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--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ---------------
--- Data: 18/10/2016 --------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Juiz José Maria Dias Azedo ---------------------------------------------------------------

Processo nº 667/2016
(Autos de recurso penal)

(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)

Relatório

1. Por sentença proferida pelo Mmo Juiz do T.J.B. nos Autos de Processo Sumário n.° CR4-16-0127-PSM, decidiu-se condenar A, arguido com os sinais dos autos, como autor da prática de 1 crime de “desobediência qualificada”, p. e p. pelo art. 92°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007 e art. 312°, n.° 2 do C.P.M., na pena de 2 meses de prisão, determinando-se, ainda, a cassação da sua licença de condução; (cfr., fls. 37 a 40 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o arguido recorreu.

Em sede da sua motivação e conclusões de recurso, diz tão só que se lhe devia decretar a suspensão da execução da pena; (cfr., fls. 61 a 71).

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Respondendo, considera o Ministério Público que o recurso é de rejeitar; (cfr., fls. 73 a 76).

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Em sede de vista juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“No processo sumário CR4-16-0127-PSM, o recorrente A foi condenado, por sentença de 30 de Junho de 2016, na pena de 2 meses de prisão e na cassação da carta de condução, nos termos das disposições dos artigos 92.°, n.° 1, da Lei do Trânsito Rodoviário, e 312.°, n.° 2, do Código Penal, por ter conduzido veículo automóvel durante o período da inibição de condução que anteriormente lhe fora imposta.
Traz agora tal decisão a escrutínio do Tribunal de Segunda Instância, arregimentando argumentos no sentido de convencer que a sentença recorrida padece de erro por não haver decretado a suspensão da execução da pena de prisão.
É manifesta a improcedência da sua alegação, como bem salienta o Ministério Público na sua douta resposta, para a qual, data venia, remetemos.
O recorrente chama à colação a colaboração com a justiça, a confissão dos factos, o arrependimento, enfim a consciência das consequências dos seus actos, a repercussão da prisão no seu emprego e na família, os malefícios das penas curtas de prisão, tudo para sustentar a pretendida suspensão.
Trata-se obviamente de alegação sem qualquer virtualidade para pôr em xeque, ou sequer abalar, a ponderada e esclarecida decisão recorrida.
Não podemos deixar de notar que, apesar de ainda jovem, o recorrente possui um rol de infracções, em matéria de trânsito rodoviário, que desmente a carta de intenções que veicula na sua motivação de recurso.
Por outro lado, os malefícios que geralmente se apontam às penas curtas de prisão não podem, evidentemente, ter o efeito prático de anular a possibilidade de aplicação de penas curtas de prisão. Ao criar o leque de penas de prisão e os tipos incriminadores, onde inclui a possibilidade de aplicação de penas curtas, o legislador ponderou, seguramente, os aventados malefícios e, apesar disso, podendo fazê-lo adentro do seu poder de conformação, não abriu mão das penas curtas de prisão. Aliás, em certos casos, como o vertente, em que agentes com razoável condição económica cometem plúrimas infracções de gravidade reduzida ou não considerável, para as quais a multa não constitui factor suficiente de dissuasão, é geralmente aceite a utilidade das penas curtas de prisão, atento o efeito de sharp-short-shock, sobretudo quando aplicadas, como sucedeu, em momento temporalmente próximo da prática da infracção.
Ademais, as invocadas consequências ao nível do emprego e da família – que o recorrente não antecipou, como devia, ou manifestamente desprezou, aquando do cometimento da infracção –, constituem apenas um dos múltiplos aspectos instrumentais a ponderar na formulação do juízo de prognose exigido pelo artigo 48.°, n.° 1, do Código Penal, não podendo, só por si, comandar aquele juízo global de prognose.
Dito isto, e tomando em conta os aspectos materiais a considerar nos termos do referido artigo 48.° do Código Penal, não é possível formular o necessário juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do recorrente no futuro, como bem ponderou a decisão sob escrutínio. O recorrente já foi punido com multa e inibido de conduzir por infracções idênticas, já beneficiou também do instituto da suspensão duma pena de prisão, mas continua a praticar ilícitos penais relacionados com o trânsito rodoviário, demonstrando que a censura e ameaça que anteriormente lhe foram dirigidas não tiveram qualquer efeito, não conseguindo fazer com que adequasse o seu comportamento aos padrões éticos impostos pela lei criminal nesse campo. Neste contexto, e sabido que uma das finalidades da pena é a protecção dos bens jurídicos violados, dificilmente este desiderato se mostraria acautelado com a suspensão de execução da pena, que, a ocorrer, poderia até pôr em xeque a confiança da comunidade na tutela da norma violada.
Bem andou, pois, o tribunal ao não suspender a execução da pena de prisão aplicada ao recorrente, não merecendo a douta decisão recorrida qualquer reparo, pelo que deve ser negado provimento ao recurso”; (cfr., fls. 125 a 126).

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Em sede de exame preliminar constatou-se da manifesta improcedência do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. O Tribunal a quo deu como provada a factualidade seguinte:

“No dia 30/06/2016, pelas 7H18 da manhã, o pessoal da PSP numa operação de investigação a veículos, perto do edifico Wang Hoi, sito na Rua Norte do Patane, interceptou o veículo de matrícula nº MJ-66-XX, na altura, o veículo era conduzido pelo arguido A.
Durante o qual, dado que o arguido não conseguiu exibir carta de condução com validade, pelo que a polícia conduziu-o à esquadra para investigação.
Conforme os dados existentes no DT, foi apurado que o arguido no dia 14/01/2016 foi condenado pelo Tribunal de Base no processo nº CR4-15-0631-PCT, por contravenção e a pena acessória de inibição de condução pelo período de 10 meses, a sentença foi transitada em julgado no dia 15/02/2016.
O arguido bem sabia o teor da sentença e da advertência sobre o resultado da desobediência da pena acessória.
Com vista a cumprir a respectiva pena acessória, o arguido foi no dia 25/02/2016 ao DT da PSP para tratar das formalidades da suspensão da carta de condução, ele assinou com seu punho a aludida notificação (vide fls. 11 dos autos), bem como, tornou a ser avisado o prazo da pena acessória.
O arguido bem sabia que estava inibido de conduzir durante esse período e se conduzisse incorria responsabilidade criminal, contudo, o arguido tornou a conduzir no período de inibição de condução.
O arguido livre, consciente, voluntariamente praticou a conduta supracitada. Ele bem sabia que a sua conduta é proibida e punida por lei.
Ao mesmo tempo, foi provado o seguinte:
O arguido confessou integralmente e sem reservas.
O arguido declarou que tem como habilitações literárias o ensino secundário completo, trabalha como gerente da mesa de jogo do Casino XXX, aufere o salário mensal de MOP$35,000.00, tem um filho que teve com a sua ex-namorada, tem a cargo a sua mãe e o aludido filho menor.
Conforme o seu CRC, o arguido não é primário:
1) Por 1 crime de desobediência agravada, foi condenado no dia 07/02/2010, no processo CR2-13-0027-PSM, a pena de multa de 90 dias, à taxa diária de 100 patacas, no total de 9,000 patacas, ou em alternativa de 60 dias de prisão, se faltasse ao pagamento da multa ou não substituisse por trabalho. Bem ainda foi condenado a pena acessória de cassação da carta de condução. A sentença foi transitada em julgado no dia 25/02/2013.
2) Por 1 crime de desobediência agravada, foi condenado no dia 06/12/2010, no processo CR1-13-0234-PSM, 5 meses de prisão, suspensa a sua execução pelo período de 2 anos, com condição de no prazo de 10 dias, pagar uma contribuição à RAEM, no valor de 7,000 patacas. O arguido já pagou a contribuição, a respectiva pena foi declarada extinta através de despacho proferido no dia 08/06/2016.
Além disso, consta os registos de infracção de trânsito constantes nas fls. 9 a 10 dos autos (os quais dão-se por integralmente reproduzidos)”; (cfr., fls. 37-v a 38 e 90 a 92).

Do direito

3. Vem o arguido dos presentes autos recorrer da sentença proferida pelo Mmo Juiz do T.J.B. que o condenou como autor da prática de 1 crime de “desobediência qualificada”, p. e p. pelo art. 92°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007 e art. 312°, n.° 2 do C.P.M., na pena de 2 meses de prisão, determinando-se, ainda, a cassação da sua licença de condução.

Pede, tão só, a “suspensão da execução” da dita pena de 2 meses de prisão.

Porém, e sem embargo do muito respeito por outro entendimento, não se vislumbra que tenha o recorrente qualquer razão, apresentando-se-nos de julgar o presente recurso “manifestamente improcedente”, como já se deixou adiantado e infra se passa a (tentar) explicitar.

Nos termos do art. 48° do C.P.M.:

“1. O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2. O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3. Os deveres, as regras de conduta e o regime de prova podem ser impostos cumulativamente.
4. A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5. O período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão”.

Sobre a matéria já teve este T.S.I. oportunidade de dizer que:

“O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime.”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 16.06.2016, Proc. n.° 254/2016, de 21.07.2016, Proc. n.° 483/2016 e de 29.09.2016, Proc. n.° 550/2016).

E, como temos também entendido, o instituto da suspensão da execução da pena baseia-se numa relação de confiança entre o Tribunal e o condenado. Aquele convence-se, em juízo de prognose favorável, que o arguido, sentindo a condenação, é capaz de passar a conduzir a sua vida de modo lícito e adequado, acreditando ainda que o mesmo, posto perante a censura do facto e a ameaça da pena, é capaz de se afastar da criminalidade; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 14.01.2016, Proc. n.° 863/2015 e de 16.06.2016, Proc. n.° 254/2016).

No caso dos autos, e como da transcrita matéria de facto dada como provada se retira, o arguido ora recorrente não é primário, tendo já sofrido várias condenações pelo mesmo crime de “desobediência”; (cfr., o seu C.R.C., a fls. 30 a 34).

Revela, assim, (com o novo crime cometido nestes autos), uma total ausência de vontade de aproveitar as várias oportunidades que lhe foram dadas e de se corrigir, levando uma vida em conformidade com as normas de convivência social, tornando, desta forma, evidentes as fortes razões de prevenção criminal especial, (e geral, em virtude do tipo e natureza dos crimes cometidos), e que comprometem, de todo, a pretendida suspensão da execução da pena, (de 2 meses de prisão em que foi condenado).

Como igualmente temos vindo a considerar, devem-se “evitar penas de prisão de curta duração”.
Porém, não é de suspender a execução da pena de prisão ainda que de curta duração, se o arguido, pelo seu passado criminal recente, revela total insensibilidade e indiferença perante o valor protegido pela incriminação em causa, continuando numa atitude de desresponsabilização e de incapacidade para tomar outra conduta; (cfr., v.g., o Ac. deste T.S.I. de 15.10.2015, Proc. n.° 847/2015 e de 12.11.2015, Proc. n.° 714/2015, e Decisão Sumária de 24.05.2016, Proc. n.° 1031/2015, de 01.06.2016, Proc. n.° 31/2016 e de 14.07.2016, Proc. n.° 391/2016).

Como também considerava Jescheck: “o tribunal deve dispor-se a correr um risco aceitável, porém se houver sérias dúvidas sobre a capacidade do réu para aproveitar a oportunidade ressocializadora que se lhe oferece, deve resolver-se negativamente a questão do prognóstico”; (in, “Tratado de Derecho Penal”– Parte General – Granada 1993, pág. 760, e, no mesmo sentido, o Ac. do T.R. de Lisboa de 05.05.2015, Proc. n.° 242/13, in “www.dgsi.pt”).

Com efeito, perante a (repetida) insistência na prática de ilícitos criminais por parte de um arguido, (como é o caso), revelando, claramente, não ser merecedor de um “juízo de prognose favorável”, outra solução não existe que não seja uma “medida detentiva”, sob pena de manifestação de falência do sistema penal para a protecção de bens jurídicos e autêntico “convite” à reincidência; (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. da Rel. de Guimarães, de 13.04.2015, Proc. n.° 1/12).

Dest’arte, há que decidir como segue.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, decide-se rejeitar o presente recurso.

Pagará o recorrente 3 UCs de taxa de justiça e, como sanção pela rejeição do seu recurso o equivalente a 3 UCs.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, devolvam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 18 de Outubro de 2016
José Maria Deias Azedo
Proc. 667/2016 Pág. 14

Proc. 667/2016 Pág. 15