Processo nº 517/2016
Data do Acórdão: 13OUT2016
Assuntos:
Acidente de trabalho
Incapacidade permanente parcial
Prova pericial
Princípio de livre apreciação de provas
Erro na apreciação de provas
SUMÁRIO
1. Ao contrário do que sucede no processo penal, onde o juízo técnico, científico e artístico inerente à prova pericial se presume subtraído à livre apreciação do julgador – artº 149º/1 do CPP, inexiste, na matéria civil e laboral, norma que predetermina a superioridade da força probatória da perícia, em relação às outras provas.
2. Tal como sucede com outros meios de impugnação, o recurso ordinário, incluindo o da matéria de facto, funda-se na falibilidade humana e na possibilidade de erro por parte dos juízes, gerador de decisões injustas e portanto, visa justamente à simples eliminação da decisão, inválida, injusta ou não conforme à lei, ou ainda à sua substituição por outra a proferir pelo Tribunal ad quem, na sequência do reexame da matéria controvertida.
3. Desde que seja formada com observância das regras relativas à produção e à valoração das provas, motivada e recondutível a critérios lógicos, a convicção íntima do Tribunal a quo é válida, e portanto, em princípio, insindicável pelo Tribunal superior em sede de recurso, e só é susceptível de controlo jurisdicional por via de recurso ordinário se a convicção tiver sido formada em violação do direito probatório, não motivada ou irrecondutível a critérios lógicos, ou seja, erradamente formada.
4. Para que o Tribunal ad quem possa revogar a decisão sobre a matéria de facto fixada na primeira instância, é preciso que o convença da existência de erro na apreciação de provas por parte do Tribunal a quo.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 517/2016
I
Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM
No âmbito dos autos da acção de processo especial do trabalho (acidente de trabalho), intentada, por A, representada pelo Ministério Público, contra a Companhia de Seguros da B (Macau), S.A., registada sob o nº LB1-14-0285-LAE, e correu os seus termos no Juízo Laboral do Tribunal Judicial de Base, havendo na tentativa de conciliação discordância quanto à questão de incapacidade, foi realizado exame pericial pela junta médica para o efeito nomeada nos autos e veio a final proferida a seguinte sentença fixando o grau de desvalorização:
在本勞動特別訴訟程序中,遇難人A、僱主實體C澳門股份有限公司及保險實體B保險(澳門)股份有限公司於試行調解中未能達成完全和解,而保險實體不認同法醫鑑定報告中532天暫時絕對無能力(ITA)之期間及15%長期部份無能力(IPP)之減值,並聲請組成會診委員會以進行鑑定。
除了上述部份以外,上述各方於試行調解中均接受以下內容:
- 是次事故屬於工作意外;
- 工作意外與侵害之間存有因果關係;
- 遇難人之基本回報為月薪澳門幣17,972.70元;
- 遇難人之醫療費用為澳門幣42,510元,已獲全數支付;
- 遇難人已獲支付澳門幣67,098.08元,作為暫時絕對無能力之部份賠償;
- 是次意外所引致的責任轉移至上述保險公司。
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透過會診委員會所進行之鑑定,其成員三分之二多數認定遇難人之暫時絕對無能力(ITA)之期間為532天及長期部份無能力(IPP)之減值為30%。為著適當的效力,載於卷宗第953至958頁及第978至981頁之會診鑑定報告之內容視為完全轉錄。
在接獲有關報告後,保險實體分別提交卷宗第987至990及1000至1004頁之聲請,其後本法庭分別作出卷宗第996及背頁及第1007及背頁之決定,前述頁數之文件內容為著有關效力在此視為獲完全轉錄。而其餘各方在接獲有關報告後均沒有於法定期限內表態。
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本院對此案有管轄權。
本訴訟程序形式恰當。
訴訟主體具有當事人能力、訴訟能力及正當性。
沒有妨礙審查本案實體問題之無效、抗辯及先決問題。
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考慮到卷宗第953至958頁及第978至981頁之會診報告較卷宗第876頁之身體檢查結果更具客觀性,因此,本院採信卷宗第953至958頁及第978至981頁之會診報告之鑑定結果。
基於各方在試行調解中所協議之事實以及上述會診鑑定報告之結果,配合卷宗所載的資料,證實遇難人所遭受之意外為工作意外,而其自被視為治愈之日(2014年09月25日)起,因上述工作意外引致532天之暫時絕對無能力及30%之長期部份無能力。
根據第40/95/M號法令第1條、第2條第1款、第3條a)項、g)項(2)目、h)項(1)目、第4條、第12條、第27條、第46條a)及b)項、第47條第1款a)項、c)項(4)目、d)項及第3款a)項、第54條l款a)項、第62條及第63條規定,保險實體須支付遇難人澳門幣212,477.25元 (MOP17, 972.70 / 30 X 2 / 3 X 532)之暫時絕對無能力之賠償,因遇難人已獲支付澳門幣67,098.08元暫時絕對無能力之部份賠償,故保險實體須支付遇難人澳門幣145,379.17元(MOP212,477.25 - MOP67,098.08)作為餘下的暫時絕對無能力之賠償;另保險實體須支付遇難人澳門幣517,613.76元(MOP17,972.70 X 96 X 30%)之長期部份無能力之賠償。上述兩項賠償合共澳門幣662,992.93元。
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基於上述,本院決定如下:
- 訂定遇難人A之暫時絕對無能力之期間為532日;
- 訂定遇難人A之長期部份無能力之減值為30% ;
- 判處保險實體B保險(澳門)股份有限公司向遇難人A支付澳門幣陸拾陸萬貳仟玖佰玖拾貳元玖角叁分(MOP662,992.93)。
訴訟費用由保險實體承擔。
利益值:澳門幣772, 601. 01元。
作出登錄及通知。
Não se conformando com a sentença, veio a ré recorrer concluindo e pedindo que:
I. Não pode a Recorrente conformar-se com a sentença proferida pelo douto Tribunal Judicial de Base em que julgou a acção procedente e, por entender que devido ao acidente que atingiu A a mesma tenha ficado com uma incapacidade permanente parcial para o trabalho de 30%, condenou a Ré, ora Recorrente, a pagar à mesma uma indemnização no valor global de MOP$662,992.93 acrescido dos respectivos juros.
II. No dia 9 de Abril de 2013 ocorreu um incidente no qual a senhora A, doravante a Sinistrada, ficou presa no elevador do seu local de trabalho durante cerca de 20 minutos.
III. Depois do acidente a Sinistrada ter-se-á sentido mal tendo-se dirigido ao Hospital Kiang Wu.
IV. Em 11 de Novembro de 2014 foi-lhe diagnosticado um sindroma pós traumático e medicada em conformidade.
V. Após 532 dias de baixa médica, a Sinistrada voltou ao trabalho.
VI. Desempenhando as suas tarefas com total normalidade.
VII. No entanto, não apresenta qualquer receio em entrar no elevador do trabalho, usando-o conforme o usava antes do acidente.
VlII. O síndroma pós traumático caracteriza-se por:
a. Uma directa exposição a um stress com características de morte;
b. O acontecimento traumatizante ser persistente e evitado;
c. Dificuldade em relembrar os acontecimentos.
IX. Ora, nenhuma destas situações se verifica com a Sinistrada, uma vez que, o facto de ter estado fechada num elevador durante 20 minutos, não nos parece configurar uma exposição a um stress com características de morte.
X. Sendo tal exposição mais característica de um cenário de guerra do que de um elevador num casino.
XI. O facto de a Sinistrada continuar a utilizar o elevador do trabalho após o alegado acidente, faz com que o acontecimento não seja evitado pela Sinistrada.
XII. Assim, em primeiro lugar não nos parece que, do facto de ter estado fechada num elevador durante 20 minutos, possam ter resultado os danos que a Sinistrada alega ter, e muito menos uma incapacidade para o trabalho de 30%.
XIII. Até porque, a incapacidade permanente parcial para o trabalho deverá ser analisada objectivamente, isto é, se para o desempenho do trabalho da Sinistrada esta ficou objectivamente com uma limitação nas suas funções.
XIV. E o que resulta dos factos é a de que esta continua a desempenhar as suas funções com normalidade.
XV. Acrescendo a isto o facto de o trabalho que a mesma desempenha, croupier numa sala VIP de um casino, é normalmente um trabalho sob alguma pressão, pelo que, se a Sinistrada tivesse realmente uma incapacidade parcial permanente para o desempenho das suas tarefas, isso reflectir-se-ia no seu desempenho, o que não aconteceu.
XVI. Nos termos da decisão recorrida foi entendimento do douto Tribunal a quo que:
"Como o relatório da junta médica de fls. 953 a 958 e fls. 978 a 981 dos autos é mais objectivo do que o relatório do exame médico de fls. 876 dos autos, o tribunal decide adoptar o relatório pericial da junta médica (tradução nossa)."
XVII. Ora, resulta do próprio relatório da junta médica de que o mesmo é tudo menos objectivo.
XVIII. De facto dois dos médicos têm um entendimento quanto à Incapacidade Parcial Permanente, considerando que a mesma será de 30%, enquanto o terceiro médico considera que não deveria haver lugar a qualquer Incapacidade Parcial Permanente.
XIX. O que faz com que a junta médica tenha tido dúvidas, ou pelo menos, opinião antagónicas quanto a este particular.
XX. Se bem que nas juntas médicas funciona o princípio da maioria, não será descabido mencionar de que no caso concreto não se tratam de opiniões diferentes quanto à percentagem da Incapacidade, mas antes antagónicas, porquanto de um lado considera-se haver 30% de IPP e por outro não haver IPP de todo.
XXI. Sendo que, o primeiro relatório constante de fls. 876 dos autos, e que considera haver uma incapacidade de 15% é bem mais objectivo e razoável do que o resultante da junta médica.
XXII. Ora, de acordo com o artigo 383º do Código Civil, força probatória da perícia é fixada livremente pelo tribunal.
XXIII. O que significa que o Tribunal não está refém do resultado de qualquer perícia.
XXIV. Aplicando-se assim a máxima segundo a qual o Juiz é o perito dos peritos, tendo por base o princípio da livre apreciação da prova e, portanto o princípio da liberdade de apreciação do Juiz.
XXV. Ora, por tudo o supra exposto, e tendo em conta as fundadas dúvidas resultantes do relatório da junta médica, somos do entendimento, de que o mesmo não poderá ser valorado conforme o foi.
XXVI. Salvo devido respeito, a ora Recorrente não pode concordar com os fundamentos alegados pelo Tribunal a quo, não se conformando com a decisão ora em recurso.
XXVII. Sendo que a prova produzida nos presentes autos, nomeadamente os relatórios médicos, assim como os relatos e declarações prestados pela Sinistrada, são bastantes para podermos concluir com clareza e exactidão que do incidente ocorrido no elevador não poderiam nunca ter resultado os danos que a Sinistrada afirma ter sofrido, ou pelo menos, não na magnitude resultante do relatório da junta médica.
XXVIII. Tendo a nosso entender havido um erro na valoração da prova.
XXIX. Conforme o Acórdão da Segunda Instância de 13 de Março de 2008, produzido no âmbito do processo nº 659/2007:
“O Tribunal pode formar o seu próprio juízo de valor na questão da fixação do grau da incapacidade permanente parcial do trabalhador sinistrado para efeitos do Decreto-Lei n.º 40/95/M, de 14 de Agosto, desde que o faça com base nos ingredientes fácticos trazidos aos autos e dentro dos limites permitidos na Tabela de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais anexa ao mesmo diploma, e com exposição congruente dos motivos da divergência do juízo pericial, não vinculativo para o tribunal nos termos do art.º 383.º do Código Civil.”
XXX. Pelo que, após reapreciação da prova efectuada em juízo por parte desse Venerando Tribunal da Segunda Instância deverá ser proferido douto Acórdão que julgue procedente o presente recurso, devendo antes ser dado como provado que a Sinistrada não ficou afectada por qualquer Incapacidade Parcial Permanente para o trabalho decorrente do referido incidente no elevador, ou, caso assim não se entenda, que a haver Incapacidade essa seja manifestamente inferior à constante no relatório da junta médica.
Pelas razões expostas
V. Exas., alterando a sentença recorrida em conformidade com o alegado, farão inteira e sã
JUSTIÇA.
Notificada a Autora ora recorrida, nos autos representada pelo Ministério Público, respondeu pugnando pela improcedência do recurso (vide as fls. 242 a 247 dos p. autos).
II
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.
Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).
Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, ex vi do artº 115º/1 do CPT, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
Assim, de acordo com as conclusões tecidas na minuta do recurso interposto pela Ré Companhia de Seguros da B (Macau), S.A., a recorrente limitou-se a pôr em crise a fixação da incapacidade permanente parcial (IPP), tendo imputado à decisão de matéria de facto erro na apreciação da prova.
Portanto é esta a única questão que constitui o objecto da nossa apreciação.
Tal como vimos na sentença recorrida, foi, na sequência da discordância por parte da Seguradora, ora recorrente, quanto à fixação da incapacidade temporária absoluta (ITA) em 532 dias e do grau de desvalorização da IPP em 15%, ordenada a realização do exame médico da sinistrada pela junta médica.
Realizado o exame médico, dos três peritos nomeados dois concluíram pela fixação da incapacidade temporária absoluta (ITA) em 532 dias e do grau de desvalorização da IPP em 30%.
Enquanto o outro, indicado pela seguradora, ora recorrente, defende a inexistência da incapacidade permanente parcial.
Por força da remissão expressa do artº 1º/1 do CPT, o processo do trabalho é regulado pelo presente Código e, subsidiariamente, pelo disposto na legislação relativa à organização judiciária e na legislação processual comum civil ou penal que se harmonize com o processo do trabalho.
Não se encontrando especificadamente reguladas no CPT a produção e a valoração da prova pericial, temos portanto de recorrer subsidiariamente às normas sobre esta matéria previstas na lei civil.
A propósito da valoração da prova pericial, reza o artº 383º do CC que “a força probatória da perícia é fixada livremente pelo tribunal.”.
Isto é, ao contrário do que sucede no processo penal, onde o juízo técnico, científico e artístico inerente à prova pericial se presume subtraído à livre apreciação do julgador – artº 149º/1 do CPP, inexiste, na matéria civil e laboral, norma que predetermina a superioridade da força probatória da perícia, em relação às outras provas.
Se é verdade que, por força do princípio da livre apreciação das provas consagrado no artº 558º do CPC, como regra geral, o tribunal de primeira instância aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, não é menos certo que a matéria de facto assente de primeira instância pode ser alterada pelo Tribunal superior, em sede de recurso, nos termos e ao abrigo do disposto no artº 629º do CPC.
Diz o artº 629º/1-a) do CPC que a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância, se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 599º, a decisão com base neles proferida.
Reza, por sua vez, o artº 599º, para o qual remete o artº 629º/1-a), todos do CPC, que:
(Ónus do recorrente que impugne a decisão de facto)
1. Quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso:
a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar as passagens da gravação em que se funda.
3. Na hipótese prevista no número anterior, e sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe à parte contrária indicar, na contra-alegação que apresente, as passagens da gravação que infirmem as conclusões do recorrente.
4. O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 590.º
Os meios probatórios que, na óptica da recorrente, impunham decisão diversa são os relatórios médicos.
Para a recorrente, os tais meios de prova são bastantes para se concluir com clareza e exactidão que do incidente ocorrido no elevador não poderiam nunca ter resultado os danos que a sinistrada afirma ter sofrido, ou pelo menos, não na magnitude resultante do relatório da junta médica.
Pela recorrente foram identificados os relatórios médicos para ser reapreciados.
Satisfeitas assim as exigências processuais para a viabilização da reapreciação da matéria de facto com vista à eventual modificação por este Tribunal de Segunda Instância da decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto, passemos então a apreciar se existem as alegadas incorrecções na apreciação da prova pelo tribunal a quo.
Ora, decorre do preceituado no artº 629º que o Tribunal de recurso é permitido funcionar como tribunal de substituição na matéria da questão de facto, relativamente ao Tribunal de primeira instância, desde que, em qualquer das situações aí previstas, se mostrem preenchidos os pressupostos nele exigidos, isto é, se coloquem ao dispor do tribunal ad quem os mesmos meios probatório de que dispunha o tribunal de 1ª instância.
O que significa que vigoram para ambas as instâncias as mesmas regras do direito probatório adjectivo e substantivo.
In casu, estão em causa apenas relatórios médicos, já juntos aos autos.
Assim, por força do princípio da livre apreciação das provas, consagrado no artº 558º do CPC, este Tribunal de recurso deve igualmente apreciar o documento a fls. 953 a 958, 978 a 981, segundo o critério de valoração racional e lógica do julgador, com a observação das regras de conhecimentos gerais e experiência de vida e dos critérios da lógica.
Ora, perante dois juízos técnico-médicos, ambos formalmente fundados na ciência médica, um defende o grau de desvalorização em 30% e outro defende zero, o Tribunal a quo optou pelo primeiro.
Para nós, apesar de não sermos médicos, afigura-se-nos um bocado exagerada a fixação em 30% da incapacidade permanente parcial, pura e simplesmente por a sinistrada ter ficado presa no elevador, não sozinha, mas na companhia de 27 pessoas, por vinte minutos, sem que tivesse sofrido de quaisquer lesões físicas na sequência do facto.
Todavia, por razões que passamos a expor infra, nós não estamos autorizados a substituir-nos ao Tribunal, alterando a matéria de facto fixada em 1ª instância.
Como se sabe, desde que seja formada com observância das regras relativas à produção e valoração das provas, motivada e recondutível a critérios lógicos, a convicção íntima do Tribunal a quo é válida, e portanto, em princípio, insindicável pelo Tribunal superior em sede de recurso, e só é susceptível de controlo jurisdicional por via de recurso ordinário se a convicção tiver sido formada em violação do direito probatório, não motivada ou irrecondutível a critérios lógicos, ou seja, erradamente formada.
Na verdade, tal como sucede com outros meios de impugnação, o recurso, incluindo o da matéria de facto, funda-se na falibilidade humana e na possibilidade de erro por parte dos juízes, gerador de decisões injustas e portanto, visa justamente à simples eliminação da decisão, inválida, injusta ou não conforme à lei, ou ainda à sua substituição por outra a proferir pelo Tribunal ad quem, na sequência do reexame da matéria controvertida – neste sentido cf. Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, 6ª ed. pág. 69.
Assim, o recurso é concebido para atacar a decisão, considerada pelo recorrente errada ou injusta por ser errada.
In casu, o Tribunal a quo acolheu o juízo técnico-médico subscrito pela maioria da junta médica para formar a sua convicção no sentido de que a sinistrada sofre da incapacidade permanente parcial em 30%, em detrimento da posição do perito indicado pela seguradora, ora recorrente, que defende do acidente não resultar à sinistrada qualquer incapacidade.
Tal como vimos supra, para que possamos revogar a decisão sobre a matéria de facto fixada na primeira instância, é preciso que nos convença da existência de erro na apreciação de provas por parte do Tribunal a quo.
Em vez de identificar erros ou em que termos errou o Tribunal a quo na apreciação dos relatórios médicos, a recorrente limita-se a reiterar aquilo que o perito, por ela indicado, já escreveu nos relatórios médicos e tecer as suas considerações de direito com base em dois factos que nunca foram alegados nem demostrados na 1ª instância.
A recorrente alegou, ex novo, em sede do presente recurso, que a sinistrada já voltou a trabalhar normalmente e usar normalmente elevadores na sua vida quotidiana.
Na verdade, estes dois factos, a ser provados, têm certa relevância e virtualidade de abalar a convicção formada pelo Tribunal a quo.
Só que a seguradora, ora recorrente, nunca alegou nem tentou provar estes factos na 1ª instância.
Se o tivesse feito, o Tribunal a quo já poderia e deveria levar em conta estes factos que, para nós, teriam a virtualidade de influir o sentido da convicção íntima do Tribunal a quo.
Não o tendo feito, obviamente nada nos legitima para nos substituirmos ao Tribunal a quo, abalando a convicção formada por este e alterando a matéria de facto já fixada na primeira instância.
Não pode assim senão improceder o recurso.
Em conclusão:
5. Ao contrário do que sucede no processo penal, onde o juízo técnico, científico e artístico inerente à prova pericial se presume subtraído à livre apreciação do julgador – artº 149º/1 do CPP, inexiste, na matéria civil e laboral, norma que predetermina a superioridade da força probatória da perícia, em relação às outras provas.
6. Tal como sucede com outros meios de impugnação, o recurso ordinário, incluindo o da matéria de facto, funda-se na falibilidade humana e na possibilidade de erro por parte dos juízes, gerador de decisões injustas e portanto, visa justamente à simples eliminação da decisão, inválida, injusta ou não conforme à lei, ou ainda à sua substituição por outra a proferir pelo Tribunal ad quem, na sequência do reexame da matéria controvertida.
7. Desde que seja formada com observância das regras relativas à produção e à valoração das provas, motivada e recondutível a critérios lógicos, a convicção íntima do Tribunal a quo é válida, e portanto, em princípio, insindicável pelo Tribunal superior em sede de recurso, e só é susceptível de controlo jurisdicional por via de recurso ordinário se a convicção tiver sido formada em violação do direito probatório, não motivada ou irrecondutível a critérios lógicos, ou seja, erradamente formada.
8. Para que o Tribunal ad quem possa revogar a decisão sobre a matéria de facto fixada na primeira instância, é preciso que o convença da existência de erro na apreciação de provas por parte do Tribunal a quo.
Resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência negar provimento ao recurso, mantendo na íntegra a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique.
RAEM, 13OUT2016
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng