Proc. nº 842/2015
Recurso Contencioso
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 27 de Outubro de 2016
Descritores:
-Concessão de Terras
-Despejo/desocupação
-Acto de execução
-Recorribilidade contenciosa
-Audiência de interessados
-Incompetência
SUMÁRIO:
I. O acto do Secretário do Governo que determina o despejo e desocupação do terreno concessionado é de mera execução do acto declarativo de caducidade da autoria do Chefe do Executivo, podendo ser objecto de recurso contencioso se lhe forem imputadas ilegalidades próprias, como seja, por exemplo, a falta de audiência de interessados ou a incompetência do seu autor.
II. Não há lugar a audiência de interessados se não houver instrução.
III. O artigo 179º da Lei de Terras não proíbe a delegação de poderes do Chefe do Executivo no Secretário das Obras Públicas e Transportes para proceder ao despejo do concessionário do terreno concessionado.
Proc. nº 842/2015
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I - Relatório
“Companhia de Investimento Predial A, Limitada”, sociedade com sede em Macau, na…, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.º…, interpõe recurso contencioso do despacho do Ex.mo Secretário para os Transportes e Obras Públicas que, na sequência do despacho do Chefe do Executivo de 15/05/2015 (que havia declarado a caducidade da concessão do terreno identificado nos autos), ordenou o respectivo despejo.
Na petição inicial do recurso, formulou as seguintes conclusões:
“1) O Senhor Chefe do Executivo praticou, em 15 de Maio de 2015, acto administrativo que consiste na aposição da fórmula “Concordo” na primeira folha de um documento autónomo intitulado “Parecer”, com data de 14 de Maio de 2015, e assinado pelo Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas de 14 de Maio de 2015;
2) Lendo esse Parecer, do respectivo texto infere-se, logicamente, em especial das palavras escritas a carregado (bold), que tal acto administrativo visa produzir os efeitos de declaração de caducidade da concessão do terreno identificado no mesmo Parecer, cuja concessionária é a ora Recorrente
3). O acto praticado pelo Senhor Chefe do Executivo foi impugnado contenciosamente pela aqui recorrente nos autos de Recurso Contencioso de Anulação e de Declaração de Nulidade que correm os seus termos nesse Tribunal de Segunda Instância sob o Processo nº 673/2015.
4) Na verdade, tal acto administrativo não padece apenas de vícios que conduzem à sua anulação; o acto administrativo é nulo, por lhe faltarem os elementos essenciais.
5) Pelo que, nos termos do disposto no artigo 123º do CPA, não produz quaisquer efeitos, independentemente da declaração de nulidade.
6) A nulidade é de conhecimento oficioso e pode ser declarada por qualquer tribunal, nos termos do n.º 2 do artigo 123.º do CPA.
7) A nulidade do acto administrativo praticado pelo Senhor Chefe do Executivo determina a nulidade do acto praticado pelo Senhor Secretário para as Obras Públicas e Transportes, que está para aquele numa relação de sequência.
8) Daí que se invoque, também aqui, a nulidade do acto administrativo praticado pelo Chefe do Executivo, por lhe faltarem os elementos essenciais.
9) O acto administrativo praticado pelo Senhor Secretário para as Obras Públicas e Transportes impõe ao Recorrente obrigações adicionais ao mencionado acto administrativo do Chefe do Executivo,
10) Incluindo a obrigação de suportar custos com o despejo não quantificados.
11) E o tratamento dos objectos, materiais e equipamentos abandonados no terreno de acordo com as disposições do artigo 210º da Lei de Terras.
12) Este acto administrativo amplia, desnecessariamente, a lesão dos direitos e interesses legalmente protegidos da Recorrente,
13) Portanto, o acto recorrido é recorrível.
14) Tanto mais que, salvo o devido respeito, o acto administrativo praticado pelo Senhor Secretário para as Obras Públicas e Transportes padece de vícios autónomos que seguidamente se expõem:
15) Desde logo, o Recorrido não cumpriu o dever de Audiência Prévia disposto nos artigos 93º e ss. do Código do Procedimento Administrativo.
16) A preterição da Audiência Prévia inquina o acto recorrido de anulabilidade.
17) Em segundo lugar, a competência para a decisão de ordenar o despejo é urna competência decisória principal que está legalmente reservada ao Chefe do Executivo.
18) O acto Recorrido foi praticado por órgão que não tem competência, sendo por isso, anulável.
19) Tanto mais que a Lei de Terras não habilita a delegação destas competências do Chefe do Executivo.
20) De resto não está publicado no Boletim Oficial qualquer acto do Chefe do Executivo que delegue as competências que lhe estão determinadas no âmbito da Lei de Terras e que especifique os poderes delegados, corno seria exigível, para haver delegação de competências, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 39.º do CPA.
21) E o acto administrativo impugnado nem contém a menção da qualidade de delegado, corno seria exigível, se pudesse haver delegação de competências, nos termos do disposto no artigo 38º do CPA.
22) Corno é sabido, na falta de lei de habilitação apenas se consideram delegados os poderes para a prática de actos de administração ordinária.
23) A emissão de urna ordem de despejo não é um acto de administração ordinária, conforme resulta do teor literal da norma constante do artigo 179º/1 da Lei de Terras.
24) Trata-se de urna competência decisória principal que está legalmente reservada ao Chefe do Executivo.
25) Por outro lado, o lote de terreno cuja concessão foi alvo do Despacho de caducidade que antecedeu o acto recorrido resultou de urna operação de desanexação do terreno único que constituía a “Baixa da Taipa” pertencentes à Fábrica de Vestuário Estilo, nos quais se incluíam os lotes denominados BTX, BTX, BTX, BTX, BTX e BTX.
26) O Sr. Engenheiro B elaborou por conta da anterior concessionária as memórias descritivas, os projectos de estruturas, água e de esgotos, bem como subscreveu o respectivo termo de responsabilidade do quarteirão denominado BTX.
27) Tendo permanecido como engenheiro responsável do quarteirão BTX desde 1995.
28) A desanexação do terreno da Recorrida daquele lote 9 da Baixa da Taipa ocorreu no dia 17 de Dezembro de 1999, através do Despacho n.º 125/SATOP/99.
29) O Sr. Engenheiro B teve intervenção de grande importância e responsabilidade no âmbito do processo de planeamento, elaboração de projectos de construção e atribuição da concessão do terreno cuja caducidade foi agora decretada... por falta de aproveitamento.
30) O Sr. Engenheiro B foi o engenheiro responsável pelo projecto da obra até ao dia 14 de Janeiro de 2000.
31) O procedimento que conduziu à prática do acto recorrido esteve parado desde meados do ano 2011.
32) O Sr. Engenheiro B foi nomeado Secretário para os Transportes e Obras Públicas, ou seja é o titular do órgão Recorrido, em 30 de Novembro de 2014 (cfr. Documento n.º [2014] 157 do Conselho de Estado).
33) O Sr. Secretário para os Transportes e Obras Públicas estava impedido no procedimento que culminou na prolação (pelo próprio) do acto recorrido, nos termos do disposto no artigo 46º/1-a) e d) do CPA.
34) O acto recorrido é anulável por força do artigo 53º do CPA.
35) O acto recorrido padece ainda de erro nos pressupostos:
36) Por um lado, não foi emitida pelo Chefe do Executivo nem publicada no Boletim Oficial uma declaração de caducidade nos termos do artigo 167.ºda Lei de Terras pelo que não se verifica, na realidade, a situação factual prevista na alínea 1) do artigo 179.º desse diploma.
37) Por outro lado a notificação do acto recorrido refere-se a normas e consequências sancionatórias que não resultam do acto recorrido, 38) Com o objectivo de ameaçar a Recorrente com mal grave,
39) Fora dos pressupostos e limites estatuídos na norma constante do artigo 210º da Lei de Terras,
40) O acto recorrido é anulável por erro nos pressupostos.
Nestes termos e nos melhores de Direito, que V. Exas. doutamente hão-de suprir, deve o presente recurso contencioso ser julgado totalmente procedente, por provado e, em consequência, deve o acto recorrido ser declarado nulo ou anulado.”
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A entidade recorrida apresentou contestação, que sintetizou pelo seguinte modo:
“1.ª - O objecto do presente recurso contencioso é o despacho de “concordo” do STOP, de 17 de Agosto de 2015, exarado na proposta n.º 235/DSODEP/2015, de 13 de Agosto de 2015, que ao abrigo do disposto na alínea 1) do n.º 1 do artigo 179.º da Lei de terras e nos artigos 55.º e 56.º do Decreto-Lei n.º 79/85/M, de 21 de Agosto, ordenou à Recorrente o despejo/desocupação do terreno dos autos;
2.ª - O acto impugnado por ser uma mera consequência necessária e lógica do acto que declarou a caducidade da concessão não é idóneo para produzir efeitos imediatamente lesivos e, por conseguinte, efeitos externos (cfr. n.º 1 do artigo 28.º do CPAC), não sendo, por isso, contenciosamente recorrível;
3.ª - Assim sendo, deve o tribunal julgar procedente a excepção da irrecorribilidade do acto recorrido e rejeitar liminarmente o presente recurso contencioso (cfr. alínea c) do n.º 2 do artigo 46.º do CPAC), absolvendo a Entidade Recorrida da instância, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 230.º do Código do Processo Civil (CPC), ex vi do artigo 1.º do CPAC.
4.ª - A assim não se entender, certo é que o acto recorrido não padece de qualquer invalidade geradora de nulidade ou anulabilidade;
5.ª - A Recorrente alega a nulidade do acto recorrido por considerar que é nulo o acto do Chefe do Executivo que declarou a caducidade da concessão e que esse facto determinaria a nulidade do acto recorrido;
6.ª - Pretende a mesma ver aqui aplicada a regra da nulidade prevista na alínea i) do n.º 2 do artigo 122.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), mas não lhe assiste razão;
7.ª - É que uma coisa é considerar o acto nulo ou anulável e outra, bem diferente, é que o acto tenha efectivamente sido declarado nulo ou anulado;
8.ª - Com efeito, na situação sub judice não se verifica nenhuma das situações exigidas por aquele normativo, pois nem o Chefe do Executivo revogou o acto que declarou a caducidade do contrato de concessão nem o tribunal declarou a sua nulidade ou o anulou, pelo que não faz qualquer sentido, neste processo, vir invocar a nulidade daquele acto para sustentar a alegada nulidade do acto recorrido;
9.ª - Relativamente à audiência prévia, não é verdade que a mesma tenha sido preterida, pois a Recorrente foi notificada para tal em relação ao acto (que declarou a caducidade do contrato de concessão) efectivamente lesivo dos seus direitos e interesses;
10.ª - Pelo que no que diz respeito ao acto que ordenou a desocupação do terreno não havia que cumprir a formalidade da audiência prévia, visto o único acto lesivo ser a declaração de caducidade do contrato de concessão e no tocante a este aquela formalidade foi cumprida;
11.ª - A partir daí não fazia sentido conceder nova audiência prévia à Recorrente para se pronunciar sobre a mesma questão material, uma vez que isso se traduziria numa formalidade inútil, desnecessária e dilatória;
12.ª - Por outro lado, a situação dos autos consubstancia também uma situação de dispensa de audiência dos interessados, nos termos da alínea a) do artigo 97.º do CPA;
13.ª - Caso se entenda que na situação vertente deveria ter sido realizada a audiência prévia relativamente ao acto que ordenou a desocupação do terreno, não se deve perder de vista que o acto em crise (despacho do STOP a ordenar a desocupação do terreno), face ao estipulado na alínea 1) do n.º 1 do artigo 179.º da Lei n.º 10/2013, era o único concretamente possível;
14.ª - Assim, tendo a Entidade Recorrida actuado de forma estritamente vinculada e no estrito cumprimento da legislação em vigor, em homenagem ao princípio do aproveitamento dos actos, mesmo que alguma omissão tivesse havido, sempre a mesma se teria degradado em mera irregularidade não invalidante;
15.ª - Não se verifica a alegada incompetência do STOP para a prática do acto em crise, porquanto o mesmo foi praticado ao abrigo da delegação de competências do Chefe do Executivo efectuada através da Ordem Executiva n.º 113/2014 (cfr. n.º 1 da Ordem Executiva n.º 113/2014 em conjugação com o estipulado no artigo 6.º do Regulamento Administrativo n.º 6/1999);
16.ª - É certo que o órgão delegado deve, nos termos do artigo 40.º, mencionar essa qualidade para efeitos de determinar os meios de reacção que contra os seus actos se podem usar e que, conforme exige a alínea b) do n.º 1 do artigo 113.º, ambos do CPA, do acto deve constar a menção da delegação de poderes;
17.ª - Todavia, no caso concreto, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 113.º do CPA, estava dispensada a menção da delegação de poderes, porquanto a Ordem Executiva n.º 113/2014 foi publicada no Boletim Oficial;
18.ª - E, por outro lado, a falta da menção da qualidade de delegado não impediu a Recorrente de reagir contra o acto recorrido;
19.ª - E, como se deixou demonstrado, também não se verifica a assacada violação do princípio da imparcialidade, pois é evidente que in casu não se verifica qualquer situação de impedimento do autor do acto recorrido, designadamente a situação prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 46.º do CPA, alegada pela Recorrente;
20.ª - Por último, a Recorrente assaca ao acto recorrido erro nos pressupostos de facto ou de direito, mas, também aqui, sem qualquer razão;
21.ª - Com efeito, o pressuposto que o acto recorrido partiu - ter sido declarada a caducidade da concessão - existiu e é verdadeiro, sendo também certo que o mesmo foi prolatado nos precisos termos do disposto na alínea 1) do n.º 1 do artigo 179.º da Lei n.º 10/2013 e, por isso, esta norma foi correctamente interpretada e aplicada;
22.ª - A Entidade Recorrida não errou nos pressupostos da sua actuação, pelo contrário, fez correcta subsunção dos factos e consequente aplicação do direito;
23.ª - Assim, não se verificam quaisquer dos vícios alegados pela Recorrente que possam fundamentar a declaração de nulidade ou a anulação do acto impugnado.
Nestes termos e nos melhores de direito, com o Douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser liminarmente rejeitado, ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 46.º do CPAC, e a entidade Recorrida ser absolvida da instância, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 230.º do Código do Processo Civil (CPC), ex vi do artigo 1.º do CPAC;
Caso assim não se julgue, deve o recurso ser considerado improcedente, por não verificação de quaisquer dos alegados vícios, mantendo-se nos seus precisos termos a decisão recorrida.»
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Houve lugar a alegações facultativas, em que as partes essencialmente reiteraram as posições já anteriormente assumidas, à excepção da recorrente que no seu articulado alegatório não insistiu na violação do art. 46º, a), do CPA.
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O digno magistrado do MP – em termos que mais à frente se reproduzirão - opinou no sentido do improvimento do recurso.
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Cumpre decidir.
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II – Pressupostos processuais
1- O tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
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2 – Da irrecorribilidade contenciosa
Sustenta a entidade recorrida que o acto administrativo ora sindicado é irrecorrível contenciosamente. E isto por alegadamente ele não ser mais do que a concretização dos efeitos legais da declaração de caducidade da autoria do Chefe do Executivo, também sindicado neste tribunal no âmbito do Proc. nº 673/2015. Ou seja, em sua óptica, o despejo, na medida em que nada inova em relação ao acto anterior, não apresenta lesividade própria que possa ser objecto de impugnação autónoma.
Sem razão, porém. Com efeito, se estamos perante um acto que é de mera execução do acto declarativo de caducidade, a verdade é que, quanto ao despejo/desocupação que ele determina, são-lhe imputadas ilegalidades próprias que não são consequência do acto executado, como é o caso, por exemplo, do vício resultante da falta de audiência de interessados e da incompetência para a sua prática.
Sem mais considerandos, portanto, é de concluir que o acto é contenciosamente recorrível, face ao disposto no art. 30º, nº2, do CPAC.
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3 – Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III – Os Factos
Damos por assente a seguinte factualidade:
1 – No dia 15/05/2015 o Chefe do Executivo da RAEM declarou a caducidade do terreno concedido à ora recorrente ao abrigo da alínea a) do nº1, da cláusula 13ª do contrato de concessão e nos termos da alínea a), do nº1, do art. 166º da Lei de Terras (nº 10/2013).
2 – No dia 13/08/2015, foi emitida a Proposta nº 235/DSOPEP/2015, com o seguinte teor:
“1. Por despacho do Chefe do Executivo de 15 de Maio de 2015, exarado sobre o parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas de 14 de Maio de 2015, que concordou com o proposto no processo n.º 46/2010 da Comissão de Terras, pelas razões nele indicadas, foi declarada a caducidade da concessão do terreno com a área de 2 510m2, situado na ilha da Taipa, na Avenida Kwong Tung, designado por lote «BTX», descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º… do livro…, ao abrigo da alínea a) do número um da cláusula décima terceira do contrato de concessão e nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 166.º da Lei n.º 10/2013 «Lei de Terras».
2. A declaração de caducidade da concessão acima referida foi publicada, pelo Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 62/2015, no 2º suplemento ao n.º 20 do Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau, II Série, de 20 de Maio de 2015, e que foi notificada à concessionária, a sociedade «Companhia de Investimento Predial A, Limitada» através do ofício n.º 180/DAT/2015 de 09 de Junho de 2015. (Anexo)
3. Enfrentando o seguimento da caducidade de concessão, deve se considerar o seguinte:
3.1. Nos termos do artigo 117.º e do n.º 1 do artigo 136.º do «Código do Procedimento Administrativo» (CPA) em vigor, o acto administrativo produz os seus efeitos desde a data em que for praticado e é executório logo que eficaz, não obstando à perfeição do mesmo por qualquer motivo determinante de anulabilidade, salvo os actos previstos no artigo 137.º do mesmo Código;
3.2. Por outro lado, ao abrigo das disposições do artigo 22.º do «Código de Processo Administrativo Contencioso» em vigor, o recurso contencioso não tem efeito suspensivo da eficácia do acto recorrido;
3.3. Assim sendo, quer a concessionária em apreço interponha o recurso contencioso quer não, o acto administrativo feito pelo Chefe do Executivo pode ser executado;
3.4. Então, de acordo com a alínea 1) do n.º 1 do artigo 179.º da Lei n.º 10/2013 «Lei de Terras» e com o artigo 55.º do Decreto-Lei 79/85/M, o Chefe do Executivo pode ordenar no prazo determinado, o despejo da concessionária do terreno cuja concessão foi declarada caduca;
3.5. Além disso, quando a concessionária não abandone o terreno no prazo determinado, o referido despejo pode ser realizado pela D.S.S.O.P.T. segundo o artigo 56.º do mesmo Decreto-Lei.
4. Em face do exposto, em conformidade com a alínea 1) do n.º 1 do artigo 179.º da Lei n.º 10/2013 «Lei de Terras» e com os artigos 55.º e 56.º do Decreto-Lei 79/85/M, submete-se a presente proposta à consideração de V. Exª, a fim de:
4.1. Ordenar, no prazo de 60 dias data da notificação, o despejo da concessionária, a sociedade «Companhia de Investimento Predial A, Limitada», do terreno com a área de 2 510m2, situado na ilha da Taipa, na Avenida Kwong Tung, designado por lote «BTX», descrito na CRP sob o n.º… do livro…, cuja concessão foi declarada caduca por despacho do Chefe elo Executivo de 15 de Maio de 2015;
Caso não se execute no prazo definido,
4.2. Autorizar o Departamento de Urbanização da D.S.S.O.P.T. a realizar o respectivo procedimento do despejo de acordo com o artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 79/85/M.
À consideração superior.
O Técnico, …” (fls. 32-34)
3 – O subdirector propôs que fosse dado seguimento à referida proposta, no que foi acompanhado pelo Director (fls. 32).
4 – O Secretário para as Obras Públicas e Transportes decidiu:
“Concordo” (loc. cit.).
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IV – O Direito
1 – Da nulidade do acto exequendo.
A recorrente começa por defender que o próprio acto do Chefe do Executivo de 15/05/2015 (acto antecedente) que está a ser objecto do recurso contencioso nº 673/2015, é nulo e não produz nenhuns efeitos.
E se não produz efeitos, conclui, também não podia ser dado à execução pelo Secretário para as Obras Públicas e Transportes através do acto ora sindicado.
Para assim o concluir, afirma que o referido acto antecedente:
- Não foi reduzido a escrito;
- Não foi publicado no Boletim Oficial;
- Ofende as exigências de fundamentação, uma vez que se trata de um despacho de mero “concordo”, sem a exposição expressa das razões de facto e de direito que o deveriam suportar;
- Não foi precedido de audiência prévia de interessados;
- Não foi precedido de diligências instrutórias necessárias.
Não tem razão. Nenhum dos apontados vícios – que são de forma e de instrução - é gerador de nulidade, mas sim, quando procedente, de mera anulabilidade (cfr. art. 122º e 124º do CPA) ou de ineficácia (art. 120º, nº3, do CPA).
Por outro lado, não vemos em que medida faltam ao acto do Chefe do Executivo os seus elementos essenciais, de modo a, com base no art. 122º, nº1 do CPA o podermos qualificar de nulo. E a recorrente, de qualquer modo, apenas faz esta imputação ao acto do Chefe do Executivo com fundamentos relacionados com exigências formais.
Mas, como bem asseverou o digno Magistrado do MP “… parece seguro que a essencialidade dos elementos aqui em causa não coincide com a obrigatoriedade das menções referidas no artigo 113.º, nem pode confundir-se com os elementos da própria noção de acto administrativo fornecida pelo artigo 110.º do Código do Procedimento Administrativo, conforme sustentam Mário Esteves de Oliveira e outros, em comentário a norma do CPA português idêntica à do supra-referido artigo 122.º, n.º 1. Segundo estes autores, o conceito de elementos essenciais, cuja falta integraria a cláusula geral da nulidade prevista naquela norma, aponta para situações, também designadas de nulidade por natureza, traduzidas em vícios especialmente graves em função do tipo de acto concreto, do que apresentam exemplos.
Em face do alcance a conferir à cláusula geral dos elementos essenciais, na esteira daqueles autores, resulta evidente que nela não se enquadram as supostamente preteridas formalidades de fundamentação e de audiência prévia”.
Portanto, por não haver aqui causas de nulidade e porque só essa sanção poderia ser conhecida no âmbito do presente recurso, mesmo a título incidental (art. 25º, nº1, do CPAC; art. 123º, nº 2, do CPA), é de concluir pela improcedência desta imputação.
*
2- Do vício de forma por falta de audiência de interessados.
Quanto ao acto do Secretário do Governo ora em crise, a recorrente considera não ter tido oportunidade de se pronunciar previamente sobre a decisão sindicada. Estaria, assim, violado o disposto no art. 93º do CPA.
Para encurtar caminho, sobre este assunto, ouçamos o que diz o digno magistrado do MP no seu parecer final a este respeito:
“ (…) Estamos perante um acto de execução do despacho que declarou a caducidade da concessão. Posto que entendamos que este acto é recorrível, (…), trata-se de um acto situado a jusante da decisão principal, mas que faz parte do mesmo procedimento e constitui uma decorrência normal daquela decisão. Sucede que a recorrente já foi ouvida no procedimento, na altura própria, após a instrução, onde pôde exercitar o seu direito, não se vislumbrando fundamento que imponha uma nova audição.
Ainda que, em tese, pudéssemos equacionar um exercício de autonomização do procedimento de execução, nem assim se imporia a audição, porquanto não houve uma fase de instrução neste “novo” procedimento - cf. artigo 93.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo”.
Acolhemos estas palavras e, com a devida deferência, fazemo-las nossas para todos os efeitos.
Improcede, pois, o vício em apreço.
*
3 – Do vício de incompetência
Defende a recorrente que, sem habilitação de poderes através do instituto da delegação, o Secretário do Governo não podia impor a desocupação e despejo do prédio, pois esse poder só o tem o Chefe do Executivo, nos termos dos arts. 179º, nº1, al. 1), da Lei de terras nº 10/2013, 55º do D.L. nº 79/85/M e 15º da Lei nº 2/1999.
Por razões de economia de meios e de celeridade, uma vez mais socorramo-nos do digno Magistrado do MP:
“É verdade que, havendo declaração de caducidade da concessão, a Lei de Terras comete ao Chefe do Executivo a competência para ordenar o despejo do concessionário - artigo 179.º, n.º 1, alínea 1). Mas já não é exacto que essa competência não possa ser, e não tenha sido, delegada. Pouco importa que a Lei de Terras não trate da questão da delegação. Aliás, por regra, as leis que concedem competências não são as leis habilitantes da delegação de poderes.
No caso, a competência não é indelegável, há lei de habilitação, que é o DL 84/84/M (artigo 3.º) e há instrumento de delegação, constituído pela Ordem Executiva 113/2014, que se encontra publicada no Boletim Oficial de 20.12.2014, I Série, Número Extraordinário”.
Porque remetemos para o teor acabado de transcrever, improcede, também, este vício.
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4 – Do impedimento: princípio da imparcialidade
Na óptica deste vício, a recorrente invoca que a actuação do Secretário do Governo teve lugar em situação de impedimento legal, em violação do artigo 46.º, n.º 1, alínea d), do Código do Procedimento Administrativo.
Uma vez mais louvamo-nos no parecer do Ministério Público, que reproduzimos já de seguida:
“Vem isto ao caso porque, em meados da década de 90, do século passado, o Sr. Eng. B, actual Secretário para os Transportes e Obras Públicas, assumiu a responsabilidade pelo projecto de fundações para o Quarteirão 9 da Baixa da Taipa, tendo assinado a Memória Descritiva e o Projecto de Fundações e a Memória Descritiva e os Projectos de Estrutura, Água e Esgotos, mantendo-se como engenheiro responsável pelo projecto de obra desse quarteirão até 14 de Janeiro de 2000.
A partir desta constatação, a recorrente acha que há um interesse “impediente” que se revela no facto de o impedido ter tido anterior intervenção qualificada no procedimento.
Bom... Intervenção qualificada é expressão que o artigo 46.º do Código do Procedimento Administrativo e em especial a alínea d) do seu n.º 1 não utilizam. Haverá é que indagar se aqueles actos, praticados como engenheiro, integram intervenção no procedimento como perito ou mandatário, ou se configuram a emissão de parecer ou pareceres sobre questões a resolver. Na verdade, é esta actuação procedimental que o normativo em questão elege para vedar a posterior intervenção das mesmas pessoas no procedimento, agora enquanto agentes administrativos ou titulares de órgãos da Administração.
Em primeiro lugar, temos algumas reservas quanto à integração dos projectos e termos de responsabilidade questionados no procedimento de caducidade aqui em causa, ou até nos procedimentos de concessão, inicial e revisões, sendo de relevar que o procedimento conducente à declaração de caducidade, no qual se integra o despejo ora em discussão, foi desencadeado por alturas de 2010, tendo como marco inicial e suporte fundamental o processo n. º 46/2010 da Comissão de Terras, quando iam então decorridos cerca de 15 anos sobre a apresentação daqueles projectos, memórias descritivas e termos de responsabilidade. Tais projectos, memórias descritivas e termos de responsabilidade estavam destinados a instruir o processo de aprovação e licenciamento de obra, que, embora tenha relação com a concessão, porquanto respeita ao aproveitamento do terreno, constitui um procedimento autónomo - o processo de apreciação e aprovação de projectos, licenciamento e fiscalização de obras de construção civil previsto no Regulamento Geral da Construção Urbana (RGCU) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 79/85/M, de 21 de Agosto.
Por outro lado, aquele tipo de intervenção, outrora protagonizada pelo ora decisor enquanto engenheiro civil, sendo de carácter eminentemente técnico e em nada interferindo no processo de decisão propriamente dito, foi solicitada para uma concessão e por um concessionário diversos daqueles que agora figuram no procedimento de caducidade e relativamente aos quais foi adoptada a decisão aqui escrutinada.
Como quer que seja, e por último, afigura-se-nos que a elaboração de projecto de construção e memória descritiva, bem como a responsabilização pelo projecto, não integram quaisquer das situações previstas na invocada norma de impedimento. O Sr. Eng. não actuou no procedimento como perito, não foi chamado a peritar, e não peritou, o que quer que fosse; não actuou como mandatário no procedimento, não se vislumbrando qualquer elemento que aponte para a existência de constituição de uma relação ou de um contrato de mandato, tendo-se limitado a efectuar os trabalhos de projecto de que foi incumbido, e a assumir a respectiva responsabilidade, nos termos previstos e exigidos pelos artigos 8.º e seguintes do RGCU. E também é fora de questão que tenha emitido algum parecer para o procedimento, em vista da resolução de qualquer questão que nele se colocasse.
Improcede também a violação do princípio da imparcialidade por actuação em situação de impedimento”
Também neste passo estamos de acordo com a posição acabada de transcrever e que, aqui fazemos nossa para todos os legais efeitos.
Realmente, a situação de facto verificada não cabe no âmbito da alínea a) - fundamento, entretanto, não reiterado nas alegações e conclusões respectivas da recorrente -, nem da alínea d), do nº1, do art. 46º do CPA, nos termos já apontados pelo MP.
Razão, pois, para julgarmos improcedente o vício.
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5 – Do erro nos pressupostos
Trouxe a recorrente uma nova perspectiva viciante, ao dizer que a notificação do acto em crise introduziu uma disposição legal (art. 210º da nova Lei de Terras) que não foi expressamente considerada nem no despacho do Chefe do Executivo, nem no ora impugnado do Secretário do Governo, além de não ter qualquer relação com os pressupostos aqui em referência.
Todavia, e como bem refere o digno magistrado do MP, se a notificação não condiz com o acto a comunicar, do que se pode falar já não é de um vício do acto, mas da sua notificação.
Como o MP propugna: “O recurso contencioso escrutina os vícios do acto administrativo. A notificação não faz parte do acto administrativo, é um acto posterior, que se destina a levar o acto administrativo ao conhecimento dos interessados. Eventuais deficiências ou excessos de que padeça o acto de notificação não possuem virtualidade para interferir no acto administrativo, sendo-lhe inteiramente estranhas e em nada contendendo com a sua validade.
Daí que os vícios imputados ao acto de notificação sejam manifestamente improcedentes quanto ao acto administrativo objecto do recurso contencioso”.
De qualquer maneira, nem o acto do Chefe do Executivo, ao declarar a caducidade, nem o do Secretário, ao determinar o despejo, precisavam de citar o art. 208º da Lei de Terras, nem a notificação excede as balizas materiais do conteúdo do acto a executar. Com efeito, o que a notificação fez foi levar ao conhecimento do destinatário algo que deriva directamente da lei; no fundo, a notificação ao esclarecer que “os objectos, materiais e equipamentos abandonados no terreno serão tratados de acordo com as disposições do artigo 210º da mesma Lei”. Não se pode dizer, portanto, que nesta parte a notificação é inovadora em relação aos actos do Secretário ou do Chefe do Executivo, mas antes é deles mera decorrência ou consequência legal.
Por conseguinte, igualmente não procederá este vício.
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V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso contencioso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça em 8 UC.
TSI, 27 de Outubro de 2016
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fui presente
Mai Man Ieng
842/2015 22