Processo nº 678/2015
Data do Acórdão: 27OUT2016
Assuntos:
Falta da fundamentação
Antecedentes criminais
Autorização de residência temporária
Princípio da proporcionalidade e de adequação
SUMÁRIO
1. O acto administrativo considera-se fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o artº 480º/2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de reacção, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.
2. Os tribunais administrativos não podem sindicar as decisões tomadas pela Administração no exercício de poderes discricionários, salvo nos casos extremos de erro grosseiro ou manifesto ou “quando sejam infringidos os princípios gerais que limitam ou condicionam, de forma genérica, a discricionariedade administrativa, designadamente os princípios constitucionais; o princípio da imparcialidade, o princípio da igualdade, o princípio da justiça, o princípio da proporcionalidade, o princípio da boa fé, etc..”
3. Admitindo embora que, tendo em conta o facto de o cônjuge do recorrente residir e trabalhar em Macau, o indeferimento da autorização de residência temporária em Macau implica alguns incómodos na sua vida familiar em Macau e algumas limitações no exercício, por parte do recorrente, do seu direito à reunião familiar em Macau, é de aceitar a impossibilidade da integral harmonização entre a protecção dos interesses tutelados por esse direito e a de interesses públicos, nomeadamente o da segurança pública e interna da RAEM. Nestas circunstâncias, tem-se de reconhecer que a Administração está em melhores condições para avaliar se se torna necessário limitar, senão sacrificar direitos do recorrente para que se concretizem os interesses públicos consubstanciados na salvaguarda de segurança pública e interna. Assim, ponderando os interesses em jogo, por um lado estão presentes os bens jurídicos da segurança de todos os utentes das vias rodoviárias públicas, e por outro lado, os valores de ordem pessoal e familiar do próprio recorrente, não é de concluir que o indeferimento da autorização de residência constitui erro grosseiro ou manifesto no exercício do poder discricionário, nem que o indeferimento poderá infringir os princípios de cariz constitucional, nomeadamente o princípio proporcionalidade e o princípio da adequação.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 678/2015
I
Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM
A, devidamente identificado nos autos, vem recorrer do despacho do Senhor Secretário para a Segurança que lhe indeferiu o pedido que formulara para que fosse autorizada a residência em Macau, concluindo e pedindo:
1. O presente recurso tem por base o despacho de indeferimento do pedido de autorização de residência na RAEM, apresentado em 15/12/2014, pelo ora Recorrente;
2. O Exmº Senhor Secretário para a Segurança da RAEM indeferiu o pedido do Recorrente em virtude deste possuir antecedentes criminais na RAEM, mencionando apenas que o Recorrente não é pessoa cumpridora das leis da RAEM, mas não justificou suficientemente em que termos a autorização de residência afecta a segurança e ordem públicas;
3. A mera condenação, nem sequer transcrita no registo criminal, não pode ser interpretada como uma restrição absoluta e automática de atribuição de direitos;
4. Sem embargo da margem de discricionariedade do poder de decisão da Administração, esta encontra-se vinculada aos princípios de legalidade, proporcionalidade e adequação e ao dever geral de fundamentação das suas decisões, nos termos legais;
5. Apesar do acto recorrido indicar o fundamento de direito, não explica, em concreto, em que medida a existência de antecedentes criminais do Recorrente se pode repercutir na segurança e ordem públicas de Macau;
6. Na verdade, não foi feito qualquer juízo de prognose elevada quanto ao risco para a segurança e ordem públicas com base, por exemplo, na reiteração da situação ilícita ou na probabilidade concreta de reincidência;
7. Do facto ilícito pelo qual o Recorrente foi condenado e cuja pena já cumpriu integralmente, não adveio qualquer dano ou acidente;
8. Tratou-se ademais dum ilícito de diminuta gravidade, tanto que o Tribunal, avaliando todas as circunstâncias que acompanharam o crime decidiu aplicar, em substituição da pena de prisão, uma pena de multa;
9. Mais: por não ter induzido qualquer perigo de prática de novos crimes, o Tribunal optou ainda por não transcrever a sentença nos boIetins do registo criminal;
10. A pena aplicada cumpriu as suas finalidades de prevenção especial, tanto que o Recorrente não voltou a praticar o mesmo ou qualquer outro ilícito;
11. Verifica-se pois, uma manifesta inadequação e desproporção da decisão recorrida quando, à revelia da própria decisão penal, determina, sem fundamentar, que a existência de antecedentes criminais conduz, automaticamente, ao indeferimento do pedido de autorização de residência;
12. Por outro lado, o Recorrente invocou e demonstrou ter interesses pessoais, familiares e profissionais que o ligam à RAEM, sobretudo o direito à reunião familiar;
13. Efectivamente, o Recorrente é casado com residente permanente da RAEM, de quem teve, em 15/04/2015, uma filha, igualmente residente permanente do Território;
14. Acresce que foi diagnosticada à filha menor uma malformação congénita que exige acompanhamento permanente, assistência e cuidados médicos especiais;
15. Nestas condições, o suporte económico e psico-afectivo de ambos os pais constituem factores cruciais para o apoio à delicada situação familiar e do bebé;
16. Perante uma situação de contornos humanitários e de apoio à família como é a "sub judice", na decisão sobre as condições de autorização e permanência, a Administração não pode deixar de ponderar, em termos adequados e equilibrados, o direito fundamental de protecção da família e unidade familiar;
17. Em suma, ao negligenciar o conjunto das razão acima referidas, a decisão de indeferimento é claramente inválida, quer por insuficiente fundamentação, quer por violação da lei e dos princípios da legalidade, proporcionalidade, adequação e justiça;
18. Assim, o acto recorrido, face à insuficiência da fundamentação apresentada, viola o conteúdo dos arts 113° n.º 1 aI. e), 114º n.º 1 aI. a) e 115º do CPA, incorrendo em nulidade nos termos do art. 122º n.º 1 do CPA;
19. Se não for esse o entendimento do douto Tribunal, sempre se dirá que a decisão é inválida por violação directa do art. 9° da Lei n.º 4/2003, bem como dos princípios ínsitos nos arts 3°, 5° n.º 2 e, 7°, todos do CPA, devendo, pois, ser anulado, nos termos do art. 124° do mesmo Código.
NESTES TERMOS,
Requer-se a V. Exa. que seja dado provimento ao presente recurso;
a) Considerando-se nulo o acto recorrido, por insuficiência de fundamentação que constitui elemento essencial, atento o disposto nos artigos arts 113° n.º 1 al. e), 114° n.º 1 aI. a) e 115° n.º 1 e 2 do CPA, violando assim o artigo 122.° n.º 1 do CPA.
Ou, subsidiariamente,
b) Anulando-se o acto recorrido, atento o vício de violação de lei por incorrecta aplicação e interpretação do art. 9° da lei n.º 4/2003, acrescido de violação dos princípios da legalidade, proporcionalidade, e justiça, por violação do artigo 124.º do CPA.
Citado, veio o Senhor Secretário para a Segurança contestando pugnando pela improcedência do recurso.
Não havendo lugar à produção de provas, foram o recorrente e a entidade recorrida notificados para apresentar alegações facultativas.
Não foram apresentadas alegações facultativas.
Em sede de vista final, o Dignº Magistrado do Ministério Público opinou no seu douto parecer pugnando pelo não provimento do presente recurso.
Fica assente a seguinte matéria de facto com relevância à decisão do presente recurso:
* O recorrente A, residente em Hong Kong, portador do Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Hong Kong, era titular do Título de Identificação de Trabalhador não Residente, cuja validade foi sucessivamente renovada até 10MAIO2014;
* Trabalhava desde 2011 como gerente de um restaurante na RAEM;
* Por factos praticados em 06MAR2013, o recorrente foi condenado no mesmo dia pelo TJB pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artº 90º da Lei nº 3/2007 (Lei do Trânsito Rodoviário), na pena de prisão de três meses, substituída pela multa de igual número dos dias, cujo quantitativo diário foi fixado em MOP$110,00;
* A sentença condenatória já foi transitada em julgado;
* Na sequência da condenação penal, foi desencadeado pela PSP o procedimento administrativo que culminou com a prolação em 16MAIO2013 do despacho do Comandante da PSP determinando o cancelamento do seu Título de Identificação de Trabalhador não Residente;
* Casou-se em 04NOV2014 com B, residente em Macau e titular do Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Macau e do Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Hong Kong;
* Ao abrigo do disposto no artº 14º do Regulamento Administrativo nº 5/2003 e com fundamento nos laços familiares (reagrupamento familiar) com residente da RAEM, requereu em 15DEZ2014 ao Chefe do Executivo da RAEM a autorização de residência em Macau;
* No momento do pedido, o seu agregado familiar do recorrente é composto por 2 elementos: ele próprio e o seu cônjuge;
* Em 15ABR2015, nasceu-lhe o filho, a quem foi emitido o Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Macau;
* Por despacho do Senhor Secretário para a Segurança lançado em 18MAIO2015, a que foi anexada a informação nº 300174/CESMFR/2015P, cujo teor se dá por aqui integralmente reproduzido, foi indeferido o pedido de autorização de residência com fundamento nos antecedentes criminais do recorrente, nos termos seguintes:
批示
事項:居留許可申請
利害關係人:A
參件:治安警察局第300174/CESMFR/2015P號補充報告書
利害關係人因醉酒駕駛,被判處三個月徒刑,准以罰金代之,並禁止駕駛為期一年三個月,表明其不是一個遵守法律的人,基於對其今後遵守法律缺乏信心,並出於公共安全的考量,經考慮第4/2003號法律第9條第2款1項,決定不批准有關居留許可申請。
保安司司長
XXX
二零一五年五月十八日
* Inconformado com o despacho que lhe foi notificado por carta expedida em 12JUN2015, veio o recorrente interpor recurso contencioso mediante o requerimento que deu entrada na Secretaria do TSI em 15JUL2015.
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.
Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).
Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, ex vi do artº 1º do CPAC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
Em face das conclusões na petição do recurso, o recorrente está a assacar ao acto recorrido vários vícios, quais são os vícios da falta ou insuficiência de fundamentação, e o da violação da lei (do artº 9º da Lei nº 4/2003), e imputar ao acto recorrido a ofensa de uma série de princípios de carácter constitucional, da legalidade, da proporcionalidade, da adequação e da justiça, procurando com isso convencer o Tribunal de que o acto padece da anulabilidade, ou da nulidade e ver o acto recorrido anulado ou declarado nulo.
Todavia, por um lado, o recorrente meteu tudo no mesmo saco, misturando os alegados vícios de falta ou insuficiência do acto com o da violação da lei e com a violação dos princípios da adequação e da proporcionalidade, e por outro, a violação do princípio da justiça imputada ao acto recorrido não está minimamente concretizada, o que nos dispensa de debruçar um por um sobre os tais vícios e violações, antes permite uma análise global dos mesmos.
Então vejamos.
Comecemos pela falta da fundamentação.
Como se sabe, o acto administrativo considera-se fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o artº 480º/2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de reacção, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.
Tal como vimos no despacho recorrido, integralmente reproduzido na matéria de facto assente, foi com base nos comprovados antecedentes criminais do recorrente e nos termos consentidos pelo artº 9º/2-1) da Lei nº 4/2003 que o Senhor Secretário para a Segurança indeferiu o seu pedido de autorização da residência.
Na esteira desse entendimento, não nos parece que o recorrente não ficou a conhecer as razões de facto e de direito em que se apoiou a decisão recorrida, pois basta uma leitura simples do teor do despacho recorrido, salta à vista de que pela sua conduta anterior violadora da lei da RAEM a Administração foi levada a não depositar confiança no recorrente quanto ao seu bom comportamento futuro, a concluir pela necessidade de tutelar o bem jurídico relativo à segurança pública da RAEM e a decidir pelo indeferimento da autorização de residência, nos termos consentidos pelo disposto no artº 9º/2-1) da Lei nº 4/2003.
Bem ou mal formulados estes juízos, a entidade recorrida fundamentou efectivamente a decisão recorrida de modo a que o seu destinatário pudesse compreender o seu sentido.
E para nós, o que no fundo pretendia fazer o recorrente é apenas questionar a bondade dos fundamentos do indeferimento, e não a falta ou insuficiência da fundamentação.
Como se vê na fundamentação do despacho recorrido, foi com base nos comprovados antecedentes criminais do recorrente que o Senhor Secretário para a Segurança indeferiu o seu pedido de autorização da residência.
Para os efeitos de concessão da autorização de residência temporária na modalidade de reagrupamento familiar, a lei exige que se deva atender, inter alia, antecedentes criminais – cf. artº 9º/2-1) da Lei nº 4/2003.
Ficou provado que:
* Por factos praticados em 06MAR2013, o recorrente foi condenado no mesmo dia pelo TJB pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artº 90º da Lei nº 3/2007 (Lei do Trânsito Rodoviário), na pena de prisão de três meses, substituída pela multa de igual número dos dias, cujo quantitativo diário fixado em MOP$110,00; e
* A sentença condenatória já foi transitada em julgado;
Trata-se indubitavelmente dos antecedentes criminais.
Ora, a lei não impõe o indeferimento necessário da autorização às pessoas que tenham antecedentes criminais, a decisão administrativa, o indeferimento, como sucedeu in casu, não é tomado no exercício de um poder vinculado, mas sim de um poder discricionário, pois, cabe à Administração analisar em cada caso concreto as condições do requerente para saber se a autorização lhe afigura mais conveniente ao interesse público, tendo em conta nomeadamente a segurança pública e interna da RAEM.
Tradicionalmente falando, os tribunais administrativos não podem sindicar as decisões tomadas pela Administração no exercício de poderes discricionários, salvo nos casos extremos de erro grosseiro ou manifesto ou “quando sejam infringidos os princípios gerais que limitam ou condicionam, de forma genérica, a discricionariedade administrativa, designadamente os princípios constitucionais; o princípio da imparcialidade, o princípio da igualdade, o princípio da justiça, o princípio da proporcionalidade, o princípio da boa fé, etc..” – Freitas do Amaral, in Curso do Direito Administrativo, II, Almedina, pág. 392.
Para o recorrente, como os factos que originaram a condenação criminal são de diminuta gravidade, a que o Tribunal criminal fez corresponder em caso concreto apenas uma pena de prisão de curta duração, e logo substituída por multa, o que é bem demonstrativo de que a mera condenação penal não se mostra suficiente para justificar o indeferimento da autorização de residência. Ao decidir com decidiu, a Administração violou o artº 9º/2-1) da Lei nº 4/2003 e os princípios da legalidade, da adequação e da proporcionalidade.
Comecemos pela violação da Lei nº 4/2003.
Reza esta lei nos seus artigos 8º e 9º que:
Artigo 8.º
Autorização especial de permanência
1. A permanência na RAEM pode ser especialmente autorizada para fins de estudo em estabelecimento de ensino superior, de reagrupamento familiar ou outros similares julgados atendíveis.
2. O pedido de autorização de permanência para fins de estudo é instruído com documento comprovativo de inscrição ou matrícula em estabelecimento de ensino superior da RAEM, e documento que ateste a duração total do curso respectivo.
3. A autorização de permanência para fins de estudo é concedida pelo período normal de duração do curso pretendido frequentar, sendo renovável pelo período máximo de 1 ano.
4. Tratando-se de curso com duração superior a 1 ano, a autorização é obrigatoriamente confirmada pelo menos uma vez por ano, sendo para tal tidos em conta a efectiva frequência do curso e o aproveitamento escolar.
5. A autorização de permanência do agregado familiar de trabalhador não-residente especializado, cuja contratação tenha sido do interesse da RAEM, é concedida pelo período pelo qual o referido trabalhador estiver vinculado, sob parecer da entidade competente para a autorização da contratação de mão-de-obra não-residente.
6. Na pendência de pedido de fixação de residência pode o Serviço de Migração prorrogar a autorização de permanência do interessado a seu requerimento, uma ou mais vezes, até 30 dias após a decisão final sobre aquele pedido.
Artigo 9.º
Autorização
1. O Chefe do Executivo pode conceder autorização de residência na RAEM.
2. Para efeitos de concessão da autorização referida no número anterior deve atender-se, nomeadamente, aos seguintes aspectos:
1) Antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no artigo 4.º da presente lei;
2) Meios de subsistência de que o interessado dispõe;
3) Finalidades pretendidas com a residência na RAEM e respectiva viabilidade;
4) Actividade que o interessado exerce ou se propõe exercer na RAEM;
5) Laços familiares do interessado com residentes da RAEM;
6) Razões humanitárias, nomeadamente a falta de condições de vida ou de apoio familiar em outro país ou território.
3. A residência habitual do interessado na RAEM é condição da manutenção da autorização de residência.
O recorrente entende que a entidade recorrida não levou em conta a gravidade diminuta da pena abstracta do crime praticado e as circunstâncias dos factos que motivaram a sua condenação penal, nomeadamente a substituição da pena de prisão por multa, a prognose positiva do Tribunal quanto à prevenção especial e a não transcrição da condenação no registo criminal.
Assim, ao decidir como decidiu, indeferindo o seu pedido de autorização de residência, a Administração desrespeitou o sentido da decisão penal transitada em julgado e violou de forma directa o disposto no artº 9º da Lei nº 4/2003.
Ora, admitindo embora que, no caso em apreço, tendo em conta o facto de o cônjuge do recorrente residir e trabalhar em Macau (estão fora de questão todos os factos relacionados com o filho menor do recorrente, uma vez que estes factos só ocorreram após o desencadeamento do procedimento pelo recorrente com vista à obtenção da autorização de residência, não foram levados supervenientemente pelo recorrente ao procedimento administrativo, portanto, nem tidos em conta pela entidade recorrida para a tomada da decisão recorrida), o indeferimento da autorização de residência temporária em Macau implica alguns incómodos da sua vida familiar em Macau e algumas limitações no exercício, por parte do recorrente, do seu direito à reunião familiar em Macau, temos de aceitar a impossibilidade da integral harmonização entre a protecção dos interesses tutelados por esse direito e a de interesses públicos, nomeadamente o da segurança pública e interna da RAEM.
Nestas circunstâncias concretas, temos de reconhecer que a Administração está em melhores condições para avaliar se se torna necessário limitar, senão sacrificar direitos dos recorrentes para que se concretizem os interesses públicos consubstanciados na salvaguarda de segurança pública e interna.
Assim, ponderando os interesses em jogo, por um lado temos os bens jurídicos da segurança de todos os utentes das vias rodoviárias públicas, e por outro lado, os valores de ordem pessoal e familiar do próprio recorrente, não consideramos que o indeferimento da autorização de residência constitui erro grosseiro ou manifesto no exercício do poder discricionário, nem consideramos que o indeferimento poderá infringir os princípios de cariz constitucional, nomeadamente o princípio proporcionalidade e o princípio da adequação.
Improcede o recurso.
Em conclusão:
4. O acto administrativo considera-se fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o artº 480º/2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de reacção, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.
5. Os tribunais administrativos não podem sindicar as decisões tomadas pela Administração no exercício de poderes discricionários, salvo nos casos extremos de erro grosseiro ou manifesto ou “quando sejam infringidos os princípios gerais que limitam ou condicionam, de forma genérica, a discricionariedade administrativa, designadamente os princípios constitucionais; o princípio da imparcialidade, o princípio da igualdade, o princípio da justiça, o princípio da proporcionalidade, o princípio da boa fé, etc..”
6. Admitindo embora que, tendo em conta o facto de o cônjuge do recorrente residir e trabalhar em Macau, o indeferimento da autorização de residência temporária em Macau implica alguns incómodos na sua vida familiar em Macau e algumas limitações no exercício, por parte do recorrente, do seu direito à reunião familiar em Macau, é de aceitar a impossibilidade da integral harmonização entre a protecção dos interesses tutelados por esse direito e a de interesses públicos, nomeadamente o da segurança pública e interna da RAEM. Nestas circunstâncias, tem-se de reconhecer que a Administração está em melhores condições para avaliar se se torna necessário limitar, senão sacrificar direitos do recorrente para que se concretizem os interesses públicos consubstanciados na salvaguarda de segurança pública e interna. Assim, ponderando os interesses em jogo, por um lado estão presentes os bens jurídicos da segurança de todos os utentes das vias rodoviárias públicas, e por outro lado, os valores de ordem pessoal e familiar do próprio recorrente, não é de concluir que o indeferimento da autorização de residência constitui erro grosseiro ou manifesto no exercício do poder discricionário, nem que o indeferimento poderá infringir os princípios de cariz constitucional, nomeadamente o princípio proporcionalidade e o princípio da adequação.
Resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 8 UC.
Registe e notifique.
RAEM, 27OUT2016
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
Fui presente
Mai Man Ieng
678/2015-17