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Processo n.º 89/2016
(Recurso Cível)

Relator: João Gil de Oliveira
Data : 27/Outubro/2016


ASSUNTOS:

- Prova de uma cláusula resolutiva de um contrato-promessa;
- Litigância de má-fé; omissão de factos essenciais
    
    
    SUMÁRIO :
    1. Não se comprovando que o contrato promessa só seria celebrado se a promitente vendedora garantisse o empréstimo dos fundos necessários à aquisição da fracção, sendo essa cláusula resolutiva do contrato, é natural que a sua prova não se compadeça com o mero depoimento de uma testemunha, exigindo-se que tal cláusula obedeça às razões de forma consagradas no art. 388.º do CC;
    2. Se o A. pede na acção a restituição de quantias pagas, a título de sinal e princípio de pagamento de um contrato promessa de compra e venda de um dado prédio, invocando apenas mero enriquecimento sem causa e omitindo a celebração desse contrato, mais alegando um depósito indevido; se, na acção, é confrontado com a defesa que convoca tal contrato como justificativo do pagamento efectuado; se, perante isso, o A. passa a pedir a resolução do contrato e a restituição do que foi pago por incumprimento da promitente vendedor, haverá lugar à condenação como litigante de má-fé, em face do circunstancialismo que apurado vem.
              
O Relator,
João A.G. Gil de Oliveira


Processo n.º 89/2016
(Recurso Civil)
Data : 27/Outubro/2016

Recorrente : A

Recorridas :
     - B Lda.
- C


    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I – RELATÓRIO
    1. A, Autor e Recorrente nos autos à margem referenciados, notificado da admissão do recurso que interpôs da douta sentença nos mesmos proferida, onde, na sequência de um contrato-promessa de compra e venda celebrado entre o A e a 2.ª Ré, se decidiu
    - Absolver as Rés B, Limitada e C de todos os pedidos formulados pelo Autor A;
    - Condenar o Autor na multa de 30 Uc por litigância de má fé.
    - Condenar o Autor a pagar a cada uma das Rés a indemnização na quantia de MOP$60.000,00, por litigância de má fé -
    vem, - nos termos e ao abrigo do disposto nos arts. 581.° e ss., arts. 599.°, 629.° e n.º 6 do art. 613.° do Código de Processo Civil, - apresentar as suas alegações de recurso, o que faz, em síntese conclusiva:

    A) Deve ser modificada a decisão sobre a matéria de facto, por forma a ser dada resposta afirmativa aos quesitos 3.º a 6.º da Base Instrutória, nos termos e por via do analisado depoimento da testemunha supramencionada.
    B) O pressuposto existente entre as partes (ora Recorrente e 2.ª Ré) ao celebrarem o negócio dos autos (contrato-promessa) era o de que tudo ficaria sem efeito se não fosse obtido o empréstimo, e de que a 2.ª Ré seria capaz de conseguir tal benefício para o Recorrente (matéria a que respeitam os quesitos 3.º a 6.º da Base Instrutória) .
    C) O Recorrente nunca teria produzido a sua declaração de vontade, assinando o contrato-promessa, não fora esta dupla garantia por parte da 2.ª Ré. Portanto, esta foi a realidade que determinou a sua vontade de contratar, e que conformou a base e os pressupostos com que o negócio foi celebrado.
    D) Atento o aludido depoimento, o Recorrente nem nunca teria sequer pensado em tal negócio, não fora a absoluta convicção engendrada pela 2.ª Ré, convencimento que infelizmente a mesma logrou formar na mente do Recorrente
    E) Foi um elemento essencial e determinante na formação da vontade do Recorrente, antes sequer da celebração formal do negócio, i.e., dias antes da assinatura do contrato-promessa em questão, tendo constituído a própria apriorística formação da sua vontade.
    F) O art. 388.° do Código Civil não impede o recurso à prova testemunhal para prova da intenção ou vontade dos contraentes expressa em documento.
    G) A existência deste contrato-promessa e respectivas vicissitudes, é informação que não foi, de modo algum, originariamente, ou no decurso da acção, sonegada pelo Recorrente e "descoberta" em sede de instrução probatória - caso em que, aí sim, poderia configurar situação de litigância de má fé;
    H) Foi excepção deduzida pela Ré inicialmente demandada, e que o Recorrente admitiu, e veio a determinar alteração ao princípio da estabilidade da instância (art. 212.° do Código de Processo Civil), subjectiva e objectivamente, com a intervenção da 2.ª Ré e alargamento da matéria controvertida.
    I) Trata-se, no modesto entendimento do Recorrente, de um desenvolvimento normal da lide, que partiu de uma opção de estratégia processual, nos termos consentidos, entre outros, pelo princípio do dispositivo, previsto no art. 5.° do Código de Processo Civil, posição que não constitui nem se confunde com litigância de má fé.
    J) O pagamento dos custos com patrocínio forense são encargos inerentes à defesa judicial dos interesses das partes. E cada parte assume os encargos com o seu respectivo patrocínio, não devendo recair sobre a contraparte esse encargo. É o sentido, que se julga dominante, na Jurisprudência.
    K) A lei já contempla a condenação em procuradoria, como compensação à parte vencedora.
    L) A decisão recorrida errou na análise crítica da prova testemunhal produzida (art. 556.°, n.º 2 do Código de Processo Civil), e violou as disposições normativas supracitadas, incorrendo em erro de julgamento.
    Termos em que e nos melhor de Direito deve ser dado provimento ao presente recurso, e, consequentemente, revogar-se a decisão recorrida, com todas as legais consequências, modificando-se a decisão da matéria de facto, devendo dar-se por provados os quesitos 3.º a 6.º da Base instrutória, condenando-se as Rés conforme peticionado e absolvendo-se o Recorrente da condenação por litigância de má fé.
  
   2. B Lda. e C (C), ora as 1ª e 2ª rés dos autos em epígrafe e 1ª e 2ª recorridas do presente recurso (adiante designadas por "recorridas), contra-alegam, em síntese:
  
1. O recorrente citou o depoimento da testemunha D na discussão da matéria de facto e entende que o Tribunal a quo deve considerar os quesitos 3º a 6º da base instrutória como provados.
2. Uma vez que, quanto ao "acordo" referido nos quesitos 3º a 6º da base instrutória, o recorrente entende que "na verdade, não se tratam aqui de cláusulas (verbais) acessórias ao acordo escrito (contrato-promessa), mas sim de todo o substrato negocial no qual assentou o mencionado contrato.";
3. Portanto, o Tribunal a quo não deve rejeitar o depoimento da testemunha D nos termos do art.º 388.º do Código Civil (uma vez que a proibição prevista neste artigo não é absoluta) no sentido de provar os quesitos 3º a 6º da base instrutória, mas sim provar a vontade real da celebração do contrato promessa entre o recorrente e a 2ª recorrida através do depoimento da testemunha.
4. Todavia, as recorridas não concordaram com a opinião supracitada do recorrente.
5. O "acordo" indicado nos quesitos 3º a 6º da base instrutória é uma condição da limitação da produção dos efeitos do contrato com um acontecimento futuro e incerto, trata-se de uma "condição resolutiva" prevista no art.º 263.º do Código Civil.
6. Ademais, o aludido "acordo" (quesitos 3º a 6º da base instrutória) é indicado primeiramente pelo recorrente (ora autor) nos pontos 50 e ss da réplica. Nomeadamente, no ponto 57, na qual indica-se expressamente que o “acordo” (quesitos 3º a 6º da base instrutória) é uma “condição resolutiva”.
7. O acórdão de 12 de Outubro de 2009 do Supremo Tribunal de Portugal no processo n.º 312.C/2000.C1-A.S1 indica que “A condição é uma cláusula acessória típica, um elemento acidental do negócio jurídico, por virtude da qual a eficácia de um negócio “o conjunto dos efeitos que ele pretende desencadear) é posta na dependência dum acontecimento futuro e incerto, por maneira que só verificado tal acontecimento é que o negócio produzirá os seus efeitos (condição suspensiva) ou então só nessa eventualidade é que o negócio deixará de os produzir (condição resolutiva)” - cfr.: http://dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/2baa3983820683e0802576d400569648?OpenDocument.
8. Portanto, o Tribunal a quo reconheceu que o “acordo” indicado nos quesitos 3º a 6º da base instrutória é uma “condição resolutiva” e também uma “cláusula adicional”, assim, é correcto não aceitar o depoimento da testemunha no sentido de provar o aludido “acordo” (quesitos 3º a 6º da base instrutória) nos termos do art.º 388.º do Código Civil.
9. O Tribunal a quo apreciou cuidadosamente o depoimento da testemunha D e entende que “ (…) Em particular, sobre o facto de se no âmbito do acordo celebrado entre o Autor e a 2ª Ré foi estabelecida uma cláusula resolutiva para o caso aquele não obtiver o empréstimo bancário, seria devolvida a quantia paga, o Autor só logrou demonstrar o facto através do depoimento da testemunha D, que disse ouvir a conversa entre o Autor e a 2ª Ré que esta teria prometido a ajudar aquele na obtenção do empréstimo, contudo, desconhecendo as concretas condições contratuais a que as partes chegaram a acordo no final, essa prova, por si, já é fraca para comprovar a efectiva existência de acordo. (…)” (cfr. a decisão da matéria de facto proferido pelo Tribunal a quo em 12 de Junho de 2015, nomeadamente as pág. 3 e 4)
10. Tal como se refere acima, o Tribunal a quo ouviu a testemunha, e segundo o princípio da livre apreciação da prova previsto no art.º 558.º do Código Civil, entende que o depoimento da testemunha D não é suficiente para provar o “acordo” referido nos quesitos 3º a 6º da base instrutória, o que não deve ser questionado.
11. Ademais, o recorrente (ora autor) apresentou o seguinte pedido adicional na sua réplica: “ser declarada a resolução do contrato-promessa dos autos, por via da condição resolutiva supra citada”;
12. O fundamento da aludida “resolução do contrato” é justamente o “acordo” referido nos quesitos 3º a 6º da base instrutória.
13. Aliás, o recorrente alegou, na sua alegação, que o “acordo” indicado nos quesitos 3º a 6º da base instrutória não é uma “cláusula acessória”, e entende que o Tribunal a quo deve provar a vontade real do recorrente no momento da celebração do contrato através do depoimento da testemunha D.
14. O recorrente pretendeu chegar uma conclusão de que o recorrente padeceu do vício na vontade da celebração do contrato e a 2ª recorrida violou o princípio da boa fé previsto no art.º 326.º do Código Civil e consequentemente, solicitou ao MM.º Juiz o seguinte: “revogar-se a decisão recorrida, com todas as legais consequências, modificando-se a decisão da matéria de facto, devendo dar-se por provados os quesitos 3º a 6º da base instrutória, condenando-se as Rés conforme peticionado (…)”; (cfr. o pedido da alegação do recurso do recorrente)
15. Todavia, o pedido original do autor (ora recorrente) é a “resolução do contrato-promessa” e a causa de pedir é “por via da condição resolutiva supra citada”, mas, agora, o pedido (indirecto) do recurso é “anulação do contrato-promessa” e a causa de pedir é “vício de vontade e abuso do direito”.
16. Portanto, a procedência do pedido e dos fundamentos do recorrente procedentes iria violar o princípio de estabilidade processual e o disposto previsto no art.º 212.º do Código de Processo Civil.
17. As recorridas discordaram plenamente do seguinte entendimento e fundamento do recorrente: O recorrente (ora autor) não se conformou com a condenação da litigância de má fé e entende que ele não referiu na petição inicial a existência do contrato promessa entre o recorrente (autor) e a 2ª recorrida (2ª ré), porque trata-se de “desenvolvimento normal da lide” ou de “uma estratégia processual”, e não de litigância de má fé.
18. Quanto à jurisprudência de Portugal sobre a litigância de má fé: “Diz-se litigante de má fé não só o que tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não ignorava, como também o que tiver conscientemente alterado a verdade dos factos ou omitido factos essenciais e o que tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal ou de entorpecer a acção da justiça ou de impedir a descoberta da verdade” – cfr. Código de Processo Civil Anotado, Abílio Neto, EDIFORUM, 15ª Edição, 2000, Pág. 597.
19. Antes de intentar acção, o recorrente sabia bem que celebrou contrato promessa com a 2ª recorrida e depositou o sinal na conta bancária da 1ª recorrida conforme o acordo, facto esse é muito relevante para a presente acção, mas o recorrente (autor) nada referiu na petição inicial, e este facto foi provado pelo Tribunal a quo posteriormente (cfr. facto provado F) no despacho saneador e os factos 1º e 2º da decisão da matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo em 12 de Junho de 2015).
20. Uma vez que o recorrente não tem direito a exigir à 1ª recorrida a restituição do sinal e esta acção não deve existir, nem se sequer “um desenvolvimento normal da lide” e “uma estratégia processual”.
21. O recorrente sabia bem que caso ele refira, na petição inicial, o contrato promessa entre o autor (recorrente) e a 2ª ré (2ª recorrida) e a cláusula do pagamento do sinal, o seu fundamento do “enriquecimento sem causa” será improcedente. Daí, podemos ver o dolo do recorrente no sentido da ocultação dos factos relevantes e que este pretendeu deturpar a verdade a fim de adquirir os interesses não devidamente obtidos.
22. Portanto, a nível de facto e de direito, é completamente correcta a análise da sentença da primeira instância do Tribunal a quo em 4 de Setembro de 2015 sobre a litigância de má fé.
23. O recorrente entende que ele não deve ser condenado no pagamento da procuradoria das recorridas com fundamento da improcedência da litigância de má fé.
24. O Tribunal a quo julgou a litigância de má fé do autor (recorrente) e consequentemente condenou o autor (recorrente) no pagamento da indemnização no montante de MOP$ 60.000,00 à cada ré (cada recorrida) respectivamente nos termos do art.º 386.º n.º 2 al. a) do Código de Processo Civil.
25. As recorridas concordaram com a condenação da litigância de má fé do autor (recorrente), igualmente, concordaram com a condenação do autor (recorrente) no pagamento da procuradoria às rés respectivamente, tratando-se do resultado da aplicação razoável do direito do Tribunal a quo.
26. Face ao exposto, a decisão recorrida da matéria de facto do Tribunal a quo quanto ao depoimento da testemunha D não padeceu do erro, a sentença recorrida não violou nenhumas normas jurídicas, portanto, as recorridas não concordaram com o fundamento da existência do erro nas sentenças recorridas.

    
    3. Foram colhidos os vistos legais.
    
    II – FACTOS
    Vêm provados os factos seguintes:
    Da Matéria de Facto Assente:
    - A 1ª R. é uma sociedade comercial que tem por objecto a actividade de construção e desenvolvimento predial, sendo sua única representante legal a 2ª R. (alínea A) dos factos assentes)
    - A 1ª R. é titular da conta bancária n.º 01-01-20-836644, do BOC. (alínea B) dos factos assentes)
    - O A. efectuou os seguintes depósitos na conta referida em B):
    a) - a 29 de Junho de 2012, no montante HKD$290,800.00;
    b) - a 7 de Setembro de 2012, no montante HKD$50,000.00;
    c) - a 28 de Setembro de 2012, no montante HKD$390,800.00. (alínea C) dos factos assentes)
    - A 1ª R. não era credora do A. das quantias referidas em C). (alínea O) dos factos assentes)
    - Os referidos montantes não foram devolvidos ao A. apesar de interpelada a 1ª R. para o efeito em 5 de Fevereiro de 2013.· (alínea E) dos factos assentes)
    - Entre A., na qualidade de promitente comprador, e a 2ª R., na qualidade de promitente vendedora, foi celebrado no dia 14.06.2012 o contrato de promessa de compra e venda junto a fls, 32 e cujo conteúdo negocial e integral aqui se dá por reproduzido para os legais e devidos efeitos, e tendo por objecto a fracção autónoma sita em Macau, no Beco do xx n.º x-x, edificio XXX, X° andar X, registada na CRP sob o n.º xxxx. (alínea F) dos factos assentes)
    - Em 11 de Junho de 2012 o A. transmitiu à 2ª R. que estava interessado em compra a fracção ido supra, tendo-lhe pago a quantia de MOP$50,000.00 em numerário a título de sinal para a sua aquisição e em cumprimento do que veria a consagrar-se no dito contrato na cláusula 2ª, al. a). (alínea G) dos factos assentes)
    - O A. obrigou-se perante a 2ª R. a efectuar o pagamento dentro do prazo referido na cláusula 2º do contrato supra referido na conta também acima ido (alínea H) dos factos assentes)
    - O contrato compra e venda objecto do contrato de promessa supra assinalado não foi realizado. (alínea I) dos factos assentes)
    - Os montantes referidos em C) foram entregues pela 1ª R. à 2ª R. (alínea J) dos factos assentes)
    - O A. não liquidou qualquer outra quantia para além das supra identificadas. (alínea K) dos factos assentes)
    - A licença de utilização da fracção ido supra foi emitida em 31 de Outubro de 2012. (alínea L) dos factos assentes)
    - Por carta datada de 23.01.2013, recepcionada pelo A. a 29.01.2013, a 2ª R. comunicou-lhe que, por não ter pago o remanescente do preço do imóvel dentro do prazo de pagamento, violando a 10ª cláusula, por constituir incumprimento definitivo, resolvia o contrato de promessa, fazendo suas as quantias pagas. (alínea M) dos factos assentes)
    - A 2ª R. é conhecida como comerciante honesta, nunca tendo estado até à data envolvida em qualquer processo. (alínea N) dos factos assentes)
    - A 1ª R. tem boa reputação, nunca tendo estado até à data envolvida em qualquer processo. (alínea O) dos factos assentes)
    - A 2ª R. por via da presente acção teve de se deslocar ao escritório do seu advogado e com vista a discutir o seu objecto. (alínea P) dos factos assentes)
    Da Base Instrutória:
    - O A. e a 2ª R. acordaram que os pagamentos a fazer no cumprimento do contrato de promessa assinalado em F) seriam à ordem da conta id. em B). (resposta ao quesito l° da base instrutória)
    - Os pagamentos supra referidos em C) foram feitos para cumprir a clásula 2ª do contrato de promessa assinalado em F). (resposta ao quesito 2° da base instrutória)
    - Ao A. não foi concedido o empréstimo bancário para a compra da fracção objecto do contrato de promessa assinalado em F). (resposta ao quesito 7° da base instrutória)
    - A 1ª e 2ª Rés despenderam com honorários do seu advogado, respectivamente, a quantia de MOP$60,000.00. (resposta ao quesito 11° da base instrutória)
    
    III – FUNDAMENTOS
    1. O objecto do presente recurso passa, no essencial, pela análise de duas questões:
    - indagar se o julgamento da matéria de facto se mostra correctamente efectuado;
    - se é de manter ou não a condenação como litigante de má-fé.
    
    2. Defende o recorrente que a matéria respeitante a uma alegada condição resolutiva do contrato-promessa devia ter sido dada como provada, isto é que o contrato-promessa de compra e venda da referida fracção só iria por diante se a vendedora cumprisse aquilo a que se comprometeu, ou seja, que lhe arranjaria um empréstimo mediante o qual o A. , ora recorrente, ficaria dotado dos meios financeiros para poder concretizar a aludida compra.
    Para tanto sustenta que outra devia ter sido a resposta aos quesitos 3º a 6º , a partir, nomeadamente do depoimento da testemunha D que, não obstante ser amiga do Recorrente e da 2.ª Ré, C, perguntada se sabia se o contrato celebrado tinha ficado depende da obtenção de empréstimo bancário no montante total do preço da compra e venda, ao que respondeu imediata e peremptoriamente:
    «Sim» (3'03");
    Explicou que convivia à altura com o Autor e a 2.ª Ré, assistindo às conversas havidas, em «várias ocasiões» (3'23") ouviu falar sobre o assunto;
    Disse, mais, que sabe que a 2.ª Ré dissera ao Autor «que tinha o apoio dela na totalidade, para fazer a compra» (5'35").
    Concretizou que esse apoio significava que «se fosse necessário, que tinha o apoio dela» (5'45"), porque «tinha facilidades junto de certas instituições, que podia facilitar a compra da casa» (5'56").
    Perguntada se podia facilitar ou se a mesma havia garantido conseguir a obtenção do empréstimo, a mesma testemunha respondeu «garantiu, porque também era do interesse dela» (6'02").
    Perguntada sobre o que aconteceria se não se obtivesse o empréstimo, respondeu prontamente «nada, nada» (6'06") ... «foi um acordo entre amigos» (6'14"), no sentido de que se não fosse obtido o empréstimo bancário, simplesmente não celebraria a compra e venda, sem mais consequências.
    «Foi um acordo de amigos» (7'48").
    Assim concluiu a testemunha, para significar que estava entendido que a 2.ª Ré devolveria ao Recorrente o montante que este havia pago a título de sinal, caso não fosse obtido o empréstimo bancário.
    Algumas dessas conversas ocorreram no próprio prédio, onde se encontravam porque eram amigos (8'52''), «ela queria que os amigos fossem lá todos ver, estava muito orgulhosa do imóvel» (8'57"), falando-se inclusive se algum dos demais estava interessado em comprar. «Não era só uma pessoa éramos várias» (9'06').
    A testemunha conhecia muito bem o imóvel em questão, «sim, sim, sim» (9'12"), «sedeávamos ali na loja do rés-do-chão» (9'17").
    A forma espontânea e afirmativa como a testemunha respondeu demonstrou de modo inequívoco que tinha perfeito conhecimento do negócio e das partes envolvidas, de quem era amiga e com quem privava, ouvindo e participando nas conversas. Falavam «já de futuras festas no terraço» (9'42").
    Estas afirmações da testemunha terão resultado de um conhecimento circunstanciado e terão sido explicados os condicionalismos em que ocorreram as conversas a que aterá assistido e presenciado.
    Pelo que a resposta do Colectivo aos quesitos 3.° a 6.° da Base Instrutória deveria ter sido afirmativa, dando-se por provada a matéria factual a que respeitam, o que não sucedeu.
    Com todo o respeito por opinião contrária, mas não somos a relevar esse depoimento.
    Se assim era, se essa condição era assim tão importante, não faz sentido que não fosse levada ao contrato. Na verdade, não se trata de uma qualquer cláusula lateral, acessória de somenos importância; tratava-se de uma clúsula tão importante que podia levar â não celebração do contrato prometido. Ora, se assim era, não se compreende facilmente que as partes se aprestem a levar ao contrato escrito as condições que sustentam e validam o contrato e jão se desleixem na consagração de uma cláusula que tem a virtualidade de o destruir, isto é de o resolver.
    A testemunha bem pode ter dito o que disse, mas acredita-se ou não se acredita. O Tribunal de 1ª Instância não o valorizou e a nosso ver as dúvidas que podem ter perpassado pela mente do Colectivo de juízes não é despicienda. Então, não será razoável pensar que uma cláusula daquela importância não fosse levada ao contrato? Os contratantes são lestos em se comprometer à realização do contrato, mas deixam de ser lestos na contemplação de uma causa que impedirá a sua concretização. Isto não faz sentido e afasta-se das regras da normalidade e da experiência comum. Quem faria um contrato escrito em que uma cláusula dessa força, com capacidade resolutiva, deixasse de ser consagrada?
    Depois, se é fácil compreender que o comprador, por não ter dinheiro só comprasse se lhe fosse angariado o empréstimo, já da banda da vendedora não é fácil acreditar - ainda que abstractamente possível - que ela se vinculasse a tal, ficando amarrada a um compromisso, o que, em termos da conjectura e do mercado, muito provavelmente se traduziria, num mau negócio, pois sempre poderia vender sem essas condições e ónus para si.
    De todo o modo, esta reflexão que se vem desenvolvendo serve de porta de entrada naqueloutra questão relativa à admissibilidade por via testemunhal da prova de uma cláusula tão importante, para nós, tão essencial, na medida em que destrutiva do contrato celebrado.
    Sobre isto, estamos com o Colectivo da 1ª Instância, enquanto fez consignar:
    “A convicção do Tribunal baseou-se no depoimento das testemunhas ouvidas em audiência que depuseram sobre os quesitos da base instrutória, nos documentos de fls. 8 a 22, 32 a 41 e 104 a 111 cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, o que permite formar uma síntese quanto à veracidade dos apontados factos.
    Relativamente ao facto de os pagamentos efectuados no cumprimento do contrato-promessa entre o Autor e a 2ª Ré foram feitos à ordem da conta da 1ª Ré, de acordo com depoimento da testemunha E, conjugando com o facto de a 2ª Ré ser sócia maioritária e única administradora da 1ª Ré (certidão do registo comercial de fls. 8 a 11), e dona de obra (cfr. fls. 110), atendendo ainda que, segundo a experiência da vida, ninguém irá depositar quantias elevadas numa conta bancária de terceiro, sem qualquer motivo (justificativo ou não) nem explicações plausíveis, assim, apreciando em global essas provas, o Tribunal convence-se positivamente sobre esses factos em causa.
    Em particular, sobre o facto de se no âmbito do acordo celebrado entre o Autor e a 2ª Ré foi estabelecida uma cláusula resolutiva para o caso aquele não obtiver o empréstimo bancário, seria devolvida a quantia paga, o Autor só logrou demonstrar o facto através do depoimento da testemunha D, que disse ouvir a conversa entre o Autor e a 2ª Ré que esta teria prometido a ajudar aquele na obtenção do empréstimo, contudo, desconhecendo as concretas condições contratuais a que as partes chegaram a acordo no final, essa prova, por si, já é fraca para comprovar a efectiva existência de acordo. O que é mais importante é que o alegado acordo, a verificar, não deixa de ser uma cláusula adicional que poderá conduzir a não produção do efeito do contrato-promessa sem a verificação de determinado facto. Por força do disposto do n.º 1 do art. 388° do C.C., as convenções contrárias ou adicionais contra o conteúdo do documento, sejam anteriores, contemporâneas ou posteriores, não podem ser provadas apenas por prova testemunhal. Daí que mesmo que a prova testemunhal seja convincente, que não é o caso, sem acompanhada de qualquer suporte documental ou meio de prova, por proibição legal, nunca é possível considerar como provada matéria relativa à existência de tal cláusula, o que conduzirá a resposta negativa aos factos constantes dos quesitos 3° a 6°.
    Segundo o depoimento da testemunha F, conjugado com o desenvolvimento posterior à celebração do contrato-promessa, levou o Tribunal a dar como provado o facto do quesito 7°. Aliás, não se considera como provado o facto do quesito 8°, por não haver nenhuma prova nesse sentido.
    De acordo com o teor dos documentos de fls. 110 a 111, conjugado com o depoimento da testemunha G, é suficiente para afastar a veracidade do facto do quesito 9°.
    Sobre os factos dos 10° e 12°, a prova produzida não é suficiente para ter uma convicção segura, pois só tem o depoimento dum empregado das Rés, e que, por função que desempenha (capataz), não devia conhecer muito bem os factos em concreto, para além de que, sendo as Rés comerciantes na área de investimento imobiliário, os casos de incumprimento do contrato-promessa não deveriam ser raros, senão fazendo parte dos riscos próprios dos seus negócios, não se afiguram, segundo a lógica, tais acontecimentos serem possível causar a perturbação alegada pelas Rés, pelo que, não se consideraram provados esses factos.”
    Procura, sem razão, o recorrente afastar a aplicação do art. 388º do CC neste caso, aludindo a uma admissibilidade de prova por testemunhas para a averiguação da intenção ou vontade dos contraentes expressa em documento autêntico, citando até, para o efeito um caso da Jurisprudência comparada. Equivoca-se o recorrente, na medida em que o que aqui está em causa não é o apuramento da real vontade do declarante em relação a uma cláusula expressa do contrato, importando aí indagar-se qual o real sentido pretendido e vertido na declaração negocial. No caso, não há cláusula alguma que tenha de ser interpretada e se ela existe, enquanto acordo verbal anterior ou concomitante ao documento não deixa de estar abrangido pelas razões da forma escrita, o que se compreende, sob pena de a exigência de um acordo escrito para nada servir. Que interessaria exigir que se estipulassem por escrito as condições e termos de validade de um contrato para permitir que verbalmente elas pudessem ser afastadas conduzindo-se as declarações negociais para termos opostos ao que se impõe ficasse reduzido a escrito? Tal entendimento não deixaria de ferir os fins e interesses acutelados por lei no que concerne às exigências da forma escrita. Todavia, o facto de se proibir a prova testemunhal nestes casos, não impede que se venha a fazer prova por essa via dos vícios da vontade ou da divergência entre a vontade e a declaração, salvo no que se refere à hipótese do nº 2, respeitante ao acordo simulatório.1
    
    3. Posto isto, apreciemos agora da condenação por litigância de má-fé.
    O A. foi condenado como litigante de má-fé e bem.
    Propõe a acção contra a 1º Ré, limitando-se a alegar que fez um depósito indevido de uma certa quantia (HKD 731.600,00) por três tranches, em ocasiões diferentes e alegando enriquecimento sem causa, vem pedir que essas quantias lhe sejam devidas.
    A ré, atónita com o alegado, defende-se, dizendo que esses depósitos mais não foram do que o sinal e quantias pagas a título do que estipulado foi num contrato celebrado com aquela que viria a ser a 2º Ré, entretanto demandada nos autos.
    Perante isto, o A. muda a agulha e, reconhecendo o contrato promessa, aliás, documentado nos autos, passa a dizer que afinal o contrato existiu, só que a promitente vendedora não cumpriu com o que se obrigara, passando a demanda-la nos autos e e a peticionar a resolução do contrato.
    O que é isto senão litigar de má-fé?
    Uma coisa é o depósito ser indevido, não haver qualquer causa para que ele fosse efectuado, outra, alegar o incumprimento da contraparte, gerador de resolução do contrato promessa e restituição do que foi entregue.
    Esta restituição baseada no incumprimento não significa que o que foi depositado tenha sido indevido.
    Esta conduta da parte não se pode escudar numa pretensa estratégia processual para mascarar uma manifesta falta de lisura processual, omitindo a real razão e causa fundamento do depósito, qual contrato promessa ao abrigo do qual depositou o dinheiro. Esta conduta da parte mente – o que não tem nada de estratégico – ao defender que o depósito foi indevido, esse depósito, tal como foi feito, em cumprimento do contrato, foi devido e mostra-se justificado. Se há razão para a restituição por incumprimento isso é outra história.
    Nem se diga que a pretensa “estratégia” impunha esta conduta processual, pois se arrancasse com o pedido de resolução do contrato contra a 1ª Ré ela podia opor o facto de não ter celebrado com o A. a dita promessa e se demandasse a 2ª, já esta tinha cedido a sua posição contratual, sendo que o dinheiro estava já na conta da 1ª. Falsa desculpa esta, tanto assim que o A. não deixou de ter o engenho bastante para na réplica alterar o pedido e fazer intervir a 2ª Ré, tal como desde logo bem o poderia ter feito.
    Na previsão da condenação por litigância de má-fé - cfr. art. 385º do CPC - prevê-se, entre outras condutas, também a omissão de factos relevantes para a decisão da causa conduta, a omissão do dever de cooperação e o uso manifestamente reprovável com um fim de conseguir um objectivo ilegal. Ora, se a conduta do A. integra manifestamente a primeira das apontadas previsões, não deixa ainda de raiar as restantes, o que se não deixa de ter por censurável.
    O dolo não deixa de se ter por integrado, face ao reconhecimento da própria parte, ao ponderar o caminho processual a trilhar, ao enveredar por esta via que apodou de “estratégia”, pretensamente legítima.
    Por outro lado, as partes não podem usar de qualquer meio para atingir o objecto do processo, estando obrigados ao dever de probidade, o que pressupõe uma recta conduta, impondo-se-lhes não apenas um dever de veracidade, não só censurando a mentira, mas ainda a não omissão de factos que dificulta a aplicação da justiça.2
    Nem se defenda ser inócua a omissão do depósito feito em cumprimento do contrato – pois nem toda a omissão atingirá o núcleo central da ilicitude da litigância de má-fé, bastando pensar nas omissões que não beneficiam quem as omite e não prejudicam a parte contrária3 -, pois, no caso a invocação de um depósito ilegítimo, sem causa, levaria a uma restituição “tout court”, com real empobrecimento da contraparte que se veria impedida de discutir o incumprimento contratual, no caso, até imputável ao próprio A., tal como se veio a comprovar.
    
    4. Em síntese:
    - Não se comprovando que o contrato promessa só seria celebrado se a promitente vendedora garantisse o empréstimo dos fundos necessários à aquisição da fracção, sendo essa cláusula resolutiva do contrato, é natural que a sua prova não se compadeça com o mero depoimento de uma testemunha, exigindo-se que tal cláusula obedeça às razões de forma consagradas no art. 388.º do CC;
    - Se o A. pede na acção a restituição de quantias pagas, a título de sinal e princípio de pagamento de um contrato promessa de compra e venda de um dado prédio, invocando apenas mero enriquecimento sem causa e omitindo a celebração desse contrato, mais alegando um depósito indevido; se, na acção, é confrontado com a defesa que convoca tal contrato como justificativo do pagamento efectuado; se, perante isso, o A. passa a pedir a resolução do contrato e a restituição do que foi pago por incumprimento da promitente vendedor, haverá lugar à condenação como litigante de má-fé, em face do circunstancialismo que apurado vem.
    
    Nesta conformidade somos a sufragar o que decidido foi na 1ª Instância.
    
     IV – DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
    Custas pela recorrente.
Macau, 27 de Outubro de 2016,
João A.G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho


1 - Cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, nota 3ª, pág. 618; J. Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, II, pág. 176; Rita Gouveia, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, da Universidade Católica Editora, pág. 893.

2 - Cfr. Alberto dos Reis, CPC Anot., II, 263 e Cândida Pires/Viriato Lima, CPC Anot. E Com, Um, 2008, 526
3 - Paula Costa e Silva, A Litigância de Má-fé, Coimbra editora, 2008, 399
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