Processo nº 15/2015
Data do Acórdão: 06OUT2016
Assuntos:
Autorização para a contratação de trabalhadores não residentes
Preterição da audição prévia
Desvio de poder
Exercício de um poder discricionário
SUMÁRIO
1. Há preterição da audição prévia, geradora da anulabilidade do acto administrativo, se a prática do acto tiver sido precedida da investigação oficiosa em que se obtiverem novos elementos em que se fundou a decisão em sentido desfavorável ao particular, sem que todavia tenha sido dada oportunidade ao particular para se pronunciar sobre os tais novos elementos;
2. Se no procedimento de 2º grau a Administração pretende manter o sentido da decisão, impugnada por via graciosa, mas com fundamentos diversos daquilo em que se fundou a decisão tomada no procedimento de 1º grau, há que dar oportunidade ao particular interessado para se pronunciar sobre os novos fundamentos, sob pena de preterição da audiência prévia, geradora da anulabilidade do acto;
3. O desvio de poder é o vício que consiste no exercício de um poder discricionário por um motivo principalmente determinante que não condiga com o fim que a lei visou ao conferir tal poder; e
4. Face ao disposto na Lei nº 21/2009, nomeadamente nos artºs 2º e 8º, ao indeferir o pedido de contratação de trabalhadores não residentes com fundamento na protecção do erário público e na prevenção contra duplo-benefício que consiste na isenção da renda pelo uso do espaço nos mercados municipais e na autorização para a contratação de trabalhadores não residentes, a Administração está a decidir com desvio de poder.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 15/2015
I
Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM
A, devidamente identificado nos autos, vem recorrer do despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças que manteve, em sede de recurso hierárquico necessário, a decisão proferida pelo Coordenador substituto do Gabinete para os Recursos Humanos, que lhe indeferiu o pedido que formulara para que lhe fosse concedida a autorização para contratar dois trabalhadores não residentes, concluindo e pedindo:
二) 結論:
1、 被訴實體作出被訴的行政行為,即駁回司法上訴人提出的必要訴願。─ (見文件1、第2頁)
2、 被駁回的必要訴願的標的是針對人力資料辦公室主任於2014年7月29日不批准司法上訴人於2014年5月20日向該辦公室提出輸入2名(1名拆肉員和1名售貨員)外地僱員的申請的決定。─ (見文件2)
3、 人力資源辦公室代主任以下述理由否決司法上訴人的上述申請:
1. 根據民政總署之意見,政府設立街市、並維持管理及運作,是秉承扶持攤位承租人可在穩定的經營環境中謀生,此外,社會保障基金亦未有對自僱者聘用的外勞可登錄其基金進行供款作出明確許可;
2. 根據申請人於2013年5月7日在勞工事務局之登聘記錄顯示,就職位“售貨員”,該局備註資料顯示因「薪金低,基本上無法轉介」;
3. 現有本地人在尋找有關工作。
4、 除應有尊重外,司法上訴人對於人力資源辦公室代主任作出的上述決定表示不同意,故於2014年8月28日向被訴實體 ─ 即經濟財政司司長 ─ 提出必要訴願。
5、 在上述必要訴願中,司法上訴人對於人力資源辦公室代主任作出的決定中被用作理由說明的上述三項理據提出不予認同,並為此闡述了不同意的理據。
6、 於上述必要訴願的請求部分,司法上訴人懇請被訴實體經濟財政司司長廢止人力資源辦公室代主任作出的決定,並批准司法上訴人輸入2名外地僱員的申請。
7、 然而,透過人力資源辦公室的轉述,被訴實體 ─ 即經濟財政司司長 ─ 對司法上訴人所提出的必要訴願作出回覆,維持人力資源辦公室作出的、不批准司法上訴人請求輸入外地僱員的申請。─ (見文件1、第2頁)
8、 從上述回覆可見,被訴實體沒有對司法上訴人於必要訴願中所提出的理據作出分析,與之相反,被訴實體提出一些新的理據去維持人力資源辦公室作出的決定。
9、 作為理由說明,被訴實體同意如下意見:“市政街市由政府建設和管理,日常街市公共地方的設施保養和維修、水、電、清潔、保安和保險等開支,皆為公帑支付;街市攤位內的基本設施(如售賣檯、拆肉檯、水電設施),亦均由政府提供;再者,街市攤位承租人自2005年起獲行政長官豁免租金......此外,根據民政總署提供的資料,申請人的場所面積是8.33平方米,現時登記聘請5名本地僱員。因此,以其場所之規模及現時聘用僱員的情況,難以容納更多僱員在該場所內工作......”
10、被訴實體主要以上述理由,作出被訴的行政行為,維持必要訴願所針對的決定。
11、對於被訴實體作出的被訴的行政行為,除應有的尊重外,司法上訴人表示不同意。
A) 形式上的瑕疵 ─ 欠缺聽證
12、首先,如上所述,被訴實體沒有對司法上訴人在必要訴願內提出的、質疑人力資源辦公室代主任作出的決定的合法性的各項依據、作出決定和回覆。
13、此外,作為對上述必要訴願作出決定的理由說明,被訴實體引用了一些新的理據。
14、這令到司法上訴人感到突然和驚訝。
15、在司法上訴人沒有獲得機會對該等新的理據表明立場的情況下,被訴實體便作出了被訴的行政行為,這屬於欠缺對利害關係人進行聽證的情況。
16、由於本案不屬於《行政程序法典》第96條和第97條所指的無須進行聽證的情況,故根據同一法典第93條的規定,被訴實體,由於其引用新的理據作為理由說明,其依法應在作出被訴的行政行為之前讓司法上訴人就該等被用作理由說的新理據表明立場。
17、然而,被訴實體並沒有先讓司法上訴人表明立場,便直接作出被訴的行政行為。
18、因此,按照司法上訴人的理解,被訴的行政行為從而沾有程序上的瑕疵。
B) 實體上的瑕疵 ─ 事實前提錯誤
19、另一方面,該等被用作理由說明的新理據之一提到:“.….. 申請人的場所面積是8.33平方米,現時登記聘請5名本地僱員.…..”
20、誠然,司法上訴人有兩個均用作經營“豬肉檔”的相連的攤擋,位於臨時沙梨頭街市一樓、分別為X號和X號。 ─ (見文件3和文件4)。
21、上述分別為X號和X號攤檔,每個面積均為8.33平方米,故司法上訴人用作經營“豬肉檔”的面積合共16.66平方米,而非被訴實體所述的司法上訴人的場所面積僅為8.33平方米。
22、此外,司法上訴人現正聘用的本地僱員只有3名,而非被訴實體所述的5名,對此,司法上訴人早已向人力資源辦公室提交聲明。 ─ (見文件5)
23、綜上所述,由於被訴實體用作說明理由的事實依據跟現實情況不同,故被訴的行政行為沾有事實前提錯誤的瑕疵。
C) 實體上的瑕疵 ─ 絕對不合理地行使自由裁量權
24、被訴實體作出被訴的行政行為時用作理由說明的另一項新理據提到: “…...日常街市公共地方的設施保養和維修、水、電、清潔、保安和保險等開支,皆為公帑支付;街市攤位內的基本設施(如售賣檯、拆肉檯、水電設施),亦均由政府提供……”
25、事實上,司法上訴人用作經營“豬肉檔”的上述X號和X號攤檔的電費和水費均由司法上訴人、透過國際銀行自動轉帳的方式支付。─ (見文件6、文件7、文件8、文件9、文件10和文件11)
26、此外,司法上訴人是十分希望自行繳付其用作經營“豬肉擋”的上述X號和X號攤檔的租金,以秉承用者自負之原則。
27、然而,民政總署卻拒絕收取上述租金,被訴實體並以此為由,維持不批准司法上訴人聘用外地僱員的申請。
28、誠然,根據第21/2009號法律《聘用外地僱員法》的規定、尤其第8條的規定,並沒有規定當申請人用作經營業務的場所獲政府豁免繳付租金時,可以被用作否決申請人聘用外地僱員的申請的審批標準和否決的理據。
29、司法上訴人希望在維持聘用上述3名本地僱員的同時,再額外聘用多2至3名僱員。
30、遺憾的是,經過司法上訴人自行刊登告示多時,仍是未能成功聘用任何人。
31、誠然,曾經前來應徵的人,均會嫌棄上班時間太早(早上6時30分上班),亦不願意在街市的潮濕環境中工作。
32、面對自己未能成功聘用任何人,故司法上訴人其後於在勞工事務局作出登記,擬招聘2名僱員。
33、然而,一直未有任何人來應徵。之後,於2014年12月3日,司法上訴人再次前往在勞工事務局,作出登記,擬招聘3名僱員。─ (見文件12頁)
34、因此,在沒有任何辦法之下,司法上訴人只能退而求其次,向人力資源辦公室申請獲准聘用2名外地僱員。
35、綜上所述,被訴的行政行為沾有絕對不合理地行使自由裁量權的瑕疵,這屬於違法瑕疵。
36、以上提及的三項瑕疵,根據《行政程序法典》第124條的規定,均會導致被訴的行政行為屬於可撤銷的行為
三) 請求:
綜上所述,請求法官 閣下根據所適用的法律規定,裁定本訴訟理由成立,並作出如下裁定:
1) 宣告被訴實體經濟財政司司長作出的被訴的行政行為存在司法上訴人提及的上述三項瑕疵;
只要任一瑕疵成立,則繼而
2) 撤銷被訴的行政行為。
Citado, o Senhor Secretário para a Economia e Finanças contestou pugnando pelo não provimento do recurso.
Não havendo lugar à produção de provas, foram o recorrente e a entidade recorrida notificados para apresentar alegações facultativas.
Não foram apresentadas alegações facultativas.
Em sede de vista final, o Dignº Magistrado do Ministério Público, no seu douto parecer, pugnando pela procedência do recurso.
É tida por assente a seguinte matéria de facto com relevância à decisão do presente recurso:
* A recorrente A, residente permanente da RAEM, dono de um talho da carne de porco;
* Para instalar o seu talho, tomou de arrendamento um lugar no Mercado Provisório do Patane, 1º Andar, nº X;
* Em 20MAIO2014, o recorrente pediu ao Gabinete para os Recursos Humanos (doravante simplesmente designado por GRH) que lhe fosse concedida a autorização para contratar dois trabalhadores não residentes, para trabalhar no seu talho, um como vendedor da carne e outro como cortador da carne;
* Para o efeito, declarou que, até ao mês anterior à entrega do pedido, se encontravam a trabalhar no seu estabelecimento 3 trabalhadores;
* Por despacho do Coordenador Substituto do GRH de 29JUL2014, foi indeferido o pedido – cf. as fls. 45 a 48 dos autos de procedimento administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
* Inconformado com o despacho, o recorrente reclamou para o autor do despacho e interpôs recurso hierárquico para o Secretário para a Economia e Finanças;
* Por despacho do Coordenador Substituto do GRH de 29OUT2014, foi mantido o despacho reclamado;
* Por despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 20NOV2014, exarado sobre a informação 41051/INF/GRH/14, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, foi julgado improcedente o recurso hierárquico;
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.
O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
O processo é o próprio e inexiste nulidades.
Os sujeitos processuais gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade.
Inexistem excepções ou questões prévias que obstam ao conhecimento do mérito do presente recurso.
Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).
Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, ex vi do artº 1º do CPAC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
Em face das conclusões tecidas na petição do recurso, são as seguintes questões que constituem o objecto da nossa apreciação:
1. Da falta de audiência prévia;
2. Do erro dos pressupostos de facto; e
3. Do desvio de poder no exercício de poderes discricionários.
Então vejamos.
1. Da falta de audiência prévia
O recorrente alega que em sede de recurso hierárquico, a entidade ora recorrida manteve a decisão de indeferimento tomada pelo seu subalterno com novos fundamentos, diversos daqueles em que se apoiou a decisão do procedimento de 1º grau.
Assim, defende o recorrente que não tendo sido dada a oportunidade ao recorrente para se pronunciar sobre os novos fundamentos, com base nos quais o Secretário decidiu em sede de recurso hierárquico, o acto recorrido padece do vício de falta de audiência prévia.
Ora, por força do princípio da participação consagrado no artº 10º do CPA, os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disseram respeito, designadamente através da respectiva audiência.
Concretizando este princípio, dispõe o artº 93º do CPA que “concluída a instrução, os interessados têm o direito de ser ouvido no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informado, nomeadamente, sobre o sentido provável desta”.
Trata-se de um direito legalmente conferido aos particulares à participação constitutiva na formação das decisões que lhes dizem respeito, ao qual corresponde o dever da Administração de proporcionar aos particulares a possibilidade de se pronunciarem sobre o objecto do procedimento e associá-los à tarefa de preparar a decisão final.
Todavia, tal como sucede com a maioria dos princípios, senão com todos, por mais sagrados sejam, comportam excepções.
O princípio da participação não pode fugir a esta regra.
Na verdade, a própria lei estabelece dois grupos de excepções ao princípio da participação, retirando aos particulares o seu direito à audiência prévia, quais são o grupo das circunstâncias determinantes da inexistência de audiência dos interessados e o das da dispensa de audiência dos interessados, previstas nos artºs 96º e 97º do CPA.
Dispõem estes dois artigos:
Artigo 96.º (Inexistência de audiência dos interessados)
Não há lugar a audiência dos interessados:
a) Quando a decisão seja urgente;
b) Quando seja razoavelmente de prever que a diligência possa comprometer a execução ou a utilidade da decisão;
c) Quando o número de interessados a ouvir seja de tal forma elevado que a audiência se torne impraticável, devendo nesse caso proceder-se a consulta pública, quando possível, pela forma mais adequada.
Artigo 97.º (Dispensa de audiência dos interessados)
O órgão instrutor pode dispensar a audiência dos interessados nos seguintes casos:
a) Se os interessados já se tiverem pronunciado no procedimento sobre as questões que importem à decisão e sobre as provas produzidas;
b) Se os elementos constantes do procedimento conduzirem a uma decisão favorável aos interessados.
In casu, o procedimento administrativo iniciou-se com o pedido da de autorização para a contratação de dois trabalhadores não residentes.
Portanto, foi a ora recorrente quem formulou o pedido ao abrigo do disposto na Lei nº 21/2009.
Ao desencadear o procedimento administrativo com vista à autorização para a contratação de dois trabalhadores não residentes, o próprio interessado, ora recorrente, fundamentou o seu pedido nas dificuldades de encontrar e contratar trabalhadores residentes interessados em trabalhar em talhos de carnes frescas nos mercados municipais.
Face ao pedido formulado com estes fundamentos, a Administração não se limitou a apreciar e avaliar estes fundamentos para decidir de acordo com o estatuído na lei, tendo ido mais longe.
Pois, compulsados os autos, verificamos que a Administração ouviu o IACM sobre o pedido formulado pelo ora recorrente para a contratação de dois trabalhadores não residentes.
O IACM respondeu mediante o ofício do teor seguinte:
就 貴辦公室第05635/OFI/GRH/12號來函諮詢關於水上街市一樓X及X號承租人X申請輸入外勞一事,本署已曾就街市攤位承租人輸入外勞諮詢社會保障基金意見,然而社會保障基金在回覆本署之諮詢中,未有對自僱者聘用的外勞可登錄其基金進行供款作出明確許可,與本署專業法律人員意見並不銜接;另,政府設立街市、並維持管理及運作,是秉承扶持攤位承租人可在穩定的經營環境中謀生。由於本署對相關部門之回覆存有疑問,有關事宜未清晰前將不作考慮。同時,為避免誤會的產生,謹請 閣下謹慎考慮以上對此事的意見。
E depois, para fundamentar o indeferimento do pedido, o GRH acolheu a parte das razões invocadas pelo IACM, que incompreensivelmente não tinham nada a ver com os fundamentos do pedido deduzidos pelo ora recorrente no seu requerimento inicial para a contratação de trabalhadores não residentes.
Mais concretamente falando o GRH fundamentou o indeferimento no seguinte:
* 根據民政總署之意見 – 政府設立街市、並維持管理及運作,是秉承扶持攤位承租人可在穩定的經營環境中謀生,此外,社會保障基金亦未有對自僱者聘用的外勞可登錄其基金進行供款作出明確許可
* 根據申請人於2013年5月7日在勞工事務局之登聘記錄顯示,就職位“售貨員”,該局備註資料顯示因「薪金低,基本上無法轉介」
* 現有本地人尋找有關工作
建議不批准。
Como a Administração procedeu efectivamente à investigação oficiosa procurando obter outros elementos para a decisão, justifica logo a formalidade de audiência prévia dando oportunidade ao recorrente para se pronunciar sobre estes elementos, obtidos ex oficio, que poderiam vir a ser acolhidos para servir de fundamentos para a decisão em sentido desfavorável à pretensão do recorrente.
De outro modo, a decisão constituiria para com o ora recorrente uma decisão “surpresa”, padecendo do vício de forma da falta de audição prévia.
Foi justamente o que sucedeu.
Pelo que, conduz à preterição da audiência prévia, geradora da anulabilidade, a circunstância de in casu o recorrente não ter sido ouvido, no procedimento administrativo de 1º grau que mediou entre o seu pedido inicial e a decisão do Coordenador substituto do GRH.
Quod abundat non nocet, mesmo que não entenda assim, a decisão tomada no procedimento de 2º grau padece igualmente do vício de falta de audiência prévia.
Ora, compulsados os autos do procedimento administrativo, verificamos que, inconformado com a decisão do procedimento de 1º grau, o interessado, ora recorrente reclamou para o autor do despacho e interpôs recurso hierárquico para o Secretário para a Economia e Finanças.
Não interessando embora a decisão da reclamação por não ser objecto do presente recurso, tanto esta decisão como a decisão do Secretário para a Economia e Finanças foram precedidas de nova investigação oficiosa.
De novo, o GHR oficiou ao IACM para o ouvir acerca da pretensão do ora recorrente para contratar não residentes para trabalhar em talhos nos mercados municipais.
Em resposta, o IACM opinou nos termos seguintes:
就 貴局第34680/LAW/GRH/14號公函之查詢資料,回覆如下:
l. 臨時沙梨頭街市1樓X號攤位承租人A先生,租賃攤位面積是8.33m2,共登記聘請5名本地僱員。
2. 根據1960年制定的《市立市場章程》第二十三條“市場之攤位祇限由正式承租人或其僱傭人員使用,以售賣經申請許可之糧食”,當時所指的僱傭人員沒有本地勞工與外地勞工的概念;但無論如何,街市攤位是嚴禁轉租或分租,目的是讓承租人能以租賃攤位自力更生地謀生。
3. 市政街市由政府建設和管理,日常街市公共地方的設施保養和維修、水、電、清潔、保安和保險等開支,皆為公帑支付;街市攤位內的基本設施(如售賣檯、拆肉檯、水電設施),亦均由政府提供;再者,街市攤位承租人自2005年起獲行政長官豁免租金。基於以上原因,為公帑的合理使用和保障本澳市民的就業機會,意見為在政府優惠政策下經營的街市攤販不應聘請外地勞工。。
4. 倘批准承租人輸入外勞,市民及社會人士可能會認為特區政府政策傾斜,維護街市經營者利益,甚或存在利益輸送之嫌。
以上為本署之意見,謹回覆貴辦公室處理。
E o Secretário acabou por manter a decisão impugnada por via de recurso hierárquico, mas com fundamentos essencialmente diversos.
Essencialmente diversos porque acolheu a parte dessas opiniões emitidas pelo IACM, que é o seguinte:
申請人提交書面解釋仍不足以構成充分的理據支持其申請,就申請人之解釋經再次徵詢民政總署的意見下:“市政街市由政府建設和管理,日常街市公共地方的設施保養和維修、水、電、清潔、保安和保險等開支,皆為公帑支付;街市攤位內的基本設施(如售賣檯、拆肉檯、水電設施),亦均由政府提供;再者,街市攤位承租人自2005年起獲行政長官豁免租金。基於以上原因,為公帑的合理使用和保障本澳市民的就業機會,意見為在政府優惠政策下經營的街市攤販不應聘請外地勞工。”此外,根據民政總署提供的資料,申請人的場所面積是8.33平方米,現時登記聘請5名本地僱員。因此,以其場所之規模及現時聘用僱員的情況,難以容納更多僱員在該場所內工作;以及現有本地人尋找有關工作。
Ora, mais uma vez, foi preterida a audiência prévia.
Pois em relação aos novos elementos obtidos por via de investigação oficiosa, ao interessado nunca foi dada oportunidade para se pronunciar.
Ao manter a decisão graciosamente impugnada com base nesses elementos, novos e completamente diversos daquilo em que se apoiou essa decisão do GRH, a decisão do Secretário para a Economia e Finanças não pode deixar de constituir para com o ora recorrente uma decisão “surpresa”, padecendo do vício de forma da falta de audição prévia.
Em princípio, podemos ficar por aqui, uma vez que a procedência da inovação do vício da falta de audiência prévia já é suficiente para julgar procedente o recurso contencioso de anulação, anulando o acto recorrido.
Todavia, por gosto do exercício académico e para evitar a eventual baixa dos autos para conhecimento dos restantes vícios caso haja recurso da nossa decisão para o TUI e este Venerando Tribunal não entenda assim, é sempre bom e conveniente que passamos a conhecer dos restantes vícios suscitados pelo recorrente.
2. Do erro dos pressupostos de facto
O recorrente entende que a Administração laborou em erro porque considerou, como base para decidir, os factos, para ele errados, de que ele explora o talho só numa área reduzida de 8,33 m², correspondente ao lugar nº X, e nele se encontravam a trabalhar 5 trabalhadores, no primeiro andar do Mercado Provisório do Patane, quando na verdade, o seu talho de carne de porco ocupa dois lugares, que são os nºs X e X e onde se encontravam a trabalhar apenas 3 trabalhadores.
Tratam-se de dois factos relevantes, uma vez que dois dos fundamentos em que se apoiou o acto recorrido são justamente a insuficiência do espaço, consistente numa área de 8,33 m² que tem o lugar nº X, e a circunstância de o requerente ter contratado já 5 trabalhadores a afectar naquele espaço onde pretendia colocar mais dois trabalhadores.
Ora, em relação ao primeiro facto, isto é, o facto de o talho ocupar um lugar com uma área de 8,33 m², não se verifica o tal erro de facto, uma vez que foi o próprio recorrente que mencionou no seu pedido inicial este facto de ocupar o lugar nº X (cf. as fls. 50 dos autos do procedimento administrativo) e só por via do presente recurso contencioso de anulação é que trouxe aos autos o facto de ele afinal ter tomado de arrendamento dois lugares, isto é, os nº X e X, para instalar o seu talho de carne de porco, a onde iria afectar os trabalhadores que pretendia contratar.
Tendo, no momento da decisão, apenas a entidade recorrida presentes os elementos fornecidos pelo interessado com o seu pedido inicial, não podemos censurar a Administração por não ter considerado, para decidir, um facto que naquele momento não conhecia.
Em relação ao segundo facto, isto é, o facto de o requerente ter colocado 5 trabalhadores no talho, temos de concluir que efectivamente se verifica uma discrepância entre o que o requerente, ora recorrente, declarou no seu pedido inicial, e aquilo em que a entidade recorrida fundamentou a sua decisão.
Na verdade, compulsados os autos, verificamos que o requerente, ora recorrente, declarou que, até ao mês anterior à entrega do pedido, se encontravam a trabalhar no seu estabelecimento 3 trabalhadores.
Em sede do procedimento de 1º grau, este facto não era considerado.
Em sede do procedimento de 2º grau, a decisão da entidade recorrida, foi precedida de uma diligência instrutória ex oficio, consistente na audição do IACM. E foi nesta fase que a entidade recorrida trouxe aos autos, através desta diligência, o facto de ali se encontrarem a trabalhar 5 pessoas e que veio justamente a fundamentar nesse facto a decisão em sentido desfavorável ao requerente, sem que tivesse lugar a audição prévia do requerente sobre este novo facto, oficiosamente adquirido.
O que para nós, em vez de por via de erro nos pressupostos de facto, deve de per si conduzir à anulabilidade do acto por via do vício da falta de audição prévia.
Assim, por razões que vimos supra na apreciação da questão de falta de audição prévia, o interesse por parte do ora recorrente em ver o acto anulado fica já suficientemente tutelado, não justificando portanto a configuração de um outro vício autónomo, nesta parte da argumentação.
Assim, procede parcialmente esta parte do recurso.
3. Do desvio de poder no exercício de poderes discricionários
O acto recorrido tem os seguintes fundamentos:
申請人提交書面解釋仍不足以構成充分的理據支持其申請,就申請人之解釋經再次徵詢民政總署的意見下:“市政街市由政府建設和管理,日常街市公共地方的設施保養和維修、水、電、清潔、保安和保險等開支,皆為公帑支付;街市攤位內的基本設施(如售賣檯、拆肉檯、水電設施),亦均由政府提供;再者,街市攤位承租人自2005年起獲行政長官豁免租金。基於以上原因,為公帑的合理使用和保障本澳市民的就業機會,意見為在政府優惠政策下經營的街市攤販不應聘請外地勞工。”此外,根據民政總署提供的資料,申請人的場所面積是8.33平方米,現時登記聘請5名本地僱員。因此,以其場所之規模及現時聘用僱員的情況,難以容納更多僱員在該場所內工作;以及現有本地人尋找有關工作
Um dos fundamentos para o indeferimento consiste justamente na circunstância de o ora recorrente ter beneficiado da isenção das rendas pelo arrendamento do espaço nos mercados municipais.
O recorrente defende que, face ao artº 8º da Lei nº 21/2009 (Lei da contratação de trabalhadores não residentes), esta circunstância não constitui nenhum dos fundamentos para lhe negar a pretensão de contratação de trabalhadores não residentes, e conclui que o despacho recorrido é de total desrazoabilidade, perante a situação em concreto.
Ora, o artº 8º da Lei nº 21/2009 que estabelece os critérios para a concessão da autorização para a contratação dos trabalhadores não residentes reza que:
A autorização de contratação de trabalhadores não residentes depende da verificação do respeito pelos princípios enunciados no artigo 2.º e tem em conta os seguintes factores:
1) A disponibilidade de trabalhadores residentes para o exercício das mesmas funções em condições de igualdade de custos e de eficiência e as diligências efectuadas pelo empregador para os contratar;
2) As necessidades do mercado de trabalho e dos diversos sectores da economia da RAEM;
3) A aptidão física e a adequação da formação e experiência profissionais do trabalhador ao posto de trabalho;
4) As condições de trabalho garantidas ao trabalhador;
5) A capacidade económica do empregador requerente para assegurar o cumprimento das suas obrigações relativamente ao trabalhador.
Com a simples, mesmo diagonal, leitura destes critérios, verificamos logo que nunca pode servir de fundamento para o indeferimento da contratação de trabalhadores não residentes a simples circunstância de interessado ter beneficiado da isenção das rendas pelo arrendamento do espaço nos mercados municipais, a onde pretende afectar os trabalhadores não residentes a contratar.
O recorrente atacou bem o problema, tendo todavia qualificado mal, em termos de nomen júris, o vício de que padece
Pois assacou o vício da total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários ao acto recorrido que, no fundo, padece do desvio de poder.
É verdade que face ao disposto na lei nº 21/2009, considerada no seu todo, à Administração são reconhecidos poderes discricionários na matéria de concessão da autorização da contratação de trabalhadores não residentes.
Como se sabe, no exercício do poder discricionário em que a Administração goza na sua actuação necessariamente uma certa margem de liberdade, ao Tribunal cabe apenas verificar se existe uma correspondência entre os pressupostos de factos legalmente previstos e os factos verificados no caso concreto e a adequação do acto administrativo ao fim legal para que lhe é conferido o poder discricionário, assim como o controlo do respeito pelos princípios gerais da actividade administrativa.
In casu, o que se verificou é justamente a não adequação do acto administrativo ao fim legal para que lhe é conferido o poder discricionário.
Senão vejamos.
Para fundamentar a manutenção do sentido do indeferimento tomado no procedimento de 1º grau, o despacho diz que “市政街市由政府建設和管理,日常街市公共地方的設施保養和維修、水、電、清潔、保安和保險等開支,皆為公帑支付;街市攤位內的基本設施(如售賣檯、拆肉檯、水電設施),亦均由政府提供;再者,街市攤位承租人自2005年起獲行政長官豁免租金。基於以上原因,為公帑的合理使用和保障本澳市民的就業機會,意見為在政府優惠政策下經營的街市攤販不應聘請外地勞工。(ou seja, a construção e a gestão dos mercados municipais, assim como as despesas resultantes da manutenção e reparação dos equipamentos neles instalados, da água, da electricidade, da limpeza, da segurança e dos seguros, são todos suportados pelo erário público; os espaços destinados à instalação de talhos de carnes são proporcionados pela Administração; e os arrendatários começaram a beneficiar da isenção das rendas a partir de 2005 por decisão do Chefe do Executivo. Pelo exposto, em prol do racional aproveitamento do erário público e da protecção dos cidadãos de Macau contra a perda das oportunidades de trabalho, é de opinião que os arrendatários nos mercados municpais, já beneficiários da política que os privilegia não devem contratar trabalhadores não residente).
Tal como vimos supra o disposto no artº 8º da Lei nº 21/2009, os critérios para a concessão da autorização para a contratação de trabalhadores não residentes pretendem-se com a disponibilidade de trabalhadores na RAEM, a necessidade do mercado, a aptidão intelectual e física de pessoa a contratar, as condições de trabalho a oferecer e a capacidade económica do requerente para custear a contratação.
Por sua vez, o artº 2º da mesma lei estabelece os princípios gerais na matéria da mão-de-obra importada, quais são os da complementaridade, temporalidade, não discriminação, igualdade remuneratória, prioridade e sustentabilidade.
Interpretando a contrario os critérios para a concessão da autorização e os princípios gerais que norteiam a concessão da autorização, podemos concluir que a autorização só pode ser negada quando existem em Macau trabalhadores de tipo idêntico ao dos que o particular pretende contratar, quando este tipo de trabalhadores não faz falta no mercado em Macau, quando o trabalhador a contratar não for apto, física e intelectualmente, quando as condições oferecidas pelo requerente não são adequadas e quando a capacidade económica do requerente não for suficiente para custear a contratação dos trabalhadores que pretende importar.
Todos esses critérios visam proteger os trabalhadores residentes, favorecer a economia e o desenvolvimento da RAEM e assegurar aos trabalhadores não residentes as razoáveis condições de trabalho.
Mas nenhum desses visa à protecção do erário público ou tem em vista impedir os arrendatários do espaço nos mercados municipais de beneficiar, ao mesmo tempo, de duas coisas, isto é, da isenção da renda e da obtenção da autorização para a contratação da mão-de-obra importada.
De facto, independente das razões que levaram o Chefe do Executivo a isentar os arrendatários das rendas pelo uso do espaço nos mercados municipais, o certo é que nem o Chefe do Executivo é autorizado, a fixar, por via do acto normativo no exercício do seu poder meramente executivo, mais restrições na matéria da importação da mão-de-obra, para além daquilo que já está definido na lei.
Nem percebemos porque é que quem beneficiar dos privilégios na matéria de taxas de serviço público pode ficar inibido de contratar trabalhadores não residentes.
Ora, ensina o Prof. Freitas do Amaral, que o desvio de poder é o vício que consiste no exercício de um poder discricionário por um motivo principalmente determinante que não condiga com o fim que a lei visou ao conferir tal poder – in Curso do Direito Administrativo, II, pág. 394.
Foi justamente o que sucedeu in casu.
In casu, o fim que a lei visa é proteger os trabalhadores residentes, favorecer a economia e o desenvolvimento da RAEM e assegurar aos trabalhadores não residentes as razoáveis condições de trabalho, mas o motivo determinante da decisão é proteger o erário público e impedir o cidadão de contratar trabalhadores não residentes por este ter sido privilegiado na matéria de taxa de serviço público.
Padecendo assim o acto recorrido do vício do desvio de poder, é de anular.
Procede esta parte do recurso.
Em conclusão:
5. Há preterição da audição prévia, geradora da anulabilidade do acto administrativo, se a prática do acto tiver sido precedida da investigação oficiosa em que se obtiverem novos elementos em que se fundou a decisão em sentido desfavorável ao particular, sem que todavia tenha sido dada oportunidade ao particular para se pronunciar sobre os tais novos elementos;
6. Se no procedimento de 2º grau a Administração pretende manter o sentido da decisão, impugnada por via graciosa, mas com fundamentos diversos daquilo em que se fundou a decisão tomada no procedimento de 1º grau, há que dar oportunidade ao particular interessado para se pronunciar sobre os novos fundamentos, sob pena de preterição da audiência prévia, geradora da anulabilidade do acto;
7. O desvio de poder é o vício que consiste no exercício de um poder discricionário por um motivo principalmente determinante que não condiga com o fim que a lei visou ao conferir tal poder; e
8. Face ao disposto na Lei nº 21/2009, nomeadamente nos artºs 2º e 8º, ao indeferir o pedido de contratação de trabalhadores não residentes com fundamento na protecção do erário público e na prevenção contra duplo-benefício que consiste na isenção da renda pelo uso do espaço nos mercados municipais e na autorização para a contratação de trabalhadores não residentes, a Administração está a decidir com desvio de poder.
Tudo visto, resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência julgar procedente o recurso anulando o acto recorrido do despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 20NOV2014, exarado sobre a informação 41051/INF/GRH/14.
Sem custas pela recorrente.
Registe e notifique.
RAEM, 06OUT2016
Lai Kin Hong
Joao A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
Fui presente
Joaquim de Teixeira Sousa