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Processo nº 559/2016
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 20 de Outubro de 2016

ASSUNTO:
- Providência cautelar
- Objecto do recurso
- Decisão recorrível

SUMÁRIO:
- Uma vez deduzida oposição, a 1ª Requerida deixa de poder recorrer da decisão que decretou a providência comum, somente poder recorrer da decisão que julgou improcedente a oposição.
- É certo que nos termos do nº 2 do artº 333º do CPCM que a decisão da oposição da providência decretada constitui complemento e parte integrante da inicialmente proferida, só que o legislador é claro no sentido de que só cabe recurso da última decisão, e não da primeira.
O Relator,
Ho Wai Neng


Processo nº 559/2016
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 20 de Outubro de 2016
Recorrente: A Limited (1ª Requerida)
Recorrido: B (Requerente)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por sentença de 10/12/2015, foi decretada a providência cautelar comum requerida pelo Requerente B contra a 1ª Requerida A Limited.
Em consequência, a 1ª Requerida deduziu oposição nos termos da al. b) do artº 333º do CPCM.
Por sentença de 16/03/2016, julgou-se improcedente a oposição deduzida, mantendo a providência cautelar decretada.
Inconformada, vem recorrer a 1ª Requerida, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
i. O presente recurso tem por objecto a decisão que julgou procedente o procedimento cautelar formulado contra a requerida, ora recorrente, no sentido de a impedir de:
a) Por si ou por interpostas pessoas praticar quaisquer actos que impliquem a disposição ou oneração do imóvel sito em Macau, no Caminho XX, nº 554 a 668 e Avenida XXX, nº 889, Taipa, descrito sob o nº xxxxx da CRP, nomeadamente que visem a celebração de contratos-promessa de oneração, total ou parcial, dação em pagamento ou quaisquer outros sobre o imóvel ou que por qualquer modo ou título transmitam, total ou parcialmente, a titularidade do referido imóvel, até ao trânsito em julgado da acção principal de que a providência esteja dependente; e
b) Por si ou por interpostas pessoas praticar quaisquer actos que impliquem a diminuição de valor do referido imóvel, até ao trânsito em julgado da acção principal de que a providência esteja dependente.
ii. A pretensão do requerente fundou-se, em suma, na sua invocada qualidade de sócio da Empresa C, Limitada, 2ª requerida nos autos, com uma quota nominal de MOP$1.000,00 do seu capital social, sendo o restante detido pela sociedade D Limited, empresa cuja titularidade de 40.000 acções se encontra a ser disputada judicialmente com E, nos tribunais das Caraíbas Orientais, tendo já uma decisão favorável embora ainda não transitada em julgado.
iii. Mais alegou que no âmbito dessa acção judicial em curso, em 27 de Março de 2014 foi ordenada cautclarmente o impedimento da E e da sociedade D tomarem qualquer deliberação sobre disposição ou orieração do Hotel XX.
iv. Refere ainda o requerente que o Hotel é o único activo valioso da 2ª requerida e que esta avaliado em HKD$3.000.000.000,00 (trés mil milhões de dólares de Hong-Kong).
v. Por outro lado, o requerente adianta que em 5 de Janeiro de 2014, entre a ora recorrente, a Empresa C e a D foi celebrado um contrato de mútuo através do qual a primeira emprestou à 2ª requerida o montante de HKD$1.500.000.00 (mil e quinhentos milhões de dólares de Hong-Kong), tendo a D constituído um penhor sobre as quadro quotas que esta detém da 2ª requerida, a favor da recorrente, mas que a quantia que deu entrada nos seus cofres foi inferior a essa.
vi. Acrescenta ainda que em 22 de Outubro de 2015 a 2ª requerida deu à recorrente o acima citado imóvel, sito em Macau, no Caminho XX, nº 554 a 668 e Avenida XXX, nº 889, Taipa, descrito sob o nº xxxxx da CRP, para pagamento do referido empréstimo, mas que o valor atribuído não corresponde ao valor do empréstimo, nem ao seu valor de mercado, pelo que consistiu num negócio simulado com o propósito de dissipar o único activo da 2ª requerida.
vii. Finalmente alega que pretende evitar que a ora recorrente transmita para terceiros a titularidade desse imóvel, o que lhe causaria prejuízo grave e dificilmente reparável, por supostamente obliterar o próprio direito que pretende salvaguardar na acção principal, tornando-a inútil.
viii. Da factualidade alegada pelo requerente foi considerado não demonstrado que a recorrente estivesse a desenvolver esforços no sentido de alienar o prédio onde está instalado e a funcionar o Hotel XX.
ix. Nos termos do art. 326° do CPC devem verificar-se como requisitos do decretamento do procedimento cautelar comum os seguintes:
a) Probabilidade séria da existência do direito invocado;
b) Fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito - periculum in mora;
c) Adequação da providência à remoção da situação de lesão iminente;
d) Não ser o prejuizo resultante da providência superior ao dano que com ela se pretende evitar e não existência de providência especifica que acautele aquele direito - art. 332°, n° 3, do CPC.
x. Os procedimentos cautelares visam garantir o principio da efectiva tutela judicial, prevenindo a violação de direitos e/ou a assegurar a utilidade da decisão definitiva que os haja reconhecido, an tes mesmo desta ser proferida.
xi. O critério de aferição da existência desse direito não deve assentar em juízos puramente subjectivos - como simples conjecturas -, mas em factos ou em circunstancias concretas, que permitam, de acordo com as regras de experiência, concluir pela probabilidade da sua existência e da necessidade da decisão cautelar.
xii. Ou seja, para que seja legítimo o recurso a este meio conservatório é imperativo que sejam alegados factos que permitam ao juiz aferir de forma indiciária a aparência da existência do direito invocado.
xiii. O requerente afirma que pretende evitar que a recorrente transfira para terceiros a titularidade do imóvel em causa, uma vez que essa transmissão lhe causaria um prejuízo grave e dificilmente reparável e que irá obliterar o próprio direito que se pretende salvaguardar na acção principal.
xiv. Mais afirma que o direito que pretende salvaguardar é o de impugnar o negócio celebrado entre as requeridas, relativo ao prédio acima identificado, por forma a este voltar a integrar a esfera jurídica da Sociedade C.
xv. Para este efeito, o requerente alega que o contrato de dação em cumprimento celebrado entre as requeridas, em 22 de Outubro de 2015, consistiu num negócio simulado, com o propósito de dissipar o património da 2ª requerida.
xvi. A declaração de nulidade do contrato de dação em cumprimento depende se este foi celebrado com simulação absoluta ou não, já que, determina o n° 1, do art. 232°, do CC que, se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado; e o n° 2 que o negócio simulado é nulo.
xvii. Por seu lado, estipula o n° 1, do art. 233°, do CC que, quando sob o negocio simulado exista um outro que as partes quiseram realizar, é aplicável a este o regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem a dissimulação, não sendo a sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado.
xviii. De referir que a dação cm cumprimento - datio in solutum - constitui uma das formas de extinção das obrigações, que consiste na realização de uma prestação diferente da devida com o fim de, mediante acordo do credor, extinguir imediatamente a obrigação - art. 828º do CC - pelo que a sua celebração pressupõe a existência prévia de uma obrigação pecuniária que o devedor pretende cumprir, através de uma prestação diferente da acordada, sempre com a aquiescência do credor.
xix. Assim, para que a dação em cumprimento revista um negocio simulado, é necessário que ou i) não tenha existido o referido empréstimo ou, ainda que tivesse existido, ii) as partes não tivessem intenção de cumprir a prestação e de extinguir a obrigação existen te.
xx. Nos autos ficou indiciariamente provado que o montante declarado no mútuo não corresponderá ao montante efectivamente transferido pela ora recorrente para as contas da 2ª requerida, já que segundo uma das testemunhas foram feitos empréstimos à 2ª requerida na ordem dos HKD$800.000,00 (ponto 20. da decisão recorrida).
xxi. Daqui resulta que é o próprio requerente que admite e o tribunal a qua que reconhece a existência do empréstimo concedido à 2ª requerida, embora aleguem que as verbas transferidas para as suas contas não correspondem ao valor declarado no contrato de mutuo.
xxii. Apesar de não ter analisado os documentos contabilísticos da 2ª requerida, o facto de ter considerado provado que a 2ª requerida se encontra em situação económica difícil é um sinal, para o tribunal a quo, que o montante transferido para as suas contas não terá sido o mesmo referido no empréstimo, conclusão que não se aceita pelo simples facto de se desconhecer se o montante do empréstimo terá servido para a 2ª requerida liquidar outras dívidas vencidas ou para injectar capital na sua tesouraria, com vista ao cumprimento de futuras obrigações. Isto é, o facto de ter sido emprestado dinheiro não resulta necessariamente que este permanecesse na tesouraria desta ou sequer que seria a "cura" para os seus problemas financeiros.
xxiii. Independentemente de se determinar o montante efectivamente transferido para a 2ª requerida, torna-se evidente que não é posta em causa a existência do empréstimo e que a 2ª requerida é devedora da recorrente.
xxiv. Embora não tenha sido alegado e muito menos provado a falta de vontade de ambas as partes no contrato de dação no cumprimento da obrigação, veio o requerente pôr em causa a vontade na celebração do negócio, invocando que foram liquidados juros que não eram devidos, e que o valor atribuído ao imóvel ficou aquém do seu valor de mercado.
xxv. Por seu lado, na decisão cautelar recorrida entendeu-se que devido ao empréstimo concedido pela recorrente à 2ª requerida ser gratuito, não poderia vencer juros e que osjuros cobrados na dação em cumprimento no montante de HKD$108.184.932,00 são "de valor avultadíssimo", o que levou o tribunal a quo a concluir que se trata de "mais uma circunstãncia que revela a intenção da 2ª requerida de passar o imóvel, o mais depressa possível, para a titularidade de terceiros e, dessa forma, esvaziar o interesse patrimonial..." (fls. 239 dos autos).
xxvi. Sucede que, ficou provado que em 5 de Janeiro de 2014 foi celebrado o contrato de mútuo através do qual a recorrida, alegadamente, emprestou à 2ª requerida, o montante de HKD$1.500.000.000,00 (ponto 14 da matéria provada).
xxvii. De acordo com o respectivo contrato junto aos autos - doc. 8 da PI -, o prazo de empréstimo é de um ano, renovável automaticamente se nenhuma das partes denunciar com declaração dirigida à outra parte com a antecedência de 30 dias, pelo que o termo do prazo do empréstimo ocorria, portanto, em 4 de Janeiro de 2015.
xxviii. Na oposição deduzida pela ora recorrente, foi alegado que a 2ª requerida enviou uma carta à 1ª requerida para denunciar o empréstimo - facto que apesar de alegado, não ficou todavia provado, por não ter sido junto aos autos respectivo documento comprovativo.
xxix. Não obstante, para o efeito de apreciação da razoabilidade dos juros cobrados, importa referir que a não renovação do empréstimo em causa motivou o vencimento dejuros de mora a partir da data do termo, i.e. 5 de Janeiro de 2015, à taxa legal de 9,75%, até ao reembolso integral da quantia mutuada.
xxx. Entre 5 de Janeiro de 2015 e a data da dação do imóvel, em 22 de Outubro de 2015, decorreram cerca de 9 meses e meio, periodo durante o qual, aplicando a taxa de juros legal, venceram juros de HKD$115.800.000,00, valor, esse que é superior até aos juros mencionados na escritura pública de dação em cumprimento.
xxxi. Daqui se conclui que o montante dos juros aplicados na escritura pública de dação em pagamento não são, portanto, "de valor avultadíssimo", e nem se poderá concluir pela intenção da 2ª requerida de passar o imóvel para a titularidade de terceiros a fim de esvaziar o património.
xxxii. Considerou-se ainda provado na decisão cautelar que o imóvel teria um valor de mercado de cerca de HKD$3.000.000.000,00 (ponto 24. da decisão recorrida) - matéria que desde já se impugna no presente recurso, para todos os efeitos legais - e que tal é muito superior ao valor atribuido na dação em cumprimento.
xxxiii. Ora, a avaliação mencionada nas acções judiciais que pendem nos tribunais das BVI e no estudo/parecer encomendado pelo requerente e junto com a sua PI sob o n° 13, refere-se ao Hotel XX, e não do imóvel em "paredes nuas".
xxxiv. De facto, pode-se ler no referido documento junto com a PI que a avaliação efectuada abrange não apenas o edifício onde se situa o hotel, mas também os activos e as receitas do próprio hotel, bem como do casino que este opera.
xxxv. Naturalmente que a determinação do valor do hotel tem em linha de conta não só os seus activos tangíveis, como o seu mobiliário, mas também os seus activos intangíveis, como o prestígio, o valor da marca, da carteira de clientes e da boa relação com os mesmos e com os funcionários, etc., motivo pelo qual o seu valor é significativamente superior ao do edifício onde este se encontra integrado.
xxxvi. Não pode ser confundido, portanto, o valor do imóvel considerado singularmente - como foi o que sucedeu na dação em cumprimento -, com o valor desse imóvel e do hotel nele inserido, dado que se tratam de bens e realidades totalmente diferentes e com valores obviamente distintos.
xxxvii. Por tudo isto, os factos alegados pelo requerente e dados como provados não conduzem à invocada simulação absoluta e como tal não se compactuam com a invocação do direito de anulação da dação em cumprimento, tendo em conta que os mesmos não são de índole a obter tal efeito pretendido, visto que poder-se-à quanto muito considerar a possibilidade de existência de um negócio em simulação relativa, nos termos previstos no art. 233°, nº 1, do CC.
xxxviii. Não foram, portanto alegados ou sequer provados factos que permitam aferir de forma indiciária a aparência da existência do direito invocado, estando assim irremediavelmente posta em causa a necessária probabilidade de procedência da acção principal.
xxxix. Alegou o requerente que o valor do imóvel em causa equivale HKD$3.000.000.000,00 e os prejuízos que pretende evitar com a alienação mesmo correspondem a MOP$10.774.839 (vide art. 56° da PI).
xl. No que se refere aos danos causados pela alienação do imóvel que o requerente poderia sofrer na qualidade de sócio da 2ª requerida - da qual é titular de uma quota de MOP$1.000,00 -, e admitindo-se por mero exercício de raciocínío, que o imóvel tenha um valor de HKD$3.000.000.000,00, os prejuízos do requerente não são superiores a HKD$199.998,00 (HKD$3.000.000.000,00 x 1.000,00/15.000.000,00 = HKD$199.998,00).
xli. Quanto aos danos que o requerente poderia sofrer na qualidade de sócio da D Limited, nada há nos autos que possa indicar quanto é que as ditas 40.000 acções disputadas representam no capital social da referida D Limited, sendo um facto que nos tribunais das BVI não é mencionado a esse respeito.
xlii. Não tendo sido demonstrado, nem alegado, qual é a representação no capital social da D que se encontra em disputa, não pode o tribunal determina-lo oficiosamente, sob pena de violar o Principio do Dispositivo previsto no art. 5° do CPC.
xliii. Não obstante, na parte da fundamentação da decisão recorrida, vem referido que as 40.000 acções representativas da D Limited, objecto da disputa nos tribunais das BVI, correspondem a 80% do seu capital social.
xliv. Uma vez que nos presentes autos não existe matéria de facto provada que nos permite fixar a percentagem que as 40.000 acções em causa representam no capital social da D, não é possivel determinar os danos que que o requerente pudesse vir a sofrer com a alienação do imóvel, por via da sua eventual titularidade sobre a D Limited.
xlv. Nos procedimentos cautelares é essencial a fixação dos danos que se pretendem evitar, caso contrário, seria impossível apreciar a razoabilidade da providência em função dos mesmos, tal como se impõe o artigo 332°, nº 2 do CPC.
xlvi. De facto, "não é de decretar a providência cautelar não especificada caso não se tenha determinado o montante minimamente aproximado do prejuízo causado ao requerente e nem sequer se tal prejuízo é ou não superior ao interesse prosseguido pelo requerido".
xlvii. Perante a matéria de facto alegada e provada na decisão recorrida, é forçoso concluir que não é determinável o prejuízo que poderia causar ao requerente enquanto sócio da D Limited, pelo que o mesmo não deve ser tido em conta para o efeito de decretamento da providência.
xlviii. Ou seja, apenas pode ser levado em consideração o prejuízo que o requerente poderia sofrer enquanto socio da 2ª requerida, prejuízo esse, como vimos supra, corresponde, no máximo, apenas a HKD$199.998,00.
xlix. O valor do imóvel cm causa, aplicando quer o valor alegado pelo requerente de HKD$3.000.000.000,00, quer o valor constante da escritura pública de dação em pagamento de HKD$1.656.430.480, é sempre largamente superior ao dano que o requerente poderia sofrer, que corresponde, no máximo, apenas a HKD$199.998,00, pelo que, a providencia deve ser recusada nos termos do arl. 332°, nº 2, do CPC.
l. O requerente sustenta que tem conhecimento que a recorrida tem feito diligências no sentido de alienar ou onerar o imóvel, por forma a evitar uma acção judicial por parte do requerente com vista à anulação da dação em cumprimento.
li. Para que a providência seja decretada é necessário que exista um risco serío e eminente de o direito do requerente vir a ser violado, ou por outras palavras, carece de provar que a recorrente esteja a preparar a venda do imóvel a terceiros e que haja probabilidade séria de esta vir a ocorrer em breve.
lii. Acresce que, para comprovar o justo receio da perda do direito acautelado não basta um receio subjectivo do requerente, baseado em meras conjecturas, dado que para ser justificado, é necessário assentar em factos concretos que o revelem, à luz de uma prudente apreciação.
liii. Acontece que, o tribunal a quo deu como não provado que a recorrida tem feito diligências no sentido de alienar ou onerar o imóvel, o que, salvo melhor opinião, afasta liminarmente o periculum in mora invocado pelo requerente e pelo tribunal na sua decisão.
liv. No entanto, na decisáo proferida entendeu-se que por a recorrente ter colaborado com a 2ª requerida na dissipação do imóvel do seu património, se encontra evidenciado o perigo de o vir a fazer de novo, passando o imóvel para outras mãos.
lv. Sustentando essa tese, o tribunal a quo considerou que a recorrente estava plenamente ciente que o requerente e a E estavam a disputar o controlo directo da sociedade D e, por essa via, o controlo da 2ª requerida, pelo menos aquando do registo de penhor das quotas tituladas pela D, dado que nessa data já estavam registadas várias acções judiciais que pressupunham essa disputa.
lvi. Sucede que, as acções que se encontram registadas sobre a 2ª requerida, anteriormente ao penhor das quotas não são de forma a poder pressupor a disputa da titularidade sobre as acções de uma outra sociedade, designadamente da D Limited e muito menos que a recorrente estivesse em vias de alienar ou onerar o imóvel em apreço.
lvii. De qualquer forma, tais factos não são suficientes para justificar o periculum in mora, e que como tal, não se pode considerar verificado.
lviii. De tudo o acima exposto, verifica-se que o requerente não detém, sequer forma indiciária ou aparência da existência do direito invocado, além de incxistirem fundamentos para o receio de lesão irremediável do requerente, pelo que não se encontram portanto reunidos os pressupostos necessários para decretar a providência cautelar.
*
O Requerente da providência, B, respondeu à motivação do recurso da 1ª Requerida, nos termos constantes a fls. 442 a 447 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
*
Foram colhidos os vistos legais.
*
II – Factos
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
1. O Requerente é sócio da 2ª Requerida, Empresa C, Limitada, nela detendo uma quota no valor nominal de MOP1.000,00 (mil patacas), conforme certidão emitida pela Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis junta a fls. 25 a 64 dos autos.
2. Sendo o restante capital social da 2ª Requerida detido pela sociedade D Limited, sociedade comercial com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, com uma participação equivalente a 99,9933%.
3. A 1.ª Requerida adquiriu, através de escritura pública de dação em cumprimento celebrada com a 2ª Requerida, um imóvel sito em Macau, no Caminho XX, n.º 554 a 668 e Avenida XXX, n.º 889, Taipa, descrito sob o número xxxxx da Conservatória do Registo Predial de Macau conforme certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial de Macau junta a fls.197 a 221 dos autos.
4. O Requerente e E ou EE ou EEE disputam a titularidade de quarenta mil acções que se encontram registadas em nome desta última na sociedade D Limited, sócia maioritária da 2.ª Requerida.
5. Essa disputa é o objecto de uma acção judicial que corre os seus termos junto do Tribunal de Apelação do Supremo Tribunal das Caraíbas Orientais, a qual se encontra presentemente em fase de recurso, sob o processo n.º BVIHCMAP 2013/xxxx.
6. Aquele Tribunal de Apelação considerou que a referida E detém as quarenta mil acções da D Limited em representação (trust) do ora Requerente, tendo ainda ordenado àquela, entre outras medidas, transmitir as referidas quarenta mil acções de volta para o Requerente.
7. Como dependência da acção principal referida em 5º, o Requerente intentou um procedimento cautelar contra a D Limited e a E, junto do citado Tribunal de Apelação, com o intuito de salvaguardar os interesses patrimoniais que a D Limited possui na Empresa C, Limitada, por via da titularidade de 99,9933% do seu capital social.
8. Esse procedimento cautelar correu termos sob a referência BVIHCMAP2013/xxxx, tendo sido proferida decisão, a 27 de Março de 2014, nos seguintes termos:
  “Notificação Penal
  Caso você D Limited não cumprir com os termos desta decisão, poderão ser iniciados procedimentos contra si por desobediência ao tribunal e os seus representantes poderão ser presos ou receber uma ordem de arresto relativamente aos seus bens;
  Caso você E deixar de cumprir com os termos desta decisão, poderão ser iniciados procedimentos contra si por desobediência ao tribunal e poderá ficar sujeita a ser presa ou receber uma ordem de arresto relativamente aos seus bens;
  Na sequência da petição apresentada por B (o Apelante) nestes autos a 13 de Fevereiro de 2014, e da audiência realizada a 27 de Março de 2014;
  E após leitura da prova produzida pelas partes;
  E tendo em consideração os requerimentos apresentados pelo Apelante e pela 2.ª Requerida;
  E de acordo com os compromissos assumidos pelo Requerente no Anexo A desta decisão;
  É ordenado o seguinte:
  Providência cautelar:
  Até ordem em contrário, a 1.ª Requerida não poderá praticar actos que de qualquer modo possam:
causar ou viabilizar directa ou indirectamente a transferência ou disposição da totalidade ou de parte das suas participações sociais na Empresa C Limitada (Empresa) a qualquer terceiro, incluindo qualquer entidade relacionada, quer economicamente ou juridicamente ou ambos;
  causar ou viabilizar directa ou indirectamente a transferência ou disposição da totalidade ou parte das suas participações sociais na Empresa a qualquer terceiro, incluindo qualquer entidade relacionada, quer economicamente ou juridicamente ou ambos;
  causar que seja reconhecido ou registado junto do Registo Comercial da Empresa qualquer alteração na titularidade das participações sociais da mesma ou transferência de toda ou parte da titularidade da 1.ª Requerida nas participações sociais da Empresa;
  exercer quaisquer direitos de voto ou aprovar qualquer deliberação na sua qualidade de sócia e/ou administradora da Empresa, para a aprovação da venda do XX Hotel, Macau (o Hotel); e/ou
  diminuir o valor da totalidade das participações sociais na 1.ª Requerida e/ou Empresa.
  Até ordem em contrário, a 2.ª Requerida não poderá praticar actos que possam:
  por qualquer forma causar ou viabilizar, directa ou indirectamente, a transferência ou disposição da totalidade ou parte das participações sociais da 1.ª Requerida na Empresa, e/ou das suas próprias participações sociais na Empresa, a favor de terceiro, incluindo qualquer entidade relacionada, quer economicamente ou juridicamente ou ambos;
  por qualquer forma causar seja reconhecido ou registado junto do Registo Comercial da Empresa qualquer alteração na titularidade das participações sociais da mesma ou transferência de toda ou parte da titularidade da 1.ª Requerida nas participações sociais da Empresa;
  exercer quaisquer direitos de voto ou aprovar qualquer deliberação na sua qualidade de sócia e/ou administradora da Empresa, para a aprovação da venda do Hotel;
  por qualquer forma causar a venda do Hotel, quer por via de terceiro, agente ou procurador com poderes, ou por qualquer outra forma;
  exercer quaisquer direitos de voto ou aprovar deliberações na sua qualidade de accionista e/ou administradora da 1.ª Requerida, para a aprovação da venda das participações sociais da 1.ª Requerida na Empresa, quer nos termos do artigo 175 da Lei das Sociedades Comerciais de 2004 ou por qualquer outra forma; e diminuir o valor das participações sociais na 1.ª Requerida e/ou Empresa.
  Os Requeridos são livres de requererem ao Tribunal para alterar ou revogar esta decisão; (...)”.
9. Esta decisão, por não ter sido alvo de recurso, transitou em julgado a 21 de Abril de 2014.
10. Com vista a rever e confirmar a decisão referida no artigo anterior, o Requerente intentou junto do Tribunal de Segunda Instância uma Acção Especial de Revisão e Confirmação de Sentença Proferida por Tribunal Exterior de Macau, a 05 de Outubro de 2015, que corre termos sob o n.º 859/2015.
11. O Requerente, com receio de que a D Limited e a E diminuíssem ou dissipassem o património da 2ª Requerida, intentou, em 12 de Outubro de 2015 um Procedimento Cautelar não Especificado, que correu termos no Tribunal Judicial de Base sob o n.º de processo CV2-15-0013-CPV e cuja sentença decretada em 28 de Outubro de 2015, reproduz ipsis verbis a do Tribunal de Apelação oportunamente transcrita em 8.
12. O Requerente promoveu o registo da referida decisão nas Conservatórias dos Registos Comercial e de Bens Móveis e do Registo Predial no dia 29 de Outubro de 2015.
13. Já constava do registo comercial da 2ª Requerida o registo de uma acção de Revisão e Confirmação de Sentença Estrangeira idêntica à referida em 10.
14. Em 05 de Janeiro de 2014, as Requeridas e a D Limited celebraram um contrato de mútuo através do qual a 1ª Requerida, alegadamente, emprestou à 2ª Requerida o montante de HKD1.500.000.000,00 (mil e quinhentos milhões de dólares de Hong Kong), tendo a D Limited constituído um penhor das quatro quotas que detém na 2ª Requerida a favor da 1ª Requerida.
15. A 11 de Junho de 2014, a 1ª Requerida declarou que o mútuo no montante de HKD1.500.000.000,00 não vencia juros.
16. A 22 de Outubro de 2015, as Requeridas outorgaram a escritura de dação em cumprimento, referida em 3, nos termos da qual a 2ª Requerida aceitou transferir para a 1ª Requerida o imóvel, tendo o valor do mesmo sido fixado pelas partes no montante idêntico ao valor do mútuo, acrescido dos juros vencidos, i.e., no montante de HKD1.608.184.932,00 (mil seiscentos e oito milhões cento e oitenta e quatro mil novecentos e trinta e dois dólares de Hong Kong.
17. Conjuntamente com a escritura de dação em cumprimento, foram arquivados pelo Notário que deu fé pública ao contrato, entre outros, (1) uma acta do Conselho de Administração da 1ª Requerida, que terá tido lugar em dia incerto do mês de Abril de 2015, aceitando a transferência, por parte da 2ª Requerida, do imóvel, tendo designado o Sr. F como representante autorizado a celebrar os documentos necessários para a efectivação da referida transferência; (2) Uma procuração de 19 de Outubro de 2015 assinada pelo gerente-geral da 2ª Requerida, Sr. G, conferindo poderes ao Sr. H para, nomeadamente, assinar todos os documentos necessários, com vista à transferência do imóvel, a favor da 1ª Requerida, bem como (3) uma acta da Assembleia Geral extraordinária da 2ª Requerida, datada de 16 de Novembro de 2015, à qual apenas compareceu o Sr. H, na qualidade de representante da D Limited, tendo ratificado a escritura de dação em cumprimento celebrada no dia 22 de Outubro de 2015, conferindo a ele próprio poderes para gerir o hotel que opera no imóvel e, bem assim, uma série de outros poderes de gerência do referido hotel.
18. A decisão de intentar o procedimento cautelar aludido em 11 fundou-se, também, no receio de que a transferência do imóvel tivesse lugar depois de 31 de Outubro 2015, data em que teria lugar uma Assembleia Geral da 2ª Requerida.
19. A transmissão do imóvel que pertencia à 2ª Requerida a favor da 1ª Requerida teve o propósito de dissipar o único activo da 2ª Requerida.
20. O montante declarado no mútuo não corresponderá ao montante efectivamente transferido pela 1ª Requerida para as contas da 2ª Requerida.
21. A 2ª Requerida continua numa situação financeira difícil, com dívidas de vária ordem.
22. A 2ª Requerida não tem capacidade financeira para pagar os seus numerosos credores, inclusive para assegurar o pagamento dos seus trabalhadores.
23. Não obstante aquilo que foi declarado pela 1ª Requerida a dação em cumprimento refere que ao montante em dívida acresceram juros.
24. O imóvel objecto da dação em cumprimento tem um valor de mercado de cerca de 3 biliões de dólares de Hong-Kong.
25. A 2ª Requerida e a D Limited tinham conhecimento da decisão proferida pelo Tribunal de Apelação das Caraíbas Orientais das BVI que impedia a D Limited de praticar actos de disposição do imóvel propriedade da 2ª Requerida.
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III – Fundamentação
No caso em apreço, a 1ª Requerida (Recorrente) indicou de forma expressa na sua motivação do recurso que “O presente recurso tem por objecto a decisão que julgou procedente o procedimento cautelar formulado contra a requerida, ora recorrente, no sentido de a impedir de:
a) Por si ou por interpostas pessoas praticar quaisquer actos que impliquem a disposição ou oneração do imóvel sito em Macau, no Caminho XX, nº 554 a 668 e Avenida XXX, nº 889, Taipa, descrito sob o nº xxxxx da CRP, nomeadamente que visem a celebração de contratos-promessa de oneração, total ou parcial, dação em pagamento ou quaisquer outros sobre o imóvel ou que por qualquer modo ou título transmitam, total ou parcialmente, a titularidade do referido imóvel, até ao trânsito em julgado da acção principal de que a providência esteja dependente; e
b) Por si ou por interpostas pessoas praticar quaisquer actos que impliquem a diminuição de valor do referido imóvel, até ao trânsito em julgado da acção principal de que a providência esteja dependente.”
Requereu no final que fosse revogada a decisão recorrida e substituída por outra que julga improcedente a providência cautelar requerida.
Por outro lado, também resulta de forma clara das conclusões do recurso que os fundamentos do recurso consistem em impugnar a decisão que decretou a providência cautelar comum (sentença de 10/12/2015), e não a decisão que julgou improcedente a oposição (sentença de 16/03/2016).
Ou seja, não alegou qualquer fundamento para impugnar a decisão que julgou improcedente a oposição.
Além disso, no penúltimo parágrafo da página 11 da motivação do recurso (fls. 415 dos autos), a Recorrente ao dizer que impugnava a matéria provada no sentido de que “o imóvel teria um valor de mercado de cerca de HKD3.000.000.000,00” fez referência ao “ponto 24 da decisão recorrida”.
Ora só a sentença de 10/12/2015 é que tem o tal ponto 24 em referência.
Tudo isto aponta sem qualquer margem de dúvida de que o objecto do presente recurso é a sentença de 10/12/2015 e não a de 16/03/2016.
Dispõe o artº 333º do CPCM o seguinte:
1. Quando não tiver sido ouvido antes do decretamento da providência, o requerido pode, em alternativa, na sequência da notificação prevista no n.º 5 do artigo 330.º:
a) Recorrer, nos termos gerais, do despacho que a decretou, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida;
b) Deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou fazer uso de meios de prova não considerados pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução, aplicando-se, com as adaptações necessárias, o disposto nos artigos 331.º e 332.º
2. No caso a que se refere a alínea b) do número anterior, o juiz decide da manutenção, redução ou revogação da providência anteriormente decretada, cabendo recurso desta decisão, que constitui complemento e parte integrante da inicialmente proferida.
Como se vê, uma vez deduzida oposição, a 1ª Requerida deixa de poder recorrer da decisão que decretou a providência comum, somente poder recorrer da decisão que julgou improcedente a oposição, que não é o caso.
É certo que nos termos do nº 2 do artº 333º do CPCM que a decisão da oposição da providência decretada constitui complemento e parte integrante da inicialmente proferida, só que o legislador é claro no sentido de que só cabe recurso da última decisão, e não da primeira.
Nesta conformidade, há-de rejeitar o presente recurso.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em rejeitar o recurso.
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Custas em ambas as instâncias pela 1ª Requerida.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 20 de Outubro de 2016.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong




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559/2016