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Processo nº 550/2016 Data: 29.09.2016
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “burla”.
Reincidência.



SUMÁRIO

  Em harmonia com o preceituado no art. 69° do C.P.M., a “reincidência” não funciona «ope legis» – como acontecia em sede do C.P. de 1886 – mas sim, «ope judicis», ou seja, não só face a “anterior condenação”, mas com a verificação e confirmação pelo julgador, em sede de matéria de facto (provada), que tal anterior condenação não serviu de emenda ao arguido.

O relator,

José Maria Dias Azedo

Processo nº 550/2016
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão proferido pelo Colectivo do T.J.B. decidiu-se condenar A (A), como autor de 1 crime de “burla (agravada)”, p. e p. pelo art. 211°, n.° 1 e 3, e art. 196°, n.° 1, al. a), e art. 69°, 70° e 201°, todos do C.P.M., na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.

Em cúmulo jurídico com a pena que lhe tinha sido aplicada no Processo n.° CR4-14-0187-PCC, fixou-lhe o Tribunal a pena única de 3 anos e 6 meses de prisão; (cfr., fls. 407 a 414-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformado, o arguido recorreu, imputando à decisão recorrida o vício de “contradição insanável da fundamentação”, e pedindo a redução da pena para uma outra não superior a 1 ano de prisão, suspensa na sua execução; (cfr., fls. 435 a 441).

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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 443 a 447).

*

Em sede de vista juntou o Exmo. Representante do Ministério Público douto Parecer, pugnando também pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 532 a 533).

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Corridos os vistos dos Mmos Juízes Adjuntos, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados os factos com tal elencados no Acórdão recorrido, a fls. 408-v a 410-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem o arguido dos presentes autos recorrer do Acórdão proferido pelo Colectivo do T.J.B. que o condenou como autor de 1 crime de “burla (agravada)”, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, e que em cúmulo jurídico com uma outra de 2 anos e 6 meses de prisão, fixou-lhe a pena única de 3 anos e 6 meses de prisão.

–– Começa por afirmar que padece o Acórdão recorrido de “contradição insanável da fundamentação”.

Porém nenhuma razão lhe assiste quanto ao dito vício de “contradição”.

O vício de “contradição insanável da fundamentação” tem sido entendido e definido como aquele que ocorre quando “se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão”; (cfr., v.g. os recentes Acs. deste T.S.I. de 28.04.2016, Proc. n.° 239/2016, de 16.06.2016, Proc. n.° 254/2016 e de 14.07.2016, Proc. n.° 418/2016).

No caso, a decisão apresenta-se clara e sem qualquer ambiguidade, incompatibilidade ou incongruência, sem esforço se alcançando os motivos e razões de facto e de direito da decisão proferida (em toda a sua extensão).

Inexiste, assim, o imputado vício de “contradição insanável”.

Continuemos.

–– Quanto à “pena”.

Nos termos do art. 40° do C.P.M.:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

E, em sede de determinação da pena, tem este T.S.I. entendido que “na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., o recente Ac. deste T.S.I. de 14.01.2016, Proc. n.° 863/2015 e de 25.02.2016, Proc. n.° 87/2016).

No caso, ao crime pelo recorrente cometido corresponde a pena de prisão até 5 anos ou multa até 600 dias; (cfr., art. 211°, n.° 3 do C.P.M.).

O Tribunal a quo fixou ao arguido ora recorrente a pena de 1 ano e 6 meses de prisão.

Para tal, e ponderando o seu C.R.C., considerou-o “reincidente”, accionando o art. 70° do C.P.M., e, ponderando que o mesmo recorrente reparou tempestivamente o prejuízo causado ao ofendido, deu também aplicação ao art. 201° do C.P.M., atenuando especialmente a pena.

Porém, houve equívoco.

Ainda que do C.R.C. do recorrente constem anteriores condenações em pena de prisão – superior a 6 meses, nos termos e para os efeitos do art. 69° do C.P.M. – e ainda que as mesmas, como no caso sucede, sejam bastantes para afastar a opção por uma pena (alternativa) não privativa de liberdade, (cfr., art. 64° do C.P.M.), evidente é que não se apresenta suficiente para se considerar o recorrente “reincidente”.

Com efeito, e em harmonia com o preceituado no art. 69° do C.P.M., a “reincidência” não funciona «ope legis» – como acontecia em sede do C.P. de 1886 – mas sim, «ope judicis», ou seja, não só face a “anterior condenação”, mas com a verificação e confirmação pelo julgador, em sede de matéria de facto (provada) que tal anterior condenação não serviu de emenda ao arguido.
A necessidade de tal “pressuposto material” para a verificação da “reincidência”, afigura-se-nos constituir o mais adequado entendimento sobre a “questão”, pois que atento ao estatuído no referido art. 69° do C.P.M., inviável é concluir-se pela verificação da dita circunstância qualificativa apenas com base no Certificado de Registo Criminal do arguido.
Na verdade, exigindo o n.° 1 do citado art. 69° que a condenação ou condenações anteriores não tenham constituído “prevenção suficiente contra o crime”, indispensável é que na matéria de facto provada (ao abrigo do contraditório) assim conste.

Neste sentido, veja-se, v.g., o Acórdão do Vdo T.U.I. de 13.04.2005, Processo n.° 4/2005, onde, em sede de sumário, se consignou o que segue:

“Para a verificação da reincidência, é necessário o apuramento contraditório das circunstâncias demonstrativas de que as condenações anteriores não são suficientes para prevenir a prática de novos crimes por arguido.
Para tal, não basta considerar apenas as condenações anteriores, antes são necessários factos concretos capazes de suportar o juízo de insuficiência de advertência contra o crime através das condenações anteriores”.

Nesta conformidade, provado não estando que “as anteriores condenações não serviram de suficiente advertência contra o crime”, não se pode dar por verificada a circunstância agravante da “reincidência”.

Nesta conformidade, e sendo de se manter a aplicação do art. 201° do C.P.M. que deu lugar a uma atenuação especial da pena, (cfr., art. 67° do C.P.M.), cremos que justa e adequada se apresenta a pena de 1 ano de prisão.

Continuemos para se determinar agora a “pena única” resultante do cúmulo jurídico com a aplicada no Proc. n.° CR4-14-0187-PCC.

Pois bem, neste processo, foi o recorrente condenado numa pena de 2 anos e 6 meses de prisão; (cfr., Ac. do T.S.I. de 12.02.2015, Proc. n.° 19/2015).

Atento os critérios do art. 71° do C.P.M., e ponderando na personalidade que a factualidade provada revela ter o recorrente, com várias condenações, afigura-se-nos equilibrada uma pena única de 3 anos de prisão.

–– Quanto à “suspensão da execução desta pena”, vejamos.

Nos termos do art. 48° do C.P.M.:

“1. O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2. O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3. Os deveres, as regras de conduta e o regime de prova podem ser impostos cumulativamente.
4. A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5. O período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão”.

Em relação ao transcrito comando legal tem este T.S.I. entendido que “o artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 12.05.2016, Proc. n.° 305/2016, de 16.06.2016, Proc. n.° 254/2016 e de 21.07.2016, Proc. n.° 483/2016).

Na verdade, o instituto da suspensão da execução da pena baseia-se (também) numa relação de confiança entre o Tribunal e o condenado. Aquele convence-se, em juízo de prognose favorável, que o arguido, sentindo a condenação, é capaz de passar a conduzir a sua vida de modo lícito e adequado, acreditando ainda que o mesmo posto perante a censura do facto e a ameaça da pena, é capaz de se afastar da criminalidade; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 14.01.2016, Proc. n.° 863/2015 e de 16.06.2016, Proc. n.° 254/2016).

Em conformidade com o exposto, e verificando-se que o arguido já sofreu várias condenações em pena de prisão, que cumpriu, voltando a delinquir após libertado, não se vislumbra como dar-se por verificados os pressupostos cumulativos do art. 48° do C.P.M. para se decidir pela suspensão da decretada pena de 3 anos de prisão.

Tudo visto, resta decidir.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, julga-se parcialmente procedente o recurso, ficando o arguido condenado na pena única de 3 anos de prisão.

Pelo seu decaimento pagará o recorrente 4 UCs de taxa de justiça.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Macau, aos 29 de Setembro de 2016
José Maria Dias Azedo
Tam Hio Wa
Chan Kuong Seng (vencido, porque entendo que deve ser mantida toda a decisão recorrida, sobretudo porque o Tribunal “a quo” já exprimiu o seu juízo de valor a que se refere a parte final do art.º 69.º, n.º 1, do C.P. a propósito da reincidência do arguido).

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