Processo n.º 81/2016
(Recurso Cível)
Relator: João Gil de Oliveira
Data : 20/Outubro/2016
ASSUNTOS:
- Desocupação do arrendado e restituição ao senhorio
- Indemnização correspondente ao dobro das rendas pelo atraso na restituição
SUMÁRIO :
Não obstante a Ré ter desocupado a fracção antes de 12 de Julho de 2013, não tendo devolvido as chaves da mesma ao senhorio, não cumprindo com o dever de restituição previsto na alínea j) do artigo 983.º do Código Civil, tendo os locadores a necessidade de recorrer ao despejo e consequente entrega judicial, que só se vem a efectuar em 28 de Maio de 2014, é até esta data que é devida a indemnização correspondente às rendas em dobro, desde a data da cessação do contrato de arrendamento.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 81/2016
(Recurso Civil)
Data : 20/Outubro/2016
Recorrente : - A
Recorridos : - B
- C
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – RELATÓRIO
1. A, ora ré do caso (adiante designada por recorrente), com os demais sinais constantes dos autos, inconformada com a parte da decisão que na sequência de acção de despejo contra si interposta a condenou no pagamento aos dois autores B e C um montante de HKD$91,440,00, vem recorrer, alegando, em sede conclusiva:
1. O Tribunal a quo padeceu do erro na determinação da data de vencimento no cálculo da indemnização nos termos do art.o1027.o n.º 1 do Código Civil.
2. O Tribunal a quo já reconheceu o facto de que a recorrente desocupou a fracção antes de 12 de Julho de 2013, ou seja, a ocupação da da fracção pela recorrente já terminou em Julho de 2013. Mesmo que como se refiram os autores, os autores não sabiam a desocupação da fracção pela recorrente em Julho de 2013, os autores devem saber, pelo menos após o recebimento da contestação (Novembro de 2013), que a recorrente já desocupou a fracção e tentou restituir-lhes a chave.
3. Portanto, a data de vencimento da indemnização não deve ser de 28 de Maio de 2014, mas sim de 12 de Julho de 2013, ora data de desocupação da fracção pela recorrente, nos termos do art.o1027.o do Código Civil: (5,400× 6 meses)+(5.400÷30 dias)×11 dias)=HKD$34,380,00 ou ao máximo, a indemnização foi calculada até Novembro de 2013, isto é, a data do recebimento da contestação da recorrente pelos autores.
Face ao exposto, solicita-se aos MM.os Juízes que julguem procedentes as motivações da recorrente e condenem a redução da indemnização da recorrente até HKD$34,380,00,
2. B e C, Autores nos autos à margem referenciados, notificados das Alegações de Recurso apresentadas pela Ré, vem nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 613.º, N.º 2, do CPC apresentar a sua RESPOSTA, alegando, em síntese:
1. Vem o Recurso a que ora se responde interposto da douta decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instancia nos autos à margem referenciados na parte em que condena o Ré a pagar aos Autores o valor de HKD$94,440.00 correspondente à indemnização pelo atraso na restituição do locado aos Autores.
2. A referida indemnização foi calculada pelo douto Tribunal a quo tendo em conta os seguintes factores: (i) Valor mensal da renda: HKD$2,700.00; (ii) Data em que a fracção deveria ter sido entregue aos Autores: 01 de Janeiro de 2013; (iii) Data em que a fracção foi efectivamente entregue aos Autores: 28 de Maio de 2014.
3. O Réu é do entendimento que, por se ter considerado provado que o mesmo havia desocupado a fracção antes do dia 12 de Julho de 2013 (vide resposta aos quesitos 1.º e 4.º), a referida indemnização pelo atraso na restituição do locado deveria ter sido calculada tendo por base esta última data, sendo assim reduzido para HKD$34,380.00.
4. Não obstante o Ré ter desocupado a fracção antes de 12 de Julho de 2013, o que é certo é que não devolveu as chaves da mesma aos ora Autores, ou seja, não cumpriu com o dever de restituição previsto na alínea j) do artigo 983.º do Código Civil.
5. A factualidade apurada nos presentes autos é clara no sentido de desfazer a confusão em que labora a Ré no Recurso a que ora se responde, ou seja, desocupação não corresponde a restituição, veja-se a propósito a resposta dada aos quesitos 3.º, 4.º e 5.º da Base Instrutória:
- NAO PROVADO QUE Em princípios de Julho de 2013, a Ré telefonou ao Autor para lhe referir que tinha intenção de devolver o locado e tratar das formalidades de entrega e recepção. (resposta ao quesito 3.º);
- PROVADO que a Ré desocupou a fracção em Julho de 2013 antes do dia 12. (resposta ao quesito 4.º). Porém, note-se a redacção inicial do quesito: Tendo o Autor ignorado a questão, razão essa que levou a Ré a ter que deixar as chaves na fracção, desocupando-a, de seguida.
- NÃO PROVADO que a Ré, contactou o Autor por várias vezes para abordar questões da entrega e recepção da fracção, tendo no entanto, o Autor ignorado a situação.
6. A com a intervenção do douto Tribunal a quo que
7. Assim, tendo em conta toda a factualidade provada e não provada - e que não foi impugnada pela Ré - restituição da fracção aos ora Autores só se efectivou com o despacho de fls. 113v que decretou o despejo imediato da fracção - o qual não foi impugnado pela Ré - e da entrega judicial da mesma em 28 de Maio de 2015.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. douta mente suprirão, deve o Recurso a que ora se responde ser Indeferido e, em consequência, ser confirmada e mantida a decisão recorrida na íntegra.
3. Foram colhidos os vistos legais.
II – FACTOS
Vêm provados os seguintes factos:
Factos provados:
- No dia 1 de Novembro de 2010, por escrito particular, entre o 1º autor, na qualidade de senhorio, e a ré, na qualidade de arrendatária, foi celebrado um acordo tendo por objecto o gozo da fracção autónoma destina a habitação, designada por “AA7” do 7º andar AA do prédio em regime de propriedade horizontal, …, sita na… em Macau, descrito na Conservatória do Registo Predial sob n.º … e inscrita na respectiva matriz predial sob o artigo …. (alínea A) dos factos provados)
- Nos termos da cláusula 2ª do aludido acordo foi estipulado que a renda mensal devida pela ora Ré seria no montante de HKD$2.700,00 (dois mil e setecentos Hong Kong dólares). (alínea B) dos factos provados).
- O supra referido acordo foi celebrado pelo prazo de um ano, com início em 1 de Novembro de 2010 e com termo a 31 de Outubro de 2011. (alínea C) dos factos provados)
- No dia 16 de Julho de 2012, o 1º autor por si, e em representação do 2º autor, conforme procuração de 18.01.2011, deu entrada em Tribunal de um pedido de Notificação Judicial Avulsa para comunicar à ré a denúncia do acordo supra referido, notificando-a para desocupar o locado no dia 31 de Outubro de 2012. (alínea D) dos factos provados)
- No dia 1 de Novembro de 2012 a ora Ré, não entregou aos autores a fracção autónoma supra referida livre e devoluta de pessoas e bens. (alínea E) dos factos provados)
- Tendo antes solicitado aos autores permissão para permanecer na fracção autónoma por mais dois meses. (alínea F) dos factos provados)
- Os autores consentiram que a Ré entregasse a fracção, no máximo, até 31 de Dezembro de 2012. (alínea G) dos factos provados)
- Autor e ré aceitaram que o contrato de arrendamento havia efectivamente terminado no dia 31 de Outubro de 2012. (alínea H) dos factos provados).
- E que os autores não pretendiam continuar a arrendar o imóvel à ré. (alínea I) dos factos provados)
- A ré no dia 17 de Julho de 2012 recebeu a notificação judicial avulsa denunciando o contrato para 31 de Outubro de 2012. (alínea J) dos factos provados)
- Foi acordado entre as partes que o acordado em F) e G) não teria como efeito a renovação do contrato de arrendamento e que a ré teria de entregar o imóvel impreterivelmente até ao dia 1 de Janeiro de 2013. (alínea K) dos factos provados)
- Como contrapartida pela entrega tardia da fracção a ré pagou aos autores, a título de indemnização, a quantia de HKD$5.400,00 (cinco mil e quatrocentos Hong Kong dólares). (alínea L) dos factos provados)
- No dia 1 de Janeiro de 2013 novamente a ré não procedeu à entrega da fracção autónoma aos autores. (alínea M) dos factos provados).
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Base instrutória:
- A ré desde 1 de Janeiro de 2013 continua a ocupar o imóvel contra a vontade dos autores até a sua desocupação em Julho de 2013. (quesito 1º da base instrutória)
- A ré desocupou a fracção em Julho de 2013 antes do dia 12. (quesito 4º da base instrutória).
III – FUNDAMENTOS
1. O objecto do presente recurso incide sobre a parte da douta sentença proferida no TJB, em que se condena a Ré a pagar aos Autores o valor de HKD$94,440.00 correspondente à indemnização pelo atraso na restituição do locado aos Autores.
A referida indemnização foi calculada pelo douto Tribunal a quo tendo em conta os seguintes factores:
- Valor mensal da renda: HKD$2,700.00
- Data em que a fracção deveria ter sido entregue aos Autores: 01 de Janeiro de 2013
- Data em que a fracção foi efectivamente entregue aos Autores: 28 de Maio de 2014.
A questão que a recorrente coloca é a de que entende que, por se ter considerado provado que a mesma havia desocupado a fracção antes do dia 12 de Julho de 2013 (vide resposta aos quesitos 1.º e 4.º) a referida indemnização pelo atraso na restituição do locado deveria ter sido calculada tendo por base esta última data, sendo assim reduzido para HKD$34,380.00.
2. Salvo devido respeito por melhor opinião, não assiste razão à recorrente.
Chega a Ré a defender que, pelo menos, desde a apresentação da contestação os AA. terão ficado cientes de que ela desocupara a fracção, pelo que, ainda que não se atendesse à alegada desocupação, reportada a Julho de 2013, data em que terá telefonado ao senhorio, manifestando a intenção de devolver o locado. E perante a passividade do senhorio, terá deixado as chaves na fracção, desocupando-o de seguida, passando a residir na habitação social sita noutro local.
Isto é o que a recorrente alega na contestação, mas o que se comprova é, tão somente, que desocupou a fracção em Julho de 2013.
Sobre o conhecimento dessa situação e comunicação ao senhorio de tais factos, nada se comprova.
É evidente que a desocupação de uma fracção arrendada não pressupõe uma entrega da casa ao senhorio, muito menos, se se deixam as chaves dentro do arrendado, como alega.
Também o facto de ter alegado essa factualidade na contestação, tal não pode ser bastante para se ter uma restituição como efectuada, desde logo porque tal não significa que seja verdade.
3. Depois, mesmo que o senhorio eventualmente devesse acompanhar o caso da sua casa e o estado em que se encontrava, o facto de ela estar desocupada só mediante a verificação no seu interior podia ser comprovada. Para além de que nada lhe daria o direito de fazer arrombar as portas sem uma restituição formalizada com a entrega das chaves.
Falece assim a argumentação da recorrente que não passa no crivo da racionalidade e da correcta actuação em conformidade com a lei e o contrato.
4. Na verdade, a Ré confunde conceitos. Uma coisa é a desocupação de uma casa arrendada; outra, a entrega dela ao senhorio.
Tanto assim que a restituição da fracção aos Autores, ora recorridos, só se efectivou com a intervenção do douto Tribunal a quo que, através do despacho de fls.113v decretou o despejo imediato da fracção e é em 28 de Maio de 2014 que se observa a entrega judicial da mesma.
O facto de se ter provado que a Ré desocupou a fracção antes de 12 de Julho de 2013 não implica que a Ré tenha restituído a fracção arrendada aos Autores nessa mesma data.
Na verdade,
A factualidade apurada nos presentes autos é clara no sentido de desfazer a confusão em que a ora a Ré no Recurso a que ora se responde, veja-se a resposta dada aos quesitos 3.º,4.º e 5.º da Base Instrutória:
- Não provado que Em princípios de Julho de 2013, a Ré telefonou ao Autor para lhe referir que tinha intenção de devolver o locado e tratar das formalidades de entrega e recepção. (resposta ao quesito 3.º)
- Não provado que a Ré desocupou a fracção em Julho de 2013 antes do dia 12. (resposta ao quesito 4.º). Porém, note-se na redacção inicial do quesito: Tendo o Autor ignorado a questão, razão essa que levou a Ré a ter que deixar as chaves na fracção, desocupando-a, de seguida.
- Não provado que a Ré, contactou o Autor por várias vezes para abordar questões da entrega e recepção da fracção, tendo no entanto, o Autor ignorado a situação. (resposta ao quesito 5.º)
5. Em suma,
Não obstante a Ré ter desocupado a fracção antes de 12 de Julho de 2013, não tendo devolvido as chaves da mesma ao senhorio, não cumprindo com o dever de restituição previsto na alínea j) do artigo 983.º do Código Civil, tendo os locadores a necessidade de recorrer ao despejo e consequente entrega judicial, que só se vem a efectuar em 28 de Maio de 2014, é até esta data que é devida a indemnização correspondente às rendas em dobro, desde a data da cessação do contrato de arrendamento.
Razão pela qual, uma vez que a desocupação do locado não significou a sua restituição aos Autores, outra não poderia ter sido a decisão do douto Tribunal “a quo”, decisão que aqui não se deixa de sufragar.
IV – DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Macau, 20 de Outubro de 2016,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
81/2016 1/11