Proc. nº 609/2016
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 29 de Setembro de 2016
Descritores:
-Arresto
-Prova testemunhal
-Princípio da imediação
SUMÁRIO:
I. Quando a primeira instância forma a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir nela, sob pena de se transformar a instância de recurso, numa nova instância de prova.
II. É por isso, de resto, que a decisão de facto só pode ser modificada nos casos previstos no art. 629º do CPC” e que o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu.
III. Quando a pretensão do recorrente jurisdicional é impugnar a decisão de facto da 1ª instância, deve tomar em atenção o disposto no art. 599º do CPC, que lhe exige a indicação dos concretos meios probatórios que imponham decisão diversa da recorrida (nº1, al. b)) e lhe determina a referência concreta às passagens da gravação em que se fundou para a impugnação (nº2).
IV. Não havendo nos autos elementos aparentemente reveladores de um receio de perda de garantia patrimonial, como é exigido no nº1, do art. 351º do CPC e 615º, nº1, do CC, o arresto não pode ser decretado.
Proc. nº 609/2016
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I - Relatório
BANCO A, S.A., em chinês, A銀行股份有限公司, sociedade comercial anónima, com sede em Macau, no Largo de ......, ......, registado na Conservatória dos Registos Comercial e dos Bens Móveis sob o n.º ###(SO), requereu no TJB (Proc. nº CV3-16-0004-CPV) a providência cautelar de arresto preventivo contra B (B) (1...-1...-3...) e cônjuge, de nome C (C) (6...-0...-6...), casados no regime da comunhão de adquiridos, ambos de nacionalidade chinesa e residentes em Macau, na Avenida de ......, n.º ..., Edifício ......, Bloco ..., ....º andar “...”.
Sem audição prévia dos requeridos, e após a inquirição de duas testemunhas arroladas pelo banco requerente, foi proferida decisão, que julgou procedente a providência e decretou o arresto do imóvel identificado na petição inicial e valores depositados no processo CV1-00-0002-CEO.
*
Os requeridos deduziram, entretanto, oposição ao arresto e, após a audição de uma testemunha arrolada por aqueles (seu filho), viria a ser proferida sentença, que julgou procedente a oposição e, em consequência, revogou o arresto anteriormente decretado.
*
É contra esta sentença que o Banco requerente ora interpõe o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações produziu as seguintes conclusões:
«1. Perante a prova produzida deveria ter sido julgado provado o facto de os Requeridos têm intenção de alienar o Imóvel.
2. Entende o Recorrente que se verifica in casu o requisito do justificado receio de perda da garantia patrimonial do seu crédito necessário ao decretamento do arresto.
3. Do facto de os Requeridos terem procedido ao pagamento voluntário da quantia reclamada no âmbito da execução CV1-00-0002-CEO (o que ocorreu quase 15 anos depois da constituição da dívida) apenas decorre que aqueles não pretendiam que o imóvel fosse objecto de venda judicial, e deste facto não se pode concluir que os Requeridos não pretendam agora alienar o Imóvel, e, por esta via concluir não se verifica o receio de perda da garantia patrimonial.
4. Não é verdade que os Requeridos não tinham razões para crer que o banco, ora recorrente, não tinha fundamentos nem se poderia opor à alegada revogação com justa causa.
5. A procuração e substabelecimento foram outorgados em complemento de outras garantias prestadas pelos Requeridos e dos mesmos decorre que os Requeridos conferiram um mandato ilimitado a favor do Banco, não se restringindo a validade da mesma à validade da hipoteca do Imóvel.
6. Não se aceita a justa causa alegada para revogar a procuração e o substabelecimento com fundamento no pagamento dos créditos garantidos pela hipoteca.
7. Os Requeridos sabem e não podem desconhecer que deviam, e continuam a dever, outras quantias para além das que foram reclamadas na execução hipotecária.
8. O Banco intentou a acção executiva que correu termos pelo 3.º Juízo sob o processo n.º CEO-018-01-3 (posteriormente autuado sob o n.º CV3-01-0063-CEO) no âmbito da qual exigiu o pagamento de montante integral em dívida, no valor de MOP7.116.897,58.
9. Em 2008, o Banco foi citado para reclamar os seus créditos na execução CV1-00-0002-CEO e que tendo em consideração que a hipoteca garantia o montante, em capital de HKD3.100.000, o banco reclamou apenas este valor em relação à dívida de Overdraft.
10. Por conseguinte, os Requeridos não podiam desconhecer que ainda se encontravam em dívida outras quantias que não puderam ser reclamados na execução hipotecária.
11. Os Requeridos outorgaram um instrumento de revogação da uma procuração e substabelecimento e esse facto gera o receio de perda da garantia patrimonial, sendo que do texto da procuração nada resulta de que a mesma foi outorgada como complemento da garantia da hipoteca constituída sobre o Imóvel, nem que a validade da procuração dependeria da validade da hipoteca, não se aceitando, por conseguinte, a alegada justa causa da revogação.
12. O valor da avaliação do imóvel em HKD30,000,000 apenas permite concluir que os Requeridos não se encontram (ainda) numa situação de insolvência - porém tal não é necessário para que se verifique o requisito do periculum in mora.
13: Efectivamente, o Imóvel é o único património conhecido dos Requeridos e caso o mesmo venha a ser alienado, e tendo em consideração que o produto da venda é facilmente ocultável, deixará de haver qualquer património executável para pagamento da quantia que ainda devem ao Requerente.
14. Está-se, pois, perante uma situação em que há risco de os Requeridos ficarem em situação de insolvência por dissipação ou oneração do seu único património.
15. Cremos que os fundamentos invocados pelo tribunal a quo para concluir pela não existência de periculum in mora não poderão proceder.
16. Os factos dados como provados nos presentes autos permitem concluir pela existência do justificado receio de perda da garantia patrimonial.
17. Dos factos dados como provados decorre a grande dificuldade que o ora Recorrente teve em recuperar o montante devido pelos Requeridos, desde o ano de 2001, e que o Imóvel arrestado sempre foi o único património conhecido dos Requeridos
18. Da conjugação dos factos supra elencados pode retirar-se que os Requeridos possuem em Macau apenas o Imóvel arrestado e saldos bancários diminutos junto das instituições bancárias em Macau.
19. Para além do Imóvel que continua em nome dos Requeridos, nunca foram encontrados quaisquer outros bens, mas apenas saldos bancários de valor diminuto, quer na acções executivas movidas pelo recorrente contra os Requeridos quer nos presentes autos de arresto, onde não foi possível efectivar o arresto do crédito restituído aos Requeridos no âmbito da execução CV1-00-0002-CEO, e onde foram arrestados saldos bancários junto do Banco da XXXX no valor que não excede as MOP12.000,00.
20. Por outro lado, o facto de os Requeridos terem outorgado um instrumento de revogação da procuração e substabelecimento, por terem procedido ao pagamento integral do crédito hipotecário (o que, repete-se, só efectuaram quase 15 anos depois da constituição da dívida), quando aquele não corresponde ao valor total em dívida, evidencia uma atitude dos Requeridos geradores de um receio objectivo de futura perda da garantia patrimonial.
21. De acordo com a experiência do Banco, existe o risco sério de os Requeridos alienarem a o seu único Imóvel existente em Macau, assim fazendo o credor perder a garantia patrimonial.
22. Pelo exposto, à luz das regras da experiência comum, entende-se verificado o justificado receio de perda de garantia patrimonial se não for decretado o arresto do Imóvel.
23. No caso dos autos, os factos assentes, devidamente enquadrados pelas regras da experiência comum, permitem concluir pela existência de justificado receio de perda da garantia patrimonial, requisito do decretamento da providência cautelar de arresto por força do disposto no artigo 351.º n.º 1 do CPC e no artigo 615.º, n.º 1 do Código Civil.
24. Assim, ao considerar que se encontrar verificado o fundado receio da perda da garantia patrimonial do crédito do Requerente do arresto sobre os Requeridos, o Tribunal a quo fez uma errada aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 351.º do CPC no que respeita ao alegado pressuposto.
25. Por conseguinte, a douta sentença recorrida viola o disposto no n.º 1 do artigo 351º do CPC.
Nestes termos, e nos mais de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, e, em consequência, ser revogada a sentença proferida em 22 de Abril de 2016 e substituída por outra que mantenha o arresto decretado sobre a fracção autónoma “ABR/C”, do rés-do-chão “AB”, por comércio, do prédio com os n.os 5 a 87 da Avenida ......, n.os 200 a 234 da Alameda da ......, n.os 71 a 115 da Praceta da ...... e n.os 7 a 65 da Rua da ......, inscrito na respectiva matriz predial sob o art. 71800, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º 2....., a fls. 103v. do Livro B124, aí registada a favor dos Requeridos sob a inscrição n.º 5.....; e saldos depositados em contas bancárias tituladas pelos Requeridos, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 351.º do Código de Processo Civil, com as demais consequências legais.».
*
Na resposta ao recurso, os recorridos defenderam o improvimento deste.
*
Cumpre decidir.
***
II – Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
«A. Requerente é uma instituição de crédito autorizada a exercer a sua actividade na Região Administrativa Especial de Macau.
B. Em 10 de Fevereiro de 1998, o Banco concedeu facilidades bancárias a B (B), ora Requerido, destinadas ao giro comercial do estabelecimento denominado “Artigos Eléctricos D”, no montante global de HKD7.000.000,00 (sete milhões de dólares de Hong Kong), as quais revestiram as seguintes modalidades:
(i) Abertura de créditos documentários de importação de mercadorias (L/C), até ao limite de HKD4.000.000,00 (quatro milhões de dólares de Hong Kong), financiamento para liquidação de créditos documentários de importação de mercadorias abertos através do Banco ou de operações de importação documentadas através do Banco (Trust Receipt); e
(ii) Abertura de crédito em conta corrente (Overdraft)
C. Em garantia das obrigações contraídas ao abrigo das facilidades bancárias referidas em B) em 3 de Fevereiro e em 29 de Julho de 1997, o Requerido B (B) subscreveu, respectivamente, duas livranças, avalizadas pela sua mulher C (C), ora Requerida, cada uma no montante de HKD4.200.000,00
D. Em garantia das facilidades bancárias referidas, por escritura outorgada em 25 de Junho de 1998, lavrada a fls. 75 e seguintes do Livro n.º 95 do Cartório da Notária Privada F, os Requeridos B (B) e C (C), constituíram, a favor do Banco, uma primeira hipoteca sobre a fracção autónoma “ABR/C”, do rés-do-chão “AB”, para comércio, do prédio com os n.os 5 a 87 da Avenida ......, n.os 200 a 234 da Alameda da ......, n.os 71 a 115 da Praceta da ...... e n.os 7 a 65 da Rua da ......, inscrito na respectiva matriz predial sob o art. 71800, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º 2....., a fls. 103v: do Livro B124 (o “Imóvel”), aí registada a favor dos mesmos pela inscrição n.º 5.....
E. A mencionada hipoteca foi definitivamente registada, a favor do Banco, pela inscrição n.º 4.....
F. A referida hipoteca foi constituída em caução e garantia do reembolso de:
a) todas e quaisquer facilidades bancárias concedidas ou a conceder pelo Banco ao Requerido B (B), por virtude de quaisquer operações bancárias, até ao montante, em capital, de HKD3.100.000,00 (três milhões e cem mil dólares de Hong Kong);
b) dos respectivos juros convencionados, à taxa anual que, para efeitos de registo, se fixou em 12%, agravável em 3%, em caso demora; e
c) dos demais encargos e despesas, judiciais e extrajudiciais, incluindo os honorários de advogado, que o Banco tivesse de fazer para sua segurança ou reembolso do seu crédito, despesas que, apenas para efeitos de registo, se fixaram em MOP 310.000,00 (trezentas e dez mil patacas);
G. O Requerido B (B) utilizou efectivamente as facilidades bancárias concedidas.
H. Na modalidade de abertura de créditos documentários de importação de mercadorias (Trust Receipt), à data de 26 de Outubro de 1998, a dívida, a título de capital, ascendia ao montante de HKD1.490.000,00 (um milhão, quatrocentos e noventa mil dólares de Hong Kong), equivalente a MOP1.534.700,00 (um milhão, quinhentas e trinta e quatro mil e setecentas patacas).
I. Na modalidade de abertura de crédito em conta corrente (Overdraft), de acordo com os extractos de conta emitidos no ano de 1999, à data de 30 de Setembro de 1999, a dívida ascendia ao montante de HKD3.822.090,34 (três milhões, oitocentos e vinte e dois mil, noventa dólares de Hong Kong e trinta e quatro cêntimos), sendo a título de capital o montante de HKD3.420.387,25 (três milhões, quatrocentos e vinte mil, trezentos e oitenta e sete dólares de Hong Kong e vinte e cinco cêntimos), equivalente a MOP3.522.998,87 (três milhões, quinhentas e vinte e duas mil, novecentas e noventa e oito patacas e oitenta e sete avos).
J. (...) apesar de ter sido insistentemente instado para o efeito pelo Banco, o Requerido B (B) não procedeu ao pagamento dos créditos concedidos.
K. Assim, em 8 de Março de 2001, o Banco requerente intentou uma acção executiva contra os Requeridos B (B) e C (C), com base nas duas livranças melhor identificadas em C), a fim de pedir o pagamento da dívida.
L. A execução correu termos no 3.º Juízo desse Tribunal, sob o processo n.º CEO-018-01-3 (posteriormente autuado sob o n.º CV3-01-0063-CEO)
M. O Banco não conseguiu recuperar qualquer valor em dívida no âmbito deste processo.
N. Em 2008, o Banco foi citado para reclamar os seus créditos, dado que o Imóvel foi penhorado pelo Banco YYYY, S.A., à ordem do Processo n.º CV1-00-0002-CEO, que corre termos no 1.º Juízo Cível desse Tribunal.
O. Atento o facto de a hipoteca garantir o montante, em capital, de HKD3.100.000,00 (três milhões e cem mil dólares de Hong Kong), o Banco reclamou apenas este valor em relação à dívida de Overdraft, bem como os respectivos juros.
P. De acordo com a conta do processo n.º CV1-00-0002-CEO, junto como Doc. n.º 13 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, o Banco tem o direito de receber o montante de MOP11.198.953,35 (onze milhões, cento e noventa e oito mil, novecentas e cinquenta e três patacas e trinta e cinco avos),
Q. O qual liquidou parcialmente a dívida na modalidade de abertura de crédito em conta corrente (Overdraft), ficando por pagar, o montante, em capital, de HKD320.387,28 (trezentos e vinte mil, trezentos e oitenta e sete do lares de Hong Kong e vinte e oito cêntimos), equivalente a MOP329.998,90 (trezentas e vinte e nove mil, novecentas e noventa e oito patacas e noventa avos), acrescido dos juros devidos;
R. Na modalidade de abertura de créditos documentários de importação de mercadorias (Trust Receipt), encontra-se ainda em dívida, a título de capital, o montante de HKD1.490.000,00 (um milhão, quatrocentos e noventa mil dólares de Hong Kong), equivalente a MOP1.534.700,00 (um milhão, quinhentas e trinta e quatro mil e setecentas patacas).
S. Durante cerca de quinze anos, desde que as acções executivas foram instauradas pelos dois mencionados credores, para além dos saldos bancários de valor diminuto, o Imóvel foi sempre o único património conhecido dos Requeridos.
T. O imóvel encontra-se avaliado presentemente em HKD30.000.000,00.
U. No dia 10 de Novembro de 2015, os Requeridos revogaram o instrumento de procuração e substabelecimento outorgado em 30 de Setembro de 1999, no Cartório do Notário Privado G, que conferia poderes ao Banco sobre o Imóvel, nomeadamente, o poder de vender o Imóvel.
V. A referida procuração foi revogada por alegada justa causa, sem o consentimento do Banco, fundando-se no facto de ter sido pago o montante coberto pela hipoteca a favor do Banco.
W. No âmbito do processo n.º CV1-00-0002-CEO, será restituído ao Requerido B (B) o crédito no montante de MOP459.797,65 (quatrocentas e cinquenta e nove mil, setecentas e noventa e sete patacas e sessenta e cinco avos).
X. Na execução que correu os seus termos com o n.º CV1-00-0002-CEO o requerido marido pagou de modo voluntário ao requerido mencionada quantia de MOP$11,198,953.35 (onze milhões cento e noventa e oito mil novecentas e cinquenta e três patacas e trinta e cinco centavos).
Y. Este valor foi fixado por despacho datado de 06/02/2015 e corresponde à dívida integral reclamada pelo Banco requerente nessa execução.
Z. O valor das facilidades bancárias concedidas ao 1.º Requerido em 10 de Fevereiro de 1998 ficou garantido pela hipoteca constituída sobre a fracção ora arrestada, por escritura datada de 25 de Julho de 1998, e onde ficou acordado que “a hipoteca garante ainda todas e quaisquer importâncias devidas pela parte creditada por força de quaisquer outros financiamentos bancários já anteriormente concedidos mas ainda não liquidados à data da presente escritura” (cláusula 7a);
AA. Que “a referida hipoteca manter-se-á em pleno vigor, enquanto não estiverem integralmente liquidadas todas as responsabilidades decorrentes das facilidades concedidas” (cláusula 8a);
BB. Que, “para efeitos de execução judicial da hipoteca, o Banco creditante pode incluir todos os seus créditos numa única conta bancária e exigir o pagamento do respectivo saldo devedor” (cláusula 12ª); e
CC. Que, “quaisquer documentos, sejam de que natureza forem, que se encontrem em conexão com o presente contrato, designadamente escritos particulares, títulos de crédito, extractos de conta, avisos de débito e outros, dele ficarão a fazer parte integrante, para efeitos de exequibilidade, nos termos e para os fins do artigo quinquagésimo, número dois, do Código de Processo Civil” (cláusula 13a).
DD. A execução na CEO-018-01-3 (posteriormente na CV3-01-0063-CEO) foi sustada a requerimento do Banco requerente e, posteriormente, declarada a deserção da instância, nos termos do art.º 233º, na 1 do CPC;
EE. A revogação da procuração e substabelecimento, por instrumento notarial datado de 10 de Novembro de 2015, ocorreu porque o requerido marido pagou integralmente a dívida hipotecária que tinha com o Banco requerente na execução n.º CV1-00-0002-CEO.
FF. Os requeridos não pretendem alienar a fracção arrestada.»
***
III – O Direito
1 - Lembremos que na primeira fase dos autos, a requerimento do BANCO A, SA, foi decretado o arresto de um imóvel e valores em dinheiro depositados à ordem de um processo CV1-00-0002-CEO, um e outros pertencentes aos requeridos. Todavia, após a oposição destes, viria a ser produzida a sentença recorrida, que revogou o arresto anteriormente decretado.
Arresto que inicialmente se deveu ao facto de o Banco recorrente se dizer, e ter indiciariamente revelado, ser credor das quantias de HKD 1.490.000,00 (a título da abertura de crédito documentário de importação de mercadorias ou trust receipt) e HKD 320.387,28 (a título de modalidade de abertura de crédito em conta corrente ou overdraft) concedidas ao recorrido marido, que teme não mais recuperar alegando justo receio de perda de garantia patrimonial.
Acontece que, após oposição, veio a apurar-se na 1ª instância que o Banco recorrente não chegou a cobrar nenhuma importância em dívida no âmbito da execução que ele mesmo instaurou contra os recorridos em 8/03/2001 no Proc. nº CEO-018-01-3 (posteriormente alterado para CV3-01-0063-CEO).
É importante acrescentar que o Banco recorrente, num outro processo de execução judicial, nº CV1-00-0002-CEO instaurado por outro credor, ali citado para reclamar os seus créditos, apenas suplicou o pagamento da importância de HKD 3.100.000,00, aquela que correspondia então ao valor em dívida a título de overdraft e juros respectivos, uma vez que a hipoteca que detinha apenas garantia este valor. Todavia, o recorrido executado, nesse mesmo processo, voluntariamente, efectuou o pagamento ao Banco recorrente da quantia de MOP$ 11.198.953,35.
No entanto, o arresto aqui requerido pretenderia assegurar o pagamento das referidas importâncias ainda por liquidar. E isto em virtude de os recorridos terem revogado um instrumento de procuração (revogação alegadamente efectuada por os recorridos terem pago o montante coberto pela hipoteca a favor do banco recorrente) que lhe conferia poderes sobre o imóvel, nomeadamente, o de o vender.
A sentença recorrida, reconhecendo haver um indiciário crédito remanescente a favor do Banco recorrente (de cerca de MOP 1.864.698,90), entendeu inexistir periculum in mora e não se ter provado que os recorridos têm intenção de vender o imóvel, cujo valor é computado em MOP$ 30.000.000,00.
Dessa posição não comunga, porém, o Banco recorrente.
*
2 – A questão a apreciar é, por conseguinte, a de saber se os autos apontam indiciariamente para uma situação de receio de perda de garantia patrimonial por banda do Banco credor.
Acha este que os dados recolhidos no processo não permitem concluir, tal como o concluiu a sentença em crise, que os recorridos não tenham intenção de proceder à alienação do seu imóvel (ver facto FF da factualidade assente).
Em nossa opinião, porém, o recorrente também não fornece dados que permitam concluir o contrário, isto é, que os recorridos têm intenção real de proceder à venda do imóvel.
E assim, à falta de melhores elementos, estamos mais em sintonia com a opinião perfilhada pela 1ª instância. Aliás, até nos parece que se os recorridos procederam ao pagamento da quantia de MOP$ 11.198.953,35 ao Banco num processo onde apenas este tinha reclamado a quantia de HKD 3.100.000,00, é muito mais plausível a tese de que os recorridos não tinham intenção de se furtar ao pagamento da quantia de que eram realmente devedores. E, nesse sentido, é coerente a conclusão constante do facto EE, segundo o qual a revogação da procuração e substabelecimento [referidos no facto U], por instrumento notarial datado de 10 de Novembro de 2015, ocorreu porque o requerido marido pagou integralmente a dívida hipotecária que tinha com o Banco requerente na execução n.º CV1-00-0002-CEO.
De qualquer maneira, e mesmo que a única testemunha ouvida em sede de oposição ao arresto seja filho dos recorridos, o certo é que a sua posição, a “verdade” que transmitiu ao tribunal, foi tida e achada como suficientemente convincente, ao ponto de o julgador a tomar como suficientemente reveladora dos factos acontecidos.
E sendo assim, valem aqui as considerações que este TSI tem insistentemente proclamado a propósito das virtudes do princípio da imediação em sede da prova testemunhal, quando afirma que “Quando a primeira instância forma a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir, sob pena de se transformar a instância de recurso, numa nova instância de prova. É por isso, de resto, que a decisão de facto só pode ser modificada nos casos previstos no art. 629º do CPC” e que “ E é por tudo isso também que o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu” (v.g., Ac. TSI, de 28/05/2015, Proc. nº 332/2015; ver também, Ac. TSI, de 8/05/2014, Proc. nº 562/2013).
O facto, por outro lado, de haver entre as partes uma relação litigiosa que se arrasta desde há cerca de 15 anos (ver facto K supra), não é suficiente para se poder concluir em sentido diferente.
Além disso, e no que respeita ao facto EE, que o banco recorrente também não aceita, não existem dados que sirvam para rechaçar a conclusão a que a 1ª instância chegou. Aliás, deve até dizer-se que se o recorrido pagou voluntariamente a quantia acima referida de cerca de onze milhões de patacas (facto X), sem ter necessidade de o fazer (a quantia reclamada pelo Banco era, como se viu, de apenas cerca de HKD 3.100.000,00, aquele que correspondia então ao valor em dívida a título de overdraft e juros respectivos, e o que a hipoteca que detinha apenas garantia) isso até parece contribuir para reforçar a ideia de que os recorridos não pretendem furtar-se ao pagamento de nenhuma importância. Fizeram-no alegadamente por pensarem nada mais deverem ao recorrente. Podem estar errados ao pensarem que nada mais devem ao Banco recorrente. Todavia, bastará esse mesmo convencimento para se pensar que a revogação da procuração tinha naquela ocasião pleno cabimento. E nesse sentido, estaria justificada a convicção do julgador ao consignar o facto provado na alínea EE.
Aliás, e para rematar esta questão, sempre cumpre dizer se a pretensão do recorrente era impugnar a decisão de facto da 1ª instância, então deveria ter tomado em atenção o disposto no art. 599º do CPC, que lhe exigia a indicação dos concretos meios probatórios que imponham decisão diversa da recorrida (nº1, al. b)) e lhe determinava a referência concreta às passagens da gravação em que se fundou para a impugnação (nº2).
Portanto, à falta de melhores e mais valiosos elementos recolhidos nos autos, não cremos que devamos alterar a convicção do julgador explanada a fls. 11 e 12 da sentença e traduzida no facto FF.
*
3 – Face ao que se disse, pensamos que não nos defrontamos com um quadro de facto denunciador do receio e do periculum in mora invocados pelo Banco recorrente.
Realmente, estamos alinhados com a sentença impugnada quando afirma que nada nos autos permite inferir que os recorridos se pretendem eximir ao cumprimento da sua obrigação e/ou se aprestem a desfazer-se do bem que haveria de garantir o pagamento da parte restante do crédito do banco recorrente.
E por ser assim, o bem imóvel dos recorridos, avaliado em 30 milhões de patacas, é mais do que suficiente para garantir o pagamento da indiciariamente apontada quantia em dívida, não se justificando o arresto, por falta do requisito central plasmado nos arts. 351º do CPC e 615º, nº1, do CC.
***
IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.
TSI, 29 de Setembro de 2016
(Relator)
José Cândido de Pinho
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Tong Hio Fong
(Segundo Juiz-Adjunto)
Lai Kin Hong
609/2016 1