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Processo n.º 505/2016
(Recurso Laboral)
    
Relator: João Gil de Oliveira
Data : 6/Outubro/2016


ASSUNTOS:
- Acidente de trabalho; junta médica; valor da perícia
    
    SUMÁRIO :

Se a junta médica, por maioria, determina uma concreta incapacidade permanente para o trabalho, vindo a justificar essa pronúncia médica em relatório complementar, a pedido do tribunal, não havendo elementos nos autos que infirmem essa fixação, não será de acolher o relatório por eles formulado, enquanto o perito médico que ficou vencido se limita a dizer que a doença, limitações, atrofias ou padecimentos nada têm que ver com o acidente de trabalho, no fundo, pondo em causa o nexo causal entre a doença e o acidente ocorrido, quando, nos termos da lei (CPT) esse nexo foi aceite pelas partes, não pode agora inverter-se o curso prosseguido e fazer uma prova processualmente inapropriada.
              O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira






Processo n.º 505/2016
(Recurso Civil)
Data : 6/Outubro/2016

Recorrente : - A, S.A.

Recorrida : - B

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I – RELATÓRIO

1.  A, S.A., Ré nos autos à margem referenciados, tendo sido notificada da douta sentença contra si proferida, e não se podendo conformar com a mesma, vem dela interpor recurso, alegando, em síntese conclusiva:
   
    I. Não pode a Recorrente conformar-se com a sentença proferida pelo douto Tribunal Judicial de Base em que julgou a acção procedente e, por entender que devido ao acidente que atingiu B a mesma tenha ficado com uma incapacidade permanente parcial para o trabalho de 25%, condenou a Ré, ora Recorrente, a pagar à mesma uma indemnização no valor global de MOP$486,210.60 acrescido dos respectivos juros.
   II. No dia 9 de Abril de 2013 ocorreu um incidente no qual a senhora B, doravante a Sinistrada, ficou presa no elevador do seu local de trabalho durante cerca de 20 minutos.
   III. Depois do acidente a Sinistrada ter-se-à sentido mal tendo-se dirigido ao Hospital Kiang Wu e mais tarde ao Centro Hospitalar Conde São Januário onde terá sido observada e tendo-lhe sido diagnosticado um síndroma pós traumático e medicada em conformidade.
   IV. Após 296 dias de baixa médica, a Sinistrada voltou ao trabalho.
   V. Desempenhando as suas tarefas com total normalidade, apenas apresentou incómodo em trabalhar à noite.
   VI. No entanto, não apresenta qualquer receio em entrar no elevador do trabalho, usando-o conforme o usava antes do acidente.
   VII. O síndroma pós traumático caracteriza-se por:
   a. Uma directa exposição a um stress com características de morte;
   b. O acontecimento traumatizante ser persistente e evitado;
   c. Dificuldade em relembrar os acontecimentos.
   VIII. Ora, nenhuma destas situações se verifica com a Sinistrada, uma vez que, o facto de ter estado fechada num elevador durante 20 minutos, não nos parece configurar uma exposição a um stress com características de morte.
   IX. Sendo tal exposição mais característica de um cenário de guerra do que de um elevador num casino.
   X. O facto de a Sinistrada continuar a utilizar o elevador do trabalho após o alegado acidente, faz com que o acontecimento não seja evitado pela Sinistrada.
   XI. Por fím, de acordo com os relatórios médicos, a sinistrada nunca afirmou ser difícil relembrar os acontecimentos, antes os narrou com precisão.
   XII. Assim, em primeiro lugar não nos parece que, do facto de ter estado fechada num elevador durante 20 minutos, possam ter resultado os danos que a Sinistrada alega ter, e muito menos uma incapacidade para o trabalho de 25%.
   XIII. Até porque, a incapacidade permanente parcial para o trabalho deverá ser analisada objectivamente, isto é, se para o desempenho do trabalho da Sinistrada esta ficou objectivamente com uma limitação nas suas funções.
   XIV. E o que resulta dos factos é a de que esta continua a desempenhar as suas funções com normalidade.
   XV. Acrescendo a isto o facto de o trabalho que a mesma desempenha, croupier numa sala VIP de um casino, é normalmente um trabalho sob alguma pressão, pelo que, se a Sinistrada tivesse realmente uma incapacidade parcial permanente para o desempenho das suas tarefas, isso reflectir-se-ia no seu desempenho, o que não aconteceu.
   XVI. Nos termos da decisão recorrida foi entendimento do douto Tribunal a quo que:
   "Como o relatório dajunta médica de fls. 989, 990 e 1010 dos autos é mais objectivo do que o relatório do exame médico de fls. 924 dos autos, o tribunal decide adoptar o relatório pericial da junta médica (tradução nossa)."
   
   XVII. Ora, resulta do próprio relatório da junta médica de que o mesmo é tudo menos objectivo.
   XVIII. De facto dois dos médicos têm um entendimento quanto à Incapacidade Parcial Permanente, considerando que a mesma será de 25%, enquanto o terceiro médico considera que não deveria haver lugar a qualquer Incapacidade Parcial Permanente.
   XIX. O que faz com que a junta médica tenha tido dúvidas, ou pelo menos, opinião antagónicas quanto a este particular.
   XX. Se bem que nas juntas médicas funciona o princípio da maioria, não será descabido mencionar de que no caso concreto não se tratam de opiniões diferentes quanto à percentagem da Incapacidade, mas antes antagónicas, porquanto de um lado considera-se haver 25% de IPP e por outro não haver IPP de todo.
   XXI. Sendo que, o primeiro relatório constante de fls. 924 dos autos, e que considera haver uma incapacidade de 15% é bem mais objectivo e razável do que o resultante da junta médica.
   XXII. Ora, de acordo com o artigo 383º do Código Civil, força probatória da perícia é fixada livremente pelo tribunal.
   XXIII. O que significa que o Tribunal não está refém do resultado de qualquer perícia.
   XXIV. Aplicando-se assim a máxima segundo a qual o Juiz é o perito dos peritos, tendo por base o princípio da livre apreciação da prova e, portanto o princípio da liberdade de apreciação do Juiz.
   XXV. Ora, por tudo o supra exposto, e tendo em conta as fundadas dúvidas resultantes do relatório da junta médica, somos do entendimento, de que o mesmo não poderá ser valorado conforme o foi.
   XXVI. Salvo devido respeito, a ora Recorrente não pode concordar com os fundamentos alegados pelo Tribunal a quo, não se conformando com a decisão ora em recurso.
   XXVII. Sendo que a prova produzida nos presentes autos, nomeadamente os relatórios médicos, assim como os relatos e declarações prestados pela Sinistrada, são bastantes para podermos concluir com clareza e exactidão que do incidente ocorrido no elevador não poderiam nunca ter resultado os danos que a Sinistrada afirma ter sofrido, ou pelo menos, não na magnitude resultante do relatório da junta médica.
   XXVIII. Tendo a nosso entender havido um erro na valoração da prova.
   XXIX. Conforme o Acórdão da Segunda Instância de 13 de Março de 2008, produzido no âmbito do processo n.º 659/2007:
   "O Tribunal pode formar o seu próprio juízo de valor na questão da fixação do grau da incapacidade permanente parcial do trabalhador sinistrado para efeitos do Decreto-Lei n.º 40/95/M, de 14 de Agosto, desde que o faça com base nos ingredientes fácticos trazidos aos autos e dentro dos limites permitidos na Tabela de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais anexa ao mesmo diploma, e com exposição congruente dos motivos da divergência do juízo pericial, não vinculativo para o tribunal nos termos do art. 383.º do Código Civil.”
   XXX. Pelo que, após reapreciação da prova efectuada em juízo por parte desse Venerando Tribunal da Segunda Instância deverá ser proferido douto Acórdão que julgue procedente o presente recurso, devendo antes ser dado como provado que a Sinistrada não ficou afectada por qualquer Incapacidade Parcial Permanente para o trabalho decorrente do referido incidente no elevador, ou, caso assim não se entenda, que a haver Incapacidade essa seja manifestamente inferior à constante no relatório da junta médica.
   Pelas razões expostas
   Pede se altere a sentença recorrida em conformidade com o alegado.

2. B, ora trabalhadora lesada dos autos em epígrafe, com os demais sinais constantes de autos, representada oficiosamente pelo MP, por ser notificada do recurso e da motivação do recurso entregues pela A, S.A., constantes de fls. 1040 a 1049 dos autos, vem apresentar a resposta nos termos do art.º 114.º do Código de Processo do Trabalho, alegando, em suma:

A. A recorrente alegou, na sua motivação do recurso, que a recorrida pode trabalhar e usar elevador, no intuito de provar que o acidente de trabalho deste caso não causou o Post Traumatic Stress Disorder, ou seja, a recorrida não apresentou os respectivo sintomas, não reconhecendo a existência do nexo de causalidade entre o acidente de trabalho e as lesões.
B. Todavia, a recorrente já tinha confirmado e reconhecido a existência do nexo de causalidade entre o acidente de trabalho deste caso e as lesões na reunião da tentativa de conciliação presidida pelo MP (fls. 939 e 939V dos autos), e esta confirmação e reconhecimento faz parte do acordo de transacção e este já foi confirmada pelo despacho do Tribunal a quo (fls. 944 e 944V dos autos). Assim, a recorrente não pode ilidir ou pôr em causa posteriormente o teor do acordo de transacção celebrado com as outras partes.
C. A recorrente alegou que quando a recorrida voltou a trabalhar, cumpriu as suas funções de trabalho como no passado, não teve medo de acompanhar elevador e usou-o como no passado, porém, estes factos não foram provados e os dados dos autos são totalmente contrário às alegações da recorrente.
D. Conforme a declaração da recorrida na DSAL, o relatório médico, o relatório de exame de saúde e o relatório pericial da junta médica (fls. 381, 385, 387, 407, 408, 423, 426 a 429, 886 a 890, 919, 924, 954, 989 e 1010 dos autos), a recorrida apresenta uma série de sintomas de Post Traumatic Stress Disorder, por exemplo, sentiu tensão mental, teve dificuldade em respirar, sofreu tonturas, não conseguiu se concentrar ou sentiu ansiedade, estes sintomas de neurose afectam a vida e o trabalho da recorrida e precisam de tratamento psiquiátrico e psicológico.
E. O Tribunal a quo confirmou que o parecer da maioria da junta médica não violou nenhuma regra de prova, nem padeceu de erro notório na apreciação da prova.

Face ao exposto, solicita se julguem e negue provimento ao recurso e se mantenham a sentença recorrida.
    3. Foram colhidos os vistos legais.
    
    II – FACTOS
Vêm fixados na douta sentença proferida os seguintes factos:
   1. “Através da perícia da junta médica, os dois terços da junta médica entendem que o valor de desvalorização da IPP da sinistrada é de 25%. Para o devido efeito, o teor da junta pericial da junta médica constante de fls. 989 a 990 dos autos aqui se dá por integralmente reproduzido.
   Após o recebimento do relatório complementar, as partes emitiram parecer e requerimento constantes de fls. 1015 a 1017 (1020) dos autos, este Juízo já tomou decisão (fls. 1021) sobre o requerimento, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.”

Processo n.º: LB1-14-0287-LAE
Examinado: B
Data de exame: 17 de Setembro de 2015, pelas 11h00 de manhã
Local de exame: sala de perícia médica do TJB

2. É do seguinte teor o relatório pericial de psiquiatria clínica:
  “Eu, C, chefe de serviço de psiquiatria do CHCSJ, o médico especialista de medicina legal do CHCSJ, D e o representante da entidade seguradora, E, fomos incumbidos pela entidade judicial de Macau, para na data e no local supracitados, na qualidade de perito de medicina legal, aplicar os conhecimentos profissionais e proceder à perícia. Após conclusão do exame, declaramos que elaborámos o presente auto de exame, com consciência, deontologia profissional, objectividade, seriedade e independência.
  
  Analisando sinteticamente o relatório da medicina legal e da psiquiatria clínica da examinada constante de fls. 886 a 890, 919 e 924 dos autos, o parecer e o exame clínico, a examinada alegou que sentiu-se mal por ser presa no elevador durante o período de trabalho em 9 de Abril de 2013 (sentiu tonturas, dores na cabeça e teve dificuldade em respirar), em seguida, submeteu-se ao tratamento em estabelecimentos médicos distintos em Macau.
  Considerando os dados supracitados e após a conclusão do exame da examinada, os médicos da junta médica emitiram respectivamente as respostas à perícia:
1. Os médicos F e C entendem que a examinada sofreu de “Post Traumatic Stress Disorder” por força do acidente ocorrido em 9 de Abril de 2013; a sua taxa de deficiência foi determinada em 25% (nos termos do art.º 78.º al. c) da Tabela de incapacidades por acidentes de trabalho e doenças profissionais do anexo do D.L. n.º 40/95/M de 14 de Agosto de Macau, síndrome ansioso caracterizado (0,10 – 0,50)).
2. Enquanto o médico E entende que:
  O médico acima citado informe V. Exa. que não aceita a proposta dos médicos acima, pelas seguintes razões:
  a) O que foi apurado e descrito na anterior junta médica quanto aos acontecimentos, efeitos clínicos a curto e longo prazo mantém-se igualmente na presente junta.
  b) Na presente junta médica, por estranho que possa parecer. (vide o original)

O médico
F
Ass.: vide o original”


3. Na junta médica12/6/2015, para onde se remete este último perito, trad. de fls 1099 v, entendeu o perito E que “a situação actual da examinada não tem nada a ver com o acidente de trabalho ocorrido em 9 de Abril de 2013.”

    3. Complementarmente, a pedido do Tribunal, os Senhores Peritos esclareceram:

“Esclarecimento Complementar do Relatório Pericial da Psiquiatria Judicial de B do Processo n.º LB1-14-0287-LAE
1. O relatório pericial elaborado pelo médico do serviço de psiquiatria do Centro Hospitalar Conde S. Januário (DSM-5 and ICD-10) foi feito com base na avaliação profissional do serviço de psiquiatria, representando os órgãos governamentais, com posição justa e sem nenhum interesse.
2. O relatório pericial da psiquiatria só pode ser confiante e válido quando é feito por médico especialista com formação profissional em serviço de psiquiatria;
3. Os médicos não psiquiatras não conseguiram fazer diagnóstico da psiquiatria, sob pena de exercício imoral da medicina; qualquer relatório pericial de psiquiatria por médicos não psiquiatras não é confiante, nem se serve de fundamento ou prova, designadamente, para aqueles peritos que representam as entidades interessadas precisam mais de qualificação profissional da psiquiatria.
4. Todos os relatórios periciais de diagnóstico clínico devem ser acompanhados com conclusão racional; por exemplo, este relatório já tem diagnóstico de doença mental, assim, deve ter o valor da IPP (10%-50%), não podendo um diagnóstico com valor de IPP em 0%, sob pena de exercício imoral da medicina. O valor de 25% depende de grau de gravidade, grau de continuidade e grau de perturbação da vida, etc..
5. Caso o Tribunal não possa formular uma conclusão no relatório pericial supracitado, sugeriu-se a participação da parte terceira de médico especialista psiquiatra na perícia, sendo mais justo e razoável.

O chefe de serviço de psiquiatria
C
Ass.: vide o original

O médico especialista em serviço de psiquiatria
F
Ass.: vide o original”

    III – FUNDAMENTOS
    1. A recorrente não se conformou com a sentença do Tribunal a quo constante de fls. 1024 e 1024V dos autos, por ter confirmado o valor de desvalorização da IPP da recorrida neste acidente de trabalho em 25% e condenado a recorrente no pagamento de indemnização pela IPP, no valor de MOP$486.210,60. O objecto do presente recurso passa exactamente por saber se será de manter essa incapacidade fixada pela Junta.

2. Esgrime a recorrente com factos que procuram desmentir o quadro traçado pelos peritos médicos, alegando para tanto que a recorrida voltou a trabalhar após o período de descanso na sequência do acidente de trabalho, que trabalhou como no passado, não foi mostrado que a recorrida tenha medo de elevadores, que os continua a usar como no passado, suscitando dúvidas que o acidente de trabalho haja causado o denominado Post Traumatic Stress Disorder indicado no exame de saúde e na perícia da junta médica.
O problema, por um lado, é que a sua alegação vem desacompanhada da comprovação dessa realidade que vem alegada e naturalmente não será nesta sede que pretenderá fazer essa prova. Mas, por outro lado, o certo é que não deixa na alegação da recorrente de se impugnar o julgamento proferido relativo à matéria de facto, não se deixando de pôr em causa implicitamente a perícia a que se procedeu.

3. Este não reconhecimento do nexo causal ora proclamado vai ao arrepio do reconhecimento anterior, em sede e momento próprio, o, que se obvia a que agora se venha suscitar esta questão, não deixa de ser um factor a ponderar na reavaliação da matéria de facto que suscita nas suas alegações de recurso.
Na verdade, a recorrente não reconheceu agora a existência do nexo de causalidade entre o acidente de trabalho e as lesões e alega, na sua motivação do recurso, que a recorrida pode trabalhar e usar elevador, no intuito de provar que o acidente de trabalho deste caso não causou o Post Traumatic Stress Disorder, posição que choca com a confirmação anterior e aceitação da existência do nexo causal, tal como resulta do teor da tentativa de conciliação perante o MP (fls. 939 e 939V dos autos), confirmação e reconhecimento que fazem parte do acordo de transacção e este já foi confirmada pelo despacho do Tribunal a quo (fls. 944 e 944V dos autos).

É indiscutível que o que foi acordado na tentativa de conciliação não mais pode vir a ser discutido, o que resulta das disposições expressas e combinadas dos artigos 54º, 55º e 56º do CPT. Deveria a recorrente não ter reconhecido o nexo de causalidade e a acção teria prosseguido também para o apuramento e dilucidação desse nexo. Apenas não tendo concordado com o valor de desvalorização da IPP da recorrida, nos termos do art.º 71.º n.º 2 do Código de Processo do Trabalho, pede-se o exame da junta médica para resolver a única questão controvertida supracitada e para, a partir desse elemento probatório, se refazer o julgamento de facto nesta instância.
    
    4. Nos termos do art.º 1.º do Código de Processo do Trabalho, conjugado com o art.º 507.º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil
   “1. O resultado da perícia é expresso em relatório, no qual o perito ou peritos se pronunciam fundamentadamente sobre o respectivo objecto. 2. Tratando-se de perícia colegial, se não houver unanimidade, o discordante apresenta as suas razões.”
  
   E nos termos do art.º 508.º n.º 2 do Código de Processo Civil,
   “2. As partes podem reclamar, quando entendam que há qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas.”

Como bem salienta a Digna Magistrada do MP, “conforme a declaração da recorrida na DSAL, o relatório médico, o relatório de exame de saúde e o relatório pericial da junta médica (fls. 381, 385, 387, 407, 408, 423, 426 a 429, 886 a 890, 919, 924, 954, 989 e 1010 dos autos), a recorrida apresenta uma série de sintomas de Post Traumatic Stress Disorder, por exemplo, sentiu tensão mental, teve dificuldade em respirar, sofreu tonturas, não conseguiu se concentrar ou sentiu ansiedade, estes sintomas de neurose afectam a vida e o trabalho da recorrida e precisam de tratamento psiquiátrico e psicológico.”

5. Ora, se analisarmos o suporte probatório que irá servir para se refazer o julgamento da matéria de facto por esta Instância, julgamento consentido pelo art. 629º/1/a do CPC, se é verdade que esses sintomas e diagnósticos são evidenciados, descritos e reportados no relatório pericial da Junta médica, nos esclarecimentos complementares que foram avançados, o que se observa é que essas conclusões são subscritas apenas por dois peritos médicos. O terceiro não acompanha essas conclusões, pela razão simples de que para ele não há relação de nexo causal entre o acidente e as lesões apresentadas.
Esse terceiro perito médico não podia manifestamente tomar essa posição, a partir do momento em que o nexo causal se tem por assente. É verdade que ninguém pode obrigar o médico a pronunciar-se em sentido contrário à sua consciência profissional, técnica e científica. Mas não pode o tribunal deixar de fazer ver aos Senhores peritos, a todos eles, que o nexo causal é ponto assente e que agora já não pode ser discutido. Perante essa explicitação, sem violentar a consciência técnica e científica de quem quer que seja, pode-se fazer repensar uma posição que se tenha por adquirida, nomeadamente no sentido de se ponderar alguma influência sobra mazelas que se têm por pré-existentes.
Nesta conformidade, afigura-se a este tribunal que se impõe uma clarificação da perícia de forma a elucidar os Senhores peritos de que o nexo causal é, por lei, um dado adquirido, pelo que essa conclusão que resulta da lei não pode ser posta em crise. Se essa conclusão choca coma evidência científica observada pela consciência do Senhor Perito, haverá outros meios de suprir essa dificuldade, como seja ou da nomeação de um outro perito ou o perito afirmar que, na sua óptica, não há incapacidade a atribuir.

Perante isto, não se pode afirmar verifica qualquer falta de fundamentação ou erro notório nas conclusões a que aquele colégio chegou.

É cero que um dos peritos não acompanha a maioria, mas as suas razões limitam-se a referir que existe “stress” da profissão de croupier e do trabalho por turnos em geral e referiu repetidamente que a recorrida tinha comportamento normal no exercício do trabalho. Mas essa afirmação, sem outra comprovação, colide com a opinião da maioria dos peritos, não tendo nós elementos ou saber técnico, médico, psico-psiquiátrico, para desacompanhar justificadamente a opinião da maioria dos peritos.

6. No fundo, o que se pede é a realização da perícia em conformidade com os objectivos a que se destina e só perante a conscencialização desses objetivos junto de todos os intervenientes estaremos em condições de aferir da validade da perícia. Se um dos médicos foge à questão por falta de esclarecimento há que apurar se na sua pronúncia estava inteirado desses ojectivos. Claro que se respeita que continue a manter aquilo que considera tecnicamente correcto, mas nesse caso deve excluir qualquer percentagem, dizendo, clara e justificadamente que para si a percentagem de incapacidade decorrente do acidente será de 0%. Embora não pareça, mas isto é algo diferente do que dizer que não há nexo causal, pois a lei não permite afirmar nesta fase.

Esta posição, aliás, é a que vem sendo assumida por este Tribunal, v.g. no Proc. n.º 398/2016, de 7/Julho/2016.

Impõe-se, a nosso ver, para eventual modificabilidade da decisão de facto, analisar uma prova que tenha sido correctamente produzida e é nesses termos e ao abrigo do disposto no art. 629º/3/4/5 que se deve exigir a todos os peritos que se pronunciem especificamente sobre o grau de incapacidade parcial permanente.


7. Em suma:

Se a junta médica, por maioria, determina uma concreta incapacidade permanente para o trabalho, vindo a justificar essa pronúncia médica em relatório complementar, a pedido do tribunal, não havendo elementos nos autos que infirmem essa fixação, não será de acolher o relatório por eles formulado, enquanto o perito médico que ficou vencido se limita a dizer que a doença, limitações, atrofias ou padecimentos nada têm que ver com o acidente de trabalho, no fundo, pondo em causa o nexo causal entre a doença e o acidente ocorrido, quando, nos termos da lei (CPT) esse nexo foi aceite pelas partes, não pode agora inverter-se o curso prosseguido e fazer uma prova processualmente inapropriada.
    
    
    IV – DECISÃO
Nos termos e fundamentos expostos acordam em revogar a decisão recorrida, determinando-se a baixa dos autos à 1ª instância para prosseguimento nos sobreditos termos.
Custas a cargo da parte vencida a final.
Macau, 6 de Outubro de 2016,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho



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