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 Processo n.º 566/2016
(Recurso de Decisões Jurisdicionais)

Data : 6 de Outubro de 2016

Recorrente: A

Entidade Recorrida: Presidente do Instituto de Habitação

    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    
    1. A, requerente do presente processo, mais bem identificada nos autos, vem, nos termos dos artigos 148.º, 6.º n.º 1 alínea d), 149.º n.º 1, 155.º n.º 2 e 160.º n.º 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso, interpor recurso ordinário para este Tribunal de Segunda Instância da sentença que indeferiu o seu pedido de suspensão de eficácia do acto do Exmo Senhor Presidente do IH, proferida pelo Tribunal Administrativo, respeitante a um acto que resolveu o contrato promessa de aquisição de habitação económica, alegando em síntese conclusiva:
    
a) Porém, mesmo que seja ponderado o prejuízo económico, os rendimentos da família da recorrente são apenas milhares de patacas mais elevados do que a mediana do rendimento mensal da população empregada de Macau e a recorrente também tem de sustentar duas filhas (apesar de a recorrente não ter apresentado os documentos comprovativos referentes às despesas da família, dúvida não existe que a recorrente tem de suportar as despesas da família, a vida e o estudo das duas filhas, isto pode ser conhecido mediante o senso, experiência e a lógica comuns), pelo que, é errado que o tribunal recorrido entendeu que a recorrente tem capacidade de arrendar outra fracção do mesmo género sem considerar a tipologia e a zona da fracção onde a recorrente actualmente vive.
b) O tribunal recorrido não considerou que a recorrente ainda tem de pagar o empréstimo hipotecário ao banco que é a parte terceira quando o contrato de mútuo ainda é válido antes da resolução do referido contrato-promessa, nem considerou que a recorrente perderá os juros já pagos, mas sim considerou simplesmente que o reembolso do montante já pago à recorrente equivale a que não sofre prejuízo. Tal entendimento também é errado.
c) O tribunal recorrido também não ponderou que a recorrente fez obra de decoração na referida fracção antes de viver na mesma (mesmo que fosse apenas uma decoração simples) nem considerou as despesas de decoração da fracção novamente atribuída à recorrente na sequência da procedência do seu recurso contencioso (seja qual for a sua quantia, é evidente que essas são as despesas previsíveis). Tais prejuízos serão impossíveis de reparar e qualquer pessoa em geral pode conhecer tais factos mediante o senso, a experiência e a lógica comuns.
d) Ao ponderar os factos mencionados nos pontos 4.º a 9.º do articulado da recorrente, o Tribunal recorrido só ponderou simplesmente os prejuízos económicos da recorrente, sem considerar que tais factos lhe causam danos não patrimoniais. Os referidos danos não patrimoniais são exactamente causados pelos factos a invocar pela recorrente.
e) Em primeiro lugar, o tribunal recorrido não considerou o impacto causado à família da recorrente porque a recorrente esperou mais de 8 anos e tem vivido na referida fracção há mais de 3 anos, porém, decorridos 11 anos, a recorrente foi obrigada, de repente, a desocupar a referida fracção.
f) Secundariamente, o tribunal recorrido não considerou que a fracção em causa é a única habitação de que a família da recorrente dispõe para viver e nela vive há um longo período de tempo, onde as duas filhas nasceram e foram criados, situação essa é idêntica à referida pelo juiz do Tribunal de Segunda Instância, Dr. José Cândido de Pinho no “Manual de Formação de Direito Processual Administrativo”, página 231, 1.º parágrafo: “se ela for a única de que o interessado e o seu agregado dispõem para viver, sobretudo se nela vivem há muito tempo como sendo o seu lar, o seu pequeno canto do mundo, o lugar onde desenvolveram grande parte da sua vida afectiva e familiar, onde nasceram e foram criados os filhos (…), onde em redor vivem os seus amigos e vizinhos de longa data, etc, e ao qual ficam para sempre unidos por laços de apego patrimonial e sentimental insubstituíveis, que nem mesmo a mudança para outro lugar consegue supera”.3
g) Refere, ainda, no 2.º parágrafo: “(…) O prejuízo é impossível de reparar porque, mesmo obtido o ganho de causa no recurso, não será mais viável a reconstituição “in natura”. Quer dizer, a reposição da situação actual hipotética não se alcançaria, uma vez que a casa demolida nunca mais seria refeita nas exactas condições anteriores, em que cada canto, cada metro quadrado do interior e do seu exterior tem uma importância psicológica e uma história sentimental que uma nova construção jamais poderá recuperar”.
h) Não obstante não estar perante a demolição da sua casa mas sim a desocupação da fracção onde tem vivido há muitos anos, a recorrida (sic) do presente processo também enfrentam as situações acima referidas.
i) Além disso, o tribunal recorrido considerou simplesmente a finalidade habitacional, entendendo que a recorrente tem capacidade para arrendar outra fracção, ignorando, porém, a diferença entre o proprietário e o arrendatário duma fracção e a influência daí causada à família da recorrente, nomeadamente às suas duas filhas de pouca idade.
j) O tribunal recorrido ignorou um dos requisitos para requerer o procedimento cautelar de suspensão de eficácia (artigo 121.º n.º 1 alínea a) do Código de Processo Administrativo Contencioso). O chamado prejuízo de difícil reparação é um conceito indeterminado, é insusceptível de quantificação conforme o prejuízo económico e não pode ser aplicado a todos os casos, mas sim deve ser analisado concretamente caso a caso.
k) Além disso, dado que não é admissível a prova testemunhal no referido procedimento processual, o legislador não define rigorosamente o grave prejuízo, só exigindo a existência de forte indício, ou seja, um critério de simples probabilidade (isto é, “(…) a execução do acto cause previsivelmente (…) para (…)).4
l) O legislador não exclui os danos não patrimoniais do “prejuízo de difícil reparação. Caso a gravidade dos danos não patrimoniais sofridos pela recorrente alcance um certo nível, os mesmos também merecem ser tutelados pelo artigo 489.º do Código Civil.
m) Ao apreciar o requerimento da requerente, o tribunal recorrido entendeu que a recorrente não preenche o requisito previsto no artigo 121.º n.º 1 alínea a) do Código de Processo Administrativo Contencioso, razão pela qual não apreciou os restantes requisitos.
n) De facto, a suspensão de eficácia do referido acto administrativo não causa grave lesão do interesse público, uma vez que nos termos do artigo 2.º alínea 1) da Lei n.º 10/2011, uma das finalidades da construção da habitação económica é apoiar os residentes da Região Administrativa Especial de Macau com determinados níveis de rendimento e património, na resolução dos seus problemas habitacionais.
o) Antes de proferir a decisão do recurso contencioso, ainda não se pode negar o direito à habitação da referida fracção da recorrente.
p) Mesmo que a habitação económica seja recurso público e muitos residentes estejam em lista de espera, depois de a recorrente desocupar a fracção, o IH ainda é impossível arranjar imediatamente a ocupação da referida fracção por outro novo agregado familiar, pois para tal há de proceder à apreciação e à aprovação e efectuar a obra de reposição da referida fracção, o que necessita de muito tempo.
q) A recorrente tem vivido na fracção em causa há muitos anos e a fracção em causa é a única propriedade da sua família. A recorrente só exerce o seu básico direito à habitação que é tutelado pela Lei Básica.
r) Por fim, não há forte indício da ilegalidade do presente processo.
s) Mesmo que entenda que não está reunido o requisito previsto no artigo 121.º n.º 1 alínea b) do Código de Processo Administrativo Contencioso, o presente requerimento ainda deve ser julgado procedente nos termos do n.º 4 do mesmo artigo.

Pelos acima expostos,
O tribunal recorrido errou evidentemente na interpretação do artigo 121.º n.º 1 alínea a) do Código de Procedimento Administrativo Contencioso de Macau por julgar que o recorrente não preenche tal disposto legal sem ponderar que os factos invocados pela recorrida (sic) causam dano não patrimonial de difícil reparação à recorrente, nem considerar, conforme o senso, a experiência e a lógica comuns, o dinheiro despendido pela recorrente para a fracção em causa, incluindo as taxas de juro do empréstimo hipotecário, a obra de decoração, etc., pelo que, a recorrente solicita ao Tribunal de Segunda Instância que admita os fundamentos invocados no presente recurso e:
I. Anule a sentença proferida pelo tribunal recorrido e, depois de considerar os fundamentos invocados pela recorrida (sic), julgue que a recorrida (sic) preenche o requisito do artigo 121.º n.º 1 alínea a) do Código de Processo Administrativo Contencioso de Macau;
II. E julgue que a recorrida (sic) preenche os restantes requisitos previstos no artigo 121.º n.º 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso de Macau e autorize a suspensão de eficácia do acto administrativo.

    
    2. O Exmo Senhor Presidente do Instituto de Habitação da RAEM, entidade requerida no processo de suspensão de eficácia à margem acima referenciado, vem, nos termos do artigo 160.º n.º 2 do Código de Processo Administrativo Contencioso, apresentar a resposta às alegações do recurso interposto pela recorrente do presente processo, A, por não se conformar com a decisão a fls. 25 a 28 dos autos que rejeitou o seu requerimento de suspensão de eficácia e alegar, em sede de conclusões:

1. Os argumentos da decisão recorrida são precisos, os seus fundamentos são claros e a aplicação da lei ao caso concreto é correcta, pelo que, não existe o invocado vício de erro na interpretação do artigo 121.º n.º 1 alínea a) do Código de Processo Administrativo Contencioso ou vício na ponderação do prejuízo económico da recorrente, devendo, assim, ser mantida a decisão do Tribunal a quo.
2. No requerimento inicial, a recorrente referiu simplesmente que com os seus rendimentos familiares é difícil arrendar a fracção no mercado imobiliário privado de Macau, sem alegar concretamente porque é difícil arrendar a fracção nem invocar qualquer prova para comprovar a sua alegação, isto é, nem referiu a que percentagem dos seus rendimentos familiares possivelmente corresponde a renda nem apresentou quaisquer elementos para comprovar as despesas mensais da família, pelo que, o Tribunal a quo entendeu que não há elementos suficientes para julgar que existem prejuízos de difícil reparação.
3. No requerimento inicial, a recorrente não mencionou as alegadas despesas de decoração já pagas para a fracção em causa e eventualmente pagas para a fracção novamente atribuída no futuro. Assim, ao proferir a decisão, é claro que o Tribunal recorrido não ponderou tais factos, pelo que, mesmo que a recorrente invoque neste momento esses prejuízos e danos, tais “novos factos” não devem ser apreciados em sede de recurso da decisão recorrida.
4. Além disso, só com a sua presunção subjectiva, a recorrente entende que ela ainda terá de continuar a pagar o empréstimo bancário após a restituição da fracção ao IH, perdendo assim os juros, porém, de facto, o acto administrativo recorrido já esclareceu de forma detalhada a forma de reembolso, pelo que, é evidente que não há factos objectivos para suportar tal hipótese da recorrente e os chamados prejuízos não podem ser provados.
5. Nas alegações de recurso, a recorrente alegou uma série de prejuízos e danos não patrimoniais, porém, nenhum destes factos foi referido pela recorrente no seu requerimento inicial, pelo que, não é necessário que o tribunal de recurso apreciar os referidos “novos factos”.
6. Qualquer acto administrativo praticado contra interessado causa certa influência, isto não é o fundamento suficiente para invocar a suspensão de eficácia do acto administrativo. O ponto-chave do requisito previsto no artigo 121.º n.º 1 alínea a) do Código de Processo Administrativo Contencioso reside em que se a execução do respectivo acto administrativo causa ao interessado grave impacto impossível de reparação.
7. O prejuízo “grave e irreparável” não é uma presunção necessária, não ficando o requerente que peticiona a suspensão de eficácia do acto administrativo desonerado de fazer a demonstração dos factos integradores do alegado prejuízo, o requerente tem de invocar factos concretos donde resulte o mencionado prejuízo, não bastando a alegações de considerações genéricas e conclusivas, isto quer dizer que o requerente responsabiliza-se por indicar concretamente os prejuízos provavelmente causados e tais prejuízos devem ser consequência adequada, directa e necessária resultante da execução do acto administrativo.
8. A recorrente só alegou simplesmente que caso seja obrigada a desocupar a fracção, a recorrente e os seus familiares terão de coabitar com outros parentes, o que provocará necessariamente conflitos com os parentes, causando influência na recorrente e nos seus familiares. Com excepção desta alegação conclusiva, a recorrente não invocou quaisquer outros factos concretos para suportar ou comprovar que causará os prejuízos de difícil reparação, pelo que, não existem quaisquer factos concretos para suportar que a alegada influência é ou não “grave e irreparável”.
9. Em suma, no presente processo, não se conseguiu provar que as situações da recorrente preenchem o requisito previsto no artigo 121.º n.º 1 alínea a) do Código de Processo Administrativo Contencioso, pelo que, a decisão recorrida é completamente legal.
10. Por fim, de qualquer maneira, a entidade recorrida ainda entende que caso o acto administrativo recorrido não seja executado imediatamente, isto não só viola o princípio da imparcialidade, como também segue em direcção à contrária à política de aproveitamento razoável dos recursos públicos, lesando gravemente os interesses públicos! Assim sendo, as situações do presente processo também não preenchem o requisito previsto no artigo 121.º n.º 1 alínea b) do Código de Processo Administrativo Contencioso.
11. Pelos acima expostos, a entidade recorrida entende que os fundamentos da recorrente não são procedentes, deve o recurso ser rejeitado e deve ser mantida a decisão do tribunal a quo.

Nestes termos, a sentença recorrida foi proferida conforme as disposições na lei, não enfermando de vícios invocados pela recorrente nas suas alegações de recurso, pelo que, o presente recurso deve ser julgado improcedente e a decisão proferida pelo tribunal a quo deve ser mantida, no sentido de fazer a Justiça!

3. O Digno Magistrado do MP oferece o seguinte douto parecer:
A, devidamente identificada nos autos, recorre da sentença de 23 de Junho de 2016, do Tribunal Administrativo, que recaiu sobre o procedimento cautelar de suspensão de eficácia do acto de 4 de Maio de 2016, da autoria do Presidente do Instituto da Habitação, através do qual foi resolvido o contrato-promessa de compra e venda de habitação económica celebrado entre o Instituto da Habitação (IH) e a recorrente e esta intimada a restituir, em 75 dias, a fracção habitacional objecto do contrato.
    Diz, em suma, que a sentença fez um julgamento errado quanto à verificação do requisito "prejuízo de difícil reparação" previsto no artigo 121.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Administrativo Contencioso, no que é contraditada pela entidade demandada, que, batendo-se pelo acerto da decisão recorrida, pugna ainda pela inverificação do requisito previsto na alínea b) daquele normativo, o que sugere a ampliação do recurso para conhecimento deste ponto que a sentença recorrida não chegou a abordar.
    Vejamos.
    Segundo jurisprudência uniforme dos tribunais superiores, cabe ao requerente da providência cautelar de suspensão de eficácia o ónus de alegar e provar os factos integradores do conceito de prejuízo de difícil reparação, devendo fazê-lo por forma concreta e especificada - cf., v.g., acórdão do Tribunal de Última Instância, de 15 de Julho de 2015, prolatado no processo 28/2015.
    Em cumprimento desse ónus, a requerente, aqui recorrente, alegou que os salários de MOP$21,815.00 e $12,000.00 auferidos respectivamente por si e pelo seu marido, se revelam insuficientes para comprar ou arrendar outra habitação condigna para acomodar o agregado familiar, tanto mais que vai ter que continuar a amortizar o empréstimo bancário que contraiu para adquirir a habitação ao IH. Nesse contexto, será obrigada a recorrer ao alojamento do agregado em casa de parentes próximos, de instalações pouco espaçosas, o que acabará por desgastar as relações interpessoais e potenciará a existência de conflitos no seio da família.
    Relativamente a esta matéria alegada quanto à questão do prejuízo de difícil reparação, a recorrente apenas fez prova dos salários auferidos. Ante a alegação e prova oferecidas; e tomando em linha de conta a situação económica actual na sociedade de Macau e os preços praticados no mercado de arrendamento imobiliário privado, bem como o teor do próprio acto suspendendo, no que toca à amortização do empréstimo bancário, o tribunal recorrido julgou inverificado o requisito da previsibilidade do prejuízo de difícil reparação.
    Bem, a nosso ver.
    Por um lado, é de salientar que o tribunal não podia arregimentar outros elementos, para além daqueles que a própria requerente - sobre quem incumbia o ónus da prova, como se disse - ofereceu e daqueles que oficiosamente deviam ser tidos em conta, quer por se tratar de elementos constantes do próprio procedimento (questão da amortização do empréstimo), quer por serem factos que podem considerar-se públicos e notórios (custo de vida e preços do arrendamento imobiliário).
    E com esses elementos não podia o tribunal chegar a conclusão diversa daquela a que chegou em matéria de prejuízos de difícil reparação. Há que convir que, não ficando o agregado onerado com o pagamento da amortização do empréstimo, como resulta do processo instrutor e é de lei (cf. artigo 44.°, n.º 2, da Lei n.º 10/2011), o rendimento mensal do agregado, posto que não se possa considerar elevado, não colocará em xeque a subsistência dos seus elementos.
    Não se pode, desse prisma, falar em prejuízos de difícil reparação.
    O eventual desgaste relacional e os potenciais conflitos que porventura possam ocorrer, no caso de a recorrente transferir o agregado para casa de um parente próximo, não passam de meras conjecturas, como a sentença recorrida também considerou, sendo até de questionar que esses possíveis transtornos, enquanto danos não patrimoniais, possam atingir foros de gravidade merecedores da tutela do direito, o que a recorrente nem sequer esboçou caracterizar no requerimento da providência cautelar.
    Também nesta vertente não ficou demonstrada qualquer situação enquadrável na previsibilidade de ocorrência de prejuízo de difícil reparação.
    É certo que, na sua alegação de recurso, a recorrente invoca outros fundamentos, tais como o problema da recuperação do dinheiro gasto com a decoração da fracção, o abalo sentimental por ter de abandonar aquela que é a casa da família, a localização da fracção e a impossibilidade de a vir a recuperar, caso o acto administrativo venha a ser anulado ... Mas trata-se de fundamentos novos, que, por isso mesmo, não podem ser brandidos contra a decisão recorrida, que estava impedida de os valorar.
    Em suma, nenhum reparo merece a decisão recorrida, que deve ser mantida, negando-se provimento ao recurso, com o que fica prejudicado o conhecimento da ampliação do recurso à questão da grave lesão do interesse público.
    4. Foram colhidos os vistos legais.
    
    III - FACTOS
    Vêm provados, na douta sentença recorrida, os factos seguintes:

     Em 7 de Abril de 2004, a requerente apresentou ao Instituto de Habitação o boletim de candidatura do contrato de desenvolvimento para a habitação, cujo número é 0XXXX86, sendo os elementos do agregado familiar a requerente e a sua irmã mais nova B (cfr. fls. 1 a 1-A e seu verso do Apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Posteriormente, foi admitido o boletim de candidatura à habitação económica na lista de espera geral (cfr. fls. 9 do Apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Em 26 de Agosto de 2011, a requerente apresentou ao Instituto de Habitação o boletim de pedido de descrição geral e os respectivos documentos, pedindo que acrescentasse o seu cônjuge C e a sua filha D aos elementos do agregado familiar (cfr. fls. 7 e seu verso, 10 a 13 e 18 a 20 do Apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Em 14 de Outubro de 2011, o chefe do Departamento de Habitação Pública do Instituto de Habitação proferiu despacho, decidindo deferir o pedido da recorrente para acrescentar o cônjuge e a filha da requerente aos elementos do agregado familiar (cfr. fls. 8 do Apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Em 10 de Fevereiro de 2012, por ofício n.º 1202070122/DAF do Instituto de Habitação, foi notificada a requerente para comparecer ao referido Instituto em 27 de Fevereiro de 2012, a fim de escolher a fracção de habitação económica disponível, devendo, para o efeito, acompanhar dos documentos comprovativos indicados, de forma que o referido Instituto apreciasse novamente se o seu agregado familiar reunia os requisitos de candidatura à compra de habitação económica (cfr. fls.26 a 27 do Apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Em 27 de Fevereiro de 2012, o Instituto de Habitação emitiu à requerente e ao seu cônjuge o termo de compromisso para aquisição da habitação económica, confirmando que a requerente e o seu cônjuge se tinham comprometido a comprar a fracção sita no Lote E, Edifício do XX, Bloco XX, XX.º andar G, Taipa (cfr. fls. 37 do Apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Em 14 de Junho de 2012, o Instituto de Habitação celebrou o contrato-promessa de compra e venda da aludida fracção da habitação económica com a requerente e o seu cônjuge (cfr. fls. 43 a 45 do Apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Em 26 de Setembro de 2012, o elemento do agregado familiar da requerente, B e F procederam ao registo de casamento em Macau (cfr. fls. 79 e seu verso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Em 25 de Setembro de 2015, por ofício n.º 1509240085/DHEA do Instituto de Habitação, foram notificados a requerente, o seu cônjuge e os elementos do seu agregado familiar com idade igual ou superior a 16 anos que figuram no boletim de candidatura para apresentar a “Declaração de Estado Civil” devidamente assinada, e caso haja alteração do estado civil, deveria ainda apresentar os respectivos documentos comprovativos, como: caso o estado de civil de “solteiro” seja alterado para “casado”, deveria apresentar o documento comprovativo de identificação do cônjuge e o original e a cópia da certidão de casamento (cfr. fls. 62 do Apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Em 30 de Setembro de 2015, a requerente, o seu cônjuge e a sua irmã mais nova, B, apresentaram ao Instituto de Habitação as declarações de estado civil, os respectivos documentos e o boletim de pedido de descrição geral (cfr. fls. 63 a 66, 68, 70, 72 a 73, 75 e 77 a 80 do Apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Em 17 de Abril de 2016, a entidade requerida proferiu despacho, concordando com o teor da Proposta n.º 0994/DHP/DHEA/2016, na qual indicou que durante o período entre a celebração do contrato-promessa de compra e venda e a emissão do termo de autorização, o elemento do agregado familiar da requerente é a proprietária da fracção autónoma com finalidade habitacional na RAEM, pelo que, decidiu realizar a audiência escrita da requerente (cfr. fls. 110 a 111 do Apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Em 19 de Abril de 2016, por ofício n.º 1604130010/DHEA, o Instituto de Habitação notificou a requerente da aludida decisão, indicando na referida notificação que a requerente devia apresentar o esclarecimento escrito do facto acima referido no prazo de 10 dias contados a partir da data da recepção da notificação, podendo, para tal, a requerente apresentar todas as provas testemunhais, materiais, documentais ou demais provas (cfr. fls. 141 a 142 do Apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Em 25 de Abril de 2016, a requerente apresentou à entidade requerida o esclarecimento escrito e os respectivos documentos (cfr. fls. 145 a 146 e seu verso do Apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Em 4 de Maio de 2016, a entidade requerida proferiu despacho, concordando o conteúdo da Proposta n.º 1166/DHP/DHEA/2016, na qual referiu que o elemento do agregador familiar da requerente, B, casou-se em 26 de Setembro de 2012 e o regime matrimonial de bens adoptado por B e seu cônjuge F na altura era o de “comunhão geral de bens”. Apesar de B celebrar a convenção pós-nupcial em 12 de Abril de 2016, através da qual adoptou o “regime de separação de bens”, esta foi efectivamente a proprietária da fracção autónoma com finalidade habitacional na RAEM pertencente ao seu cônjuge nos cinco anos anteriores à data da apresentação da requerente da candidatura e até à data de celebração da escritura pública de compra e venda da fracção. Assim, nos termos do artigo 60.º n.º 5 alínea 1) e do artigo 14.º n.º 4 alínea 1) da Lei da Habitação Económica aprovada pela Lei n.º 10/2011, com a nova redacção dada pela Lei n.º 11/2015, esta não pode candidatar-se à aquisição de fracção, razão pela qual decidiu resolver o contrato-promessa de compra e venda da fracção da habitação económica celebrado entre o Instituto de Habitação e a requerente e o seu cônjuge em 14 de Junho de 2012, mais referindo que a requerente devia restituir a fracção em causa ao referido Instituto no prazo de 75 dias contados a partir da data da recepção da notificação (cfr. fls. 147 a 150 do Apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Em 6 de Maio de 2016, por ofício n.º 1604280017/DHEA, o Instituto de Habitação notificou a requerente da aludida decisão. Na referida notificação também referiu que a requerente podia apresentar reclamação à entidade requerida ou interpor recurso contencioso para o Tribunal Administrativo no prazo fixado (cfr. fls. 156 a 157 do Apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Em 8 de Junho de 2016, a requerente interpôs para este Tribunal o recurso contencioso da aludida decisão (cfr. fls. 2 do Processo n.º 1304/16-ADM deste Tribunal).
No mesmo dia, a requerente deduziu neste Tribunal o presente procedimento cautelar de suspensão de eficácia contra a mesma decisão (cfr. fls. 2 dos autos).
*
Mais alega a requerente no pedido de suspensão de eficácia do acto:
    A execução do acto, impõe que no imediato aquela família (marido, e duas filhas de 7 3 3 anos) tenham de sair da casa e ir morar para casa de parentes ou procurar uma outra casa no mercado habitacional, se o preço da renda for compatível com o seu nível e capacidade económica, sendo pessoas, como resulta dos autos, de modestos rendimentos (MOP 21.815,00 e 12.000,00), pelo que se veriam na necessidade de ir morar para casa de parentes em casa, com má instalação de todos, o que colocaria em causa o relacionamento familiar, seria fonte de conflitos já de si pequena para albergar os que lá estão.
    
    IV – FUNDAMENTOS
    1. O caso
    A requerente solicitou candidatou-se à aquisição de uma habitação económica.
    Reunindo os requisitos foi-lhe atribuída uma casa pelo IH (Instituto de Habitação).
    Mas porque casou e o marido possuía uma casa, face ao regime de bens adoptado, o da comunhão geral, o IH retirou-lhe a casa, resolvendo o contrato celebrado.
    Casa essa onde a requerente se instalara com a família, composta de marido e duas filhas menores, de 7 e 3 anos de idade, aí tendo vivido por vários anos.
    A execução do acto, não obstante a restituição do dinheiro pago pela casa, impõe que no imediato aquela família tenha de sair da casa e ir morar para casa de parentes ou procurar uma outra casa no mercado habitacional, se o preço da renda for compatível com o seu nível e capacidade económica, sendo pessoas de modestos rendimentos (MOP 21.815,00 e 12.000,00), pelo que se veriam na necessidade de ir morar para casa de parentes em casa já de si pequena para albergar os que lá estão.
    Para além de todos os prejuízos patrimoniais, por natureza compensáveis, se a recorrente vier a ter ganho de causa no recurso contencioso, invocam-se prejuízos de ordem moral decorrentes da mudança de morada de casa de família com todos os custos, incómodos e sacrifícios atinentes e que decorrem, para além da mudança da casa, do corte com uma casa onde moram há vários anos, do corte com o local onde centraram a sua vida do corte com a vizinhança com quem estabeleceu uma boa vizinhança.
    
    2. O objecto da presente providência passa por saber se se verificam os pressupostos que possibilitam a suspensão da eficácia do acto praticado.
    O instituto da suspensão de eficácia do acto administrativo traduz-se numa medida de natureza cautelar, cujo principal objectivo é atribuir ao recurso, de que é instrumental, o efeito suspensivo. Isto porque, como regra, o recurso contencioso de anulação tem sempre efeito meramente devolutivo, já que o acto administrativo a impugnar goza de presunção de legalidade e do privilégio da executoriedade, entendida esta como “a força que o acto possui de se impor pela execução imediata, independentemente de nova definição de direitos”.1
Faz parte da justiça administrativa a possibilidade de quem recorre ver suspensos os efeitos do acto sobre o qual recai a invocação de ilegalidade, porque, como dizia Chiovenda, «o tempo necessário para obter a razão não deve converter-se em dano para quem tem razão».
Importará ter presente, em sede deste enquadramento inicial, que “o princípio da legalidade da Administração Pública ampliou-se, transformando-se num princípio de juridicidade; a presunção de legalidade de que gozavam os actos administrativos perdeu razão de ser; a emergência de uma nova geração de direitos fundamentais juridicizou a eficácia e a eficiência e colocou a prevenção e a precaução na ordem do dia; finalmente, o direito à tutela jurisdicional efectiva ganhou dimensão constitucional.”2

    3. Prevê o art. 121º do CPAC:
“1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”
    Da observação desta norma é fácil verificar que não importa nesta sede a análise da questão de fundo, de eventuais vícios subjacentes à decisão impugnada, tendo, no âmbito do presente procedimento preventivo e conservatório, que se partir, por um lado, da presunção da legalidade do acto e da veracidade dos respectivos pressupostos - fumus boni iuris -, por outro, de um juízo de legalidade da interposição do recurso.
    
    5. Tal como foi decidido no acórdão do Tribunal de Última Instância de 13 de Maio de 2009, proferido no processo n. 2/2009, para aferir a verificação dos requisitos da suspensão de eficácia de actos administrativos é evidente que se deve tomar o acto impugnado como um dado adquirido. O objecto do presente procedimento preventivo não é a legalidade do acto impugnado, mas sim se é justo negar a executoriedade imediata dum acto com determinado conteúdo e sentido decisório. Assim, não cabe discutir neste processo a verdade dos factos que fundamentam o acto impugnado ou a existência de vícios neste.3
    A suspensão dessa eficácia depende aqui da verificação dos três requisitos das alíneas a), b) e c) do n.º 1 artigo 121º do C.P.A.C.: previsível prejuízo de difícil reparação para o requerente, inexistência de grave lesão de interesse público pelo facto da suspensão e o não resultarem do processo fortes indícios da ilegalidade do recurso.
    
    6. Antes, porém, de analisarmos os requisitos, há que saber se o acto é passível de suspensão, se tem conteúdo positivo, ou alguma vertente positiva – cfr. art. 120º do CPAC.
    Trata-se de suspensão de eficácia de acto que declarou a resolução de um contrato promessa de aquisição de habitação económica.
    Na medida em que se se pretende a saída da casa daquela família em concreto, na sequência da resolução do contrato, não há dúvida sobre a natureza positiva do acto, na exacta medida em que vai provocar uma alteração da situação de facto e jurídica que actualmente se verifica.
    
    7. Quanto aos restantes requisitos.
    Resulta da Doutrina e Jurisprudência uniformes que os requisitos previstos no art. 121º supra citado são de verificação cumulativa, pelo que, não se observando qualquer deles, é de improceder a providência requerida.4
    Daí que a ponderação da multiplicidade de interesses, públicos e privados, em presença, pode atingir graus de complexidade dificilmente compagináveis com a exigência de celeridade da decisão jurisdicional de suspensão dos efeitos da decisão impugnada. Sem falar no facto de o interesse público na execução do acto não se dissociar de relevantes interesses particulares e o interesse privado da suspensão tão pouco se desligar de relevantes interesses públicos, sendo desde logo importantes os riscos económicos do lado público e do lado privado, resultantes quer da decisão de suspensão dos efeitos quer da decisão de não suspensão.
    É importante reconhecer que a avaliação da juridicidade da decisão impugnada em tribunal reside hoje, muitas vezes, no refazer metódico da ponderação dos diferentes interesses em jogo.
    A lei não impõe o conhecimento de tais requisitos por qualquer ordem pré determinada, mas entende-se por bem que os requisitos da al. c), relativos aos indícios de ilegalidade do recurso, por razões lógicas e de precedência adjectiva deverão ser conhecidos antes dos demais e ainda, antes de todos, o pressuposto relativamente à legitimidade do requerente, já que a norma fala exactamente em quem tenha legitimidade para deles interpor recurso e, seguidamente, nos requisitos elencados nas diversas alíneas.
    Até porque a existência de fortes indícios da ilegalidade da interposição do recurso reporta-se às condições de interposição ou pressupostos processuais e não às condições de natureza substantiva ou procedência do mesmo.5
    
     8. Da não ilegalidade do recurso
Impõe o preceito acima citado que não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso contencioso.
A instrumentalidade desta medida cautelar, implica uma não inviabilidade manifesta do recurso contencioso a interpor.
Só ocorre a acenada manifesta ilegalidade, quando se mostrar patente, notório ou evidente que, segura e inequivocamente, o recurso não pode ter êxito (v.g. por se tratar de acto irrecorrível; por ter decorrido o prazo de interposição de recurso de acto anulável) e não quando a questão seja debatida na doutrina ou na jurisprudência.6
    A requerente impugna o acto, escudando-se no direito que se arroga à manutenção do contrato celebrado com o IH, invocando violação de lei por errada interpretação das normas decorrentes dos artigos 34º/4, 14º/3/1 da Lei n.º 10/2011, de 29/8.
    Parece não haver dúvidas de que tem todo o direito a ver esclarecida esta questão.
    Perante este quadro fáctico, tal como configurado nos autos, não é difícil ter por integrado o requisito da legalidade do recurso, afigurando-se como evidente o direito, pelo menos, à definição jurídica da situação controvertida, daí decorrendo claramente a legitimidade e o interesse processual da requerente, titular directa do direito que diz ter sido atingido, não havendo dúvidas, nem elas sendo levantadas, quanto aos outros pressupostos processuais relativos à sua actuação.
Não se está, pois, perante uma situação de manifesta ilegalidade do recurso, mostrando-se ainda aqui verificado o requisito negativo da alínea c) do artigo 121º do citado C.P.A.C..
Este tem sido, aliás, o entendimento deste Tribunal.7
    
9. Dos prejuízos de difícil reparação para o requerente
   Fixemo-nos, então, no requisito positivo, relativo à existência de prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa, previsivelmente, causar para o requerente ou para os interesses que este venha a defender no recurso - al. a) do n.º 1 do art. 121º do CPAC -, sendo este o ponto fulcral da discordância com a abordagem feita na sentença ora recorrida.
    Conforme tem sido entendimento generalizado, compete à requerente invocar e demonstrar a probabilidade da ocorrência de prejuízos de difícil reparação causados pelo acto cuja suspensão de eficácia requer, alegando e demonstrando, ainda que em termos indiciários, os factos a tal atinentes.
    Tais prejuízos deverão ser consequência adequada directa e imediata da execução do acto.8
    A este nível invoca ela o facto de resultar da imediata execução do acto, que se traduz no “despejo” da casa em 75 dias, um prejuízo de ordem não patrimonial que não terá sido devidamente equacionado na decisão tomada.
     Na verdade, para além dos prejuízos de ordem patrimonial avolumados em face de uma situação menos confortável em termos de rendimentos por parte daquela família em concreto, já que a medida tomada implica a continuação do pagamento de uma hipoteca, pelo menos temporariamente, a procura de uma outra casa com uma renda sujeita ao mercado habitacional, as despesas da mudança, deslocação e instalação, sendo que tudo isso é materialmente reparável, o certo é que há todo um conjunto de incómodos, sacrifícios, incertezas, tristezas, que não são susceptíveis de reparação.
    Desde logo a incerteza quanto ao sítio para onde irão: se casa arrendada, se casa de parentes com todos os inconvenientes e incomodidades de duas famílias terem de passar a suportar um espaço, já de si, porventura, exíguo. Depois, há todo um historial das crianças, de 3 e 7 anos que se terão de adaptar a novas vivências, a novos espaços, quando aquela família já considerava aquela casa como sua, a casa de família, a casa para futuro. Claro que isto é muito triste e não é facilmente reparável. Se tiver que ser, porque a família não tem direito à casa, tudo bem. Mas se não tiver que ser, se no recurso contencioso a requerente e com a ela a sua família vier a ter ganho de causa há dinheiro que compense essa saída? É evidente que só “a morte não tem remédio”, mas não é preciso chegar a esse ponto para se terem por contempladas as situações que a previsão da lei no art. 121º/17ª do CPAC visa acautelar.
    Por outro lado, que mal advirá para o interesse público em aguardar pela clarificação do caso e deixar aquela família na casa por mais algum tempo?
    Afirma a entidade requerida que esses pretensos prejuízos não passam de meras conjecturas. Com todo o respeito, não estamos certos de que assim seja. Não se trata de factos novos, pois esses prejuízos foram desde o primeiro momento invocados, falando-se logo no requerimento inicial na preocupação em arranjar uma casa no mercado habitacional, na incerteza de conseguir uma casa que aquela família possa arrendar, na probabilidade de instalação e partilha com casa de parentes próximos, no desgaste das relações interpessoais e conflitos familiares.
    Estes factos, ainda que de forma algo genérica e um pouco imprecisa, mas ainda factos, foram desde logo alegados - atente-se na alegação inicial constante dos artigo 6º, 7º, 8º e 9º ; aí se alega que a requerente se verá forçada a deixar a sua actual residência, tendo de se alojar juntamente com o seu agregado familiar, junto de parentes próximos, não dispondo este de casas suficientemente espaçosas para acomodar os quatro elementos do seu agregado familiar, o que implica que todos, hospedeiros e hospedados, ficarão mal instalados, facto que, como a experiência comum da vida demonstra, desgastará as relações interpessoais e será potencialmente gerador de conflitos no seio familiar -, matéria que não se mostra contrariada.
    Como se sabe não é possível a comprovação testemunhal da matéria alegada em sede deste procedimento cautelar, pelo que o julgador terá de enquadrar e configurar o que alegado vem em termos plausibilidade e razoabilidade. Ora, para tanto, coloquemo-nos na posição daquela mãe; seríamos insensíveis e indiferentes a um quadro de saída provisória e incerta da nossa família, ainda que os custos materiais viessem a ser repostos mais tarde? A indemnização sobreveniente repararia esses sacrifícios e incómodos? Estamos em crer que não. Especialmente quando se atingem as situações mais sensíveis, da intimidade, da centralidade da família, da casa de morada que se assume já como sendo a sua. Enquadramento que não deixará de ser feito, em conjugação com as regras da experiência comum e dos factos notórios, ao abrigo do disposto no artigo 434º/1 do CPC.
    Temos presente que noutros casos, aparentemente próximos ou paralelos, não se terá decidido neste sentido; só que cada caso é um caso e o que conta é a alegação da própria parte, ao assinalar os concretos prejuízos que advêm da execução do acto. Se não se alegam prejuízos dessa ordem moral, o Tribunal nada pode fazer. Não é este caso; os prejuízos desta ordem estão bem evidenciados desde o primeiro momento. É por isso que o papel dos tribunais é, tantas vezes ingrato e incompreendido. É que o juiz não pode fazer aquilo que considero mais justo; no mais das vezes está condicionado pela forma e pelas opções dos interessados, na forma como eles lhe colocam ou deixam de colocar as questões, nos meios e procedimentos por que optam para fazer valer os seus direitos.
    No fundo, se a recorrente vier a ganhar o recurso contencioso e se provar que foi indevidamente afastada da sua casa, a sua algibeira pode ser reposta ao centavo, mas já não o seu coração.
    10. Lesão de interesse público
    Sobre a lesão do interesse público já se decidiu neste Tribunal que, ressalvando situações manifestas, patentes ou ostensivas a grave lesão de interesse público não é de presumir, antes devendo ser afirmada pelo autor do acto. Trata-se de um requisito que se prende com o interesse que, face ao artigo 4º do C.P.A., todo o acto administrativo deve prosseguir.9
    Relativamente a este requisito, importa observar que toda a actividade administrativa se deve pautar pela prossecução do interesse público, donde o legislador exigir aqui que a lesão pela não execução imediata viole de forma grave esse interesse.
Só o interesse público definido por lei pode constituir motivo principalmente determinante de qualquer acto administrativo. Assim, se um órgão da Administração praticar um acto administrativo que não tenha por motivo principalmente determinante o interesse público posto por lei a seu cargo, esse acto estará viciado por desvio de poder, e por isso será um acto ilegal, como tal anulável contenciosamente. E o interesse público é o interesse colectivo, que, embora de conteúdo variável, no tempo e no espaço, não deixa de ser o bem-comum.10
   Ora, se se tratar de lesão grave - séria, notória, relevante - a execução não pode ser suspensa.
   Perante o acto impositivo concreto há que apurar se a suspensão de eficácia viola de forma grave o interesse público.
   Tem-se entendido que preenche tal previsão a suspensão que põe em causa a confiança dos utentes e de público em geral no serviço em causa ou ofende a boa imagem da Administração, a autoridade do Estado, a ordem e a própria disciplina da função ou das funções, sendo manifestas as situações em que a actuação vise a prossecução da defesa de valores fundamentais da saúde, ordem, segurança, salubridade, abastecimento básico da população, como é o caso do tratamento das águas residuais.
    A expressão "grave lesão do interesse público" constitui um conceito indeterminado que compete ao juiz integrar em face da realidade factual que se lhe apresenta. Essa integração deve fazer-se depurada da interferência de outros requisitos, tendo apenas em vista a salvaguarda da utilidade substancial da sentença a proferir no recurso.
    
    Trata-se, contudo, de questão que não vem colocada, pelo que bem podíamos ficar por aqui.
    De todo o modo, já acima nos descaímos sobre a posição que tomamos sobre o assunto ao interrogarmo-nos sobre qual o prejuízo que adviria para a Administração com uma contemporização de espera na entrega da casa por mais algum tempo. Se até os particulares, numa relação normal de arrendamento são a negociar e compreender alguns tempos de espera que o inquilino tantas vezes solicita, também aqui não se vislumbra que aja algum prejuízo, muito menos grave, para o interesse público, com a não execução imediata do acto.
    Face ao exposto, somos a concluir no sentido da verificação do requisito positivo da alínea a) e da não verificação dos requisitos da al. b) do n.º 1 do art. 121º do CPAC e n.º 122º, pelo que, na falta de outros factores que tal impeçam, o pedido de suspensão de eficácia do acto não deixará de proceder.

V - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em dar provimento ao recurso e, em consequência, em revogar a decisão proferida, decidindo-se no sentido de deferir o presente pedido de suspensão de eficácia do acto.
    Sem custas, por não serem devidas.
Macau, 6 de Outubro de 2016
_________________________ _________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira Joaquim Teixeira de Sousa
_________________________ (Fui presente)
Ho Wai Neng
_________________________
José Cândido de Pinho

3 Cfr. José Cândido de Pinho, juiz do Tribunal de Segunda Instância, “Manual de Formação de Direito Processual Administrativo”, versão chinesa, traduzido pelo Dr. Ho Wai Leng, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, página 231, 1.º parágrafo.
4 Cfr. José Cândido de Pinho, juiz do Tribunal de Segunda Instância, “Manual de Formação de Direito Processual Administrativo”, versão chinesa, traduzido pelo Dr. Ho Wai Leng, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, página 230, 4.º parágrafo.
1 - Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo”, 8º ed., 409
2 - Maria da Glória Garcia, Professora das Faculdades de Direito da Universidade de Lisboa e da Universidade Católica Portuguesa, Suspensão de Eficácia do Acto Administrativo

3 Ac. TUI 37/2009, de 17/Dez.
4 - Vieira de Andrade, Justiça Administrativa, 3ª ed., 176; v.g. Ac. do TSI, de 2/12/2004, proc.299/03
5 - Ac. STA 46219, de 5/772000, www//:http.dgsi.pt
6 - Ac. do TSI de 30/5/02, proc. 92/02
7 - Como resulta do acórdão de 25/1/07, n.º 649/2006/A, entre muitos outros.
8 - Acs. STA de 30.11.94, recurso nº 36 178-A, in Apêndice ao DR. de 18-4-97, pg. 8664 e seguintes; de 9.8.95, recurso nº 38 236 in Apêndice ao DR. de 27.1.98, pg. 6627 e seguintes
9 - Ac. do T.S.I. de 22 de Novembro de 2001 – Pº205/01/A ; ac. do T.S.I. de 18 de Outubro de 2001 - Proc.191/01
10 - Freitas do Amaral, Direito Administrativo”, 1988, II, 36 e 38
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566/2016 30/30