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Processo nº 290/2016
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 27 de Outubro de 2016
Descritores:
-Revisão de sentença
-Divórcio

SUMÁRIO:

I. Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.

II. Quanto aos requisitos relativos à competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, o tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do nº1, do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.


Proc. nº 290/2016

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
A, (A), divorciada, portador do bilhete de identidade de residente permanente de Macau nº 5xxxxxx(x) e bilhete de identidade de residente permanente de Hong Kong nº P5xxxxx(x), reside em Macau, Edf. xx Garden, Bloco x, xº andar - x, Taipa, propôs “acção de revisão de decisões proferidas por Tribunais do exterior de Macau” contra B (B), com domicílio profissional em Macau, Alameda Dr. xxxxx, nº xxx, Edf. XXX, xxº andar - x, “xxxxx”, telefone: 6xxxxxxx ou 28xxxxxx, em termos que aqui damos por reproduzidos.
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O réu não apresentou contestação.
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O Ministério Público mostrou-se favorável ao deferimento da pretensão.
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Cumpre decidir.
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II – Pressupostos processuais
O Tribunal dispõe de competência internacional, material e também em razão da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária, dispondo de legitimidade ad causam.
Inexistem quaisquer outras excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer.
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III – Os Factos
1 – Autora e réu casaram-se no dia 14 de Novembro de 2005 em Hong Kong.
2 – No dia 21/11/2012,no tribunal distrital da RAEM foi o casamento dissolvido nos seguintes termos:
FCMC xxxxx/2012
Região Administrativa Especial de Hong Kong
Tribunal Distrital
Causa matrimonial nº xxxxx de 2012
A Peticionante
E
B Contestante
Julgada pelo MMº Juiz Deputado C do Tribunal Distrital
Ordem provisória de divórcio
Data: 21 de Novembro de 2012
O Juiz confirma que a Peticionante e o contestante não podem continuar a viver em conjunto em situação razoável.
A Peticionante
E
B Contestante
O casamento (nº Bxxxxx), que foi celebrado no Tsim Sha Tsui Marriage Registry em Hong Kong em 14 de Novembro de 2005 entre ambos, é irremediavelmente quebrado, assim sendo, decreta-se a dissolução de tal casamento caso não haja alguém que apresente, ao Tribunal, motivos fundamentados para a ordem não transitar em absoluta no prazo de seis semanas, contado a partir da prolação desta ordem.
Data: 21 de Novembro de 2012
3 – Autora e réu celebraram um acordo com os seguintes termos:
FCMC xxxxx/2012
Região Administrativa Especial de Hong Kong
Tribunal Distrital
Causa matrimonial nº xxxxx de 2012
A Peticionante
E
B Contestante
Julgada pelo MMº Juiz Deputado C do Tribunal Distrital
Ordem
Data: 21 de Novembro de 2012
Tendo lido a declaração de juramento apresentada pela Peticionante para sustentar a petição apresentada.
Tendo lido também o texto do acordo datado de 1 de Agosto de 2012.
1. A Peticionante e o Contestante conciliaram-se quanto à questão acessória desta acção relativa a auxílio, confirmando e concordando que a questão seja resolvida com base no teor e ordem no texto do acordo (adiante designado por “texto do acordo”) datado de 1 de Agosto de 2012.
2. A Peticionante e o Contestante manifestaram estar cientes de que, na acção de divórcio, cada uma das partes tem o direito de exigir a outra parte que revele ao Tribunal e para si a situação económica toda e situações relacionadas, bem como os respectivos documentos comprovativos, mas nenhuma das partes está obrigada a revelar ao Tribunal e à outra parte a situação económica e respectivos documentos comprovativos.
3. O Contestante confirmou e prometeu ao Tribunal e à Peticionante os seguintes:
(i) O Contestante deve pagar à Peticionante um montante de HKD60.000, a título de pensão alimentícia, aquando da assinatura do “texto do acordo”; e
(ii) O Contestante deve pagar à Peticionante um montante periódico de HKD3.000, a título de pensão alimentícia, no quinto dia do mês seguinte à assinatura do “texto do acordo” entre as partes e no quinto dia de cada mês, até à prolação de ordem de divórcio absoluta.
O Juiz ordenou, com a concordância de ambas as partes, o seguinte:
1. Caso o Contestante não tenha pagado à Peticionante o referido montante de HKD60.000 ou uma parte dele no dia da prolação da ordem de divórcio absoluta, o Contestante deve pagar à Peticionante o referido montante de HKD60.000 ou uma parte dele no prazo de três dias após a prolação da ordem de divórcio absoluta; e
2. A partir da prolação da ordem de divórcio absoluta, o Contestante deve pagar à Peticionante um montante periódico de HKD3.000, a título de pensão alimentícia, no quinto dia de cada mês enquanto as partes estão vivas, ou até a Peticionante se casar de novo, devendo optar-se pela duração mais curta.
Declarou o Juiz: O Tribunal acredita e aceita que não há filho da família estipulado no artigo 18º da Matrimonial Proceedings and Property Ordinance (Capítulo 192).
Data: 21 de Novembro de 2012
4 – A sentença de divórcio transitou em julgado no dia 28 de Janeiro de 2013.
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IV – O direito
1. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública. 2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Neste tipo de processos - de revisão formal - não se conhece do fundo ou do mérito da causa, uma vez que o Tribunal se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento, nem da questão de facto, nem de direito.
Vejamos, então, os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
Os documentos constantes dos autos reportam e certificam a situação invocada pela autora. Revelam, além da autenticidade, a inteligibilidade da decisão do Tribunal Familiar competente da RAEHK (Jurisdição de divórcio), que decretou a dissolução do casamento dos cônjuges.
Por outro lado, a decisão em apreço não conduz a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública da RAEM (cfr. art. 20º e 273º do C.C.). Com efeito, também o direito substantivo de Macau prevê a dissolução do casamento, bem como a regulação do exercício do poder paternal. Reunidos estão, pois, os requisitos de verificação oficiosa do art. 1200º, n.1, als. a) e f), do CPC.
Além destes, não se detecta que os restantes (alíneas b) a e)) constituam aqui qualquer obstáculo ao objectivo a que tendem os autos.
Na verdade, também resulta da documentação dos autos que a sentença de divórcio já transitou.
Acrescenta-se ainda que a decisão foi proferida por entidade competente face à lei em vigor na Região Administrativa e Especial de Hong Kong e não versa sobre matéria exclusiva da competência dos tribunais de Macau, face ao que consta do art. 20º do Cod. Proc. Civil.
Também não se vê que tivesse havido violação das regras de litispendência e caso julgado ou que tivessem sido violadas as regras da citação no âmbito daquele processo ou que não tivessem sido observados os princípios do contraditório ou da igualdade das partes.
Posto isto, tudo se conjuga para a procedência do pedido (cfr. art. 1204º do CPC).
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V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder a revisão e confirmar a decisão de divórcio proferida pelo Tribunal Distrital da RAEHK datada de 21/11/2012, transitada em 28/01/2013, que decretou o divórcio entre A (A) e B (B), nos exactos e precisos termos acima transcritos.
Custas pelo requerente.
TSI, 27 de Outubro de 2016
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong



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