Proc. nº 546/2016
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 20 de Outubro de 2016
Descritores:
-Processo laboral
-Revelia operante
-Falta de contestação
-Reconhecimento dos factos
-Efeito cominatório semi-pleno
SUMÁRIO:
I. De acordo com o disposto no art. 32º, nº1, do Código de Processo de Trabalho, aliás em linha com o disposto no art. 405º, nº1, do CPC, se o réu não deduzir contestação consideram-se reconhecidos os factos articulados pelo autor.
II. O “reconhecimento” dos factos, em lugar da designação anterior “confissão dos factos”, visa afastar o perigo de uma confissão pura em situações em que ela é inoperante ou impossível (cfr. art. 406º, do CPC e 347º do CC).
III. Assim, o “reconhecimento” dos factos previsto no art. 32º, nº1, da Lei nº 9/2003, que aprovou o Código de Processo de Trabalho, bem como no art. 405º, nº 1, do CPC, sendo uma noção lata, implicará que o juiz, depois da primeira tarefa, que é a de julgar reconhecidos os factos, proceda ao exercício de apuramento e discriminação/especificação daqueles que realmente se devem considerar confessados.
IV. O juiz só pode dispensar a discriminação dos factos se a causa (factos e direito) se revelar de manifesta simplicidade, podendo, então, passar por cima da fundamentação e ir directamente para a parte dispositiva ou decisória nos termos do nº2 do art. 32º do CPT.
V. Não se verificando o caso do nº2, do art. 32º referido, dentro dos factos reconhecidos, o juiz, sob pena de nulidade da sentença (art. 571º, nº1, al. b), do CPC) não pode deixar de individualizar os factos que considera provados por confissão, a fim de posteriormente julgar a causa conforme for de direito.
Proc. nº 546/2016
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I – Relatório
A, casado, de nacionalidade nepalesa, residente no XX, em XX Road, XX, XX, NXX4 3XX, portador do Passaporte Nepales n.º 08XXXXX2, emitido pelas autoridades competentes do Nepal, instaurou no TJB (Proc. nº LB1-16-0034-LAC) contra: ---
1- B, SARL, com sede na Avenida de XX, XX, XX.º andar, Macau; e ---
2- C LIMITADA, com sede na Avenida de XX n.º XX. XX.ª andar, freguesia da Sé, Macau,---
Acção declarativa sob a forma de processo comum laboral, ---
Pedindo que: ---
- A primeira ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de MOP$360.420,00, acrescida dos juros legais até efectivo e integral pagamento, além do montante correspondente às bonificações ou remunerações adicionais, incluindo gorjetas que a Ré pagou aos operários residentes, a liquidar em execução de sentença, ---
- E que a segunda fosse condenada a pagar-lhe a quantia de MOP 18.000,00, acrescida dos juros legais até efectivo e integral pagamento, com os fundamentos que melhor se colhem da sua petição inicial e aqui damos por integralmente reproduzidos.
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Oportunamente, o autor desistiu do pedido em relação à segunda demandada.
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A ré, B, não apresentou contestação.
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Foi, então, lavrado o despacho saneador, no qual se julgaram confessados os factos articulados pelo autor, em consequência do que, por o juiz do processo entender que a causa se revestia de manifesta simplicidade, foi imediatamente a ré condenada a pagar ao autor a quantia de MOP$ 360.420,00, acrescida dos juros legais até efectivo e integral pagamento, além do montante correspondente às bonificações ou remunerações adicionais, incluindo gorjetas que a Ré pagou aos operários residentes, a liquidar em execução de sentença.
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Contra esta decisão recorreu a B, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
«I - Vem o presente recurso interposto da douta Sentença proferida pelo douto Tribunal a quo a fls. 84 e segs. dos presentes autos, que julgou totalmente procedente a acção e, em consequência, condenou a ora Recorrente a pagar ao Recorrido a quantia de MOP$360,420.00 (trezentas e sessenta mil, quatrocentas e vinte patacas), acrescida de juros legais até efectivo e integral pagamento, além do montante correspondente às bonificações ou remunerações adicionais, incluindo gorjetas, que a ré/Recorrente pagou aos residentes locais a liquidar em execução de sentença.
II - A Recorrente não se conforma com a decisão assim proferida pelo douto Tribunal de Primeira Instância, estando em crer que a mesma padece do vício de Nulidade decorrente da não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, do vício de erro de julgamento da matéria de facto e do vício de erro na aplicação do direito.
III - O douto Tribunal a quo considerou confessados todos os factos articulados pelo Autor na petição inicial, por força do disposto no artigo 32º, nº I do Código de Processo de Trabalho (de ora em diante designado como CPT), uma vez que decorrido o prazo para contestar, nenhuma contestação foi apresentada pela Ré, ora Recorrente, considerando ainda o Douto Tribunal que, nos termos do disposto no artigo 32º nº 2 do CPT, uma vez que a causa se reveste de manifesta simplicidade, os factos confessados têm a virtualidade de conduzir à procedência da acção, nos termos e com os fundamentos jurídicos avançados pelo Autor na Petição Inicial.
IV - Porém, entende a Recorrente que se impunha ao Tribunal a quo um dever de qualificar a simplicidade da causa, pois tratando-se a aplicação do nº 2 do art. 32º do CPT de um regime excepcional que permite ao julgador abreviar e sumarizar a sua decisão, entendemos que não está o Tribunal a quo isento de fundamentar aquilo que é o pressuposto essencial da aplicação dessa norma, ou seja, a qualificação da simplicidade da causa, ou se preferirmos, a inexistência da complexidade.
V - Aliás e quanto a esta matéria o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa de 2/07/2016 (www.dgsi.pt), diz-nos que: “Ora, se é certo que o n.º 2 do art.º 57.º do CPT não obriga, nos casos aí contemplados, à enumeração dos factos dados como provados por confissão ou documento, também é seguro que estabelece um critério exigente, um crivo estreito que constitui o pressuposto base, a verdadeira pedra de toque da aplicação de tal regime excepcional e por onde o julgador deve necessariamente fazer passar as acções laborais comuns não contestadas: a qualificada simplicidade (ou a inexistente complexidade, numa perspectiva negativa de tal exigência legal) das questões de facto e direito suscitadas na acção.” (Sendo que o referido artigo 57º nº 2 do CPT português corresponde na integra ao artigo 32º nº 1 do CPT de Macau) e o Tribunal a quo nada diz relativamente a esta matéria e por isso cremos que nesta parte a sentença incorreu em absoluta falta de fundamentação, o que a toma nula nos termos do disposto no art. 571º, n. 1, al. b) do CPC, que desde já se invoca.
VI - Por outro lado, e atentos os factos alegados pelo Autor e que se deram por confessados, e atentas as respectivas questões jurídicas que tais factos levantam, a presente demanda não se reveste de manifesta simplicidade, bem pelo contrário a causa mostra-se complexa, não se tratando de um simples litígio laboral que permita ao Juiz, face aos factos assentes, proferir uma sentença de preceito já que é sabido que as questões jurídicas levantadas pelos factos alegados pelo Autor não são lineares, nem a aplicação do Direito se mostra consensual na nossa jurisprudência, sendo por demais conhecidas as diversas posições assumidas quer pelos tribunais de primeira instância, quer pelos tribunais superiores da RAEM, nas questões aqui em discussão.
VII - Veja-se por exemplo, no que concerne ao cálculo do trabalho prestado nos dias de descanso semanal, onde relativamente a esta matéria há várias interpretações, ou seja existe a interpretação segundo a qual o trabalhador tem direito a receber o dobro da retribuição normal para além do salário em singelo e do dia de descanso compensatório - como é o caso do Acórdão do Tribunal de Segunda Instancia de 03/03/2016, Proc. nº 42/2016) e uma outra interpretação de que tendo o trabalhador já recebido o salário normal correspondente ao trabalho prestado nos dias de descanso semanal, só terá então direito a receber outro tanto, e não em dobro, porquanto o trabalhador já foi pago em singelo - cfr. Acórdão do Tribunal de Última Instancia de 21/09/2007, Proc. nº 28/2007, e voto de vencido vertido no supra citado Ac. do TSI nº 42/2016;
VIII - Bem como existem diferentes interpretações também no cálculo do trabalho prestado em dias de feriado obrigatório tais como o entendimento de que a remuneração do trabalho efectivamente prestado (um dia de salário), mais um acréscimo em dobro (mais dois dias), tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário. - como é o caso do Acórdão do Tribunal de Segunda Instancia de 22/11/2012, Proc. nº 726/2012) e o entendimento que tendo o trabalhador sido remunerado em singelo pelo trabalho prestado em dia de feriado obrigatório, o mesmo só terá direito a auferir o dobro da sua retribuição - cfr. Acórdão do Tribunal de Última Instancia de 21/09/2007, Proc. nº 28/2007 e só essa diferente visão jurídica destas matérias e a existência de decisões judiciais distintas relativas às mesmas são reveladoras da complexidade da causa, não sendo assim aplicável o regime excepcional do art. 32º, nº 2 do CPT carecendo - se aqui que o Douto Tribunal fundamentasse conforme de Direito todos os pedidos e direitos reclamados pelo Autor.
XIX - Mas ainda que se tratasse de uma causa de manifesta simplicidade, ainda assim se impunha ao Tribunal a quo a enumeração dos factos dados como provados por confissão e a menção dos documentos juntos aos autos que suportam essa decisão, já que só assim os intervenientes processuais poderão saber com rigor qual a factual idade que suportou a sentença e só através da discriminação dos factos assentes poderão os tribunais superiores perceber o âmbito da factualidade para efeitos de apreciação da decisão em sede de recurso, não só em relação à decisão sobre a matéria de facto como à aplicação do direito.
X - Veja-se nesse sentido, e também a título de Direito Comparado, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20/05/2004, Proc. nº 697/04 (in www.dgsi.pt): “A causa, não obstante, tem de ser julgada conforme for de direito. A imediata cominação, para a revelia do R., traduz-se apenas e imediatamente ao nível da matéria de facto: consideram-se confessados os factos articulados pelo autor. Mas quais são esses factos? Independentemente de nem toda a matéria de facto alegada na P.I. assumir, de forma categórica e incondicional, essa natureza - o que impõe naturalmente uma prévia selecção, com vista à subsequente implementação do raciocínio subsuntivo e solução jurídica, no mínimo em termos do clássico silogismo judiciário - não pode ignorar-se a disciplina decorrente do art. 659º/2 do C.P.C., que manda discriminar os factos que o juiz considera provados. Só depois de elencados os factos que se consideram assentes, dentre os articulados e ante a confissão ficta do réu, é que pode julgar-se a causa conforme for de direito... e este julgamento impõe a respectiva fundamentação de facto. Acrescem, além disso, as razões determinantes de que só dessa forma é possível sindicar tal decisão, em sede de recurso, ainda que a matéria de facto não tenha sido impugnada (cfr. art. 712º do C.P.C.), bem como proceder à aplicação da regra da substituição do Tribunal recorrido, sendo caso disso, (cfr. art. 715º do mesmo C.P.C.), não devendo negligenciar-se – “last but not the least” - que o réu revel, como bem lembra Abílio Neto, (C.P.T. Anotado, 3ª Edição, 2002, pg. 144), continua a ser afinal o destinatário da decisão e deve saber quais os factos tidos por relevantes e que estiveram na base da sua condenação.”
XI - E como se defende no Acórdão da Relação de Lisboa de 10/10/2012, Proc. nº 1043/2011.4 (in www.dgsi.pt): “E cumpre salientar que, a nosso ver, a norma aplicável contemplada no CPT não consagra um efeito cominatório pleno, mas semi - pleno. A não ser assim, não se reputariam confessados os factos articulados pelo empregador, sendo logo proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito. É que na primeira hipótese a lei teria de contemplar a condenação pura e simples no pedido...
Ora não foi por essa via que o legislador enveredou, tal como decorre da letra da lei. Esgrimir-se-á ainda com o disposto no artigo 659º, nº 3º do CPC.
Todavia essa norma, ainda que se considere que logra aplicabilidade não só na 1ª instância, mas também na Relação (o que se admite), não obsta a que não se consignando expressamente qual a matéria que se reputou confessada em 1ª instância, se torne absolutamente incompreensível o raciocínio de direito formulado no tribunal “a quo” (a menos que se possam dons de adivinhação, o que não é o caso…), assim como que a Relação acabe por se tornar na única instância factual naquilo que se afigura ser uma violação evidente do princípio da dupla jurisdição em sede factual.
XII - E mais continua o douto Aresto: “Ora a considerar-se - e admite-se que até pode - que a Relação deve fixar integralmente a matéria de facto nos termos da norma aplicável, o que se verifica é uma total demissão por parte da 1ª instância de o fazer, tornando, pois, em bom rigor, um efeito cominatório semi - pleno, num pleno... (mas apenas naquela instância, visto que na superior tal, em virtude da lei, não é de admitir…). Ora, com todo o respeito por opinião distinta, essa conduta consubstancia uma completa inversão daquilo que a norma em apreço quis consagrar. Neste sentido, aliás, consigna-se que se afigura apontar o Dr. Abílio Neto segundo o qual em anotação ao artigo 98º - L: “O julgamento da causa conforme for de direito” pressupõe e exige a fixação/enunciação dos factos que o tribunal considera assentes por confissão ficta do trabalhador - autor - não bastando, pois a mera proclamação de que “se consideram confessados os factos articulados pelo empregador”, logo seguida da decisão de direito, porquanto, em primeiro lugar, há que atender às excepções aos efeitos da revelia consignadas no art.º 485.º do CPC e, em segundo lugar, o revel continua a ser destinatário da decisão e deve saber quais os factos tidos por relevantes que estiveram na base da procedência da acção, até para efeito de eventual recurso”. - Abílio Neto, CPT, Anotado, 6.ª Edição Actualizada e Ampliada, Janeiro de 2011, EDIFORUM, página 288.” E a verdade é que o Tribunal a quo omitiu a matéria de facto dada como provada, configurando essa omissão uma nulidade nos termos do disposto no art. 571º, nº 1 al. b) e 562º, nº 3 do CPC, que desde já se invoca.
XIII - Quanto ao erro de julgamento começamos por abordar a matéria relativa ao subsídio de alimentação e ao subsídio de efectividade no qual o Douto Tribunal a quo condenou a Ré, ora Recorrente, a pagar ao Autor a quantia de MOP$30.4290,00, a título de subsídio de alimentação, no entanto, não se consegue descortinar de que forma o Autor calculou os 1521 dias que refere no artigo 22º da sua petição inicial, já que, o Recorrido usa o suposto “cálculo”para a nota de rodapé com o número 1, na qual se pode ler “De sublinhar que na referida operação aritmética o Autor apenas teve em conta os dias de trabalho efectivo que terá prestado para a 1ª Ré B tendo sido descontado uma média de 30 dias por cada ano civil, correspondente ao numero de dias de dispensa remunerados e/ou não remunerados nos quais o Autor terá sido dispensado da prestação de trabalho.” (Sublinhado nosso), sendo que nada é alegado sobre como o Autor chega aos 1521 dias!
XIV - O Autor baseia o seus cálculos em alusões genéricas e abstractas, tais como os “numero de dias de dispensa remunerados e/ou não remunerados nos quais o Autor terá sido dispensado”, ou em médias de “30 dias por cada ano civil,”, não especificando, nem alegando quais os dias concretos, pelo que a parca matéria fáctica alegada pelo Autor não pode conduzir, sem mais, à procedência do pedido e o mesmo se diga quanto ao reclamado subsídio de efectividade, sendo que aqui é ainda mais gritante a falta de alegação do Autor vindo este reclamar na sua petição inicial que a ora Recorrente lhe era devedora da quantia de MOP$ 55.000,00 a título de subsídio de efectividade e limitando se o Recorrido a atribuir um valor sem que para tal sequer explique a que dias o pagamento em falta se refere, a que meses e a que anos, e de que forma é feita tal equação aritmética fazendo mais uma vez alusões genéricas e abstractas de um direito reclamado pelo Autor e tendo mais uma vez o Tribunal presumido como certo o direito do Autor sem que para tal o mesmo tenha sido aplicado e condenado a Ré a pagar ao Autor quantias a título de subsídios que não existem!
XV - Verificando-se assim, um erro de julgamento e uma errada aplicação do Direito por parte do Tribunal a quo na condenação da recorrente nas quantias peticionadas a título de subsídio de alimentação e de subsídio de efectividade tendo a sentença recorrida violado o princípio do dispositivo consagrado no art. 5º do CPC e bem assim o disposto no contrato de prestação de serviços nº 5/96.
XVI - E continuamos com o mesmo erro de julgamento quanto à reclamação feita pelo Autor pelo não pagamento pelo trabalho prestado pelo Autor/Recorrido em dias de descanso semanal e feriados obrigatórios, já que era necessário que o Autor especificasse e alegasse a que dias se refere no apuramento que faz, e a única alegação que faz é no artigo 36º da petição inicial quando diz “Durante todo o período da relação de trabalho, o Autor prestou a sua actividade de guarda de segurança por forma a garantir o funcionamento contínuo e diário dos vários casinos operados pela 1ª Ré.” De onde não pode saber a Recorrente, nem pode saber este Venerando Tribunal a que dias se refere o Recorrido quando apresenta os números que apresenta nos quadros constantes nos artigos 40º e 51º da petição inicial, principalmente se a toda esta trapalhada juntarmos o por si alegado no artigo 10º da petição inicial, quando diz: “Descontados os dias que - com autorização prévia da 1ª Ré - O Autor se ausentou para o Nepal, e/ou outros dias em que tenha sido expressamente dispensado do trabalho e se tenha ausentado para o exterior da RAEM por um período de 24 horas, o Autor prestou trabalho para a 1ª Ré durante todos os dias da semana.”
XVII - É que seremos obrigados a perguntar quantos dias foram estes? E estes dias não têm que ser considerados pelo Douto Tribunal para apuramento de contas no cômputo da compensação a pagar por trabalho em dias de descanso semanal e feriados pelo Trabalhador? E a ser assim, o que não se concede, não tem então o Douto Tribunal que retirar estes dias da compensação devida a título de descansos semanais e de feriados obrigatórios? E de que forma vai o Tribunal fazer esta equação aritmética? Ou seja, quantos dias vai descontar àquele cômputo? O que se conclui é que mais uma vez o Recorrido não cumpriu com o ónus de alegação dos factos que suportam os seus pedidos, em manifesta violação do princípio do dispositivo, resultando dai que não andou bem o Tribunal a quo na condenação da Ré nos valores acima descritos, por impossibilidade de apuramento dos mesmos, a qual se deve à total falta de alegação do Autor.
XVIII - Mas mesmo que venha a ser considerado possível chegar a esse valor, o que não se concede, olvidou o douto Tribunal de aplicar a lei conforme o estatuído no DL 24/89/M não tendo interpretado correctamente o sentido da norma, ao aderir ao cálculo da indemnização apresentado pelo Recorrido no artigo 40º da sua petição, isto porque de acordo com decisões de Tribunais Superiores de Macau, designadamente com supra referida decisão nº 28/2007 proferida pelo Tribunal de Última Instância, nas situações em que o trabalhador já tenha recebido o salário normal correspondente ao trabalho prestado nos dias de descanso semanal, só terá então direito a receber outro tanto, e não em dobro, porquanto o trabalhador já foi pago em singelo. Pelo que, caso resulte que o Autor não foi pago pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal, - o que não se concede -, este apenas terá direito a receber outro tanto da remuneração diária média, mas não em dobro, tal como é peticionado pelo Autor, não concordando também a Recorrente com o raciocínio analógico ao qual aderiu o douto Tribunal relativamente ao descanso compensatório previsto no n.º 4 do artigo 17º do DL 24/89/M, sendo certo que o referido diploma legal não estatui qualquer compensação pecuniária caso o trabalhador não goze o dia de descanso compensatório.
XIX - Quanto às compensações reclamadas pela prestação de trabalho em dia de feriado obrigatório, também essas deverão improceder, já que o raciocínio apresentado pelo recorrido para o cálculo da compensação devida, e ao qual o Douto Tribunal a quo aderiu, enferma de um vício de interpretação e aplicação do artigo 19º do DL 24/89/M e de um erro de cálculo, sendo entendimento do Tribunal de Última Instância que tendo o trabalhador sido remunerado em singelo pelo trabalho prestado em dia de feriado obrigatório, o mesmo só terá direito a auferir o dobro da sua retribuição (cfr. Decisão nº 28/2007 proferida pelo Tribunal de Última Instância, acórdão datado de 21 de Setembro de 2007). Pelo que caso fosse possível determinar o número de dias que prestou trabalho em dia de feriado, o que não se concede porquanto o Recorrido não o alega, tendo em conta que o Recorrido foi sempre remunerado pela sua prestação de trabalho em dias de feriados obrigatórios no valor de um dia de salário normal diário, o mesmo apenas teria direito a receber o dobro do salário normal diário por cada dia de trabalho em dia de feriado obrigatório. Ao que o Tribunal a quo ao condenar a Recorrente no pagamento de tais compensações errou no julgamento da matéria de facto e na aplicação do Direito, violando o disposto no art. 17º e 19º do DL 24/89/M.
XX - Quanto à comparticipação nos custos de alojamento alegou o Recorrido no artigo 52º da petição inicial que “Aquando do recrutamento do Autor no Nepal foi garantido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes de origem Nepaleses) alojamento gratuito em Macau.”, não estando alegado pelo Autor, ora Recorrido, que foi a Recorrente quem garantiu o alojamento gratuito em Macau., além disso, estes factos constitutivos do direito, depois de subsumidos, permitem concluir pelo pedido alegado que existe uma outra entidade responsável pelos mesmos, e estes factos, ainda que dados como confessados pela Ré, ora Recorrente, não estão também suficientemente alegados para permitir uma condenação, tendo mais uma vez o Tribunal a quo optado por confundir confissão dos factos com confissão do pedido, coisa que o ordenamento jurídico de Macau não estabelece em nenhuma lei, não podendo por isso proceder o pedido do Recorrido pela existência de, mais uma vez, erro de julgamento.
XXI - No que diz respeito à reclamação das compensações reclamadas pela prestação de trabalho em regime de turno e trabalho extraordinário à semelhança do ocorrido com o subsídio de alimentação o Recorrente limitou-se a invocar factos genéricos, não alegando especificadamente quais os factos que permitam concluir que tenha direito a pedir qualquer tipo de compensação a esse titulo, não especificando datas, dias de trabalho efectivamente prestado, quando é que tais turnos coincidiam e quais os dias, sendo de todo impossível apurar quais as horas que o Recorrido teria trabalhado a mais ou a menos, dada a falta de alegação, pelo que também aqui o Tribunal andou mal ao condenar a Recorrente, em violação do art. 5º do CPC e do art. 10º do DL 24/89/M.
XXII - No que diz respeito à condenação da Autoral Recorrente ao pagamento de uma compensação correspondente aos 30 minutos de trabalho prestado pelo recorrente antes do início de cada turno e como tal como trabalho extraordinário, tal como se pode ler no n.º 1 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, sob a epígrafe “Duração do Trabalho”, “Nenhum trabalhador deve normalmente prestar mais do que oito horas de trabalho por dia e quarenta e oito por semana, devendo o período normal de trabalho ser interrompido por um intervalo de duração não inferior a trinta minutos, de modo a que os trabalhadores não prestem mais de cinco horas de trabalho consecutivo.” e por conseguinte, o n.º 4 do mesmo artigo preceitua o seguinte: “Os períodos fixados no n.º 1 não incluem o tempo necessário à preparação para o início do trabalho e à conclusão de transacções, operações e serviços começados e não acabados, desde que no seu conjunto não ultrapassem a duração de trinta minutos diários”.
XXIII - Com efeito, a norma parece-nos bastante clara neste sentido, de que se a finalidade dos 30 minutos se destinar a actividades para a preparação do início do trabalho, este período de tempo não será tido em conta para a contabilização do tempo de trabalho (“duração do trabalho”) e como tal, não poderá ser considerado como trabalho extraordinário. E conforme descrito pelo Autor, ora Recorrido, nos artigos 84º e 85º, por solicitação da 1ª Ré, ora Recorrente, este deveria comparecer no local de trabalho 30 minutos antes (nem mais, nem menos) do início de cada turno, para efeitos de preparação para o início do trabalho que teria de prestar naquele dia, durante o qual o Autor e os seus colegas guardas de segurança eram informados acerca dos seus postos de trabalho, dos clientes tidos por “suspeitos” e das questões de segurança a ter conta,
XXIV - Mas, apesar de terem sido dados como confessados pelo digno Tribunal a quo, sempre se diga que todo esse conjunto de informações se enquadram na “preparação para o início do trabalho” podendo concluir-se que verificada a finalidade supra descrita e desde que não excedidos os 30 minutos imediatamente antes do início de cada turno, este período de 30 minutos não poderá ser considerado como trabalho extraordinário, porquanto não consubstancia qualquer violação à lei, pelo que também aqui pecou o Tribunal a quo ao condenar a Recorrente no pagamento da quantia peticionada pelo Recorrido a este título, violando o disposto no art. 10º, nº 4 do DL 24/89/M.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. douta mente suprirão, deve ser dado provimento ao presente Recurso e, em conformidade, ser declarada nula a sentença recorrida nos termos do disposto no art. 571º, nº 1, al. b) do CPC, ex vi art. 43º do CPT, com as demais consequências legais;
Sem prescindir, e caso assim não se entenda,
Deverá ser revogada a sentença recorrida nos termos supra explanados, com as demais consequências da lei, Termos em que farão V. Exas. a costumada JUSTIÇA! »
*
O autor respondeu ao recurso, sintetizando a sua peça alegatória do seguinte modo:
«1. Contrariamente ao alegado pela Recorrente, a decisão proferida pelo Tribunal a quo está correcta e em conformidade com a Lei e com o Direito aplicável. Não se verifica qualquer erro de julgamento na matéria de facto e na aplicação do Direito;
2. Em Processo de Trabalho, sempre que uma causa reveste manifesta simplicidade, os factos confessados pelo Autor têm a virtualidade de conduzir à procedência da acção, podendo a parte decisória limitar-se à simples adesão ao alegado pelo Autor na sua Petição Inicial, tal qual expressamente prevê e consagra o n.º 2 do artigo 32.º do CPC;
3. De onde, impunha-se apenas e tão só ao Tribunal a quo, à face do estatuído no n.º 2 do art. 32.º do CPT, averiguar se “os factos reconhecidos por falta de contestação” determinam a “procedência da acção”, podendo o Tribunal a quo, limitar-se a condenar a Ré no pedido mediante simples adesão a alegado pelo Autor.
4. Não existe à luz do Direito Processual do Trabalho um qualquer” dever de qualificação” da simplicidade da causa; ou se se preferir, um dever de fundamentação da “inexistência da complexidade”;
5. Com tal “especificidade” quis certamente o legislador que nas “acções laborais” não contestadas a actividade do Tribunal a quo de apurar se os factos reconhecidos por falta de contestação são susceptíveis de determinar a procedência da acção, fosse mais simples do que nas acções ordinárias não contestadas reguladas no Código de Processo Civil;
6. Pois, se assim não fosse, nada justificava que a redacção do n.º 2 do art. 32.º do CPT se distanciasse tão claramente da formulação constante do regime mais exigente constante do art. 405.º do CPC;
Acresce que,
7. Atento a forma correcta e concreta com que os factos foram apresentados, e a forma correcta e concreta com que foram enunciadas as regras jurídicas justificativas daqueles, com facilidade se conclui tratar-se de um litígio laboral de manifesta simplicidade;
8. Até porque, bem vistas as coisas, os presentes autos em pouco ou nada se diferenciam de largas dezenas de casos similares envolvendo guardas de segurança já apreciados pelo douto Tribunal de Recurso;
9. Por outro lado, igualmente não se descortinam quaisquer assinaláveis problemas de interpretação e de aplicação de Direito que impusessem uma grande e mui elaborada argumentação e fundamentação, ao ponto de ser expectável se se atingissem resultados completamente díspares dos já decididos em largas dezenas de decisões tomadas pelo douto Tribunal ad quem;
Sem prescindir,
10. Salvo melhor entendimento, toda a matéria alegada pela Recorrente sob os artigos 31.º a 87.º das suas Alegações de Recurso (vazados igualmente sob os pontos XIII a XXIV das suas Conclusões) mais não são do que uma (vã) tentativa de apresentar em sede de Alegações de Recurso o que a Recorrente terá entendido não dever fazê-lo em sede e em momento próprio: na Contestação;
11. Neste sentido, tais factos devem ser totalmente desconsiderados para efeitos do presente Recurso, em respeito pelo Princípio da preclusão da defesa consagrado no artigo 409.º do CPC;
12. A apresentação em sede de Alegações de Recurso de matéria de impugnação que apenas poderia ter sido apresentada em sede de Contestação, deixa revelar um comportamento processual inadmissível, que deverá ser devidamente censurado pelo Tribunal de Recurso.
Nestes termos e nos de mais de Direito, e sempre com o douto suprimento de V. Exas., devem as presentes Alegações de Resposta ser aceites e o Recurso apresentado pela Recorrente ser julgado totalmente improcedente, assim se fazendo JUSTIÇA!»
***
II – O despacho impugnado
Na parte que ora interessa, o despacho em crise apresenta o seguinte teor:
«(…) Nos termos do disposto no artigo 32º, nº1, do Código de Processo do Trabalho considero confessados os factos articulados pelo Autor na petição inicial.
Uma vez que a causa se reveste de manifesta simplicidade, lançar-se-á mão do disposto no nº2 do citado preceito legal.
*
Os factos confessados têm a virtualidade de conduzir à procedência da acção, nos termos e com os fundamentos jurídicos avançados pelo Autor da Petição Inicial, aos quais se adere.
Decisão:
Pelo exposto, julgo a acção procedente e, em consequência, condeno a Ré B, SARL, a pagar ao Autor A a quantia de MOP$ 360.420,00, acrescida dos juros legais até efectivo e integral pagamento, além do montante correspondente às bonificações ou remunerações adicionais, incluindo gorjetas que a Ré pagou aos operários residentes, a liquidar em execução de sentença.
Custas … ».
***
III – O Direito
1 – Da nulidade da sentença
1.1 - Acha a recorrente que a decisão recorrida padece de absoluta falta de fundamentação, o que a torna nula, face ao disposto no art. 571º, nº1, al. b), do CPC.
Este fundamento de nulidade assenta na circunstância de o tribunal “a quo” ter feito uso do mecanismo previsto no art. 32º da Lei nº 9/2003 (que aprova o Código de Processo de Trabalho). Sendo assim, justifica-se que por aí se comece.
Transcrevamos, pois, o teor do preceito:
Artigo 32.º
Efeitos da falta de contestação
1. Sem prejuízo do disposto no artigo 406.º do Código de Processo Civil, se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se regularmente citado na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se reconhecidos os factos articulados pelo autor e é logo proferida sentença, julgando a causa conforme for de direito.
2. Quando a causa se revestir de manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado, a qual, se os factos reconhecidos conduzirem à procedência da acção, pode ser feita mediante simples adesão ao alegado pelo autor.
Do que se trata, portanto, é apurar qual a consequência para a falta de contestação num processo de natureza laboral.
Falamos da revelia, por conseguinte.
Ora, e sem prejuízo da existência de qualquer das causas de revelia inoperante elencadas no art. 406º do CPC - pois assim no-lo impõe o trecho inicial do nº1, do art. 32º transcrito - o que o nº1 do preceito esclarece é que a falta de contestação tem por efeito o reconhecimento dos factos articulados pelo autor.
É uma solução – esta, do “reconhecimento” – que está a par com a do art. 405º, nº1, do CPC, ao prever e estatuir que “1. Se o réu não contestar…, consideram-se reconhecidos os factos articulados pelo autor”. Não era assim que estava anteriormente consagrado, tal como assim também não está no congénere art. 484º, nº1, do actual CPC português, a propósito dos efeitos da revelia, que ainda continua a falar em confissão dos factos articulados pelo autor.
Concordamos que a confissão é estrutural e funcionalmente diferente do reconhecimento (sobre a diferença, ver v.g., José Lebre de Freitas, A Confissão no Direito Probatório, Coimbra Editora, 1991, pág. 471 e sgs.; também Rui Manuel de Freitas Rangel, O Ónus da Prova no Processo Civil, 3ª ed., Almedina, pág. 294-302). Todavia, não podemos ignorar que o reconhecimento não deixa de ser o acolhimento ou aceitação da realidade de um facto que ao réu (ou ao autor, no caso de reconvenção) é desfavorável e favorável à outra parte. Portanto, o art. 405º, nº 1, do CPCM, no rigor dos termos, não se refere à “confissão do pedido” a que acima nos referimos, mas sim à confissão de factos através de um comportamento omissivo, que nem por isso deixa de ser “confissão-prova”, não na sua variante expressa, mas na presumida (confissão presuntiva da parte). Neste sentido, também, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ob. cit., pág. 543-545. E se o art. 405º tem essa imanente intenção, tê-la-á igualmente o art. 32º do CPT, uma vez que não há motivos para tratamento diferente em casos que na lei são literalmente iguais.
Certo é, pois, que a lei processual mudou os termos anteriormente utilizados; da “confissão dos factos” passou para o “reconhecimento dos factos”. Pensamos que esta alteração pretendeu afastar o perigo de uma confissão pura em situações em que ela é inoperante ou impossível (cfr. art. 406º, do CPC e 347º do CC).
A situação é, então, de revelia operante.
Passemos adiante.
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1.2 - A questão neste momento resume-se a isto: ao julgar reconhecidos os factos articulados pelo autor, deve o juiz do processo consignar expressamente esses factos? Deverá elencar os factos relevantes para a decisão da causa? Ou poderá simplesmente remeter para o articulado do autor no que respeita à factualidade?
Por um lado, reconheçamo-lo, pode ser entendida como solução excessivamente formal aquela que aconselha a discriminação de cada um dos factos reconhecidos. Formal e pouco recomendável do ponto de vista da economia de meios e da celeridade, concedamos.
Mas, por outro lado, pensemos na ponderação dos factos em jogo. Se o titular do processo se der ao cuidado de discriminar a massa fáctica reconhecida, certamente pode chegar à conclusão de que alguns factos não podem ser dados como “confessados”, atendendo, por exemplo, à circunstância de:
- A vontade das partes não poder ser eficaz para produzir o efeito jurídico que pela acção se pretende obter (ver, v.g., o caso dos direitos indisponíveis: art. 347º, al. b), do CC);
- O facto “confessado” for impossível ou notoriamente inexistente (art. 347º, al. c), do CC); ou
- Se tratar de factos para cuja prova se exija documento escrito (art. 406º, al. d), do CPC).
Portanto, a discriminação de factos acaba por ser um exercício, não só material, mas essencialmente de intelecção e ponderação acerca da sua utilidade e até mesmo da sua possibilidade enquanto reconhecimento confessório.
Insistimos: apesar de o réu não contestar, nem por isso toda a factualidade pode ser dada como assente e confessada. Ora, se o juiz der por reconhecido um facto que não podia ser confessado, não parece que o réu revel esteja impedido de impugnar esse facto no âmbito de um recurso jurisdicional nos termos do art. 599º do CPC. Só que para o poder fazer o réu deve ter à sua disposição o mapa de factos dados expressamente por confessados.
Portanto, para evitar que o juiz caia na tentação de remeter para a petição inicial e assim se descuidar na análise, um a um, dos factos que verdadeiramente são importantes e relevantes, e assim potencialmente produzir uma decisão sem acerto jurídico, cremos que a solução que responde afirmativamente às duas primeiras questões se nos afigura a mais correcta.
Este tema, é certo, não tem merecido na doutrina local particular atenção. Ainda assim, se não nos enganarmos muito, essa parece ser a solução para que se encaminha Cândida da Silva Antunes Pires ao referir a dado passo que o juiz deve declarar “assentes” os factos reconhecidos (Lições de Processo Civil de Macau, 2015, 2ª ed., pág.332).
No direito comparado, sobre um caso retirado, precisamente, da matéria sobre a qual agora mesmo nos debruçamos, alguma doutrina já teve oportunidade de se pronunciar expressamente sobre a necessidade de a 1ª instância dever proceder à enunciação ou especificação dos factos confessados, por entender que a revelia, no que a estas situações respeita, tem um efeito semi-pleno (Abílio Neto, in Código do Processo de Trabalho Anotado, 6ª ed., 2011, pág. 228).
E então se o tribunal deve, mesmo nessas situações, julgar a causa “conforme for de direito” (José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2ª, 2ª ed., pág. 293-294) - o que significa que não estamos perante uma confissão do pedido - haverá de ser com os factos especificamente “confessados” que tal deve ser feito. “Reconhecimento” e “confissão” que terão que desaguar, até porque o exige o art. 562º, nº2, do CPC, numa discriminação dos factos provados.
Na jurisprudência comparada, também esta solução mereceu já acolhimento (ver, entre outros, o Ac. da RC, de 20/05/2004, Proc. nº 697/04; Ac. da R.L., de 10/10/2012, Proc. nº 1043/11; Ac. RG, de 3/07/2014, Proc. nº 4215/13).
E suma, o “reconhecimento” dos factos previsto no art. 405º, nº 1, do CPC (situação semelhante pode avistar-se no art. 32º, nº1, da Lei nº 9/2003, que aprovou o Código de Processo de Trabalho), sendo uma noção mais lata, implicará que o juiz, depois da primeira tarefa, que é a de julgar reconhecidos os factos, proceda ao exercício de apuramento e discriminação/especificação daqueles que realmente se devem considerar confessados.
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1.3 – Evidentemente, diz a lei, “se a causa se revestir de manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória” (nº2, art. 32º, com destaque nosso). Trata-se de uma norma importante, porque dela parece razoavelmente sobressair a ideia de que a enunciação dos factos nos moldes acabados de referir deixa de ser necessária.
E talvez se possa acolher essa noção, sim. Mas, a simplicidade só será de relevar quando ela atinge, não só o direito aplicável, como também a factualidade a considerar (neste sentido, Ac. RL, de 17/02/2016, Proc. nº 988/14).
Deste modo, nós até cremos que, cotejando o nº1 com o nº2 do art. 32º citado, a regra (nº1) é a identificação precisa e concreta dos factos, enquanto a excepção (nº2) é a possibilidade de a sentença se restringir à sua parte decisória ou dispositiva, sem relatório e sem fundamentação factual e jurídica. Só que para esta excepção ser accionada é preciso que se verifique uma condição, que é a de os autos traduzirem uma situação de “manifesta simplicidade”.
Ora, o caso dos autos, tanto no plano dos factos, como no de direito, está longe de ser dotada dos atributos de “manifesta simplicidade”.
E se outras dificuldades não existirem, bastará citar uma no plano dos factos, que consiste na circunstância de o autor afirmar ter trabalhado todos os dias da semana (art. 10º, p.i.), embora reconheça ter faltado algumas vezes com autorização prévia da 1ª ré (arts. 10º e 12º, p.i.). Quantos foram esses dias de faltas justificadas? Deverá ser atendida a “média” de 30 dias por ano de faltas autorizadas, como o autor concede na nota 1 ao art. 22º da pi? O tribunal deverá aceitar os dias que o autor indica a este respeito? Aí está uma dificuldade que a 1ª instância terá que resolver, a qual ainda poderá ser impugnada pela ré em recurso para este TSI.
E quanto à matéria de direito, então nem se fala!
A começar pela divisão entre as instâncias no que respeita à forma de cálculo para apurar o montante da indemnização pelos dias de trabalho prestado em dias de descanso semanal, a que agora ainda acresce a dificuldade eventual traduzida no pedido de bonificações e remunerações adicionais, bem como na compensação pelos demais dias de trabalho (v.g., feriados), na comparticipação nos custos de alojamento e na compensação pelos períodos de 30 minutos de trabalho prestado pelo autor antes do início de cada serviço de turno laboral. Tudo questões que implicam intelecção, ponderação e estudo jurídico.
Como se vê, claramente não estamos em presença de uma situação de manifesta simplicidade da matéria de facto e jurídica.
E por ser assim, não era possível, na nossa opinião e salvo melhor juízo, passar directamente para a excepção estabelecida no nº2 do art. 32º do CPT, mantendo-se intacta, por isso, a regra do nº1 do artigo.
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1.4 – Ora bem. Abraçando esta tese, somos forçados a concluir que a sentença em apreço padece de falta de fundamentação, o que a torna nula, nos termos do art. 571º, nº 1, al. b), do CPC.
Claro que nos termos do art. 630º, nº1, do CPC, quando a sentença da 1ª instância seja declarada nula, o TSI tem poderes de substituição, conhecendo do objecto do recurso.
Todavia, neste caso, não nos é possível fazer a substituição, pois caberá ao julgador da 1ª instância, antes de tudo, estabelecer os factos que considera provados por confissão (os que podem ser confessados, e só o TJB estará em condições de o afirmar em primeiro lugar), após o que o tribunal “a quo” decidirá conforme for de direito.
É o mesmo que dizer que, sob pena de violação do princípio do duplo grau de jurisdição, os autos terão que voltar à 1ª instância para os devidos efeitos, sem que possamos accionar o nosso poder substitutivo resultante do art. 630º do CPC.
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IV – Decidindo
Nos termos expostos, acordam em declarar nula a decisão recorrida, devendo os autos ser remetidos à 1ª instância, a fim de o Mmº Juiz “ a quo” proferir decisão sobre a matéria de facto confessada e julgar a causa conforme for de direito.
Custas pela parte vencida a final.
TSI, 20 de Outubro de 2016
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José Cândido de Pinho
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Tong Hio Fong
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Lai Kin Hong
546/2016 26