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Processo nº 770/2015
(Autos de recurso contencioso)

Data: 22/Setembro/2016

Assuntos: Interdição de entrada na RAEM
  Fortes indícios da prática de crime
  Falta de fundamentação
  Princípio da presunção de inocência
  Erro nos pressupostos de facto

SUMÁRIO
1. O acto recorrido não padece do vício de falta de fundamentação se qualquer destinatário comum (por referência à diligência normal do homem médio que tal deve ser aferido) fica a saber as razões de facto e de direito que levaram à aplicação da medida de interdição de entrada ao recorrente.
2. A aplicação da medida de interdição de entrada na RAEM é uma medida policial com a finalidade de assegurar a paz e a tranquilidade social da comunidade, daí que não confronta com o princípio da presunção da inocência.
3. O erro nos pressupostos de facto subjacentes à decisão releva no exercício de poderes discricionários, exigindo-se que os factos que sirvam de motivo de um acto administrativo devem ser verdadeiros, de modo que o órgão decisor possa actuar de forma livre e esclarecida, sem que a sua vontade seja viciada.

4. Estatui a alínea 3) do nº 2 do artigo 4º da Lei nº 4/2003 que “pode ser recusada a entrada dos não-residentes na RAEM em virtude de existirem fortes indícios de terem praticado ou de se prepararem para a prática de quaisquer crimes”.
5. Pelo que não basta dizer que foram encontrados estupefacientes em frente de um grupo de indivíduos e, em consequência disso, chegar à conclusão de que todos eles se preparavam para os consumir. Antes era necessário realizar mais diligências com vista a apurar o nível de intervenção e responsabilidade de cada um deles, sob pena de os indícios de crime não serem suficientes, muito menos fortes, que permitam imputar tais factos ao recorrente e, em consequência, recusar-lhe a sua entrada na RAEM.
6. E sendo o processo-crime instaurado no Ministério Público em que o recorrente foi constituído arguido arquivado por falta de indícios suficientes para deduzir uma acusação, isso vem evidenciar a inexistência de fortes indícios de que o recorrente se preparava para consumir produtos estupefacientes.
       
O Relator,

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Tong Hio Fong

Processo nº 770/2015
(Autos de recurso contencioso)

Data: 22/Setembro/2016

Recorrente:
- A

Entidade recorrida:
- Secretário para a Segurança

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A, do sexo masculino, titular do Passaporte de Singapura, melhor identificado nos autos, inconformado com o despacho do Exm.º Secretário para a Segurança de 11 de Maio de 2015, que determinou a interdição de entrada na RAEM do recorrente pelo período de 3 anos, interpôs o presente recurso contencioso de anulação de acto administrativo, formulando as seguintes conclusões:
“1. O presente é tempestivo e o recorrente tem legitimidade para a respectiva interposição.
2. O despacho recorrido é aquele que nega provimento ao recurso hierárquico e “concorda e manda proceder de acordo com a proposta” com o n.º 295/2015-Pº222.18, de 28/03/2015 exarada no processo em que é interessado o recorrente, decretando a sua “interdição de entrada na RAEM pelo período de 3 anos”.
3. Alegadamente, “existem fortes indícios” de que o recorrente praticou o crime previsto no art.º 14º da Lei n.º 17/2009 (“consumo de estupefacientes”).
4. Ora, o recorrente não praticou qualquer crime na RAEM, pelo que o despacho recorrido é anulável por violação de lei e por falta de fundamentação.
5. Violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e, consequentemente, por erro nos pressupostos de direito, porquanto corresponde a uma violação do “princípio da presunção de inocência”.
6. Falta de fundamentação já que, ao concordar expressamente com a referida proposta – a qual, por isso, faz parte integrante do despacho recorrido – do mesmo não consta, por obscuridade, a motivação do acto.”
Conclui, pedindo a procedência do recurso contencioso, e a consequente anulação do despacho recorrido.
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Regularmente citada, pela entidade recorrida foi apresentada a contestação constante de fls. 31 a 37 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, pugnando pela improcedência do recurso.
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No uso da faculdade concedida pelo artigo 68º do Código de Processo Administrativo Contencioso, o recorrente apresentou alegações facultativas, nelas formulando as seguintes conclusões:
“1. Não há quaisquer indícios de que o recorrente praticou ou se preparava para praticar qualquer crime na RAEM.
2. O arquivamento, por total ausência de provas, do processo crime em que ele foi constituído arguido é a consequência cabal do que sempre se afirmou.
3. A “punição” que lhe foi imposta é, pois, uma claríssima violação dos mais elementares princípios que regulam a actividade da Administração da RAEM; e
4. Dos princípios básicos de um Estado de Direito, previstos, aliás, na Lei Básica da RAEM.”
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Por seu turno, apresentou também a entidade recorrida as seguintes conclusões alegatórias:
“1. O despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público não põe em causa os fundamentos apresentados na contestação.
2. O procedimento administrativo conducente à aplicação das medidas previstas nos artigos 11º e 12º da Lei n.º 6/2004 é independente face ao procedimento criminal que possa ter origem nos mesmos factos.
3. No caso sub judice o MP não arquiva o inquérito com base na convicção firme de que o arguido não foi autor da conduta que lhe vem imputada nem afirma que o arguido não constitui perigo para a segurança da RAEM.
4. O arquivamento pelo MP, é, neste caso, irrelevante para o procedimento administrativo onde se analisa a aplicação de uma medida de natureza administrativa de revogação de autorização de permanência e/ou de interdição de entrada.
5. O arquivamento do procedimento criminal, com fundamento no n.º 2 do artigo 259º do Código do Processo Penal é compatível com a afirmação de um juízo de perigosidade pelo titular da política securitária relativamente a um indivíduo que visita a RAEM.”
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Findo o prazo para alegações, o Ilustre Magistrado do Ministério Público deu o seguinte douto parecer:
“Na petição inicial, o recorrente assacou ao despacho recorrido, em primeiro lugar, o erro nos pressupostos de facto por não praticar nenhum crime na RAEM, nem existirem fortes indícios da sua prática de qualquer crime, e em consequência disso, o erro nos pressupostos de direito correspondente a uma violação do princípio da presunção da inocência.
Repare-se o seguinte facto documentalmente constatado (doc. de fls.48 a 51 do P.A.): 於2015年1月9日,司法警察在澳門xx度假村xxxxVxx號房內截獲13名人士(包括Az在內),並在房間內發現毒品(兩粒毒品“5仔”及毒品“氯胺酮”共8.83克)及吸毒工具。經調查後,司法警察以涉嫌觸犯第17/2009號法律第14條,移送Az至檢察院偵辦。
Com base neste facto, e em observância ao disposto nas alíneas 3) e 4) do n.º 2 do art. 4º da Lei n.º 4/2003 e na alínea 1) do n.º 2 bem como nos n.º 3 e n.º 4 do art. 12º da Lei n.º 6/2004, o despacho recorrido aplicou ao recorrente a medida de recusa de entrada no período de 3 anos.
Adverte proficientemente que «Ao contrário do que sucede com a alínea 2), do n.º 2, do art. 4º da Lei n.º 4/2003, em que se torna necessário um crime “julgado”, na alínea 3), desse número basta a existência de meros indícios de um crime “praticado”.» (Acórdão do TSI no Processo n.º 647/2012)
Ora, proclama por unanimidade o Venerando TSI (Acórdãos nos Processos n.º 759/2007 e n.º 647/2012): A interdição da entrada na RAEM, sendo uma medida policial destinada a assegurar a paz e a tranquilidade social desta comunidade, não confronta com o princípio da presunção da inocência, previsto nos arts. 29º e 43º da Lei Básica.
Por sua vez, o Venerando TUI assevera peremptoriamente (Acórdão no Processo n.º 28/2014):
1. No caso de haver fortes indícios quanto à prática ou à preparação para a prática de crimes, a Administração pode decretar a interdição de entrada com fundamento na existência de perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM - art.º 12.º n.ºs 2 e 3 da Lei n.º 6/2004 e art.º 4.º n.º 2, al. 3) da Lei n.º 4/2003.
2. Com a previsão, como pressuposto da interdição de entrada, de existência de “fortes indícios” da prática do crime, não se pode falar na aplicação dos princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo, já que a exigência legal, tão só, de fortes indícios se opõe logicamente à ideia de comprovação de prática do facto ilícito.
3. Não se aplica, na matéria de interdição de entrada em virtude de existirem fortes indícios da prática do crime, os princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo.
É verdade que em 8/9/2015 foi arquivado o Inquérito n.º 7398/2014 instaurado contra o recorrente (doc. de fls. 28 do P.A.). Com respeito pela opinião diferente, parece-nos que o arquivamento deste Inquérito não tem virtude suficiente de destruir o ajuizamento da existência de fortes indícios de se prepararem para a prática do crime de consumo de droga.
Em harmonia com as sensatas jurisprudências supra citadas, e sem ignorar o apontado arquivamento do Inquérito n.º 7398/2014, colhemos que o despacho em escrutínio não infringe o princípio da presunção da inocência, nem o princípio in dubio pro reo ou de culpa.
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Nas conclusões formuladas nas alegações de fls. 44 a 45 dos autos, o recorrente não insistiu no vício de forma por falta de fundamentação, por si invocado na conclusão f) da petição. Nos termos do preceito no n.º 4 do art. 68º do CPAC, é de considerar abandonada esta arguição.
Por cautela, procedemos à apreciação da dita arguição, cabendo-nos, antes de mais, apontar que os n.º 2 e n.º 6 da Informação n.º 295/2015-Pº.222.18 contêm indicação clara e concisa das bases de facto e de direito nas quais se estribou a decisão da interdição de entrada por período de 3 anos, indicação que permite ao recorrente conhecer o itinerário decisor da Administração ao proferir o despacho em causa.
Interpretado de acordo com o preceito no n.º 1 do art. 115º do CPA e em sintonia com a dita Informação, o despacho in questio, mediante a expressa declaração de concordância («同意»), absolve e chama a si a Proposta bem como todas as razões de facto e de direito aí descritas.
Nesta linha de consideração, temos toda a certeza de que o despacho em exame se encontra suficientemente fundamentado, a arguição do vício de forma por falta de fundamentação não pode deixar de cair irremediavelmente em vão.
***
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso.”
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O Tribunal é o competente e o processo o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, e têm interesse processual.
Não existe outras nulidades, excepções nem questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos, designadamente do processo administrativo, a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão da causa:
No dia 9.1.2015, numa rusga efectuada pela PJ no quarto nº Vxx do “xxxx” sito nas instalações da xx, S.A., foram encontradas duas cápsulas de Nimetazepam e 8,83 gramas de Ketamina, bem como utensílios apropriados para o consumo das aludidas substâncias estupefacientes.
Nessa altura, encontravam-se no referido quarto 13 indivíduos, entre os quais se incluía o aqui recorrente.
Por despacho do Exm.º Secretário para a Segurança, de 11.5.2015, foi aplicada ao recorrente a interdição de entrada na RAEM pelo período de 3 anos, por entender que o recorrente se preparava para consumir estupefaciente juntamente com os demais indivíduos, e que tal conduta integra a prática do crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas previsto e punível pelo artigo 14º da Lei nº 17/2009.
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Analisemos agora os fundamentos do recurso.
Da falta de fundamentação do acto administrativo
O recorrente vem assacar ao despacho recorrido vício de forma por falta de fundamentação, alegando que, ao concordar com a proposta a qual faz parte integrante do despacho recorrido, não consta do mesmo, por obscuridade, a motivação do acto.
Estatui-se no artigo 114º do Código do Procedimento Administrativo que os actos administrativos que neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções, devem ser fundamentados.
Preceitua-se ainda no nº 1 do artigo 115º do mesmo Código que a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações, propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto.
A fundamentação visa assegurar a melhoria da qualidade e a legalidade dos actos administrativos, facilitar o recurso contencioso pelos eventuais lesados pelo acto administrativo, de modo a garantir o exercício efectivo do seu direito ao recurso contra actos lesivos, e tem ainda uma função persuasória e consensual, contribuindo para a uma maior transparência da actividade administrativa.1
In casu, salvo o devido respeito por melhor opinião, entendemos não se verificar o vício invocado.
Tal como referiu o Acórdão deste TSI, de 11.10.2012, no Processo nº 229/2012, relativamente a um caso semelhante:
“Ora, ainda que as expressões “perigo para a sociedade” e “facto de perigosidade” façam parte da fundamentação do acto sem grande desenvolvimento, pensamos que o contexto discursivo é bastante ou suficiente para que qualquer homem de meridiana capacidade de entendimento possa colher o verdadeiro sentido delas. Na verdade, não são afirmações soltas, isoladas ou desligadas do todo justificativo. São antes, digamos, ideias de reforço, que se suportam nos factos objectivos(…). Neste sentido, a sua existência no seio da fundamentação contextual mostra-se explicada e bem entendível, e assim mesmo a terão entendido os recorrentes, já que o recurso foi desenvolvido sem hiatos ou falhas que pudessem ser imputadas àquela alegada insuficiência.”
No caso em apreço, resulta do despacho recorrido que o recorrente foi surpreendido juntamente com vários indivíduos numa sala de VIP dum clube nocturno, onde foram encontradas duas cápsulas de Nimetazepam e 8,83 gramas de Ketamina, bem como utensílios apropriados para o consumo das aludidas substâncias estupefacientes. Considerando que esta situação indiciava fortemente a prática pelo recorrente de um crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas previsto e punível pelo artigo 14º da Lei nº 17/2009, foi-lhe aplicada pela entidade recorrida a medida de interdição por 3 anos.
Perante esta constatação, não se vislumbra o alegado vício de falta de fundamentação que atente contra o disposto nos artigos 114º e 115º do CPA, uma vez que qualquer destinatário comum (por referência à diligência normal do homem médio que tal deve ser aferido) fica a saber as razões de facto e de direito que levaram à aplicação daquela medida de interdição de entrada.
Improcede, assim, o vício invocado.
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Da violação do princípio da presunção de inocência
Alega o recorrente que o acto recorrido está ferido de ilegalidade por violação da Lei Básica, mais precisamente no respeitante ao princípio da presunção de inocência.
Entende o recorrente que, tendo o Ministério Público decidido arquivar o processo-crime, deixou a medida de interdição de ter sentido, devendo a Administração actuar em conformidade com o princípio da presunção de inocência.
Vejamos.
Embora seja a presunção de inocência princípio fundamental em processo penal e que está previsto na Lei Básica, mas a verdade é que não estamos aqui em causa a apreciação da responsabilidade penal do recorrente.
No fundo, não precisamos saber se deve ser aplicada ao recorrente alguma pena ou medida de segurança, enquanto reacção pública ao crime, caso em que terá sempre que ter em linha de conta o referido princípio fundamental, mas sim estamos no âmbito do exercício da actividade administrativa, em que a Administração terá o dever e o cuidado de tomar decisões destinadas a satisfazer interesses públicos, nomeadamente, aplicando medidas de natureza meramente preventivas.
Em suma, por que a questão da recusa de entrada na RAEM de não-residentes está ligada a assuntos inseridos no âmbito da actividade administrativa, não se deve falar aqui de violação do princípio da presunção de inocência.
No mesmo sentido, veja-se o Acórdão de 25.11.2010 deste TSI, no Processo nº 759/2007, onde se refere que “a recusa da entrada na RAEM, sendo uma medida policial com a finalidade de assegurar a paz e a tranquilidade social desta comunidade, não confronta com o princípio da presunção da inocência”.
O mesmo entendimento foi perfilhado pelo Acórdão do Venerando TUI, de 19.11.2014, proferido no âmbito do Processo nº 28/2014:
“1. No caso de haver fortes indícios quanto à prática ou à preparação para a prática de crimes, a Administração pode decretar a interdição de entrada com fundamento na existência de perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM - art.º n.s 2 e 3 da Lei nº 6/2004 e art.º 4.º n.º 2, al. 3) da Lei nº 4/2003.
2. Com a previsão, como pressuposto da interdição de entrada, de existência de “fortes indícios” da prática do crime, não se pode falar na aplicação dos princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo, já que a exigência legal, tão só, de fortes indícios se opõe logicamente à ideia de comprovação de prática do facto ilícito.
3. Não se aplica, na matéria de interdição de entrada em virtude de existirem fortes indícios da prática do crime, os princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo.”
E não se diga, por outro lado, que houve violação do disposto no artigo 43º da Lei Básica, pois no tocante à questão de residência e permanência, só é garantido o direito de residência aos residentes permanentes da RAEM (artigo 24º da Lei Básica), enquanto os visitantes só têm direito a entrar e permanecer na Região conforme a legislação em vigor, a qual não lhes garante o direito a permanecer na Região.
Aqui chegados, improcede o vício invocado.
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Do erro nos pressupostos de facto
O recorrente assaca ainda ao despacho recorrido vício de erro nos pressupostos de facto, alegando sumariamente que não praticou qualquer crime nem existem fortes indícios de que o tenha praticado, ou se preparava para praticar qualquer crime na RAEM, referindo ainda que o processo-crime em que foi constituído arguido ficou arquivado.
Em boa verdade, o erro nos pressupostos de facto subjacentes à decisão releva no exercício de poderes discricionários, exigindo-se que os factos que sirvam de motivo de um acto administrativo devem ser verdadeiros, de modo que o órgão decisor possa actuar de forma livre e esclarecida, sem que a sua vontade seja viciada.
Cremos ter razão o recorrente. Vejamos.
Foi constatada no despacho recorrido a existência de fortes indícios da prática pelo recorrente de um crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas previsto e punível pelo artigo 14º da Lei nº 17/2009.
Prevê a alínea 3) do nº 2 do artigo 4º da Lei nº 4/2003 que “pode ser recusada a entrada dos não-residentes na RAEM em virtude de existirem fortes indícios de terem praticado ou de se prepararem para a prática de quaisquer crimes” – sublinhado nosso.
E são “fortes indícios” aqueles factos ou sinais, reportados a um crime, que correspondem a uma probabilidade elevada de ao sujeito vir a ser aplicada uma pena.
No caso em apreço, apenas resultava indiciariamente provado que na sequência da rusga efectuada na sala de VIP dum clube nocturno, foi surpreendido o recorrente juntamente com vários indivíduos, e no local onde eles se encontravam foram encontradas duas cápsulas de Nimetazepam e 8,83 gramas de Ketamina, bem como utensílios apropriados para o consumo das aludidas substâncias estupefacientes.
Da factualidade acima descrita, e salvo o devido respeito, somos a entender que não existem fortes indícios de que o recorrente tenha praticado qualquer crime.
Em boa verdade, não basta dizer que foram encontrados estupefacientes em frente de um grupo de indivíduos e, em consequência disso, chegar à conclusão de que todos eles se preparavam para os consumir. Antes era necessário realizar mais diligências com vista a apurar o nível de intervenção e responsabilidade de cada um deles, sob pena de os indícios de crime não serem suficientes, muito menos fortes, que permitam imputar tais factos ao recorrente e, em consequência, recusar-lhe a sua entrada na RAEM.
Além de que sendo o processo-crime instaurado no Ministério Público em que o recorrente foi constituído arguido arquivado por falta de indícios suficientes para deduzir uma acusação, isso vem evidenciar a inexistência de fortes indícios de que o recorrente se preparava para consumir produtos estupefacientes.
Aqui chegados, por padecer de erro nos pressupostos de facto, o acto recorrido não pode manter-se.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em julgar procedente o recurso contencioso e, em consequência, anulando o acto recorrido impugnado.
Sem custas por a entidade recorrida beneficiar da respectiva isenção legal.
Registe e notifique.
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RAEM, 22 de Setembro de 2015
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
João A.G. Gil de Oliveira
Fui Presente
x
Mai Man Ieng
1 Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro e José Cândido de Pinho, Código do Procedimento Administrativo de Macau, Anotado e Comentado, FM e SAFP, pág. 623 e 624
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Recurso Contencioso 770/2015 Página 17