打印全文
 Processo n.º 871/2015/A
  (Suspensão de eficácia de acto)
   
  Data: 29/Setembro/2016
   
Assuntos:
  - Suspensão de eficácia do acto; acto negativo

 SUMÁRIO :
    Se bem que não esteja “escrito nas estrelas que os actos negativos não podem ser suspensos”, a suspensão de eficácia do acto não deixa de estar afastada nos casos em que o acto não tenha em nada provocado uma modificação na situação de facto ou de direito em relação ao requerente, como será o caso do indeferimento de pedido de permanência especial para fins de reagrupamento, se a criança, não obstante ter sido autorizada anteriormente a residir na RAEM, teve de sair por não lhe ter sido renovada autorização anterior e formula agora novo pedido.
    
            O Relator,
  João A. G. Gil de Oliveira


Processo n.º 871/2015/A
(Suspensão de Eficácia)


Data : 29 de Setembro de 2016

Requerentes: - A
- B
(menor, representada pelo seu pai A)

Entidade Requerida: Secretário para a Segurança
    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    1. A, mais bem representado nos autos, por si e em representação da filha menor, B, notificado, a 7 de Setembro de 2015, através do Ofício n.º MIG. 393/2015/TNR/R, de que, por Despacho do Exmo. Secretário para a Segurança, datado de 21 de Agosto de 2015, foi indeferido o recurso hierárquico necessário interposto a 10 de Agosto de 2015 (doravante, "Recurso Hierárquico"), do indeferimento do pedido de permanência de agregado familiar não residente, não se conformando com essa decisão, vem, ao abrigo do artigo 121.º e seguintes do Código de Processo Administrativo Contencioso (de ora em diante "CPAC"), requerer a SUSPENSÃO DA EFICÁCIA do acto contido no despacho supra identificado, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
A) BREVE ENQUADRAMENTO FÁCTICO
    Artigo 1.º
    O Requerente é pai de uma criança menor, com apenas doze (12) anos de idade, nascida em Macau no dia 2 de Abril de 2004, onde sempre viveu e estudou até Setembro de 2014.
    Artigo 2.°
    A RAEM autorizou a Menor a viver com os seus pais em Macau, por via de um despacho proferido pelo Exmo. Sr. Secretário para a Segurança, em 15 de Abril de 2005 (doravante, a "Autorização Inicial", cfr. a autorização emitida pelo Serviço de Migração, a fls. n.ºs 16 e 17 desse documento, junto como Doc. 2 ao Recurso Hierárquico).
    Artigo 3.°
    Autorizada que foi a viver em Macau, a Menor estudou desde os três (3) anos de idade, na Escola C, chegando a estar inscrita no 5.º ano de escolaridade (vide o documento junto à audiência escrita, constante do processo instrutor como Doc. N.º 4, que o comprova).
    Artigo 4.°
    Essa autorização que a RAEM lhe concedeu teve como consequência que a Menor, hoje com 12 (doze) anos de idade, não tenha conhecido outro sistema de ensino a não ser o sistema de ensino de Macau.
    Artigo 5.°
    Acontece que, em Dezembro de 2013, a mãe da Menor foi, por facto completamente alheio à sua vontade, forçada a ausentar-se de Macau, porque o restaurante no qual trabalhava anteriormente, denominado "F", na Taipa, encerrou a sua actividade.
    Artigo 6.º
    A Menor, porém, foi autorizada a continuar os seus estudos na supramencionada instituição de ensino, enquanto a sua mãe procurava retomar a sua actividade profissional.
    Artigo 7.º
    Contudo, chegado o mês de Setembro de 2014, a Menor teve de se ausentar de Macau entre 19 de Outubro e 26 de Novembro e 15 de Janeiro e 14 de Fevereiro, uma vez que a sua mãe ainda se encontrava a aguardar pela conclusão das formalidades da sua contratação ao serviço do restaurante "E", o que veio a acontecer a 20 de Março de 2015 (vide o documento junto à audiência escrita como Doc. N.º 2, que o comprova).
    Artigo 8.º
    Preocupado com a demora das formalidades do emprego da esposa, o Requerente, que é cozinheiro num restaurante da sociedade D, pediu autorização especial de permanência, na modalidade de reagrupamento familiar, em 26 de Março de 2015, por sua própria iniciativa, para que a Menor pudesse regressar à sua vida normal o mais rapidamente possível.
    Artigo 9.º
    Porém, por desconhecimento dos procedimentos legais, o Requerente não informou, como teria sido conveniente, o Serviço de Migração, de que a sua esposa, nessa data, já se encontrava autorizada a trabalhar na E, desde 20 de Março de 2015 - um facto novo, de relevo absolutamente fundamental em relação ao pedido que efectuava.
    Artigo 10.º
    Assim, em 2 de Abril de 2015, a mãe da Menor informou os Serviços de Migração de que a situação familiar e financeira estava de novo reposta, inclusivamente, em condições superiores àquelas que inicialmente tinham permitido à Menor viver em Macau, tendo requerido, também ela, o reagrupamento familiar (vide o documento junto à audiência escrita como Doc. N.º 7, que o comprova).
    Artigo 11.°
    A informação prestada ao Serviço de Migração visava, evidentemente, alertar para o facto de que a situação com base na qual tinha sido concedida a Autorização Inicial se encontrava totalmente reposta e resolvida, pelo que não haveria quaisquer razões para que a Administração mudasse o seu entendimento quanto à vivência da Menor em Macau com os pais.
    Artigo 12.°
    Não obstante ter ficado o Serviço de Migração na posse dessa informação, o aqui Requerente, pai da Menor, foi notificado pelo Serviço de Migração de que a decisão sobre o reagrupamento tinha obtido parecer desfavorável, convidando-o a apresentar as suas razões em abono do reagrupamento, em sede de audiência escrita, algo que o pai da Menor fez em tempo (vide a audiência escrita no processo instrutor, apresentada em 14 de Maio de 2015).
    Artigo 13.°
    Nessa audiência escrita, o pai da Menor reiterou, documentadamente, que ele próprio e a sua mulher e mãe da Menor se encontravam ambos a trabalhar, salientando também que a Menor se encontra em plena formação escolar e pessoal, e que a interrupção dessa formação causaria graves prejuízos à personalidade da Menor.
    Artigo 14.º
    No entanto, mesmo depois de ter permitido que a Menor vivesse legalmente em Macau até aos 11 (onze) anos de idade, o Serviço de Migração, perante as mesmas circunstâncias familiares e profissionais dos pais, decidiu recusar que a Menor continuasse aqui a estudar, apesar de os seus pais estarem os dois aqui empregados.
    Artigo 15.º
    A este ponto, é importante salientar-se que os pais da Menor trabalham legalmente em Macau há mais de vinte (20) anos, tendo a Menor, desde que nasceu, sempre sido autorizada a aqui permanecer, situação essa que o Exmo. Sr. Secretário para a Segurança teve em consideração quando proferiu a Autorização Inicial, nomeadamente, o longo percurso profissional que os pais da Menor apresentavam já em 2005.
    Artigo 16.º
    Situação profissional essa que se mantém, conforme atestam os seus TI/TNR n.º 11XXXXXX, válido até 10 de Junho de 2017, e n.º 20XXXXXX, válido até 15 de Outubro de 2017, cujas públicas-formas ora junta sob Doc. N.º 1 e Doc. N.º 2.
    Artigo 17.º
    Como se pode verificar na Autorização Inicial, no último parágrafo do despacho que o Exmo. Sr. Secretário para a Segurança proferiu:
    "Entretanto, em consideração de que a criança nasceu em Macau, e sendo de idade muito tenra, e que os pais têm trabalhado em Macau ao longo de vários anos, e por outros factores, decidiu que com base em razões humanitárias, excepcionalmente permite-se o requerimento de permanência da criança."
    Artigo 18.º
    Atenta a fundamentação apresentada pelo Exmo. Sr. Secretário para a Segurança na Autorização Inicial, e, atendendo a que as circunstâncias sobre as quais fora proferida mantêm - inclusivamente, os pais da Menor têm hoje vencimentos superiores aos que auferiam em 2005 -, o Requerente interpôs, em 7 de Outubro de 2015, o recurso contencioso do Acto Recorrido, doravante referido por "Recurso Contencioso" (sendo junta aos autos nova petição, a convite deste Tribunal, em 11 de Novembro de 2015, clarificando-se que o pai da Menor intervinha por si e pela Menor), atenta a desnecessidade de se provocar o caos na vida de uma menina de 12 anos, sem que nenhuma razão objectiva o justificasse.
    Artigo 19.º
    A Menor Requerente, para além de ser a mesma criança que beneficiou da Autorização Inicial, e de ainda ser menor (tem 12 anos), sofre hoje a agravante de - recorde-se, com a anuência da RAEM - se encontrar a meio do seu desenvolvimento pessoal e escolar, pelo que o desenvolvimento saudável destas dimensões da sua personalidade está em risco de ser afectado de forma irreparável, caso não seja reintegrada rapidamente na escola.
B) DA VERIFICAÇÃO DO PRESSUPOSTO E DOS REQUISITOS LEGAIS DO PEDIDO DE SUSPENSÃO DE EFICÁCIA DO ACTO
I. Do conteúdo positivo do acto
    Artigo 20.º
    Nos termos do disposto no artigo 120.° do CPAC, a suspensão de eficácia de acto administrativo pressupõe, desde logo, que esse acto tenha um conteúdo positivo, ou, tendo conteúdo negativo, apresente uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente.
    Artigo 21.º
    E, como é possível constatar no sumário do Acórdão n.º 163/2012/A, deste TSI, o entendimento aí demonstrado sobre o conceito de vertente positiva de um acto, pelo qual a Administração recusa a autorização a um menor para permanecer a estudar na RAEM, é aplicável em igual medida ao caso sub iudice, atento o facto de que nestes autos também se trata de uma criança menor já integrada no sistema de ensino da RAEM, a quem urge proteger das consequências de um acto - o Acto Recorrido -, cuja produção de efeitos, a verificar-se até à anulação peticionada em sede de Recurso Contencioso, lhe causará prejuízos irreparáveis:
    "2. Sendo o acto suspendendo um indeferimento de renovação da fixação de residência temporária um acto negativo, mas tem vertente positiva, pois, a decisão vem necessariamente alterar a sua situação actual e pré-existente, e a suspensão do mesmo acto teria potencialidade para determinar, ela mesma, a produção dos efeitos jurídicos negados ao administrado com a prática do acto suspendendo, pelo que do decretamento da suspensão da eficácia poderia resultar para o requerente efeito útil, ou evitar os prejuízos para a sua esfera jurídica.
    3. Com a execução do acto em crise, ficarão os seus filhos obrigados a ausentarem da RAEM e, e ficariam obrigados de deixar o estudo no meio de ensino escolar, factores estes que assim causaria um prejuízo, não concretizáveis ou quantificáveis, prejuízo esse que não pode ser pecuniariamente reparável.".
    Artigo 22.º
    Neste sentido, veja-se a certidão da Escola C, ora junta sob Doc. N.º 3, que comprova que a Menor poderá apresentar-se nas aulas do ano lectivo de 2016/2017, na escola onde sempre estudou, a partir do dia 1 de Setembro de 2016, facto que se tornará impossível caso os efeitos do Acto Recorrido permaneçam, continuando dessa forma a ser-lhe negado o reagrupamento familiar ou autorização de permanência de idênticos efeitos, não obstante ambos os pais aqui continuarem autorizados a trabalhar (vide as cópias dos TI/TNR aqui juntos sob Doc. N.º 1 e Doc. N.º 2, anteriormente referidos).
    Artigo 23.º
    A propósito do preenchimento do requisito da positividade do Acto Recorrido ou da verificação da sua vertente positiva, diga-se que, apesar de a Menor ter sido sempre titular de uma autorização de permanência, que não de residência, não deverá essa qualificação jurídica prevalecer sobre a realidade inegável do seu status quo ante, evidenciada por mais de uma década de formação escolar na fase inicial da vida da Menor, inteiramente passada em Macau.
    Artigo 24.º
    Pois, conforme explanado no Recurso Contencioso, o Acto Recorrido não incide sobre um pedido inicial, nem sobre uma renovação de permanência de uma criança que apenas tenha beneficiado de autorização de permanência na qualidade de visitante da RAEM.
    Artigo 25.º
    Bem pelo contrário e, em respeito pelo princípio da igualdade, atento o estatuto de estudante que foi proporcionado à Menor, ao longo de dez anos, esse mesmo estatuto só poderá ser merecedor da tutela jurídica da RAEM, algo que, especificamente em sede de suspensão provisória de eficácia do Acto, se deverá entender como uma realidade suficientemente integradora do conceito de vertente positiva do Acto Recorrido - repita-se, dado tratar-se de acto praticado pela Administração perante os mesmos pressupostos fácticos que permitiram a evolução escolar da Menor sem interrupções em instituição de ensino da RAEM.
    Artigo 26.º
    Por outras palavras, os Requerentes entendem que, um comportamento reiterado ao longo de uma década pela Administração, consubstanciado no prolongamento dos efeitos da Autorização Inicial (de 2005), assente nos mesmos pressupostos (reagrupamento familiar de cidadãos TNR para fins de coabitação e estudo da Menor), também é susceptível de gerar uma expectativa legítima de renovação, sempre que os pressupostos de autorizações anteriores se verifiquem.
    Artigo 27.º
    Esse entendimento, no limite, resulta do facto de que o pai da Menor, que era o principal responsável pela estabilidade financeira da mulher e filha, nunca ter deixado de trabalhar em Macau, ao longo de mais de vinte anos, conforme se verifica pela documentação junta ao processo instrutor, tendo a sua filha Menor sido aprovada em todos os anos lectivos, até se ver impedida, por via do Acto Recorrido, praticado a 21 de Agosto de 2015, de o continuar a fazer.
    Artigo 28.º
    Por outro lado, a mãe da Menor, que fora a autora do requerimento que mereceu, em 2005, a Autorização Inicial, apenas deixou de trabalhar em Macau por um breve período, devido à extinção do seu posto de trabalho por cessação de actividade do restaurante "F", apresentando-se já a trabalhar, para a "E", desde 20 de Março de 2015, quando o Acto Recorrido foi praticado, a 21 de Agosto de 2015, sem que com essa mudança forçada de empregos, na mesma categoria profissional, a Menor tivesse que interromper os seus estudos.
    Artigo 29.º
    Resulta assim evidente que, uma vez que fora reposta a situação fáctica na qual assentara a Autorização Inicial, e autorizada novamente a mãe da Menor a trabalhar em Macau, sem qualquer interrupção dos estudos da Menor, a decisão veiculada pelo Acto Recorrido será ilegal, porquanto fora justificada pela temporária ausência de emprego em Macau pela mãe da Menor, e cegamente mantida, uma vez que aquela já tinha emprego na RAEM aquando do pedido de renovação de autorização de permanência da Menor.
    Artigo 30.º
    Assim se atropelando, sem qualquer fundamento, a normalidade da vida de uma menina que estudava com sucesso em Macau - cfr. resulta dos certificados escolares cujas cópias foram juntas ao Recurso Hierárquico sob Doc. N.º 10 -, assim se contrariando os princípios de direito que estabelecem os limites da actividade da Administração, ainda que no uso dos seus poderes discricionários.
    Artigo 31.º
    Certamente que a ilegalidade do Acto Recorrido apenas poderá ser afirmada posteriormente à decisão deste Tribunal sobre o Recurso Contencioso, mas os Requerentes entendem que os indícios de desproporção, irrazoabilidade, injustiça e grosseira violação dos princípios de direito pela Administração, que resultam da simples análise dos factos que este caso apresenta, bem como o facto de se tratar do desenvolvimento de uma pessoa menor de idade à qual a RAEM proporcionou um percurso escolar de mais de dez anos, são factores suficientes para que da análise da vertente positiva do Acto Recorrido resulte que este requisito se encontra inteiramente preenchido, atenta a iminente violação injustificável de direitos de personalidade, que caracteriza a decisão vertida no Acto Recorrido.
    Artigo 32.º
    Resultando assim, do caso controvertido, a premente necessidade de tutela jurisdicional efectiva, pelo fundamento que se pode ler no douto Acórdão do Tribunal de Última Instância da RAEM, de 17 de Dezembro de 2009, que salienta a vertente da realização antecipada da justiça material:
    “O objecto do procedimento de suspensão de eficácia de actos administrativos não é a legalidade do acto impugnado, mas sim se é justo negar a executoriedade imediata dum acto com determinado conteúdo e sentido decisório.”
    Artigo 33.º
    Verificado que está o pressuposto da suspensão de eficácia de um acto administrativo, resta pois apurar se se encontram igualmente preenchidos os requisitos exigidos no n.º 1 do artigo 121.º do CPAC, isto é:
    1. A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
    2. A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
    3. Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
II. Do prejuízo de difícil reparação para a Requerente
    Artigo 34.º
    Conforme afirmado no Recurso Contencioso, também neste procedimento de suspensão provisória da eficácia do Acto Recorrido, o propósito que traz os Requerentes a este Tribunal é, acima de tudo, proteger a estabilidade emocional e psicológica de uma criança que, por ter vivido até aos onze (11) anos de idade na RAEM, sob autorização da RAEM, não está por esse motivo preparada para enfrentar um ambiente social e cultural e um sistema educativo totalmente diferentes.
    Artigo 35.º
    Neste sentido, verificando-se consolidada essa situação de estabilidade familiar e contínua formação escolar que a RAEM lhe concedeu por mais de uma década - ainda que apenas na prática, e não no seu estatuto jurídico formal -, qualquer separação da Menor com essas dimensões da sua vida, apenas por vontade exclusiva da Administração da RAEM e contra a vontade dos pais da Menor, creem os Requerentes apenas poder conceber-se, sem que dessa separação resulte uma violação grosseira de princípios de direito e manifesta injustiça, numa fase da vida em que já não seja a pessoa prejudicada no desenvolvimento da sua personalidade, i.e., aquando da sua maioridade, mas nunca, salvo o devido respeito, enquanto aquela se encontre em plena formação, e - claro está - desde que cumulativamente se verifiquem mantidos os mesmos pressupostos que justificaram a sua permanência na RAEM, por mais de dez anos, autorizada que foi a realizar aqui os seus estudos.
    Artigo 36.º
    Conforme mencionado no Recurso Contencioso, sobre a importância da fase em que a Menor Requerente se encontra, sobre o ambiente que conhece e no qual se encontra a crescer, vejase o seguinte trecho do Acórdão n.º 206/2014, do TSI, que ilustra bem os prejuízos que a decisão do Acto Recorrido poderá causar à Menor:
    "Finalmente, dúvidas não há de que a saída das crianças de Macau a meio do ano lectivo implicará o abandono forçado dos estabelecimentos de ensino que cada uma frequenta com bons resultados, o que provocará atraso no seu progresso escolar. Isto para já não falar nos reflexos negativos para a esfera psíquica das crianças e para a formação e desenvolvimento da sua personalidade que o afastamento abrupto dos seus pequenitos amigos escolares pode provocar. Tudo isto foi alegado e, por ser do senso comum e do conhecimento geral, não precisa de prova (cfr. art. 434.º, n.º 1, do CPC). E constitui, sem dúvida, prejuízo de difícil reparação, para efeitos da alínea a), do n.º 1, do artigo 121.° do CPAC." (realce nosso).
    Artigo 37.º
    Com efeito, é de senso comum e desnecessário será provar que, a Menor, na pendência dos efeitos que se têm verificado desde o Acto Recorrido, tem sido exposta a sentimentos de ansiedade e mágoa, por se ver arredada do convívio dos seus amigos de infância, do carinho dos pais, da sensação de crescimento e realização académica que o dia-a-dia da escola proporciona, sentindo-se naturalmente perdida e confusa, apesar de ainda não entender plenamente o sofrimento que este lamentável atropelo burocrático lhe está a causar, dado ter apenas 12 anos de idade.
    Artigo 38.º
    Ao longo do último ano, a Menor tem sido remetida à leitura, sozinha, longe da escola, de alguns manuais escolares, que lhe foram fornecidos pelas professoras da Escola C, que a conhecem bem e testemunharam o seu desenvolvimento desde os 3 (três) anos de idade, manuais esses utilizados no 5.º ano de escolaridade, o qual a Menor provavelmente já teria passado, se não fosse pelo Acto Recorrido.
III. Da não lesão grave do interesse público concretamente prosseguido pelo acto
    Artigo 39.º
    Os Requerentes reiteram, a propósito da verificação deste requisito legal, os argumentos vertidos nas suas conclusões do Recurso Contencioso, nos n.ºs 34 a 41 das conclusões, que aqui se resume: a Administração, na fundamentação do Acto Recorrido, insistiu que nenhum direito ao reagrupamento assistia ao Requerente e à Menor, mas não explicou as razões de interesse público que a levaram a desconsiderar todas as implicações negativas sobre a esfera pessoal da Menor, que pudessem tornar a decisão razoável e justa.
    Artigo 40.º
    E, não se verificando haver qualquer interesse público para indeferir o pedido de permanência da Menor, sempre teria a Administração que reconhecer que, ao proporcionar à Menor Requerente, desde 2005, o reagrupamento com os pais, estava a contribuir para a criação duma situação de facto com relevo jurídico.
    Artigo 41.º
    Relevo jurídico esse que, entende o Requerente, se revelou no momento em que a continuidade do desenvolvimento da personalidade da Menor Requerente colocou em confronto a finalidade do artigo 8.º da Lei 4/2003 com os valores jurídicos que são protegidos pela demais legislação de Macau, constitucional, interna e internacional, e que deviam estar presentes na formação de vontade da Administração, por não se sobrepor o interesse público.
    Artigo 42.º
    Desse confronto de interesses decorre necessariamente o entendimento, defendido pelos Requerentes, de que os valores protegidos na Convenção sobre os Direitos das Crianças, em vigor em Macau através do Aviso do Chefe do Executivo n.º 5/2001 (a "Convenção"), os valores jurídicos protegidos pelos direitos de personalidade e ao seu desenvolvimento, protegidos pelo Código Civil, bem como os valores jurídicos que se destinam à protecção das crianças e da família plasmados na Lei Básica, tornam in casu inaplicáveis as eventuais finalidades de protecção e manutenção da segurança da RAEM, cuja prossecução é imposta sobre a Administração por via de outros diplomas legais.
    Artigo 43.º
    Pelo que, o "interesse superior da criança" deveria ter prevalecido na avaliação que a Administração fez das duas opções que poderia tomar perante o pedido, porquanto tal interesse seria realizado plenamente se tivesse sido concedido o direito à reunião familiar, autorizando-se a permanência da Menor Requerente.
    Artigo 44.º
    De resto, note-se que a insistência da Administração nos seus argumentos, no processo instrutor e em sede de contestação ao Recurso Contencioso, relativos à natureza jurídica da Autorização Inicial e respectivas renovações ao longo de dez anos, resumem-se, salvo o devido respeito, a que a Administração tem esse poder e portanto bastar-Ihe-á explicar a fundamentação legal que lhe assiste.
    Artigo 45.º
    Os Requerentes entendem, porém, que esse poder discricionário da Administração não é de todo posto em causa nos autos de Recurso Contencioso.
    Artigo 46.º
    Diferentemente, mas sem conceder no mais afirmado, os Requerentes entendem que nenhum interesse público se vislumbra em impedir-se que esses estudos continuem, apenas porque a mãe da Menor foi obrigada a mudar de emprego.
    Artigo 47.º
    Ora, face ao acima exposto e às particularidades do caso em concreto, não se verifica que haja uma lesão grave do interesse público concretamente prosseguido pelo acto.
    Artigo 48.º
    Razão pela qual se encontra verificado e comprovado, no caso concreto, o requisito da suspensão da eficácia do acto referido na alínea b) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC.
    Artigo 49.º
    Mas ainda que se entenda que não esteja verificado o acima referido requisito, sempre se dirá que, face às circunstâncias concretas do caso, e estando verificados os outros dois requisitos referidos no n.º 1 do artigo 121.º do CPAC, os prejuízos que a imediata execução do acto causa à Requerente são extraordinariamente (e desproporcionadamente) superiores.
    Artigo 50.º
    E neste sentido, também por esta via, nos termos do disposto no n.º 4 do referido artigo 121.° do CPAC, poderá ser concedida a suspensão da eficácia do acto revogatório em causa.
IV. Da não verificação de fortes indícios de ilegalidade do recurso a interpor
    Artigo 51.°
    Impõe a alínea c) do n.º 1 do referido artigo 121.º do CPAC que, para ser deferida a suspensão da eficácia do acto administrativo, não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso contencioso.
    Artigo 52.°
    Tem sido entendimento unânime deste Venerando Tribunal que "só ocorre a acenada manifesta ilegalidade; quando se mostrar patente; notório ou evidente que; segura e inequivocamente! o recurso não pode ter êxito (v.g. por se tratar de acto irrecorrível; por ter decorrido o prazo de interposição de recurso de acto anulável) e não quando a questão seja debatida na doutrina ou na jurisprudência" v. douto acórdão de 14 de Junho de 2007 proferido no processo n.º 278/2007/A.
    Artigo 53.°
    É entidade recorrida o Exmo. Senhor Secretário para a Segurança, o qual, através de despacho datado de 21 de Agosto de 2015 (o "Acto Recorrido"), indeferiu o recurso hierárquico necessário apresentado a 10 de Agosto de 2015 pelo Requerente (o "Recurso Hierárquico"), do indeferimento do pedido de permanência de agregado familiar não residente proferido pelo Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública - vide o documento n.º 1 junto ao Recurso Contencioso.
    54.°
    Constitui objecto do Recurso Contencioso, o indeferimento do recurso hierárquico necessário interposto do indeferimento do pedido de permanência de agregado familiar não residente.
    55.°
    A notificação do despacho de indeferimento foi recebida pelo Requerente em 7 de Setembro de 2015 (cfr. Doc. 1 junto ao Recurso Contencioso) tendo sido tempestivamente apresentado o Recurso Contencioso, a 7 de Outubro de 2015, do Acto Recorrido, sendo junta aos autos nova petição, a convite deste Tribunal, em 11 de Novembro de 2015, clarificando-se que o pai da Menor intervinha por si e pela Menor, na pendência do qual os Requerentes ora peticionam a respectiva suspensão provisória de eficácia, nos termos do n.º 1 do artigo 122.º e do artigo 123.° do CPAC, pelo que se verifica cumprido o requisito vertido na alínea c) do n.º 1 do artigo 121.º do mesmo diploma.
    Pedido:
    Pelo exposto, vem requerer a V. Exas. que, nos termos do n.º 3 do artigo 125.º do CPAC, se dignem mandar citar o Exmo. Senhor Secretário para a Segurança do Governo da Região Administrativa Especial de Macau, com domicílio na Av. da Praia Grande, Sede do Governo da RAEM, para, querendo, contestar o presente pedido, com expressa menção do consagrado no n.º 1 do artigo 126.° do referido CPAC, sendo emitida autorização de permanência que permita à Menor continuar a estudar em Macau.
    Mais requer a V. Exas. que se dignem apreciar o presente pedido e decretar a suspensão de eficácia nos termos supra referenciados.
    Os Requerentes pretendem, ao abrigo e para os efeitos do artigo 9.º da Lei Básica da RAEM, e artigos 1.º, n.º 2, 8.º, n.º 1 e 9.º do Decreto-Lei n.º 101/99/M, de 13 de Dezembro, que os autos sejam processados em língua portuguesa.

    2. O Digno Magistrado do MP oferece o seguinte douto parecer:
    A, por si e em representação da sua filha menor B, requer a suspensão da eficácia do acto de 21 de Agosto de 2015, da autoria do Exm. o Secretário para a Segurança, através do qual foi indeferido recurso hierárquico interposto do despacho de 01 de Julho de 2015, este da autoria do Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública, que denegou pedido de autorização especial de permanência formulado para a referida menor B.
    Alega que o acto tem conteúdo positivo e que a sua execução vai ocasionar prejuízos de difícil reparação, ao passo que a respectiva suspensão não causará grave lesão do interesse público que visa prosseguir, acrescentando não haver fortes indícios de ilegalidade do recurso interposto.
    A autoridade requerida não apresentou contestação.
    Vejamos.
    A suspensão de eficácia só é viável se o acto tiver conteúdo positivo ou, tendo conteúdo negativo, possuir uma vertente positiva e a suspensão a esta se circunscreva - artigo 120.° do Código de Processo Administrativo Contencioso.
    Importa, portanto, antes de mais, apurar se estamos ou não perante acto de conteúdo positivo, o que passa por indagar se o acto é ou não susceptível de provocar alteração na esfera jurídica da menor e do requerente, enquanto seu pai e responsável pelo agregado familiar que vai acolher a menor.
    Perante a alegação inserta no requerimento de suspensão de eficácia, somos induzidos a pensar que se está perante um indeferimento que põe termo a uma situação de autorização de permanência que," continuadamente e sem cortes, vem perdurando por vários anos, ao longo dos quais a menor foi fazendo a sua formação, nomeadamente escolar, resultando agora interrompidos os estudos e inviabilizada a frequência escolar no ano lectivo de 2016/2017 por força do indeferimento da autorização de permanência. Se assim fosse, cremos que o acto, apesar de ser de conteúdo negativo, evidenciava uma vertente positiva que caucionava a suspensibilidade da sua eficácia.
    Crê-se, todavia, que, em rigor, não é isso que se passa. Como já tivemos oportunidade de referir no parecer que recentemente emitimos no âmbito do recurso contencioso, a tentativa de conferir ao acto suspendendo uma roupagem de corte cego com o status quo ante da menor, que fora autorizada a permanecer, desde que nasceu, na RAEM, onde estudou, se aculturou e foi amadurecendo e moldando a sua personalidade, não veicula uma imagem rigorosa do acto e das circunstâncias que o enformaram. O acto recaiu sobre um pedido concreto de reunião familiar, efectuado em 26 de Março de 2015, quando estava prestes a findar o prazo do visto turístico a coberto do qual a menor se encontrava em Macau. Não se tratou de um cancelamento ou de uma revogação de anterior autorização de permanência. Na verdade, na sequência da perda de emprego, por palie da mãe, em 2013, a menor acabaria por sair de Macau, acompanhando a mãe no regresso às Filipinas, deixando de manter ligação em permanência a Macau, não obstante ter efectuado matrícula em estabelecimento de ensino do Território para o ano lectivo de 2014/2015. Daí que não se confirme o quadro de continuidade de uma situação consolidada no tempo - não invocada, aliás, no requerimento de autorização formulado em 26 de Março de 2015 - em que foi alicerçado o recurso e em que vem sustentado o pedido de suspensão de eficácia, o que não permite descobrir no acto qualquer vertente positiva que confira razão de ser à pretendida suspensão.
    Termos em que, por não estar em causa um acto susceptível de suspensão de eficácia nos termos do artigo 120.° do Código de Processo Administrativo Contencioso, vai o nosso parecer no sentido da rejeição da requerida providência.
    
3. A entidade recorrida não contestou.

    II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
    O processo é o próprio e não há nulidades.
  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento da providência.
    
    III - FACTOS
    
    Com pertinência, resulta indiciariamente dos autos a seguinte factualidade, concretizada no expediente que abaixo se transcreve:
    É do seguinte teor o despacho do Exmo Senhor Secretário para a Segurança, cuja suspensão de eficácia ora se requer:
“DESPACHO
Assunto: Recurso hierárquico necessário
Autorização de permanência de agregado familiar de trabalhador não residente
Recorrente: A
    O recorrente vem impugnar o despacho de 01/07/2015 do Cmdt. do CPSP (acto recorrido), imputando-lhe:
    - O desrespeito pelo "status quo ante [de sua filha) …" que ... resulta do facto de a RAEM ter autorizado[anteriormentej a menor a viver com os seus pais em Macau ...";
    - O desrespeito pelas razões humanitárias que, na sua opinião, rodeiam as circunstâncias do seu pedido de permanência;
    - A violação das normas de direito interno e internacional sobre a família e as crianças em particular;
    - A violação dos "princípios que regem a actividade discricionária da Adminstração", sejam os princípios da "igualdade, da proporcionalidade, da justiça e imparcialidade e da boa-fé";
    Sem razão, no entanto,
    O "status quo ante" (da filha do recorrente) imediatamente anterior ao pedido em apreço é o de um visto precário de permanência que resulta da lei a favor de qualquer visitante que aqui se encontre, sem possuir qualquer especial estatuto de permanência ou residência concedido por acto da Administração;
    Aliás, no caso, tal status acontece na sequência do gozo duma autorização excepcional de permanência por cerca de 7 meses, concedida a fim de a interessada poder "completar o ano lectivo" ... ;
    E mesmo quanto ao status quo ante mediato, resultou este de sucessivos pedidos dos pais da interessada, que o mesmo é dizer, de opções de vida suas, por natureza precárias e altamente susceptíveis de serem interrompidas, como o foram, por falta de observância dos requisitos necessários à sua manutenção, o que veio a suceder em finais de 2013, altura em que a mãe viu terminada a sua qualidade de trabalhadora, regressando ao país de origem, sem que para tal tivesse concorrido a prática de qualquer acto por parte da Administração que lhe não deu causa, portanto;
    Qualidade aquela que a mãe da interessada só viria a recuperar mais de um ano volvido, o que obrigaria, também, a um afastamento prolongado quer entre ambas, quer da interessada em relação a Macau, nos dois casos sem qualquer imputabilidade à Administração;
    Pelo que a situação da criança, sempre de natureza precária (sem a posse de qualquer estatuto estável e garantidamente perdurável) jamais poderá assacar-se à Administração de Macau, pelo contrário, resultando de opções integralmente imputáveis ao requerente e seu cônjuge;
    Na mesma situação não se vislumbrando, de resto, quaisquer circunstâncias de tal modo graves, ponderosas, que possam integrar a noção de "razões humanitárias" e demandem, neste âmbito, uma autorização excepcional de permanência;
    O indeferimento da autorização de permanência à filha de um não residente que aqui permanece, como já se disse, com um estatuto de natureza precária (enquanto mantiver a relação de trabalho autorizada) não fere minimamente a união e estabilidade da família, nem quaisquer direitos das crianças;
    Pois com o acto administrativo em causa, a RAEM não interfere de forma activa e censurável sobre qualquer direito de residentes, familiar ou outro, constituído e sedimentado no seu espaço político-administrativo, que deva proteger e abster-se de violar, nos termos da lei, sendo certo que em presença de um não residente que invoca um status quo cuja precaridade de forma alguma poderá imputar-se à Administração de Macau;
    Não é posto em causa o dever de absoluto respeito pelo direito de reunir a família e com ela habitar por todo o tempo e num mesmo lugar, apenas não se permitindo que o sujeito de direitos imponha não o seu direito, mas as circunstâncias, nomeadamente de lugar, do seu exercício;
    Sendo que a tal não oferecem a menor oposição quer as leis fundamental e ordinária de Macau, quer os instrumentos de direito internacional a que a RAEM se encontra vinculada;
    Por fim, igualmente não se vislumbra a violação dos alegados princípios da igualdade ( em relação ao qual o recorrente não apresenta qualquer evidência de diferentes decisões noutros casos de idênticas circunstâncias) e da proporcionalidade em qualquer das suas vertentes (aliás só equacionável quanto ao acto eivado de erro manifesto ou total desrazoabilidade), muito menos dos princípios da imparcialidade e da boa-fé e dos valores elementares da ordem jurídica, seja da justiça, em última análise, que de todo se não mostram feridos na decisão recorrida.
    Pelo exposto, ao abrigo do art. 161.°, n.º 1, do CPA, decido confirmar o acto administrativo recorrido, negando provimento ao presente recurso.
    Gabinete do Secretário para a Segurança da Região Administrativa Especial de Macau, aos 21 de Agosto de 2015.
    
    O Secretário para a Segurança
    XXX”
    
    IV – FUNDAMENTOS
    1. O Caso
    O requerente é pai de uma menina, B, com doze (12) anos de idade, nascida em Macau no dia 2 de Abril de 2004, onde sempre viveu e estudou até Setembro de 2014.
    A RAEM autorizou a menor a viver com os seus pais em Macau, por via de um despacho proferido pelo Exmo. Sr. Secretário para a Segurança, em 15 de Abril de 2005, ai se invocando razões humanitárias.
    Autorizada que foi a viver em Macau, a menor estudou desde os três (3) anos de idade, na Escola C, chegando a estar inscrita no 5.º ano de escolaridade
    Essa autorização de permanência que a RAEM lhe concedeu teve como consequência que a menor, não tenha conhecido outro sistema de ensino a não ser o sistema de ensino de Macau.
    Em Dezembro de 2013, a mãe daquela menina foi forçada a ausentar-se de Macau, porque o restaurante no qual trabalhava anteriormente encerrou a sua actividade.
    Chegado o mês de Setembro de 2014, a menor teve de se ausentar de Macau entre 19 de Outubro e 26 de Novembro e 15 de Janeiro e 14 de Fevereiro, uma vez que a sua mãe ainda se encontrava a aguardar pela conclusão das formalidades da sua contratação, ao serviço de um outro restaurante, deixando de ser autorizada a residir em Macau.
    Preocupado com a demora das formalidades do emprego da esposa, o requerente, que sempre aqui permaneceu, sendo cozinheiro num restaurante da sociedade D, pediu autorização especial de permanência, na modalidade de reagrupamento familiar, em 26 de Março de 2015, por sua própria iniciativa, para que a filha pudesse regressar à sua vida normal o mais rapidamente possível.
    Nessa data, desde 20 de Março de 2015, a mãe da criança informou os Serviços de Migração de que a situação familiar e financeira estava de novo reposta, inclusivamente, em condições superiores àquelas que inicialmente tinham permitido à menor viver em Macau, tendo requerido, também ela, o reagrupamento familiar.
    A informação prestada ao Serviço de Migração visava alertar para o facto de que a situação com base na qual tinha sido concedida a autorização inicial se encontrava reposta e resolvida, pelo que não haveria quaisquer razões para que a Administração mudasse o seu entendimento quanto à vivência da Menor em Macau com os pais.
    No entanto, outro foi o entendimento da Administração, tendo indeferido o pedido, mesmo depois de ter permitido que a menor B vivesse legalmente em Macau até aos 11 (onze) anos de idade. O Serviço de Migração, aparentemente, perante as mesmas circunstâncias familiares e profissionais dos pais, decidiu recusar que a menina continuasse aqui a estudar, apesar de os seus pais estarem os dois aqui empregados, com TTNR/s, onde trabalham há cerca de 20 anos, ainda que a mãe o não faça ininterruptamente – visto o curto lapso de tempo de mudança de emprego -, nos termos acima vistos.
    
    2. Resulta evidente que esta medida ora tomada pode causar um grave prejuízo no desenvolvimento escolar, psicológico e emocional da criança que assim se verá na iminência de se desenraizar do local, escola, professores, colegas e amigos, com os quais cresceu e foi formando a sua personalidade.
    Podemos até considerar que, agora, mais do que em 2005, as razões humanitárias se imporiam, visto o desenrolar dos anos e o desenvolvimento da criança moldado no formato e enquadramento das escolas e cultura da RAEM.
    Escreve Deus direito por linhas tortas, mas se Ele o pode fazer, já tal não é permitido aos tribunais que devem estrita obediência à Lei. E esta – dura lex sed lex – aparta-se por vezes dos caminhos daquilo que se intui como justo, só a Administração podendo, no uso dos seus poderes de discricionariedade e oportunidade, melhor avaliar e sobrepesar os diversos interesses em jogo e atender às situações que, ainda que individuais e familiares constituem verdadeiros dramas.
    É certo – este tem sido um argumento que os nossos tribunais têm utilizado – que as pessoas, estes pais em concreto têm a possibilidade de fazer outra opção, qual seja a de se reagruparem, optando por não trabalhar em Macau. Não são obrigados a aqui permanecer, a trabalhar na RAEM. É evidente que é fácil dizê-lo, mas importará não esquecer todo um passado, todo um contributo de muitos anos que foi dado pelos trabalhadores não residentes, e por estes em particular, para o desenvolvimento, crescimento e riqueza da RAEM.
    
3. Feita esta introdução debrucemo-nos sobre o caso e sobre o enquadramento jurídico aplicável.
Desde logo, qualquer pretensão a uma suspensão de eficácia do acto esbarra com o requisito imposto pelo artigo 120.º do CPAC que determina:
   “A eficácia de actos administrativos pode ser suspensa quando os actos:
a) Tenham conteúdo positivo;
b) Tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente.”
    E para a procedência do pedido, não basta estarmos perante um acto positivo ou negativo com conteúdo positivo.

Prevê o art. 121º do CPAC:
“1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”
    Da observação desta norma é fácil verificar que não importa nesta sede a análise da questão de fundo, de eventuais vícios subjacentes à decisão impugnada, tendo, no âmbito do presente procedimento preventivo e conservatório, que se partir, por um lado, da presunção da legalidade do acto e da veracidade dos respectivos pressupostos - fumus boni iuris -, por outro, de um juízo de legalidade da interposição do recurso.
    Mas se o acto for puramente negativo, nem haverá que apreciar dos requisitos apontados no artigo 121º.
    Ora, infelizmente, para a pretensão do requerente, com o que nos deparamos é com um acto que tem conteúdo negativo, sem qualquer vertente positiva, visto que o que aconteceu é que a menor teve o seu “visto” de permanência cancelado, ou seja, não mais foi autorizada a permanecer em Macau, teve de abandonar, por via desse cancelamento, a RAEM e só agora veio pedir autorização de permanência por reagrupamento. Diferentes teriam sido as coisas se logo na altura tivesse reagido ao acto e não se satisfizesse com um visto precário de 7 meses para conclusão do ano escolar em curso.
    Findo esse visto, a menor deixou de aqui residir, sendo certo que não tem qualquer vínculo ou expectativa legítima em aqui permanecer, vista a interrupção da sua estada, pois só a permanência desta poderia configurar a vertente positiva a que alude o artigo 120º, al b) do CPAC, sendo essas as situações que têm servido de matriz à admissibilidade da providência de suspensão de actos que têm denegado autorizações de residência ou permanência, procurando evitar-se que essa relação de permanência e vínculo de facto à RAEM não se quebre.
    
    4. Acolhe-se, assim, o entendimento vertido no douto parecer do Digno Magistrado do MP, enquanto diz (segmento do parecer já acima transcrito):
    “Perante a alegação inserta no requerimento de suspensão de eficácia, somos induzidos a pensar que se está perante um indeferimento que põe termo a uma situação de autorização de permanência que," continuadamente e sem cortes, vem perdurando por vários anos, ao longo dos quais a menor foi fazendo a sua formação, nomeadamente escolar, resultando agora interrompidos os estudos e inviabilizada a frequência escolar no ano lectivo de 2016/2017 por força do indeferimento da autorização de permanência. Se assim fosse, cremos que o acto, apesar de ser de conteúdo negativo, evidenciava uma vertente positiva que caucionava a suspensibilidade da sua eficácia.
    Crê-se, todavia, que, em rigor, não é isso que se passa. Como já tivemos oportunidade de referir no parecer que recentemente emitimos no âmbito do recurso contencioso, a tentativa de conferir ao acto suspendendo uma roupagem de corte cego com o status quo ante da menor, que fora autorizada a permanecer, desde que nasceu, na RAEM, onde estudou, se aculturou e foi amadurecendo e moldando a sua personalidade, não veicula uma imagem rigorosa do acto e das circunstâncias que o enformaram. O acto recaiu sobre um pedido concreto de reunião familiar, efectuado em 26 de Março de 2015, quando estava prestes a findar o prazo do visto turístico a coberto do qual a menor se encontrava em Macau. Não se tratou de um cancelamento ou de uma revogação de anterior autorização de permanência. Na verdade, na sequência da perda de emprego, por palie da mãe, em 2013, a menor acabaria por sair de Macau, acompanhando a mãe no regresso às Filipinas, deixando de manter ligação em permanência a Macau, não obstante ter efectuado matrícula em estabelecimento de ensino do Território para o ano lectivo de 2014/2015. Daí que não se confirme o quadro de continuidade de uma situação consolidada no tempo - não invocada, aliás, no requerimento de autorização formulado em 26 de Março de 2015 - em que foi alicerçado o recurso e em que vem sustentado o pedido de suspensão de eficácia, o que não permite descobrir no acto qualquer vertente positiva que confira razão de ser à pretendida suspensão.
    Termos em que, por não estar em causa um acto susceptível de suspensão de eficácia nos termos do artigo 120.° do Código de Processo Administrativo Contencioso, vai o nosso parecer no sentido da rejeição da requerida providência.”
    
    5. Estamos perante um caso que é exemplo próximo do apontado pelo aqui Mmo Juiz Adjunto José Cândido Pinho, no seu Manual de Formação de Direito Processual Administrativo Contencioso1, enquanto entende que uma autorização de residência é diferente de uma autorização de permanência, sendo que no caso vertente a menor deixou de ser autorizada a permanecer na RAEM. A que conduziria a suspensão do acto? Qual a situação que se manteria? Naturalmente, a de uma não permanência, por força de razão, uma não residência.
    Eventual autorização precária passada, eventual estada como visita turística, não têm a virtualidade de conferir uma situação jurídica atributiva sequer de uma expectativa à autorização de residência ou mesmo de permanência especial por motivo de reagrupamento familiar.
    Por outro lado, se atentarmos na anotação de Viriato Lima e Álvaro Dantas2 se bem que não esteja “escrito nas estrelas que os actos negativos não podem ser suspensos”, a suspensão de eficácia do acto não deixa de estar afastada nos casos em que o acto não tenha em nada provocado uma modificação na situação de facto ou de direito em relação ao requerente, como se apresenta o caso vertente.
    Nesta conformidade, se bem que nos custe, pelas razões humanitárias aduzidas e pelo passado concreto desta família, não conseguimos escrever direito por linhas tortas, só a Administração tendo o poder de invocar essas razões e, no uso dos seus poderes discricionários adoptar a medida que se lhe afigure mais razoável em função dos interesses em presença. Se os tribunais o fizessem, estariam a subverter a ordem e a separação de poderes que a lei lhes impõe.
    Nesta conformidade, desnecessária se torna, por impertinente, a análise dos requisitos previstos no art. 121º do CPAC.

    
    V - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em julgar improcedente a presente providência de suspensão de eficácia do acto administrativo em causa.
    Custas pelos requerentes, com 2 UC de taxa individual de justiça.
Macau, 29 de Setembro de 2016
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho

Fui presente
Joaquim Teixeira de Sousa
               
    
1 - Cfr. ob. cit. no texto, CFJJ, 2015, 277
2 - CPAC Anotado, CFJJ, 2015, 341
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------

871/2015/A 1/37