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Processo nº 715/2016 Data: 27.10.2016
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Contravenção Laboral.
Resolução do contrato de trabalho.
Justa causa.
Insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
Conhecimento oficioso.
Reenvio.



SUMÁRIO

1. Incorre-se no vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” – de conhecimento oficioso – se o Tribunal omite investigação e pronúncia em sede de decisão da matéria de facto quanto a factos (relevantes) relatados no auto de notícia e alegados na contestação da transgressora.

2. Tal “insuficiência”, porque insanável, implica o reenvio dos autos para novo julgamento nos termos do art. 418° do C.P.P.M..

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo


Processo nº 715/2016
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. No âmbito dos Autos de Processo de Contravenção Laboral n.° LB1-15-0050-LCT, proferiu o Mmo Juiz do T.J.B. a seguinte sentença:

“ SENTENÇA
I – RELATÓRIO
O Ministério Público, em processo de contravenção laboral, acusou, por conversão do auto de notícia, para julgamento em Tribunal de estrutura singular:
*
A, que fica na xxxxxxxxxxx, Macau.
* * *
Pela prática de uma contravenção laboral, tudo conforme consta do auto de notícia cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido para os legais e devidos efeitos.
* * *
O trabalhador queixoso formulou pedido de indemnização civil.
A transgressora contestou.
Procedeu-se a julgamento.
A instância mantém-se válida e regular, tal como decidido no despacho de recebimento da acusação, nada obstando ao conhecimento do mérito.
*
II – FUNDAMENTAÇÃO
A) Matéria de facto provada.
Da discussão da causa resultou provada a seguinte matéria de facto com relevo para a decisão:
b, trabalhador, titular do B.I.R.M n.°1284933(7), residente em “澳門xxxxxxxx”, com n.° de telefone 66XXXXX, trabalhou para a entidade patronal, durante o período entre 1 de Maio de 1999 e 5 de Julho de 2015, auferindo a retribuição-base mensal de MOP$5.122,00, acrescida das gorjetas de HKD$8.016.03.
A transgressora comunicou ao trabalhador no dia 6 de Julho de 2015 (a fls. 13) o seu despedimento, nos termos que constam do documento de fls.13, com o teor que aqui damos por reproduzido.
A transgressora agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta violava as normas reguladoras das relações de trabalho.
* * *
B) Matéria de facto não provada.
Nenhuma
* * *
C) Motivação da decisão de facto.
O decidido assentou nas declarações das testemunhas e na análise dos documentos juntos aos autos, nomeadamente, o teor da comunicação escrita que consta de fls. 13.
* * *
D) Aspecto jurídico da causa.
Dispõe n.°4 do art° 69°, art° 70° e art° 77° da Lei n.° 7/2008, a inobservância deste preceito determina a prática de contravenção prevista no art. 85° n° 3 al. 5 da mesma Lei, que a inobservância do supra referido é punível com a multa de MOP$5.000,00 a MOP$10.000,00.
Com efeito, a falta de cumprimento do requisito de forma exigido por lei é o fundamento para que se possa confirmar a prática, pela transgressora, da contravenção que lhe era imputada; efectivamente, analisando o teor do documento de fls. 13, que constitui a carta de despedimento por justa causa do trabalhador, temos de concluir o seguinte: por um lado, o “objecto” do despedimento ficou circunscrito a duas razões: uma diz às faltas do trabalhador e a outra à insuficiente avaliação do desempenho do trabalhador; quanto à primeira das razões invocadas, dado que as faltas dadas pelo trabalhador foram sempre consideradas justificadas, não pode tal fundamento proceder, pela simples razão de que foram “justificadas” pela própria empregadora (é assim uma razão invocada de forma abusiva); quanto à segunda das razões invocadas, temos de ponderar uma circunstância muito simples e diz respeito à data em que a avaliação foi feita (cfr. documentos juntos pela transgressora em sede de audiência) e a data da carta do despedimento, não tendo sido cumpridos, pelo contrário, os 30 dias previstos no art. 69,°, n.° 1 da Lei n.° 7/2008.
Veio a transgressora invocar, no âmbito dos presentes autos, outros motivos que não constavam da comunicação escrita do despedimento, nomeadamente, o comportamento ofensivo do trabalhador relativamente a colegas, nomeadamente ao seu superior hierárquico: ora, estas alegações não podem fundamentar, neste momento, um despedimento, por tal não ter sido, no momento próprio, o fundamento para o efectivo despedimento ocorrido; fazer tal ponderação neste momento seria acrescentar fundamentos de que o trabalhador não se pôde defender, minimamente, no momento próprio.
Em face da matéria de facto provada, entende-se que a multa deve ser fixada pelo mínimo.
Vai ainda condenada a transgressora a pagar a quantia apurada e constante do mapa de apuramento ao trabalhador.

*
III. DECISÃO
Em face do exposto, julgo a acusação procedente por provada, e, em consequência, confirmo a decisão documentada pela D.S.A.L. relativamente a transgressora A.
Condena-se a transgressora pela prática da uma contravenção prevista pelo n.°4 do art° 69°, art° 70° e art° 77° da Lei n.° 7/2008, a inobservância deste preceito determina a prática de contravenção prevista no art. 85° n° 3 al. 5 da mesma Lei, na pena de multa de MOP$5.000,00 (Cinco Mil Patacas).
Condena-se ainda o Transgressor a pagar aos trabalhadores supra identificado a quantia discriminada no mapa de apuramento, elaborado pela DSAL.
Custas pela Transgressora com taxa de justiça fixada em uma unidade de conta (1UC).
Notifique / DN.
(…)”; (cfr., fls. 239 a 243 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Oportunamente, e porque inconformada, veia a transgressora recorrer.

Motivou para concluir nos termos seguintes:

“1. Prescreve a alínea 7) do n.° 2 do artigo 50.° da LRT que são consideradas faltas justificadas as que são dadas “Por acidente ou doença, até ao limite de trinta dias seguidos ou quarenta e cinco interpolados por cada ano civil” (realce nosso);
2. Tendo a última falta, de um total de 75, ocorrido em 24 de Junho de 2015, tal como resulta do Auto de Notícia n.° 128/0708/2015 e restante documentação constante do processo, e, tendo a comunicação de despedimento, a que se refere o n.° 1 do artigo 69.° da LRT, sido recebida pelo trabalhador em 6 de Julho de 2015 (fls 13 dos autos, assim como a matéria dada como provada a fls 240 dos autos), não se vislumbra onde poderá ser assacada a inexistência de justa causa para o despedimento;
3. A partir da 46.ª falta interpolada no mesmo ano civil, a LRT confere ao empregador o direito de resolver o contrato de trabalho nos termos da alínea 4) do n.° 2 do artigo 69.° da LTR, prescrevendo este normativo que constitui justa causa para a resolução do contrato por iniciativa do empregador as “Faltas injustificadas ao trabalho que causem directamente prejuízos graves para a empresa ou, independentemente de qualquer prejuízo, quando o número de faltas injustificadas for superior, em cada ano, a três dias consecutivos ou cinco dias interpolados.” (destaque nosso);
4. A Recorrente, logo após a última falta dada pelo trabalhador, em 24 de Junho de 2015, comunicou-lhe, em 6 de Julho de 2015, os fundamentos da resolução do contrato de trabalho, sendo um destes precisamente a acumulação de 75 faltas dadas por motivo de doença, no mesmo ano civil, conforme resulta do documento constante de fls 13 dos autos, e tudo dentro do prazo de 30 dias a que se refere o n.° 1 do artigo 69.° da LRT;
5. Nestes termos, mormente dos constantes do n.° 3 do artigo 69.° da LRT, “Havendo justa causa para a resolução do contrato por iniciativa do empregador não há lugar ao pagamento de qualquer indemnização compensatória”, devendo a aqui Recorrente ser absolvida, quer das infracções que lhe são imputadas quer da indemnização reclamada e arbitrada, o que se requer, porquanto, nesta parte, a Decisão recorrida violou as disposições constantes da alínea 7) do n.° 2 do artigo 50.°, do n.° 1 do artigo 69.°, da alínea 4) do n.° 2 do artigo 69.°, do artigo 77.° e da alínea 5) do n.° 3 do artigo 85.°, todas da LRT;
Assim não se entendendo,
6. As gorjetas não estão compreendidas no conceito legal de remuneração de base (cfr. o artigo 59.° da LRT);
7. Ademais, atente-se nos termos do contrato de trabalho celebrado, nomeadamente nos termos da sua renovação assinada em 15.12.2008 (cfr. o Documento n.° 5 junto à contestação apresentada pela ora Recorrente), aqui dada como reproduzida para os devidos efeitos legais, em especial a alínea A), no âmbito da qual claramente as partes acordaram – e o trabalhador reconhece – que as gorjetas não são parte integrante do salário, sendo que este, no momento em que decide assinar a renovação contractual, encontra-se de mente livre e esclarecida, de forma alguma estando viciada a sua declaração negocial;
8. Mais se atente nos termos da declaração assinada pelo trabalhador em 19.12.2004 (cfr. o Documento n.° 6 junto à contestação apresentada pela ora Recorrente), aqui dada como reproduzida para os devidos efeitos legais, este claramente declara estar consciente que o montante relativo às gorjetas não é parte integrante do seu salário;
9. Em especial no ponto VII da Declaração junta à contestação como documento n.° 6, transcrevendo-se: “VII. Declaro e prometo que quando terminar este contrato de trabalho, não exigirei compensação sobre as gorjetas, bem como depois da cessação da relação, desistindo a pedir indemnização com base nas gorjetas através de acção judicial”;
Assim não se entendendo,
10. A corrente jurisprudencial de Macau que defende a tese de que as gorjetas constituem salário, concorde-se ou não, sempre a fundamentou no facto de que os salários diários que eram praticados eram baixos e, como tal, não constituíam um salário justo (evolução de MOP 4,10 para HKD 10,00 e para HKD 15,00, todos por dia de trabalho, ao longo de cerca de 3 décadas), no sentido de que nenhum trabalhador poderia sobreviver apenas com esse vencimento diário, o que, mais uma vez, não é o caso dos presentes autos;
11. Neste contexto, mesmo na perspectiva jurídica da corrente jurisprudencial que defende a integração das gorjetas no salário, a mais desvantajosa para a aqui Recorrente, não há fundamento para que o Recorrido tenha direito a gorjetas;
12. Em suma, salvo mais douto entendimento, as gorjetas não estão compreendidas no conceito legal de remuneração de base constante do artigo 59.° da LRT, pelo que a Decisão aqui recorrida violou este dispositivo;
13. Segue que tal como resulta expresso dos termos do contrato de trabalho e suas renovações, celebrado entre as partes, assim como resulta expresso nos termos da declaração assinada pelo trabalhador em 19.12.2004 (cfr. o Documento n.° 6 junto à contestação apresentada pela ora Recorrente), pelo que, por esta via, a Decisão recorrida viola os termos contractuais acordados entre empregador e trabalhador;
14. Por fim, na hipótese académica de improceder a invocada justa causa de despedimento, deverão os cálculos relativos à compensação arbitrada, constantes do mapa de apuramento da DSAL, ser alterados em conformidade, no sentido de se excluir o valor das gorjetas na determinação do quantitativo relativo à remuneração-base”; (cfr., fls. 262 a 276).

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Respondendo, diz o Ministério Público:

“1.) A visão pessoal da recorrente em atribuir determinados sentidos às provas produzidas não vincula o tribunal recorrido;
2.) Há um círculo essencial e básico dos direitos do trabalhador que merece de uma tutela acrescida, inderrogável pelas vontades das partes;
3.) Só assim se justifica a existência do direito de trabalho, servindo-se como direito de protecção do trabalhador;
4.) A remissão foi assinada na manutenção das relações de trabalho prevista no documento n°. 6 junta à contestação de fls. 159, devem ser declarada nula as clausulas contratuais contidas, considerando-as como inexistentes.
5.) No caso vertente, e dada ao peso que ocupa a gorjeta no vencimento do trabalhador, o seu modo de distribuição, a prática habitual e a inegável correspectividade entre a prestação de trabalho e o seu efectivo pagamento, é legítimo em afirmar que a remuneração do trabalhador é composto em duas partes, uma delas fixa e outra parte variável”; (cfr., fls. 281 a 283-v).

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Neste T.S.I., juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Nas alegações de fls.246 a 276 dos autos, a recorrente assacou, à douta sentença em crise, a ofensa das disposições na alínea 7) do n.°2 do art.50°, no n.°1 do art.69°, na alínea 4) do n.°2 do art.69°, no art.77° e na alínea 5) do n.°3 do art.85°, todas da Lei n.°7/2008 (Lei da Relações de Trabalho).
Fundamentando a sua arguição, alegou a recorrente que as faltas do recorrido no mesmo ano, na totalidade de 75 dias, excedem ao limite máximo consagrado na alínea 7) do n.°2 do art.50° desta Lei, e devem ser injustificadas todas as faltas excedentes ao dito limite.
Apesar de ser verdade o facto alegado pela recorrente – as faltas do recorrente no ano civil de 2015 atingiram aos 75 dias, e sem prejuízo do respeito pela opinião diferente, não podemos acompanhar a posição por si pretendida – dão-se como injustificadas todas as faltas excedentes ao limite fixado na alínea 7) do n.°2 do art.50° da Lei n.°7/2008.
Ora bem, pela nossa parte, não se descortina que a recorrente tenha negado o facto de ela, como entidade patronal na devida altura, ter dado prévias autorizações ou posteriores aprovações a todas as 75 faltas, facto que vê aludido no Auto de fls.4 dos autos e valorizado pelo MM° Juiz a quo na sentença em sindicância.
Ao abrigo do preceituado na alínea 11) do n.°2 do art.50° da Lei n.°7/2008, as referidas autorizações e aprovações implicam, só por si e de forma suficiente, que o ora recorrente tinha considerado justificadas todas as 75 faltas, sem reserva às 30 faltas que ficam excedente ao limite legal.
Nestes termos, e de acordo com o princípio de boa fé consagrado no art.7° da mesma Lei, a recorrente não podia nem pode voltar a arrogar injustificadas as 30 faltas, sob pena de cometer censuravelmente a venire contra factum proprium.
O que nos aconselha a sufragar a tese do MM° Juiz a quo, que reza conclusivamente: «……, dado que as faltas dada pelo trabalhador foram sempre consideradas justificadas, não pode tal fundamento proceder, pela simples razão de que foram “justificadas” pela própria empregadora (é assim uma razão invocada de forma abusiva)».
Nesta linha de consideração, inclinamos a entender que a resolução por iniciativa da recorrente com fundamento em faltas injustificadas é sem justa causa, pelo que a douta sentença não infringe as disposições legais invocadas pela recorrente, e em consequência, não merece provimento o presente recurso nesta parte.
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Na contestação de fls.160 a 171 dos autos, a ora recorrente suscitou a questão de se as gorjetas estão ou não compreendidas no conceito legal da remuneração-de-base para efeitos de cálculo da indemnização devida por empregador no caso de resolução sem justa causa.
E, opina a recorrente que à Cláusula VII do documento n.°6 que se instrui à dita contestação (doc. fls.180 dos autos), se aplicam as prudentes jurisprudências tiradas pelos Venerandos TUI no Processo n.°27/2008 e TSI no Processo n.°1003/2010 (cfr. nomeadamente arts.13° e 16° da contestação).
Ora, a leitura atenciosa da douta sentença em escrutínio deixa-nos a impressão de que o MM° Juiz a quo não pronunciou sobre as questões colocadas nos arts.7° a 32° daquela contestação, que concernem ao “montante indemnizatório”. O que implica, na nossa modesta opinião, que a mesma sentença padece de omissão de pronúncia.
No dito documento n.°6, o recorrido B que era trabalhador da recorrente declarou: «特此聲明,本人於2004年12月1日起自願加入由公司經營的賭場內顧客賞賜的“茶錢”分配制度,……並接受一下條款». E estipula a Cláusula VII «承諾在退職之時,不會向公司要求茶錢補償,並且在退職之後,放棄以司法訴訟形式追討有關茶錢» (Prometo solenemente que não exigirei a compensação sobre as gorjetas ao terminar este contrato de trabalho, e depois da cessação deste contrato de trabalho, renunciarei a indemnização com base na gorjetas).
O que patenteia que o próprio recorrido fez escolha voluntária de adesão ao regime de distribuição de gorjetas, e consubstancia a Cláusula VII em compromisso de renúncia – renunciando à eventual compensação relacionada com gorjetas ao findar a relação de trabalho, e à acção judicial para, após o termo desta relação, exigir a compensação de gorjetas.
Sem prejuízo do respeito pela opinião diferente, afigura-se-nos que sendo embora prestada na vigência do respectivo contrato de trabalho, a renúncia incorporada no referido documento n.°6 é válido e eficaz, e pode extinguir o eventual direito à compensação correspondente a gorjetas.
Por todo o expendido, propendemos pela parcial procedência do presente recurso”; (cfr., fls. 295 a 296-v).

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Corridos os vistos dos Mmos Juízes Adjuntos, vieram os autos à conferência.

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Nada obstando, cumpre decidir.

Fundamentação

2. Vem a transgressora recorrer da sentença que – julgando procedente a acusação contra ela deduzida – condenou-a nos termos atrás relatados, ou seja, na multa de MOP$5.000,00, por falta de pagamento de indemnização por resolução sem justa causa do contrato de trabalho com o ofendido dos autos, assim como no pagamento a favor deste da indemnização na quantia total de MOP$288.726,80.

E, insurgindo-se contra o assim decidido, diz a ora recorrente que o ofendido dos autos foi objecto de “despedimento com justa causa”, (como, aliás, já afirmava em sede da sua contestação), e que, assim sendo, nenhuma indemnização compensatória tinha que pagar, devendo ser absolvida da infracção que lhe era imputada assim como do pagamento da indemnização em que foi igualmente condenada.

Subsidiáriamente, coloca a questão de saber se as “gorjetas” integram o conceito legal de “remuneração de base” (para efeitos de cálculo da indemnização), alegando ainda que, no caso, sempre seria de considerar que aquelas não fazem parte do salário em virtude de expresso acordo neste sentido.

Da reflexão que sobre as questões colocadas nos foi possível efectuar, e após atenta leitura à sentença recorrida, cremos que a decisão prolatada não se pode manter.

Vejamos.

O Tribunal a quo deu – apenas – como “provado” que:

- “o ofendido trabalhou para a entidade patronal, durante o período entre 1 de Maio de 1999 e 5 de Julho de 2015, auferindo a retribuição-base mensal de MOP$5.122,00, acrescida das gorjetas de HKD$8.016.03”;
- “a transgressora comunicou ao trabalhador no dia 6 de Julho de 2015 (a fls. 13) o seu despedimento, nos termos que constam do documento de fls.13”; e que,
- “a transgressora agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta violava as normas reguladoras das relações de trabalho”.

Seguidamente, consignou que não havia “nenhuma matéria de facto não provada”, e, tratando do “aspecto jurídico da causa”, (e atento o referido “documento de fls. 13”, cujo teor deu como reproduzido), considerou que o “despedimento” em questão assentou em duas razões: a primeira, devido às “faltas do trabalhador”, e a segunda, em consequência do seu “desempenho”.

Apreciando estas razões, decidiu que:

- “quanto à primeira das razões invocadas, dado que as faltas dadas pelo trabalhador foram sempre consideradas justificadas, não pode tal fundamento proceder, pela simples razão de que foram “justificadas” pela própria empregadora (é assim uma razão invocada de forma abusiva)”;
- “quanto à segunda das razões invocadas, temos de ponderar uma circunstância muito simples e diz respeito à data em que a avaliação foi feita (cfr. documentos juntos pela transgressora em sede de audiência) e a data da carta do despedimento, não tendo sido cumpridos, pelo contrário, os 30 dias previstos no art. 69,°, n.° 1 da Lei n.° 7/2008”.

Porém, (e sem embargo do muito respeito devido a outro entendimento), adequadas não se nos apresentam estas considerações.

É que não obstante em sede de auto de notícia se ter feito constar que a ora recorrente “autorizou (aceitou) as faltas do trabalhador”, (isto, de acordo com as declarações deste), o mesmo sucedendo com a mencionada “avaliação do seu desempenho” – cfr., fls. 4 a 4-v e 78 a 79-v, notando-se também que sobre tal matéria (e outra) se pronunciou a recorrente em sede da sua contestação que oportunamente juntou aos autos, cfr., fls. 138 a 158-v – o certo é que em sede de decisão da “matéria de facto provada” (e/ou “não provada”), nada existe.

Ou seja, da sentença objecto do presente recurso resulta que o Tribunal a quo acabou por considerar que o despedimento do trabalhador – (apenas) comprovado pelo “documento de fls. 13” – era “desprovido de justa causa” com base em “factos” que não constam da (sua decisão da) “matéria de facto” (provada e/ou não provada).

E, como se nos afigura evidente, sendo factualidade constante do auto de notícia e contestação, e que, desta forma, devia ser objecto de investigação e expressa pronúncia, padece assim a decisão recorrida do vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” – o que também sucede quanto ao alegado “acordo quanto à natureza das gorjetas” – vício este que, sendo de “conhecimento oficioso”, (sobre a questão, cfr., v.g., os Acs. deste T.S.I. de 03.02.2000, 26.06.2003, 10.07.2003, 29.07.2010 e 25.10.2012, Proc. n.° 5/2000, 106/2003, 123/2003, 464/2008 e 663/2012), e não podendo esta Instância proceder à sua sanação, impõe o reenvio dos autos para novo julgamento nos termos do art. 418° do C.P.P.M..

Devem assim os autos voltar ao T.J.B. para, em novo julgamento se apurar (toda) a “matéria constante do auto de notícia e contestação” da ora recorrente, proferindo-se, de seguida, nova decisão.

Decisão

3. Nos termos e fundamentos expostos, acordam decretar o reenvio dos autos para novo julgamento.

Sem custas.

Macau, aos 27 de Outubro de 2016
José Maria Dias Azedo
Tam Hio Wa
Chan Kuong Seng (vencido na decisão do recurso, por entender não ser de conhecimento oficioso o vício do art.º 400º, n.º 2, alínea a), do CPP, por um lado, e por outro, sobretudo, ser de manter a decisão recorrida nos seus termos).

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