a relação seja inteiramente disciplinada pelo clausulado dos referidos contratos atípicos, E defende que, tratando-se de contratos iniludivelmente assentes numa base locatícia, terão que ser encarados como arrendamentos de um novo tipo, para cujo tratamento preconizam, na falta de regime especial legalmente estabelecido, um regime equilibrado e equitativo cujo ponto de partida será o regime (clássico) do arrendamento comercial, sem descurar outros dados e soluções também fornecidos pelo ordenamento jurídico, quando o jogo dos interesses e a tutela das partes o justifiquem.
O contrato de cedência de loja em centro comercial centra-se na cedência temporária do gozo de um espaço, mediante retribuição, no qual o lojista vai instalar um estabelecimento comercial e ali exercer a sua actividade de comerciante. Nessa medida, e por mais voltas que se dê, parece-nos inegável que o contrato assenta sobre uma base imobiliária, e que se inscreve no art. 1022.º do Ccivil [artigo 969.º do Código Civil de Macau] - refere Wilson Ávila na citada dissertação. Mas concede que o contexto em que são celebrados estes específicos contratos difere... do jogo de interesses pressuposto pelo regime do arrendamento comercial... uma vez que...aos interesses empresariais do arrendatário contrapõem-se agora os interesses também empresariais do senhorio, que devem ser também sopesados... Daí que, em jeito de conclusão, alvitre que, apesar dos inconvenientes em aplicar ao contrato de cedência de loja em centro comercial o regime puro do arrendamento, a procura de soluções justas e equilibradas, que contemplem os interesses de cada uma das partes, há-de fazer-se na esteira do regime do contrato de arrendamento, já que a matéria não deixa de se centrar na cedência temporária e remunerada de parte de um imóvel.
Ou seja, e para o que ora interessa, os denominados contratos de cedência de loja em centro comercial, posto que contemplem uma realidade não totalmente coberta pelo regime do arrendamento, têm uma inegável componente de arrendamento.
Por isso, e tal como a entidade recorrida, propendemos a considerá-los englobados no âmbito das normas de incidência que a recorrente sustenta terem sido violadas.
Todavia, ao contrário da opção seguida pelo acto impugnado, de tratar como “rendas” a totalidade das verbas recebidas pela recorrente, entendemos, em congruência com a posição explicitada supra, que só a parte fixa prevista nos contratos, ou base fee, representa a contrapartida remuneratória pela componente locatícia da cedência temporária do imóvel. A parte variável estipulada nos contratos, onde se incluem a operating fee e o service charge, porque visa remunerar serviços diversos, reclamados precisamente pela realidade diferente que caracteriza o funcionamento integrado da empresa em que se inserem as várias lojas, não pode, no entendimento que defendemos, ser tomada por contrapartida daquela componente locatícia dos contratos, escapando ao conceito de renda. Cabe, aliás, dizer que a norma do artigo 14.º do Regulamento da Contribuição Predial Urbana, geralmente invocada para sustentar a tributação de todas as importâncias envolvidas nos contratos em discussão, é uma norma que elege um conceito abrangente de renda, mas apenas para efeitos de contribuição predial urbana. O seu escopo de evitar fraudes à lei, desencorajando actos que potenciem a diminuição artificial do rendimento tributável, é óbvio e não encontra razão de ser nos contratos de instalação de lojistas aqui em causa.
Assim, na parte em que cauciona a incidência do imposto sobre as contrapartidas variáveis, conhecidas por operating fee e service charge, o acto impugnado afronta o disposto no artigo 27.º do Regulamento do Imposto de Selo.
Nos termos expostos, e na estrita medida em que a tributação excedeu a contrapartida locatícia constituída pela base fee, procede o inerente vício de violação de lei, pelo que, nessa parte, deve o recurso obter provimento e anular-se o acto recorrido».
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Cumpre decidir.
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II – Pressupostos processuais
O tribunal é competente em razão da matéria, nacionalidade e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III – Os factos
Damos por assente a seguinte factualidade:
1 – À ora recorrente foram efectuadas as notificações através dos Ofícios n.ºs 896/NIS/DOI/RFM/2015, 897/NIS/DOI/RFM/2015, 900/NIS/DOI/RFM/2015 e 901/NIS/DOI/RFM/2015, todos de 30 de Abril, e 1226/NIS/DOI/RFM/2015, de 22 de Maio, os quais levaram ao seu conhecimento a liquidação oficiosa da quantia total de MOP145,817.00 (cento e quarenta e cinco mil, oitocentas e dezassete Patacas), a título de Imposto do Selo sobre “contratos de arrendamento”.
2 – A referida liquidação oficiosa fundamentava-se na alegada existência de contratos de arrendamento não selados, celebrados pela Recorrente com as sociedades B (Macau Branch), C, D, E e F em relação às lojas “A241”, “AG21”, “A220”, “A248” e “A130” do espaço comercial do Edifício ..., localizado na Avenida .......
3 - Foram apresentadas reclamações em relação às decisões exaradas nos Ofícios n.ºs 896/NIS/DOI/RFM/2015, 897/NIS/DOI/RFM/2015, 900/NIS/DOI/RFM/2015 e 901/NIS/DOI/RFM/2015 a 30 de Abril de 2015 e reclamação em relação à decisão exarada no Ofício n.º 1226/NIS/DOI/RFM/20159 a 9 de Junho de 2015.
4 - As referidas reclamações foram todas indeferidas por despacho da Exma. Senhora Directora dos Serviços de Finanças de 17 de Julho de 2015, exarado na Proposta n.º 1156/NIS/DOI/RFM/2015, de 30 de Junho.
5 – A recorrente interpôs então dirigido recurso hierárquico necessário ao Senhor Chefe do Executivo.
6 - Os contratos que unem a Recorrente à B , C, D, E e F reportam-se aos espaços “A241”, “AG21”, “A220”, “A248” e “A 130” do centro comercial do Edifício ... e são contratos de utilização de espaço em centro comercial, denominados “Agreement for Granting a Right of Use” (doravante referidos apenas por “GOU” ou “GOUs”) e, como tal, contratos atípicos e inominados.
7 – Foi então elaborada a Proposta nº 152/NAJ/VP/2015, com o seguinte teor:
事由: 必要訴願。印花稅。租賃合同。拾富物業股份有限公司。
Assunto: Recurso Hierárquico Necessário. Imposto do Selo. Contratos de arrendamento. A.
建議書編號 Proposta N.º: 152/NAJ/VP/2016
日期 Data: 5/11/2015
Exm. Senhor Director dos Serviços de Finanças
Em cumprimento do despacho da Exma. Sra. Coordenadora do NAJ, cumpre que nos pronunciemos sobre o Recurso Hierárquico Necessário, interposto em 24.08.15, pela contribuinte “A.”, ao abrigo do disposto no artigo 2.º da Lei n.º 12/2003, conjugado com a alínea a) do artigo 6º do Decreto-Lei nº 15/96/M, de 12 de Agosto e do artigo 2.º do Decreto-Lei n17.07.l5, do despacho do Senhor Director dos Serviços, de 17.07.15, ex arado na Proposta n.º 1156/NIS/DOI/RFM/2015, de 30.06.15, notificado pelo oficio n.º 2207/NIS/DOI/RFM/2015, de 23.07.15 que indeferiu a reclamação do acto de liquidação oficiosa de Imposto do Selo proferido pelo Senhor Subdirector dos . Serviços de Finanças, de 5.03.15.
A recorrente, inconformada com a decisão, alega que o acto administrativo padece do vício de violação de lei pela aplicação errada da lei, do vício de falta de fundamentação e falta de notificação de informação solicitando, nos termos do artigo 124.º do CPA seja revogado o acto do Subdirector dos Serviços de Finanças, que indeferiu o pedido de revogação do acto de liquidação do Imposto do Selo, formulado pela ora recorrente em sede de reclamação, por verificação dos vícios alegados.
O recurso é tempestivo, porque apresentado dentro do prazo de 30 dias previsto no artigo 6.0 da Lei n.º 15/96/M, sendo o Senhor Chefe do Executivo a entidade competente para decidir, nos termos do n.º 3 do artigo 2.º da Lei n.º 12/2003. A interposição do presente recurso suspende a eficácia do acto recorrido, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 157.º do Código do Procedimento Administrativo.
I. Vício de violação de lei - errada aplicação da lei (RIS)
Vem a ora recorrente alegar que a Administração Fiscal procedeu a uma errada aplicação da lei ao aplicar o Regulamento do Imposto do Selo a contratos em que a recorrente é parte. Fundamenta a sua posição nas características específicas “ destes contratos, nomeadamente “...o facto de a título de retribuição o lojista pagar uma remuneração fixa mínima (base fee) à qual acresce uma retribuição variável (operating fee) calculada por referência a uma percentagem do valor da facturação bruta mensal, que só é devida na parte em que exceda o valor da parcela fixa, bem como o dever do lojista de contribuir para os encargos com a manutenção e organização do centro comercial (service charge) - têm a doutrina e a jurisprudência considerado de forma pacifica que os contratos de utilização de espaços em centros comerciais constituem contratos atípicos e inominados, não se subsumindo os mesmos ao tipo contratual do arrendamento”, pelo que houve da parte da Administração Fiscal a errada qualificação dos factos.
A locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar a outra o gozo temporário de uma coisa mediante retribuição e consistindo um bem imóvel a coisa locada estamos perante um arrendamento. (cfr. artigos 969.º e 970.º do Código Civil)
Daqui retira-se que os elementos essenciais que integram a locação (e o arrendamento) são três, a saber: obrigação do locador proporcionar o gozo de uma coisa à outra parte, ou seja, o aproveitamento das utilidades da coisa no âmbito do contrato, que podem ser o uso ou o uso e a fruição da coisa locada, o prazo, o gozo da coisa locada deve ser temporário, valendo o prazo estipulado pelas partes; e a retribuição (pelo gozo da coisa locada).
O contrato de arrendamento, nos termos acima expostos, pode ter por fim a habitação, o exercício de empresa comercial, o exercício de profissão liberal, a actividade rural ou outra aplicação lícita do prédio conforme dispõem os artigos 975.º n.º 2 e 1031.º do Código Civil.
No Capítulo VII, do Regulamento do Imposto do Selo, sob a epígrafe “Arrendamentos”, bem como da Tabela Geral não consta qualquer distinção de que tipo de arrendamento se trate.
O imposto do selo visa taxar uma manifestação de riqueza que se traduz no valor constante dos actos, contratos e outros actos ou situações jurídicas que se encontrem previstas no RIS, conforme se retira da respectiva norma de incidência objectiva do artigo 1.º do RIS.
Ora, aceitando-se que o conceito de arrendamento constante do RIS se reconduz ao definido no C.C. conclui-se que os contratos sub judice reúnem os elementos tipo do contrato de arrendamento sendo, consequentemente, aplicáveis os normativos referentes aos mesmos maxime os artigos 27.º do RIS e o artigo 6.º da Tabela Geral anexa ao RIS.
II. Vício de violação, de lei - Falta de fundamentação.
Alega a recorrente que a “fundamentação do despacho recorrido é deficiente em face dos factos apresentados e careceu de uma verificação prévia com vista ao esclarecimento da realidade.”
Continua a recorrente “...a decisão recorrida não permite à recorrente identificar qual o contrato que a Entidade Recorrida entende constituir arrendamento e quais as razões que a levaram a considerar que tal contrato, a existir, se subsume ao tipo contratual de arrendamento.”
“Na verdade, a Entidade Recorrida limitou-se a fazer uma referência a um alegado contrato de arrendamento, não indicando sequer que contrato é esse, em que data foi celebrado, por que período, condições e sob que direitos e obrigações, e impossibilitando a Recorrente de compreender o que está na base da decisão recorrida - pelo que, deste modo, não pode a Recorrente apresentar defesa tendo por base todos os elementos relevantes no processo (por não saber, sequer, qual o contrato que alegadamente constitui arrendamento).”
Apreciando o invocado vício, resulta inequívoco que o acto de liquidação oficiosa se encontra devidamente fundamentado na Informação n.º 284/NIS/DOI/RFM/2015, que mereceu a concordância do Senhor Subdirector dos Serviços de Finanças, e onde se encontram explicitadas as razões de facto e de direito para ter sido aquele contrato tributado, em obediência ao artigo 115.º do CPA que dispõe que a fundamentação “...deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão...”
E as razões de facto e de direito subjacentes ao acto de liquidação oficiosa constantes daquela Informação foram sucintamente vertidas nas notificações ao contribuinte sob os Ofícios n.ºs 896/NIS/DOI/RFM/2015, 897/NIS/DOI/RFM/2015, 900/NIS/DOI/RFM/2015, 901/NIS/DOI/RFM/2015, todos de 30/04, e 1226/NIS/DOI/RFM/2015 de 22/05.
O acto ora recorrido, que decidiu as reclamações do acto de liquidação oficiosa, também se encontra devidamente fundamentado, conforme Proposta n.º 1156/NIS/DOI/RFM/2015 que mereceu a concordância do Senhor Director dos Serviços pelo despacho ora impugnado onde se encontram explicitadas as razões de facto e de direito para o indeferimento das reclamações e para terem sido aqueles contratos tributados.
Pelo ofício n.º 2207/NIS/DOI/RFM/2015 foi a ora recorrente notificada da decisão sobre as reclamações.
Após a notificação do acto de liquidação oficiosa a ora recorrente para além de não ter solicitado qualquer elemento que considerasse em falta, apresentou inclusivamente reclamação daquele acto em moldes tais que dúvidas não restam quanto à clareza dos fundamentos para tributação do contrato em sede de imposto do selo.
Constituindo a falta ou insuficiência de fundamentação um vício de forma que determina, em princípio, a invalidade do acto administrativo, sempre se dirá que os vícios poderão considerar-se sanados quando se demonstrar que, apesar da imprecisão ou omissão ou irregularidade do conteúdo do acto, foi atingido o objectivo que se visava atingir com a imposição deste conteúdo, designadamente que o seu destinatário se apercebeu do seu exacto alcance.
II. Falta de notificação de informação.
Alega a recorrente que “...a Entidade Recorrida se absteve de notificar a Recorrente quanto à demais informação que instruiu a sua decisão.”
Em particular, a Entidade Administrativa não facultou à Recorrente o contrato que entende constituir arrendamento e que serviu de base à sua decisão (e também não tendo identificado tal contrato), não dispondo assim a Recorrente dos elementos mínimos que permitem a preparação da sua defesa.”
Apreciando,
Não parece questionável a necessidade de comunicar o texto integral do acto administrativo.
Sendo não essencial a comunicação da fundamentação integral do acto este é plenamente eficaz se tal notificação não for requerida pelo administrado, como não foi.
O mesmo se dizendo quanto à notificação do acto que decidiu a reclamação. Quer no prazo para a reclamação, quer dentro do prazo para o recurso hierárquico necessário teve oportunidade para por via da consulta do processo ou por via da passagem de certidão de se inteirar de toda a actividade instrutória que conduziu quer à liquidação oficiosa, quer à decisão da reclamação.
À Administração Fiscal, em sede de notificação, não é exigido que envie cópia ou certidão de todo o processo.
Parece-nos que o contribuinte, que não estando cabalmente satisfeito com o conteúdo da notificação mas nada faz, designadamente vindo consultar o processo ou requerendo certidão dos elementos que reputa de essenciais, não deve posteriormente, em sede de reclamação ou recurso vir arguir estes alegados vícios.
Pelo que não se verifica quaisquer dos vícios assacados pela recorrente ao acto recorrido.
Termos em que se apresentam as seguintes
一、結論
I. CONCLUSÕES
I. 根據適用法律框架-詳《民法典》第九百六十九條和第九百七十條、《市區房屋稅規章》第十四條、《印花稅規章》第二十七條和《印花稅繳稅總表》第六條等規定一從上述事實中,已確定課徵前提,而這些前提是當局依職權結算金額為澳門幣145,817.00元印花稅的理由。
À luz do quadro legal aplicável - cfr. artigos 969.º e 970.º do Código Civil, artigo 14.º do Regulamento da Contribuição Predial Urbana, artigo 27.º do RIS e artigo 6.º da TGRIS, - dos factos citados, estão definidos os pressupostos tributários que motivaram a Administração a proceder à Liquidação Oficiosa do Imposto do Selo na importância de MOP$145,817.00
II. 上訴人獲適當通知有關結算和有關聲明異議的決定。
A recorrente foi devidamente notificada da liquidação bem como da decisão que recaiu sobre a reclamação.
III. 在通知方面,稅務當局沒有被要求寄送整個卷宗的副本或證明。
À Administração Fiscal, em sede de notificação, não é exigido que envie cópia ou certidão de todo o processo.
IV. 不存在任何違反法律的瑕疵,尤其不存在錯誤適用法律和或有的欠缺依據的形式瑕疵。
Não ocorreu nenhum vício de violação de lei, designadamente aplicação errada da lei bem como o eventual vício de forma por falta de fundamentação.
V. 依據欠缺或不足屬形式瑕疵,原則上可導致行政行為的無效,然而通常指:當顯示行為內容是不清晰或省略或不規則,之前期望以此內容達標且已經達標,尤其是其相對人已知悉其確實範園時,瑕疵可視為已補救。
A falta ou insuficiência de fundamentação, constituindo um vício de forma, determina, em princípio, a invalidade do acto administrativo, mas sempre se dirá que os vícios poderão considerar-se sanados quando se demonstrar que, apesar da imprecisão ou omissão ou irregularidade do conteúdo do acto, foi atingido o objectivo que se visava atingir com a imposição deste conteúdo, designadamente que o seu destinatário se apercebeu do seu exacto alcance. O que se verifica no presente caso.
VI. 為此,課稅行為沒有產生無效和可撤銷性。
Pelo que não resulta a invalidade e anulabilidade do acto tributário.
綜上所述,依職權結算的行政行為是毫無疑問的,因為具備《氏法典》第九百六十九條和第九百七十條、《市區房屋稅規章》第十四條、《印花稅規章》第二十七條和《印花稅繳稅總表》第六條等所規定的法律和事實的前提條件,這些前提條件是課稅,行為依職權結算的理由,且上訴人已獲適當通知。
De tudo o quanto se explanou, não restam dúvidas em relação à validade do acto administrativo de liquidação oficiosa, uma vez que, estão reunidos os pressupostos de facto e de direito estabelecidos nos artigos 969.º e 970.º do Código Civil, artigo 14.º do Regulamento da Contribuição Predial Urbana, artigo 27.º do RIS e artigo 6.º da TGRIS, que motivaram a liquidação oficiosa do acto tributário tendo a recorrente sido devidamente notificada.
為此,這份必要訴願應視為理由不成立,謹建議閣下駁回訴願。
Pelo exposto deverá o presente recurso hierárquico necessário ser considerado improcedente, propondo-se, deste modo, a V. Ex.ª que seja negado provimento ao mesmo.».
8 – O Secretário para a Economias e Finanças despachou:
“Concordo com a proposta. Indefiro o recurso hierárquico”.
***
IV – O Direito
1 – Intenta-se dar resposta, no presente recurso contencioso, à questão central sobre se os diversos contratos celebrados com os lojistas do “...” são passíveis de imposto de selo, relativamente aos valores de ocupação do respectivo espaço por cada um e que a recorrente deles recebe.
Mas, visto que este TSI teve já a oportunidade de se debruçar sobre o assunto, vamos reproduzir o que foi dito (Ac. TSI, de 28/04/2016, Proc. nº 814/2015):
«…é preciso indagar até que ponto tais contratos cabem ou não no âmbito da previsão das pertinentes normas do Regulamento do Imposto de Selo.
E essas normas são as que a seguir, desde já, se transcrevem.
Art. 1º:
O Imposto de selo recai sobre os documentos, papéis e actos designadamente na Tabela Geral anexa ao presente regulamento, a qual faz parte integrante dele.
Art. 26º:
O selo devido pelos arrendamentos é pago por meio de verba, salvo tratando-se de escritos particulares, em que se utilizará a estampilha.
Art. 27º:
O selo dos arrendamentos é calculado em relação à renda de todo o tempo do contrato, e devido pelo locador.
Também não se pode esquecer o art. 6º da Tabela Geral do Imposto do Selo que fixa em 5% a taxa do imposto, a pagar por estampilha ou selo de verba, cuja incidência recai sobre o valor dos “arrendamentos, por qualquer modo ou título por que sejam feitos,..”.
*
3 - Da natureza dos contratos
Podem ou não os contratos de cedência do uso de lojas em centros comerciais ser assimilados pela noção de arrendamento para efeito da incidência?
A discussão sobre a natureza de tais contratos perdeu praticamente todo o fulgor inicial, na medida em que é hoje praticamente consensual na doutrina e jurisprudência que eles são contratos atípicos, mesmo que aqui e ali, pontualmente, comunguem de alguma das características dos de locação (mas, essa proximidade pontual não os torna num contrato de arrendamento especial1).
Que eles se assumem como contratos atípicos parece pouca gente ter dúvidas.
Assim é que, salvo nas situações em que por vezes a contrapartida a pagar é tida como renda – caso em que alguma doutrina propende estar perante uma união de contratos ou um contrato misto de arrendamento e prestação de serviços – ele não pode ser visto como um contrato típico de arrendamento (Pedro Pais de Vasconcelos, in Contratos de Utilização de Lojas em Centros Comerciais, na «Revista da Ordem dos Advogados», ano 56, 1996, tomo II, pág. 541-542; também disponível em http://www.oa.pt/upl/%7B4c44e661-e9bb-458b-a6b1-59175c5e5114%7D.pdf; ver ainda em Direitos das Obrigações, 7ª ed., Vol. I, pág. 211).
Oliveira Ascensão também defende que em tais hipóteses se está perante uma espécie negocial nova, um contrato atípico ou inominado, e não um contrato misto de arrendamento e de prestação de serviços (comentário ao acórdão do STJ de 24/03/92, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 54, 1994, Volume III, pág. 835-842, no site http://www.oa.pt/upl/%7B25cd1643-f47e-4cb2-9d7f-c968ccada961%7D.pdf; também, do mesmo autor, “Integração empresarial e centros comerciais”, na “Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa”, XXXII (1991), págs. 29-70).
No mesmo sentido da atipicidade, ver, por exemplo:
- Antunes Varela, Centros Comerciais, Shopping Centers; natureza jurídica dos contratos de instalação de lojistas (1995), separata da RLJ, pág. 100 e sgs. e ainda em Obrigações em Geral, I, 7ª, pág. 301.; - António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, II, Direito das Obrigações, tomo II, 2010, pág. 223-229;
- Manuel Trigo, Lições de Direito das Obrigações, pág. 658;
- Ana Paula Dourado, O Regime Fiscal dos Contratos Celebrados entre um gestor de centro comercial e um lojista que nele se instala, “Fisco”, 1994, nº61, pág. 5;
- Calvão da Silva, Centros Comerciais: atipicidade e validade das cláusulas gerais comuns, in RLJ ano 136, Julho-Agosto de 2007, págs. 359-376).
Jurisprudencialmente, esta é também a tese deste tribunal (Ac. TSI, de 25/06/2015, Proc. nº 699/2013).
Raras são as vozes que neles entrevêem uma natureza diferente.
Assim, por exemplo, tomando-os como contratos de arrendamento (um “novo tipo de arrendamento”), por terem uma base locatícia, apresentam-se outros autores, como é o caso de Cassiano Santos, no trabalho O Contrato de Instalação de lojista em Centro Comercial (e a aplicação do artigo 394º do Código Civil quando celebrado por adesão), in Cadernos de Direito Privado, nº 24, págs. 3 -20, ou de Wilson Daniel Vieira Ávila, no estudo intitulado O Contrato de cedência de loja em centro comercial: a necessidade de atender aos (novos) interesses do gestor sem descurar a devida protecção do lojista, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2005, pág. 29.
*
4 - Continuação
Claro está que uma posição como a daqueles que vertem sobre os contratos em apreço um olhar eminentemente locativo facilitaria a solução do presente caso. Porquê? Porque, vazando no seu conteúdo substantivo as virtudes do arrendamento, teríamos uma muito mais consensual e tranquila subsunção do caso à hipótese legal, em especial no que se refere ao valor pago periodicamente como base-fee, que então seria interpretada como valor de renda, conquanto com outro nome. Ou seja, ao menos ficcionando a base-fee como uma renda, ou equiparando-a a esta contrapartida, a tese do arrendamento de tipo novo ajudaria muitíssimo a optar pela tese da recorrente nessa parte (excluir-se-iam da solução todas as outras quantias pagas s outro título, como a “managemente fee”, “turnover fee”, “promotion fee”, streetmosphere levy”, etc.).
E também alcançaríamos com relativa facilidade idêntica solução de parcial procedência do recurso, se optássemos por acompanhar quem opine que o caso se pode rever num contrato misto, numa conjugação de “arrendamento” com uma “prestação de serviços”. É que, também aí, se nos oferecia pacífico o desenlace para a “vexata quaestio”, na medida em que para a tributação em imposto de selo bastaria a relevação da vertente locatícia do negócio, o que nos permitira mais uma vez acompanhar a Administração Fiscal, embora limitada à parte da base fee.
Temos, porém, para nós que a melhor solução é a dos que defendem a tese da atipicidade (louvamo-nos nos seus argumentos).
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5 – O Regulamento e a Tabela
Haverá algum desajuste incómodo entre o RIS e a Tabela?
Quando o capítulo VII do Regulamento aborda os “arrendamentos” como contratos sujeitos à incidência objectiva fá-lo, aparentemente, sem estabelecer qualquer distinção entre o conceito fiscal e o civilístico, que em boa verdade parece até nem existir. Mas, surpreendentemente, a Tabela vem esclarecer que o imposto incide sobre os arrendamentos, “…por qualquer modo ou título por que sejam feitos…”. Ou seja, fez a tabela aquilo que ao normativo talvez cumprisse primacialmente fazer.
Numa certa perspectiva, enfim, poderia acolher-se a ideia de que se tivesse sido o Regulamento a dizer aquilo que a Tabela consagrou, se avistaria ali, numa interpretação muito generosa, uma norma aberta capaz de abranger um universo de situações mais lato, a ponto de abarcar os casos, como este, em que o modo ou o título não é o de um contrato de arrendamento stricto sensu.
Contudo, nem por a Tabela assim se expressar poderemos nós concluir que ela abre as portas a essa tal interpretação generosa. Aliás, rigorosamente, mesmo que aquela expressão estivesse incluída na norma de incidência (art. 26º-27º), isso em nada mudaria o seu alcance objectivo.
Em nossa opinião, na expressão destacada da Tabela (que, repete-se, podia até estar na norma de incidência) apenas é possível ver algo que é mais próximo de um entendimento reportado ao modo (forma escrita ou oral) e ao título negocial concretamente utilizado (documento particular simples, autenticado, autêntico), sem ainda se desprezar o próprio fim de contrato (v.g., habitacional, comercial, industrial).
Portanto, olhando apenas para o grupo de preceitos dedicados no Regulamento ao arrendamento, neles não encontramos nenhum escape livre, nem sucedâneo, que nos permita preencher o conceito com algo que seja diferente do conceito civilista nosso conhecido. Ou seja, se numa primeira análise as normas jurídicas do Regulamento (e os comandos da Tabela) se destinam ao “arrendamento”, pouca margem literal fica para nelas enquadrarmos outras realidades fácticas, outros conceitos de direito, outros institutos jurídicos diferentes.
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6 – Aproximação à solução
Temos a sensação de que, se a norma, em si mesma, não abre mão do seu literal e limitado alcance objectivo, poucos caminhos abre ao aplicador do direito para percorrer.
Ainda assim, coloca-se a hipótese de uma solução interpretativa ou de uma solução integrativa, se para tanto estiverem verificados os respectivos requisitos.
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6.1 – A interpretação
O problema pode encaminhar-nos para um gueto de maior dificuldade se pensarmos que, onde a norma jurídica, em matéria tributária, utiliza determinados termos o faz presumivelmente no sentido técnico, e não no geral ou comum (Hermínio Rato Rainha, Apontamentos de Direito Fiscal, pág. 100).
Com base nesse apertado limite, dir-se-ia então que qualquer “tatbestand” utilizado na previsão da norma não pode ser adulterado para lhe afeiçoarmos qualquer outro sentido. Por o legislador se servir do “arrendamento” ao intérprete estaria vedado equiparar a ele outro qualquer contrato de “rendimento”. Não seria a renda, enquanto rendimento ou rédito, que bastaria para a qualificação do contrato e a sua subsunção automática à previsão do artigo 26º.
Como sair deste redil?
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6.1.1 – Um caminho poderá ser este: não deixar que o aplicador fique amarrado a uma interpretação restritiva e fundada na letra da lei, antes permitir a opção por uma interpretação lata e extensiva, considerando, portanto, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas em que tem que ser aplicada (art. 8º, nº1, do CC).
Porque o tribunal não pode deixar de julgar - mesmo defronte de normas que, claras quando criadas2, foram desbotando com o tempo – a interpretação actualística impõe-se-lhe como uma necessidade, através da compreensão do seu elemento histórico e da génese da produção normativa, ou seja, relevando todo o circunstancialismo do seu aparecimento e a indispensabilidade da sua “leitura” à luz do tempo novo.
Nesta óptica, faria sentido alargar o âmbito do conceito de arrendamento a institutos jurídicos mais ou menos próximos que os tempos modernos foram criando. E o contrato aqui em causa, com alguma dose de sensatez, estaria na mira do legislador se hoje pudesse estar nesse papel de criador de direito.
Contudo, o problema não deve ter solução, no entanto, nem abrigada sob o escudo antigo do princípio “in dubio contra fiscum”, nem no seu antitético “in dubio pro fisco”; isso seria demasiado fácil e redutor.
*
6.1.2 – A segunda possibilidade seria olhar para esta situação, sem qualquer chance de interpretar a norma jurídica naqueles moldes.
A ideia subjacente a este postulado radicaria, então, no facto de estarmos em presença de normas tributárias, mais carentes ainda, se assim podemos dizer, de respeito por princípios fundamentais, como o de legalidade, o da tipicidade.
E então, a única maneira de olhar para toda esta situação seria considerar estarmos perante uma ausência de normação relativamente a uma realidade nova. Isto é, seria concluir pela inexistência de norma reguladora concretamente aplicável, que se ficaria a dever, repetimos, à circunstância de Macau não estar, ao tempo da feitura da Lei nº 17/88/M, de 27/06 (RIS), familiarizado com uma realidade comercial caracterizada por centros comerciais e respectivos contratos de instalação de lojistas que justificasse a sua previsão como base de incidência tributária.
*
6.2 – A integração
Em nossa opinião, o caso poderá traduzir realmente um caso lacunoso, tornando-se, nesse caso, necessário ir buscar apoio no art. 9º do Código Civil com vista a preencher a lacuna.
O citado preceito dispõe assim:
«1. Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos.
2. Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.
3. Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema».
Sim, o artigo pode sugerir, à primeira vista, que o caso da tributação dos contratos atípicos em apreço possa ser resolvido pela norma aplicável ao caso análogo dos arrendamentos: ou seja, pelos arts. 26º e 27º do RIS e Tabela.
Simplesmente, não nos podemos esquecer que estamos em presença de normas fiscais (as citadas) que estabelecem a criação de um imposto e a sua incidência tendo por base um pressuposto factual específico (o arrendamento). E isso é um obstáculo, cremos nós, à integração, sob pena de desrespeito pelo princípio da tipicidade taxativa em que se consubstancia o princípio geral da legalidade tributária (entre outros, ver neste sentido, José Casalta Nabais, Direito Fiscal, 2014, Almedina, 7ª ed., págs. 209-210; António Braz Teixeira, Princípios de Direito Fiscal, Vol. I, 3ª ed., Almedina, pág.136-137; Domingos Pereira de Sousa, Direito Fiscal e Processo Tributário, Coimbra Editora, pág.190; Hermínio Rato Rainha, Apontamentos…cit., pág.117).
Sendo aquelas normas especiais, não permitem integração analógica (art. 10º, do CC), nem sequer ao abrigo do espírito do sistema (art. 10º, nº3, do CC), pois isso seria o mesmo que aceitar a formulação pelo tribunal de norma cuja criação está absolutamente reservada à lei nos termos do art. 71º, 1) e 3) da Lei Básica da RAEM (autor, ob. e loc. cits.; também, José Casalta Nabais, Direito Fiscal, 2014, Almedina, 7ª ed., págs.145).
Temos, assim, que concluir não ser possível enquadrar, pela via da integração, os contratos de cedência de uso de loja em centro comercial no âmbito da previsão dos arts. 26º a 30º do RIS. Para nós, que apenas somos aplicadores do direito, pouco mais há a dizer senão esperar que o legislador proceda à alteração da lei de forma a contemplar outras “fattispecies” com vista à sua sujeição a incidência em imposto de selo.
E porque assim concluímos, somos forçados a dizer que o acto em crise padece do vício de violação de lei, por afrontar directamente o disposto nos arts. 1º e 26º e 27º do RIS e 6º da Tabela Geral».
Não se vê razão para alterar a posição ali manifestada, razão pela qual aqui a fazemos nossa.
***
V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em julgar procedente o recurso contencioso, anulando o acto sindicado.
Sem custas.
TSI, 22 de Setembro de 2016
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fui presente
Mai Man Ieng
1 Perdoe-se a força absurda da comparação, mas não é pelo facto de um avião também ter motor e rodas que faz dele um automóvel ou outro veículo terrestre de transporte de pessoas.
2 É preciso entender que ao tempo da sua criação ainda a noção de centro comercial não estava muito divulgada em Macau, pelo menos no sentido como hoje a sociedade os acolhe como verdadeiras catedrais do consumo.
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91/2016 1