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Processo nº 706/2016
Data do Acórdão: 27OUT2016


Assuntos:

Providência Cautelar
Legitimidade
Ónus de alegação de factos
Periculum in mora


SUMÁRIO

1. O negócio anulável, não obstante a falta ou vício de um elemento interno ou formativo, produz os seus efeitos e é tratado como válido, enquanto não for julgada procedente uma acção de anulação;

2. Não é portanto questionável a legitimidade da requerente, enquanto administração do condomínio, pura e simplesmente por se encontrar pendente uma acção de anulação da deliberação através da qual a requerente foi nomeada administração do condomínio;

3. Se perante uma materialidade fáctica, alegada pelo requerente de uma providência cautelar, que, não obstante misturada com alguns juízos conclusivos, se provada, tem a virtualidade de demonstrar um fundado receio de lesão grave e de difícil reparação do direito a que se pretende obviar com o procedimento cautelar, o Tribunal tem de fazer prosseguir o procedimento.


O relator


Lai Kin Hong


Processo nº 706/2016


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I
A Administração do Condomínio dos Edifícios A, B e C, devidamente identificada nos autos, requereu, contra a Sociedade de Administração de Propriedades D, Lda., também identificada nos autos, a presente providência cautelar, pedindo ser a requerida condenada a desocupar imediatamente o condomínio dos prédios A, B e C e em caso de procedência da providência requerida, ser a requerida condenada no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, nos termos requeridos no seu requerimento inicial.

Devidamente registada e autuada, e conclusa ao Exmº Juiz titular do processo, foi proferido o seguinte despacho liminar indeferindo a requerida providência:

  A presente providência cautelar é dependência de um processo comum de condenação da requerida, além do mais, no reconhecimento da cessação da relação contratual que mantinha com a requerente e tendo por objecto a gestão e administração dos edifícios id. no artº1 da p.i., igualmente na condenação na desocupação dos imóveis supra referidos e indemnização.
  Ora, se bem caracterizada a providência cautelar no que concerne ao “direito”, é, na nossa perspectiva, manifestamente falha em relação ao periculum in mora.
  Mas vejamos.
  
  A providência cautelar comum é o instrumento apropriado à tutela de pretensões de natureza cautelar que não encontrem enquadramento nas nominadas.
  
  Dispõe o artº326º nº1 do C.P.C. que “sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado”.
  
  Temos, pois, como requisitos na medida cautelar atípica, a existência de um direito, direito esse cujo reconhecimento apela a um mero juízo de probabilidade ainda que com algum grau de consistência ou verosimilhança, e a existência de uma situação susceptível de, objectivamente, antes de proposta a acção principal ou antes da justa - composição da mesma, criar o justo receio a alguém de ver concretizada uma lesão grave e de difícil reparação do respectivo direito.
  
  Igual tutela está garantida também para os direitos que dependam de decisão a proferir (artº326 nº1 do C.P.C.)
  
  “Tal como ocorre relativamente aos direitos já constituídos, se relativamente a tais direitos se mostrar fundando receito de lesão grave e de difícil reparação, também o seu titular poderá beneficiar da medida cautelar adequada a assegurar o efeito útil derivados do seu exercício jurisdicional” – Cfr. Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, V.III, 3ª edição, p.91
  
  Além destes aspectos, exige-se a adequação da providência à situação de lesão iminente, não superioridade do prejuízo resultante da providência ao dano que com ela se pretende evitar e, por fim, a inexistência de providência específica que acautele o direito que está em “jogo” - Cfr. por todos, Ac. da RE de 16.5.91, in CJ, TIII, p.287.
  
  Em resumo, o procedimento cautelar não especificado de que a requerente lançou mão depende da concorrência dos seguintes pressupostos:
  
  i. Pressupostos positivos: a) Fumus boni iuris – aparência do direito, i.e., probabilidade séria da existência do direito invocado pela requerente; b) Periculum in mora – fundado receio de que, na pendência de uma acção, esse direito sofra lesão grave e de difícil reparação; c) Adequação da providência requerida à situação de lesão iminente; d) Inaplicabilidade de qualquer uma das outras providências cautelares previstas no CPC.
   ii. Um requisito negativo: a) prejuízo resultante da providência não seja superior ao dano que com ela se pretende evitar.
   Quanto ao requisito da existência do direito, no regime do procedimento cautelar comum previsto no C.P.C. apenas se pede ao Tribunal uma apreciação ou um juízo de mera probabilidade ou verosimilhança; relativamente ao requisito da lesão grave e de difícil reparação, exige-se um juízo, senão de certeza e segurança absoluta, ao menos de probabilidade muito forte, não bastando qualquer receio que pode corresponder a um estado de espírito que derivou de uma apreciação ligeira da realidade, ou de um exame precipitado das circunstâncias.
  
  Ora, visto o conteúdo factual da providência cautelar facilmente se perscruta que, provada a mesma, de imediato se reconhecerá o direito base da mesma.
  
  O problema está na alegação consubstanciadora, se provada e na medida que o possa ser e vista a natureza da alegação, do referido periculum in mora, alegação essa que, como já se adiantou, é muito pouco factual, em regra de natureza conclusiva: fala-se em imensos prejuízos (artº42); perigo que tal representa para a segurança das pessoas (artº47 e 49); não terá fundo de maneio para a manutenção dos elevadores (artº52); partes que ameaçam cair a qualquer momento (artº54º); infiltração grave e a resolver o quanto antes (artº57); entra chuva, ficando em muito mau estado (artº59); confusão dos condóminos por não saberem a quem pagar (artº60); grandes transtornos aos condóminos que se viram privados de ter televisão (artº62), etc..
  
  Não queremos ser deselegantes, mas faltam factos.
  
  Mas deixemos o facto, que é coisa em relação ao qual admitimos ser algo puristas e passemos a prognose do que se retira daquilo que conclusivamente se alega.
  
  Certo que a postura alegada da requerida parece contrária ao direito, postura que criará os conclusivos embaraços, desconfortos, sentimentos de insegurança, prejuízos, mas, com o devido respeito, na forma alegada e com a dimensão alegada, está tudo muito longe daquilo que deve ser objecto de uma redobrada exigência, uma exigência muito para além do que se exige em relação ao direito.
  
  A factualidade que, objecto prova, permita concluir que, na pendência de uma acção, o direito sofre lesão grave e de difícil reparação, é manifestamente escassa e elementar.
  
  Portanto, o exercício que o tribunal faz é projectar a matéria de facto a propósito alegada, pouca, muito pouca, e, em face dela, equacionar se a mesma, provada, será “estribo” suficiente para que possa continuar o iter do sucesso da providência.
  
  Nada permite concluir nesse sentido, nada aponta que não haja arcaboiço financeiro para que se suporte o pagamento de todos os prejuízos da requerente e ou demais particulares donos ou arrendatários das fracções existentes nos edifícios em causa, nada aponta que os embaraços, os sentimentos de insegurança, o desconforto não possam ser objecto de compensação por mero equivalente, sequer que sejam efectivamente de molde a isso.
  
  Sem que nos ordenem, com o devido respeito, não ficaremos com a odiosa decisão de deixar passar acções de natureza altamente invasiva como as p.c. e sem que sejam escrupulosamente cumpridos os respectivos requisitos. Este é um meio excepcional, de pronúncia exigente por altamente invasiva das liberdades e património, impondo por isso todo o cuidado.
  
  Pelo exposto, indefiro liminarmente a presente providência.
  
  Custas pela requerente.
  
  Notifique e registe.
  

Não se conformando com esse despacho que indeferiu liminarmente a requerida providência, a requerente recorreu da mesma para este TSI, tendo para tal concluído e pedido que:

A - Vem o presente recurso interposto do despacho de indeferimento liminar da providência cautelar de fls. 167 a 169 verso dos autos, na medida em que a Recorrente não consegue compreender o porquê de um indeferimento liminar no caso em apreço.
B - Desde logo, não concorda a Recorrente com o critério valorativo do Tribunal a quo, bastando, no seu entender, a alegação de um único facto revelador de um prejuízo para que o Tribunal deva ponderar sobre a viabilidade de uma providência cautelar.
C - O Tribunal a quo parece desligar-se da situação concreta que lhe foi exposta para recorrer a um critério quantitativo ( “...faltam factos”, “a factualidade que, objecto de prova.... é manifestamente escassa e elementar”, “...a matéria de facto a propósito alegada, pouca, muito pouca ...” ) quanto aos factos de onde resultem prejuízos.
D - A este propósito, tudo o que foi alegado sob os artigos 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.°,10.°,11.°,43.°,44.°,45.°,47.°,50.°,51.°,52.°, 53.°, 54.°, 56.°, 57.°, 58.º, 59.°, 60.°, 61.°, 62.° e 66.° do requerimento inicial , e acima transcritos, traduzem os prejuízos em causa nos presentes autos de procedimento cautelar.
E - No entender da Recorrente todos os factos acima transcritos revelam a existência de vários e sérios prejuízos, em prédios que estão sem gestão e em péssimas condições de manutenção devido à conduta da Requerida.
F - Entende a Recorrente que, à luz do art. 332.°, n.º 1 do C.P.C., no caso, a providência cautelar deve ser admitida porque, atentos os factos alegados, se mostra suficientemente fundado o receio da sua lesão.
G - Ora, no geral, resulta claramente exposto - a até documentado - o quadro de prédios sem gestão, em péssimo estado de manutenção, confusão instalada entre os condóminos que não sabem a quem pagar a quotização do condomínio, impossibilidade de iniciar o cumprimento do contrato de prestação de serviços com uma terceira sociedade, entre outros.
H - Pelo que, no entender da Recorrente, a pergunta correcta é se, uma vez provados os factos alegados, se é justo e proporcional que, ainda assim, a Recorrente e os condóminos tenham de arcar com esses prejuízos e de aguardar pelo desfecho da acção principal para pôr cobro ao comportamento abusivo e ilegal da Requerida.
I - Por outro lado, a decisão recorrida também se excede quando consagra que: “Nada permite concluir nesse sentido, nada aponta que não haja arcaboiço financeiro para que se suporte o pagamento de todos os prejuízos da requerente (...)”.No entender da Recorrente, o Tribunal a quo não podia dizer isso. Trata-se de uma extrapolação que, para mais, contraria factos alegados e que carecem de prova (cfr. nomeadamente os artigos 50.º a 52.º do requerimento inicial).
J - Acresce que, se o Tribunal a quo entende que a providência cautelar requerida se encontra devidamente caracterizada quanto ao direito, significa isto que podemos dar por certa a assunção de que assiste o direito à Recorrente de livremente revogar o contrato de prestação de serviços que celebrou com a Requerida que, porém, ficará esvaziada de sentido caso, pelo menos, não seja apreciada a presente providência cautelar.
K - Esperar pelo resultado da acção principal poderá ser um verdadeiro desastre para os condóminos e para a própria estrutura dos prédios e, na prática, tal equivalerá a dizer que o direito de revogação do contrato de prestação de serviços que assiste à Recorrente não tem qualquer efeito.
L- Por último, a Recorrente também não pode deixar de consignar que o segmento consignado na decisão recorrida de que: “... não ficaremos com a odiosa decisão de deixar passar acções de natureza altamente invasiva como as p.c...” é despropositado no caso, tanto mais que a Requerida bem sabe que foi posto termo ao contrato de prestação de serviços que celebrou com a Recorrente e, para além do mais, no caso, a Recorrente nem pediu o decretamento da providência cautelar sem audiência prévia da Requerida.
M - Ou seja, caso os factos alegados pela Recorrente não correspondam à situação real, a Recorrida terá a oportunidade de se defender e o Tribunal nunca estará a adoptar uma medida altamente invasiva, pois além de cumprido o contraditório, a Requerida bem sabe que o contrato de prestação de serviços de gestão que lhe permitia ocupar o prédio já terminou.
N - Pelas razões expostas, entende a Recorrente que o Tribunal a quo não analisou devidamente a situação e os factos sub judice, tendo procedido a uma incorrecta interpretação do disposto nos arts. 326.° e 332.°, n.º 1 do C.P.C., razão pela qual deverá a presente providência cautelar ser admitida, ordenando-se o prosseguimento dos seus termos até final.
Nestes termos e melhores de direito que V. Ex.ªs doutamente suprirão, deve o presente recurso ser considerado procedente por provado e, consequentemente, ordenada a revogação do despacho que indeferiu liminarmente a providência cautelar, substituindo-se por outro que ordene a respectiva admissão e o prosseguimento da providência cautelar requerida.
Decidindo assim farão Vossas Excelências
JUSTIÇA!

Notificada para os termos do recurso e para os termos da providência, veio a requerida suscitar a ilegitimidade da requerente e pugnando pela improcedência do recurso e pela improcedência da providência.
II

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Em face dos fundamentos do indeferimento liminar e das conclusões na petição do recurso, para além da questão de ilegitimidade da requerente, suscitada pela requerida, a única questão que constitui o objecto da nossa apreciação é a da escassez dos factos alegados para sustentar o juízo de verificação do periculum in mora.

Então vejamos:

1. Da ilegitimidade da requerente

Rigorosamente falando, a requerida não concluiu peremptoriamente pela ilegitimidade da requerente para requerer a presente providência cautelar, tendo-se apenas limitado a invocar a incerteza ou a não sedimentação da sua legitimidade para o efeito.

Para o efeito, a requerida invoca que:
I. 上訴人的正當性未能確定
六、
  上訴人“E花園管理委員會”的成員是於2016年1月17日的分層所有人大會中選出,現以作為全體分層所有人的代表提起本訴訟。
七、
  然而,於2016年1月27日,E花園B XX樓XX座的業主F先生就上述決議提出一項保全措施(卷宗編號:CV3-16-0033-CPV; CV2-16-0024-CAO-A),請求中止大會決議的效力,現有關程序處於上訴階段。
八、
  同時,於2016年4月18日,E花園B XX樓XX座的業主F先生現正就上述決議向初級法院提起撤銷之訴(卷宗編號: CV2-16-0024-CAO),有關案件法院仍未作出決定。
九、
  由此可見,基於法院仍在審理有關案件,上訴人是否具有代表E花園的正當性,仍然存有疑問。
十、
  除此之外,現時明顯上訴人正希望籍此保全措施提早執行有關具有疑問的決議,因此現階段被聲請人認為並不適宜批准保全措施的聲講。

Ou seja, na óptica da requerida, ora recorrida, tendo a requerente sido eleita por uma deliberação tomada na Assembleia Geral dos Condóminos realizada em 17JAN2016 e sendo esta deliberação objecto de um procedimento de suspensão e de uma acção de anulação, ambos instaurados por um condómino e ainda pendentes, é portanto duvidosa e incerta a legitimidade da requerente para requerer a presente providência.

Não tem razão a requerida.

Em primeiro lugar, não obstante questionada a sua legitimidade pela ora recorrida por via de uma acção de anulação, ainda pendente, afigura-se-nos suficientemente indiciada a habilitação da requerente, ora recorrente, para a instauração da presente providência cautelar, pois foi eleita por deliberação da Assembleia Geral de Condómino realizada 17JAN2016, conforme se vê no ofício do Instituto de Habitação e na cópia da acta da Assembleia Geral ora a fls. 21 e 70 e s.s., respectivamente, dos presentes autos.

Em segundo lugar, conforme se vê no documento nº 42, junto pela requerente com o requerimento inicial, e ora consta das fls. 96 e s.s. dos autos, que é cópia da petição inicial de uma acção de anulação, aquele condómino pretende ver anuladas as deliberações com fundamento na anulabilidade das mesmas.

O negócio anulável, não obstante a falta ou vício de um elemento interno ou formativo, produz os seus efeitos e é tratado como válido, enquanto não for julgada procedente uma acção de anulação – cf. Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed. actualizada, pág. 610.

Portanto, a requerida não pode invocar a ilegitimidade da requerente, enquanto administração do condomínio, pura e simplesmente por se encontrar pendente uma acção de anulação da deliberação através da qual a requerente foi eleita e nomeada administração do condomínio.

Na esteira desse douto ensinamento doutrinário, cai por terra a tese da requerida.

2. Da escassez dos factos alegados para sustentar o juízo da verificação do periculum in mora

Conforme se vê no relatório do presente Acórdão, o Exmº Juiz a quo indeferiu liminarmente o requerimento com fundamento na escassez dos factos alegados para sustentar o juízo da verificação do periculum in mora.

Convém relembrar o que disse o Exmº Juiz a quo.

Disse que:

“O problema está na alegação consubstanciadora, se provada e na medida que o possa ser e vista a natureza da alegação, do referido periculum in mora, alegação essa que, como já se adiantou, é muito pouco factual, em regra de natureza conclusiva: fala-se em imensos prejuízos (artº42); perigo que tal representa para a segurança das pessoas (artº47 e 49); não terá fundo de maneio para a manutenção dos elevadores (artº52); partes que ameaçam cair a qualquer momento (artº54º); infiltração grave e a resolver o quanto antes (artº57); entra chuva, ficando em muito mau estado (artº59); confusão dos condóminos por não saberem a quem pagar (artº60); grandes transtornos aos condóminos que se viram privados de ter televisão (artº62), etc..

Não queremos ser deselegantes, mas faltam factos.

Mas deixemos o facto, que é coisa em relação ao qual admitimos ser algo puristas e passemos a prognose do que se retira daquilo que conclusivamente se alega.

Certo que a postura alegada da requerida parece contrária ao direito, postura que criará os conclusivos embaraços, desconfortos, sentimentos de insegurança, prejuízos, mas, com o devido respeito, na forma alegada e com a dimensão alegada, está tudo muito longe daquilo que deve ser objecto de uma redobrada exigência, uma exigência muito para além do que se exige em relação ao direito.

A factualidade que, objecto prova, permita concluir que, na pendência de uma acção, o direito sofre lesão grave e de difícil reparação, é manifestamente escassa e elementar.

Portanto, o exercício que o tribunal faz é projectar a matéria de facto a propósito alegada, pouca, muito pouca, e, em face dela, equacionar se a mesma, provada, será “estribo” suficiente para que possa continuar o iter do sucesso da providência.

Nada permite concluir nesse sentido, nada aponta que não haja arcaboiço financeiro para que se suporte o pagamento de todos os prejuízos da requerente e ou demais particulares donos ou arrendatários das fracções existentes nos edifícios em causa, nada aponta que os embaraços, os sentimentos de insegurança, o desconforto não possam ser objecto de compensação por mero equivalente, sequer que sejam efectivamente de molde a isso.

Sem que nos ordenem, com o devido respeito, não ficaremos com a odiosa decisão de deixar passar acções de natureza altamente invasiva como as p.c. e sem que sejam escrupulosamente cumpridos os respectivos requisitos. Este é um meio excepcional, de pronúncia exigente por altamente invasiva das liberdades e património, impondo por isso todo o cuidado.

Pelo exposto, indefiro liminarmente a presente providência.”

A recorrente não está de acordo com essa afirmação do Tribunal a quo, antes defende que existem factos suficientes, se provados, susceptíveis de ilustrar a verificação do pressuposto periculum in mora.

Para a recorrente, os seguintes factos, já alegados no requerimento inicial, se provados, são suficientemente demonstrativos da verificação do tal requisito para o decretamento da providência requerida:
......
5.º
Sucede que a Requerida deixou de cumprir as obrigações a que se encontrava vinculada, tendo deixado de gerir, ainda que em termos mínimos, o condomínio dos prédios.
6.º
Tendo, nomeadamente, deixado de proceder ao pagamento à empresa de manutenção dos elevadores, de Abril a Dezembro de 2015, conforme Doc. 4 que ora se junta.
7.º
A Requerida permitiu que as partes comuns do prédio se fossem acumuladas de sujidade e de lixo, conforme exemplificativamente se retira das fotografias que ora se juntam como Docs. 5 a 8.
8.º
A Requerida permitiu que as zonas comuns dos prédios fossem utilizadas pelos seus empregados como se de suas próprias casas se tratasse, procedendo os mesmos à colocação e armazenamento de bens pessoais nas partes comuns dos prédios, conforme Docs. 9 a 13 que ora se juntam
9.º
Os parques de estacionamento foram votados ao abandono, com diversos veículos abandonados e vandalizados, conforme Docs. 14 a 25 que ora se juntam.
10.º
Com zonas cheias de lixo, conforme Docs. 26 a 30 que ora se juntam.
11.º
A Requerida deixou de realizar a limpeza, manutenção e as reparações que lhe eram exigíveis nos termos do contrato de prestação de serviços celebrado.
......
43.º
A Requerida ao não desocupar os prédios está impedir a necessária gestão do condomínio dos prédios.
44.º
Pelo facto de a Requerida não ter desocupado os prédios até ao presente, não pôde a Requerente iniciar o cumprimento do contrato com a nova sociedade que se comprometeu a assegurar a gestão do condomínio, nos termos do contrato acima junto como Doc. 39.
45.º
Tal como resulta do doc. 4 acima junto, de Abril a Dezembro de 2015, a Requerida não pagou à empresa de manutenção dos elevadores.
......
47.º
Devido ao perigo que tal representa para a segurança das pessoas, em Janeiro de 2016, a Requerente foi forçada a celebrar um acordo temporário directamente com a empresa de manutenção dos elevadores, conforme documento que desde já se protesta juntar aos autos.
......
50.º
Sucede que a Requerente está a proceder a tal pagamento através do Fundo de Urgência do Condomínio, o qual está praticamente a esgotarse.
51.º
Com efeito, desde Agosto de 2015 que a Requerida deixou de entregar os montantes do Fundo de Reserva do Condomínio à Requerente, obrigação cabe à Requerida, nos termos da 3a parte, clausula c) do Contrato de Prestação de Serviços acima junto como Doc. 3.
52.º
O que significa que, pelo facto de não estar a receber o Fundo de Reserva, caso a Requerida não desocupe o prédio, em breve a Requerente não terá meios para assegurar o serviço de manutenção dos elevadores.
53.º
Acresce que, o condomínio dos prédios precisa também que sejam realizadas obras urgentes, sobretudo na garagem, na medida em que o mesmo apresenta infiltrações graves.
54.º
Na verdade, chove dentro da garagem, está a escorrer água suja para dentro da mesma, sendo que há partes que parecem ameaçar cair a qualquer momento, conforme se pode ver pelas fotografias que ora se juntam como Docs. 45 a 51 que ora se juntam.
......
56.º
Sendo que a Requerente também não pode proceder à realização das obras por sua iniciativa, pois, como já referido, a Requerida deixou de lhe entregar os montantes do Fundo de Reserva do Condomínio.
57.º
O mesmo se diga da fracção 34 L do prédio B, a qual apresenta uma infiltração grave, proveniente de uma falha na fachada do edifício e que tem de ser resolvida o quanto antes, conforme resulta das fotografias que ora se juntam como Docs. 52 a 55 que ora se juntam.
58.º
Sendo que, sempre que chove, entra chuva para o interior da fracção, a qual fica em muito mau estado.
59.º
Também enquanto a Requerida persistir na ocupação do prédio, não pode a Requerente diligenciar no sentido da reparação do problema da infiltração.
60.º
Acresce que, a situação criada pela Requerida de querer permanecer nos prédios, apesar de já ter sido deliberado pelos condóminos pôr termo ao respectivo contrato, está a criar a maior confusão aos condóminos que não sabem a quem devem pagar a quotização do condomínio.
61.º
Como consequência, pelo facto de não ter recebido as quotas, a Requerida mandou cortar o serviço de G a todos os condóminos que não lhe procederam ao pagamento.
62.º
Situação que está a causar grandes transtornos aos condóminos que se viram privados de ter televisão.
......
66.º
Neste momento, a Requerida encontra-se a ocupar os prédios, limitando-se a manter lá o seu pessoal e proceder ao pagamento das despesas de água e de electricidade.
......

Sintetizando-se esta matéria de facto alegada, temos presente que:

* A acumulação de sujidade e de lixo nas partes comuns dos prédios;

* A colocação e armazenamento de bens pessoais do pessoal da requerida nas partes comuns dos prédios;

* A existência de veículos abandonados nos parques de estacionamento;

* As infiltrações na garagem que requeiram realização das obras urgentes;

* A requerida deixou de realizar a limpeza, a manutenção e as reparações que lhe eram exigíveis nos termos do contrato de prestação de serviços celebrado;

* A requerida não pagou à empresa de manutenção dos elevadores, o que obriga a requerente a proceder a pagamento das despesas resultantes da manutenção e reparação, no âmbito de um acordo temporário directamente com a empresa de manutenção dos elevadores através do Fundo de Urgência do Condomínio, o qual está praticamente a esgotar-se;

* A retenção pela requerida dos montantes do Fundo de Reserva do Condomínio, que a requerida está obrigada a entregar à requerente, nos termos da 3a parte, clausula c) do Contrato de Prestação de Serviços;

* Está a escorrer água suja para dentro da garagem, sendo que há partes da garagem que parecem ameaçar cair a qualquer momento;

* Na fracção XX XX do prédio B, há infiltração grave, proveniente de uma falha na fachada do edifício, enquanto a requerida persistir na ocupação do prédio, não pode a Requerente diligenciar no sentido da reparação do problema da infiltração.


Ora, não obstante misturada com alguns juízos conclusivos, perante a materialidade fáctica acima transcrita, se provada, cremos que a permanência da maior parte das situações fácticas descritas, alegadamente motivadas pela inércia e pela ocupação abusiva por parte da requerida, tem efectivamente a virtualidade de demonstrar um fundado receio de lesão grave e de difícil reparação do direito de gerir os prédios, nomeadamente no que diz respeito à higiene e à segurança dos moradores, a causar pela demora previsível e normal de uma decisão a obter através da acção declarativa competente, o que constitui justamente o prejuízo a que se pretende obviar com o procedimento cautelar.

Assim, sem mais delonga, é de concluir que não deixa de ser uma decisão precipitada a decisão do indeferimento liminar nos termos em que foi proferida e por isso terá de ser revogada.

Merece portanto provimento o presente recurso.

Em conclusão:

4. O negócio anulável, não obstante a falta ou vício de um elemento interno ou formativo, produz os seus efeitos e é tratado como válido, enquanto não for julgada procedente uma acção de anulação;

5. Não é portanto questionável a legitimidade da requerente, enquanto administração do condomínio, pura e simplesmente por se encontrar pendente uma acção de anulação da deliberação através da qual a requerente foi nomeada administração do condomínio;

6. Se perante uma materialidade fáctica, alegada pelo requerente de uma providência cautelar, que, não obstante misturada com alguns juízos conclusivos, se provada, tem a virtualidade de demonstrar um fundado receio de lesão grave e de difícil reparação do direito a que se pretende obviar com o procedimento cautelar, o Tribunal tem de fazer prosseguir o procedimento.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e determinando o prosseguimento do presente procedimento cautelar.

Custas pela requerida, pelo decaimento da excepção da ilegitimidade da requerente.

Notifique.

RAEM, 27OUT2016

_________________________
Lai Kin Hong
_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
_________________________
Ho Wai Neng

706/2016-22