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Processo n.º 871/2015
(Recurso Contencioso)

Relator: João Gil de Oliveira
Data: 27/Outubro/2016

Assuntos:
- Autorização de residência dos familiares de trabalhadores não especializados
- Reagrupamento familiar e Direito Internacional
- Princípios da proporcionalidade, justiça e boa-fé


SUMÁRIO:
1. A previsão do n.° 5 do art. 8º da Lei 4/003 -“A autorização de permanência do agregado familiar de trabalhador não-residente especializado, cuja contratação tenha sido do interesse da RAEM, é concedida pelo período pelo qual o referido trabalhador estiver vinculado, sob parecer da entidade competente para a autorização”- não é aplicável aos trabalhadores não especializados.
    
2. Em relação aos trabalhadores não especializados é concedida uma ampla discricionariedade à Administração quanto à autorização de permanência dos familiares e tal discricionariedade só pode ser atacada com base em manifesta ilegalidade ou na total desproporcionalidade ou desrazoabilidade no exercício dos respectivos poderes, importando atentar que estes nunca adquiriram o estatuto de residentes, mas sim de trabalhadores não residentes.

3. A permanência concedida a uma criança que aqui nasceu e estudou ao longo de vários anos é precária e a Administração é livre de a fazer cessar e de na ão conceder se a mãe perdeu o emprego e teve de regressar ao seu país, não obstante, passado algum tempo, aqui ter encontrado novo emprego, ainda que o pai aqui permanecesse e aqui tenha trabalhado, tal como a mãe muitos e longos anos.

4. Não há qualquer violação do Direito Internacional pela razão simples de que nenhuma norma obriga os Estados a autorizarem o reagrupamento familiar dos seus trabalhadores emigrantes ou não residentes. Até porque, como tem sido afirmado e reafirmado, no limite, a família não é posta em causa com uma separação forçada dos membros da família que se quer unida, bem podendo optar entre as vantagens económicas ou outras de um trabalho fora do seu país de origem ou o regresso àquele, prescindido daquelas vantagens. No fundo é uma questão de opção entre as vantagens e desvantagens que uma e outra opção pode arrostar.

5. Sem embargo de se reconhecer que essa não é a situação ideal, em termos de uma educação harmoniosa e mais equilibrada, sob o ponto de vista das emoções e dos afectos.

6. Na situação acima reportada não se vislumbra qualquer quebra dos princípios de proporcionalidade, boa-fé e justiça, na medida em que a decisão tomada se compreende à luz da ponderação entre os interesses salvaguardados e os sacrificados, ponderação que cabe à Administração fazer e, no caso, passava apenas por deferir ou negar a autorização de permanência, não havendo razões fortes que imponham a solução contrária à que foi tomada e podendo sempre os interesses individuais e familiares ser acautelados por outra via, ainda que com eventuais sacrifícios materiais que, aliás, sempre poderão advir a qualquer momento com a perda do trabalho aqui prestado.

O Relator,

João A. G. Gil de Oliveira
















Processo n.º 871/2015
(Recurso Contencioso)

Data : 27 de Outubro de 2016

Recorrentes: - A
- B
(menor, representada pelo sue pai A )

Entidade Recorrida: Secretário para a Segurança

    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    1. A, mais bem identificado nos autos, por si e em representação da filha menor, B, notificado, a 7 de Setembro de 2015, através do Ofício n.º MIG. 393/2015/TNR/R, de que, por Despacho de Sua Excelência o Secretário para a Segurança, datado de 21 de Agosto de 2015, foi indeferido o recurso hierárquico necessário interposto, a 10 de Agosto de 2015, do indeferimento do pedido de permanência da sua filha, ora recorrente, na modalidade de reagrupamento do agregado familiar, não se conformando com essa decisão,
    vem, ao abrigo do artigo 20.° e seguintes do Código de Processo Administrativo Contencioso (de ora em diante "CPAC"), interpor RECURSO CONTENCIOSO DE ANULAÇÃO,
    o que faz, alegando em síntese conclusiva:
1. É entidade recorrida o Exmo. Senhor Secretário para a Segurança, o qual, através de despacho datado de 21 de Agosto de 2015 (o "Acto Recorrido"), indeferiu o recurso hierárquico necessário apresentado a 10 de Agosto de 2015 pelo Recorrente (o "Recurso Hierárquico"), do indeferimento do pedido de permanência de agregado familiar não residente proferido pelo Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública.
    2. Constitui objecto do presente recurso, o indeferimento do recurso hierárquico necessário interposto do indeferimento do pedido de permanência de agregado familiar não residente.
    3. A fundamentação do despacho de indeferimento do Exmo. Sr. Secretário para a Segurança, assentou em que i) o status quo ante da Menor Recorrente imediatamente anterior ao pedido em apreço é o de um visto precário de permanência, que não confere qualquer especial estatuto de permanência ou residência concedido por acto da Administração; ii) o status quo ante mediato resultou de sucessivos pedidos dos pais da interessada, de opções de vida suas, por natureza precárias cujos requisitos necessários à sua manutenção foram interrompidos em finais de 2013, aquando da cessação da qualidade de trabalhadora da mãe da Menor Recorrente, sem que qualquer acto por parte da Administração lhe tenha dado causa; iii) no facto de a interrupção dessa qualidade ter causado um afastamento prolongado da Menor Recorrente em relação a Macau; iv) não se vislumbrarem razões humanitárias que demandem uma autorização especial de permanência; v) o indeferimento da autorização de permanência de um não residente que aqui permanece não fere a união e estabilidade da família nem quaisquer direitos das crianças; vi) o indeferimento não interfere de forma activa e censurável sobre qualquer direito de residentes, familiar ou outro, constituído e sedimentado no seu espaço político-administrativo; vii) não é posto em causa o dever de absoluto respeito pelo direito de reunir família e com ela habitar por todo o tempo e num mesmo lugar, não se permitindo apenas que o sujeito de direitos imponha o seu direito mas apenas as circunstâncias de lugar do seu exercício; viii) a essa limitação não se opõem quer as leis fundamental e ordinária, quer os instrumentos de direito internacional a que a RAEM se encontra vinculada; ix) não se vislumbra a violação dos alegados princípios da igualdade (em relação ao qual (sic) o recorrente não apresenta evidência de diferentes decisões noutros casos de idênticas circunstâncias), da proporcionalidade em qualquer das suas vertentes (apenas equacionável quanto ao acto eivado de erro manifesto ou total desrazoabilidade), muito menos dos princípios da imparcialidade e da boa-fé e dos valores elementares da ordem jurídica.
    4. O Recorrente é pai da Menor Recorrente, com apenas onze (11) anos de idade, nascida em Macau no dia 2 de Abril de 2004, onde sempre viveu até Setembro de 2014.
    5. A RAEM autorizou a Menor Recorrente a viver com os seus pais em Macau, por via de um despacho proferido pelo Exmo. Secretário para a Segurança, em 15 de Abril de 2005.
    6. Autorizada que foi a viver em Macau, a Menor Recorrente estudou desde os três (3) anos de idade, na Escola Primária Oficial Luso-Chinesa de Sir Robert Ho Tung, tendo ainda sido inscrita no ano lectivo de 2014/15, no 5.º ano de escolaridade.
    7. Essa autorização que a RAEM concedeu teve como consequência que a Menor Recorrente, hoje com 11 (onze) anos de idade, não tenha conhecido outra realidade e outro sistema de ensino a não ser o de Macau.
    8. Em Dezembro de 2013, a mãe da Menor Recorrente foi, por facto completamente alheio à sua vontade, forçada a ausentar-se de Macau, porque o restaurante no qual trabalhava encerrou a sua actividade.
    9. A Menor Recorrente, porém, foi autorizada a continuar os seus estudos na supramencionada instituição de ensino.
    10. A Menor Recorrente teve de se ausentar de Macau entre 19 de Outubro e 26 de Novembro e 15 de Janeiro e 14 de Fevereiro, uma vez que a sua mãe ainda se encontrava a aguardar pela conclusão das formalidades da sua contratação ao serviço do restaurante "Cervejaria X", o que veio a acontecer a 20 de Março de 2015.
    11. O Recorrente, que é cozinheiro num restaurante da sociedade X Entretenimento Companhia Limitada, pediu autorização especial de permanência, na modalidade de reagrupamento familiar, em 26 de Março de 2015.
    12. Por desconhecimento dos procedimentos legais, o Recorrente não informou, como teria sido conveniente, o Serviço de Migração, de que a sua esposa, nessa data, já se encontrava autorizada a trabalhar na Cervejaria X, desde 20 de Março de 2015.
    13. Em 2 de Abril de 2015, a mãe da Menor Recorrente informou os Serviços de Migração de que a situação familiar e financeira estava de novo reposta em melhores condições relativamente àquelas que inicialmente tinham permitido à Menor Recorrente viver em Macau, tendo requerido, também ela, o reagrupamento familiar.
    14. A situação com base na qual tinha sido concedida a Autorização Inicial encontravase totalmente reposta e resolvida, pelo que não haveria quaisquer razões para que a Administração mudasse o seu entendimento quanto à vivência da Menor Recorrente em Macau com os pais.
    15. O Serviço de Migração, perante as mesmas circunstâncias familiares e profissionais dos pais, decidiu recusar que a Menor Recorrente continuasse aqui a sua vida.
    16. A Autorização Inicial o Exmo. Sr. Secretário para a Segurança refere o seguinte:
    "Entretanto, em consideração de que a criança nasceu em Macau, e sendo de idade muito tenra, e que os pais têm trabalhado em Macau ao longo de vários anos, e por outros factores, decidiu que com base em razões humanitárias, excepcionalmente permite-se o requerimento de permanência da criança."
    17. O pedido de autorização especial de permanência, na modalidade de reagrupamento familiar não é um pedido originário, tratando-se antes de prolongar uma situação já existente, fundamentado pelos factos de i) a Menor Recorrente ter nascido em Macau, de ii) os pais da Menor Recorrente já viverem e trabalharem em Macau desde 1994, de iii) a Menor Recorrente, sendo ainda uma criança, precisar de protecção especial, e, ainda, iv) por razões humanitárias;
    18. fundamentos esses que, tal como se pode concluir, se mantêm, até à presente data, na íntegra.
    19. A fim de se evitar tratar de forma igualo que é diferente, o caso sub iudice resumirse-ia a um tratamento diferenciado do pedido de continuidade dos estudos e permanência da Menor Recorrente, de outros pedidos que visam a constituição de uma nova situação de facto.
    20. O problema que se criou na vida da Menor Recorrente, por causa da alteração de empregador da sua mãe, não deverá ser equacionado, salvo o devido respeito, sob o prisma da precariedade da permanência do Recorrente ou do seu agregado familiar.
    21. Por outro lado, o Recorrente não afirma que à Menor Recorrente assista o benefício de um estatuto, no sentido a que Administração parece querer referir-se, mas sim de uma situação consolidada no tempo - ainda que não no direito - que reclama o benefício de uma actuação razoável, proporcionada e justa, pela Administração, precisamente porque essa situação de facto adquiriu com o tempo um relevo jurídico bastante para que os princípios constantes do ePA tivessem que ser aplicados ao caso de forma mais rigorosa, o que, salvo o devido respeito, não aconteceu.
    22. Ao decidir o seu pedido de reagrupamento familiar, a actuação da Administração deveria ter partido de uma análise dos factos por referência à Menor Recorrente, que é o sujeito de direitos principal in casu.
    23. Contrariamente ao que a Administração refere no Acto Recorrido, não houve interrupção prolongada que justificasse a recusa da permanência da Menor Recorrente, conforme atesta a certidão de entradas e saídas da mesma, bem como os documentos escolares.
    24. Conforme reiterou o Recorrente ao longo de todo o procedimento, o pedido de reagrupamento não consubstanciava um caso ex novo, semelhante aos que têm sido consistentemente negados pela Administração e confirmados pelos tribunais, mas antes o de uma criança que aqui tinha vivido e estudado durante toda a sua vida.
    25. Não deve proceder o argumento da Administração de que a precariedade do status quo ante não é "imputável à Administração", pois a relevância do status quo ante incide antes na integração dos princípios de direito administrativo que deveriam ter sido mobilizados para a construção dos pressupostos sob os quais a Administração agiu, mas não o foram.
    26. A Administração operou uma análise sobre pressupostos que não eram importantes para os interesses que estavam em causa, ao apoiar-se no tempo em que a mãe da Menor Recorrente não teve trabalho, em vez de, verificado que estava que os dois pais da Menor Recorrente já tinham emprego à data do pedido, fazer incidir a sua análise sobre se tinha, de facto, havido alguma (significativa) interrupção dos estudos da Menor Recorrente, que, consequentemente, pudesse tornar o seu status quo ante irrelevante.
    27. Por esse motivo, salienta-se que a intenção de evitar os efeitos que este Acto Recorrido comporta, sindica-se apenas quanto à sua nocividade sobre a Menor Recorrente, porquanto os requisitos que a Administração aplicou, usando o seu poder discricionário na Autorização Inicial (de 2005), estavam (e continuam) preenchidos.
    28. É visível o reconhecimento, por parte da Administração, da aptidão do pressuposto de ambos os pais estarem empregados, na fundamentação do Acto Recorrido quando é dito que "por falta de observância dos requisitos necessários à sua manutenção, o que veio a suceder em finais de 2013, altura em que a mãe viu terminada a sua qualidade de trabalhadora".
    29. Por esse motivo, os "requisitos necessários à sua manutenção", que a Administração reconhece! eram de fácil verificação e estavam de facto concretizados, em 26 de Março de 2015.
    30. O princípio da legalidade, previsto no art. 3.° do CPA, prevê no seu n.º 1 que a actividade da Administração se subordina sempre aos fins que a norma prevê.
    31. Pelo que a finalidade da norma prevista no artigo 8.º da Lei 4/2003, teria que ter sido levada em conta na apreciação do pedido de reagrupamento.
    32. Simultaneamente, no âmbito da sua actividade discricionária, a Administração não deixa de estar sujeita ao bloco de legalidade que inclui todas as fontes de direito.
    33. Ao optar pelo indeferimento, sem interesse público ou alteração de pressupostos que o justificasse, a Administração rejeitou a sujeição ao denominado princípio da juricidade, que implicaria, no entender do Recorrente, que a Administração, perante a inexistência de interesse público, não desconsiderasse, como desconsiderou, os valores protegidos pelos diplomas legais mencionados no Recurso Hierárquico, omissão essa que persiste no Acto Recorrido.
    34. A Administração, na fundamentação do Acto Recorrido, insistiu que nenhum direito ao reagrupamento assistia ao Recorrente e à Menor Recorrente, mas não explicou as razões de interesse público que a levaram a desconsiderar todas as implicações negativas sobre a esfera pessoal da Menor Recorrente, que pudessem tornar a decisão razoável e justa.
    35. Verificando-se que nenhum interesse público subjaz ao indeferimento, sempre teria a Administração que reconhecer que, ao proporcionar à Menor Recorrente, desde 2005, o reagrupamento com os pais, estava a contribuir para a criação duma situação de facto com relevo jurídico.
    36. Relevo jurídico esse que, entende o Recorrente, se revelou no momento em que a continuidade do desenvolvimento da personalidade da Menor Recorrente colocou em confronto a finalidade do artigo 8.° da Lei 4/2003 com os valores jurídicos que são protegidos pela demais legislação de Macau, constitucional, interna e internacional, e que deviam estar presentes na formação de vontade da Administração, por não se sobrepor o interesse público.
    37. A decisão que resultou do procedimento, uma vez que assentou em pressupostos depurados dos valores protegidos na Convenção sobre os Direitos das Crianças, (doravante, a "Convenção"), em vigor em Macau através do Aviso do Chefe do Executivo n.º 5/2001, dos valores referentes aos direitos de personalidade e seu desenvolvimento protegidos pelo Código Civil, e dos valores protectores das crianças e da família plasmados na Lei Básica, deve ser considerada por este Tribunal em violação dos princípios identificados.
    38. O "interesse superior da criança" deveria ter prevalecido na avaliação que a Administração fez das duas opções que poderia tomar perante o pedido, porquanto tal interesse seria realizado plenamente se tivesse sido concedido o direito à reunião familiar, autorizando-se a permanência da Menor Recorrente.
    39.Ao desconsiderar os princípios jurídicos dos diplomas legais enunciados supra, o Acto Recorrido violou os princípios basilares consagrados no CPA, bem como o disposto na Declaração dos Direitos da Criança.
    40. Do menosprezo dos valores protegidos através dos dispositivos legais acima enunciados decorrerá, necessariamente, a desconsideração de um normativo constitucional, aplicável por força do artigo 43.° da Lei Básica da RAEM, que se encontra plasmado no artigo 38.° dessa Lei.
    41. Sem conceder quanto à directa aplicação dos diplomas e normas até agora enunciados, que pelo menos deveriam ter conformado a decisão deste pedido de reagrupamento familiar, e, tendo a Administração verificado inexistir superior interesse público, ou decaimento dos pressupostos fácticos constantes da Autorização Inicial, o escopo das normas conjugadas dos artigos 8.º e 11.° da Lei n.º 4/2003 e dos artigos 1729.°, 1739.°, 1741 n.º l e 1742.°, todos do Código Civil, sempre teria permitido à Administração autorizar a permanência da Menor Recorrente, por razões humanitárias, nos mesmos termos da Autorização Inicial.
    42. A Administração Pública, no relacionamento com os particulares, ainda que no exercício de poderes discricionários, está sempre vinculada aos princípios gerais da actuação administrativa.
    43. Consequentemente, a Administração deve reger-se, mesmo aquando da implementação de "políticas internas" (e porquanto as mesmas não constituem lei), pelos princípios da protecção dos direitos e interesses dos administrados (artigo 4.º do CPA), da igualdade e proporcionalidade (artigo 5.° do CPA), da justiça e imparcialidade (artigo 7.° do CPA) e da boa-fé (artigo 8.º do CPA).
    44. A Menor Recorrente, para além de ser a mesma criança que beneficiou da Autorização Inicial, e de ainda ser menor (tem 11 anos), sofre hoje a agravante de recorde-se, com a anuência da RAEM - se encontrar a meio do seu desenvolvimento pessoal e escolar, pelo que o desenvolvimento saudável destas dimensões da sua personalidade está dependente da autorização requerida pelo Recorrente.
    45. Conjugada essa susceptibilidade de irreparável prejuízo no desenvolvimento de personalidade da Menor Recorrente, com a protecção legal que lhe assiste, por via dos diplomas legais enunciados supra, conclui-se que o Acto Recorrido padece do vício de violação de lei, por violação dos princípios de proporcionalidade, adequação e justiça, que o CPA consagra, respectivamente, no n.º 2 do artigo 5.º e no artigo 7.º do CPA.
    46. Ao decidir de maneira contrária àquela que foi proporcionada à Menor Recorrente ao longo de dez anos, a Administração viola claramente o princípio da justiça, na sua dimensão "protectora da confiança e da segurança dos cidadãos".
    47. Igualmente, o princípio da boa-fé na actividade da Administração é totalmente omitido no Acto Recorrido.
    48. O Acto Recorrido padece do vício de violação de lei, por não atender às expectativas legitimamente criadas na Menor Recorrente e nos seus pais que, ao longo de uma década, justificada mente depositaram a sua confiança na Administração, nos termos em que, a existir uma conjuntura fáctica idêntica àquela que existia ao tempo da Autorização Inicial, a Administração permitiria que a Menor Recorrente pudesse viver em Macau com os pais.
    49. A desagregação familiar que o Acto Recorrido irá provocar, ao não permitir que a Menor Recorrente viva com os pais na RAEM é também per si demonstrativa da desproporcionalidade e desadequação do Acto Recorrido, e ipso facto contrária à lei, atenta a premissa fundamental de que existe um status quo ante de reagrupamento familiar.
    50. A actuação da Administração está vinculada aos princípios e valores humanistas que a Lei Básica propugna, sendo essa uma realidade que está em directa oposição à decisão do Acto Recorrido, afigurando-se urgente a anulação dessa decisão.
    51. Se a RAEM permitiu que a Menor Recorrente, nascida em Macau, aqui estudasse desde os três (3) anos de idade até ao presente ano lectivo, e que a mesma crescesse e se habituasse ao meio cultural, social e educativo das suas instituições, a decisão vertida no Acto Recorrido irá, sem qualquer motivo atendível, violar de forma repentina e cruel os direitos adquiridos e as expectativas criadas no Recorrente e na Menor Recorrente, marcando-a indelevelmente na sua confiança na sociedade, sem que se verifique uma justificação plausível.
    52. Observando a jurisprudência de Macau, o Acto Recorrido em análise ostenta a violação de princípios de direito supra identificada, porquanto, diferentemente dos casos em que a RAEM não propicia a que se consolidem direitos adquiridos ou expectativas nas pessoas, foi a RAEM que, in casu, permitiu que a criança iniciasse o desenvolvimento da sua personalidade em Macau.
    53. No caso em análise, não se trata de uma escolha que os pais tenham que fazer entre a labuta e a proximidade dos seus filhos, mas sim - problema bem diferente que resulta da fase escolar e etária da Menor Recorrente - proteger a continuidade da estabilidade emocional e psicológica de uma criança que, por ter vivido até aos onze (11) anos de idade na RAEM, sob autorização da RAEM, não está por esse motivo preparada para enfrentar um ambiente social e cultural e um sistema educativo totalmente diferentes, tendo adquirido o direito de aqui viver no decurso do desenvolvimento da sua personalidade, enquanto as circunstâncias profissionais dos seus pais se mantiverem.
    NESTES TERMOS e nos mais de Direito que V. Exas. mui douta mente suprirão, por todas as razões acima expostas e em face da violação dos normativos supra invocados, deve o presente recurso contencioso ser julgado procedente por provado, anulando-se o acto em crise, com base na sua ilegalidade, nos termos do disposto no artigo 124.º do CPA, por vício de violação de lei, na sua vertente de erro sobre os pressupostos de facto e de direito e, por violação dos princípios da boa-fé, da proporcionalidade e da justiça.
    
    2. O Exmo Senhor Secretário para a Segurança do Governo da Região Administrativa Especial de Macau apresentou a sua CONTESTAÇÃO, alegando, em síntese:
    Ora, buscando o essencial, por entre o extenso articulado dos Recorrentes, verifica-se que, não obstante a clara fundamentação referida, os mesmos não se conformam com o acto recorrido porque alegam que a Entidade Recorrida deveria ter considerado e valorado (e não o fez) a existência de uma sólida situação de facto que a RAEM consentiu e que reclama as mesmas medidas de decisão inicial, a tal não se sobrepondo nenhum interesse público (cfr. Artigo 28.º da Petição de Recurso).
    A sólida situação de facto invocada é a permanência especial da Recorrente menor, na RAEM, desde 2005 a 2013, a coberto de sucessivas autorizações da Administração.
    E é este argumento que é invocado para, afinal, afirmar que a autorização especial de permanência conferida em 2005 e as sucessivas renovações criaram para a Administração um ónus de renovação ... decorrente das renovações.
    Assim (como se consegue descortinar, pelo meio do seu extenso articulado), os Recorrentes pretendem que " ... o Acto Recorrido padece do vicio de violação de lei, por não atender as expectativas legitimamente criadas na Menor e nos seus pais que, ao longo de uma década, justificadamente depositaram a sua confiança na Administração, nos termos em que, a existir uma conjuntura fáctica idêntica àquela que existia ao tempo da Autorização Inicial, a Administração permitiria que a Menor pudesse viver em Macau com os pais." (dr. artigo 76.º da Petição de Recurso).
    A partir deste argumento central, os Recorrentes procuram construir uma visão de uma atitude punitiva (dr. o artigo 42.º da Petição de Recurso) e cruel (cfr. o artigo 86.º da Petição de Recurso) da parte da Administração. Mas mal.
    Na verdade, a Autorização Inicial, de 2005, contém a posição bem clara, de boa-fé, e humanista da Administração: a autorização especial de permanência requerida não era de conceder, no uso dos poderes discricionários concedidos pela Lei nesta matéria, e face à sua percepção dos interesses públicos em jogo. Todavia, excepcionalmente, e temporariamente como é óbvio, permitiu-se a permanência da criança em causa porque esta era de idade muito tenra.
    Assim, o acto recorrido fundou-se na lei - nos n.ºs 1 e 5 do art. 8° da Lei n.º 4/2003, concretamente - e teve por fundamento, no essencial, o facto de o Recorrente pai ser trabalhador não especializado (o que implica que a sua contratação não foi considerada de interesse para a a RAEM) e de não existirem, no caso, actualmente, razões especialmente atendíveis do deferimento.
    Com efeito, poderão levantar-se dúvidas sobre qual o limite (superior) do que deve considerar-se tenra idade, havendo quem refira que a tenra idade é a do período de amamentação (até aos dois anos de idade) e outros que referem que a tenra idade vai até aos 10 anos, altura a partir da qual começa a fase da adolescência.
    Todavia, atendo-nos concretamente ao caso controvertido, parece não caberem dúvidas razoáveis de que uma criança de 11 anos de idade não é uma criança de muito tenra idade (como foi pressuposto fáctico determinante da Autorização Inicial) e nem sequer de tenra idade.
    Assim se contesta, portanto, a violação dos princípios de proporcionalidade, adequação e justiça, que o CPA consagra, respectivamente, no n.º 2 do artigo 5.º e no artigo 7.º, e o vício de violação de lei, conforme alegado pelos Recorrentes, nos artigos 70.º e 76.º da Petição de Recurso, com base no pressuposto de que o acto recorrido teve por fundo "uma conjuntura fáctica idêntica àquela que existia ao tempo da Autorização Inicial."
    No caso, esta consideração é plenamente aplicável: a premência, a pressão sentida pelo Recorrente pai (e sua esposa, certamente), relativamente ao apoio que tem que dar à Recorrente menor, resulta da paternidade e das opções de vida que ele (e sua esposa) foi/vai fazendo, e essa premência/ pressão tenderá sempre a existir, ainda que o Recorrente pai e a Recorrente menor se encontrem em Macau e nas Filipinas, respectivamente, ou em qualquer outra parte do mundo.
    Termos em que, por não existir qualquer vício que deva conduzir à anulação do acto recorrido, deve manter-se integralmente a decisão impugnada, negando-se provimento ao presente recurso, assim se fazendo JUSTIÇA.
    
    3. A em representação da filha menor, B, em sede de alegações facultativas, conclui:
    1. É entidade recorrida o Exmo. Senhor Secretário para a Segurança, o qual, através de despacho datado de 21 de Agosto de 2015 (o "Acto Recorrido"), indeferiu o recurso hierárquico necessário apresentado a 10 de Agosto de 2015 pelo Recorrente (o "Recurso Hierárquico"), do indeferimento do pedido de permanência de agregado familiar não residente proferido pelo Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública.
    2. Constitui objecto do presente recurso, o indeferimento do recurso hierárquico necessário interposto do indeferimento do pedido de permanência de agregado familiar não residente.
    3. A fundamentação do despacho de indeferimento do Exmo. Sr. Secretário para a Segurança, assentou em que i) o status quo ante da Menor Recorrente imediatamente anterior ao pedido em apreço é o de um visto precário de permanência, que não confere qualquer especial estatuto de permanência ou residência concedido por acto da Administração; ii) o status quo ante mediato resultou de sucessivos pedidos dos pais da interessada, de opções de vida suas, por natureza precárias cujos requisitos necessários à sua manutenção foram interrompidos em finais de 2013, aquando da cessação da qualidade de trabalhadora da mãe da Menor Recorrente, sem que qualquer acto por parte da Administração lhe tenha dado causa; iii) no facto de a interrupção dessa qualidade ter causado um afastamento prolongado da Menor Recorrente em relação a Macau; iv) não se vislumbrarem razões humanitárias que demandem uma autorização especial de permanência; v) o indeferimento da autorização de permanência de um não residente que aqui permanece não fere a união e estabilidade da família nem quaisquer direitos das crianças; vi) o indeferimento não interfere de forma activa e censurável sobre qualquer direito de residentes, familiar ou outro, constituído e sedimentado no seu espaço político-administrativo; vii) não é posto em causa o dever de absoluto respeito pelo direito de reunir família e com ela habitar por todo o tempo e num mesmo lugar, não se permitindo apenas que o sujeito de direitos imponha o seu direito mas apenas as circunstâncias de lugar do seu exercício; viii) a essa limitação não se opõem quer as leis fundamental e ordinária, quer os instrumentos de direito internacional a que a RAEM se encontra vinculada; ix) não se vislumbra a violação dos alegados princípios da igualdade (em relação ao qual (sic) o recorrente não apresenta evidência de diferentes decisões noutros casos de idênticas circunstâncias), da proporcionalidade em qualquer das suas vertentes (apenas equacionável quanto ao acto eivado de erro manifesto ou total desrazoabilidade), muito menos dos princípios da imparcialidade e da boa-fé e dos valores elementares da ordem jurídica.
    4. O Recorrente é pai da Menor Recorrente, com apenas onze (11) anos de idade, nascida em Macau no dia 2 de Abril de 2004, onde sempre viveu até Setembro de 2014.
    5. A RAEM autorizou a Menor Recorrente a viver com os seus pais em Macau, por via de um despacho proferido pelo Exmo. Secretário para a Segurança, em 15 de Abril de 2005.
    6. Autorizada que foi a viver em Macau, a Menor Recorrente estudou desde os três (3) anos de idade, na Escola Primária Oficial Luso-Chinesa de Sir Robert Ho Tung, tendo ainda sido inscrita no ano lectivo de 2014/15, no 5.º ano de escolaridade.
    7. Essa autorização que a RAEM concedeu teve como consequência que a Menor Recorrente, hoje com 11 (onze) anos de idade, não tenha conhecido outra realidade e outro sistema de ensino a não ser o de Macau.
    8. Em Dezembro de 2013, a mãe da Menor Recorrente foi, por facto completamente alheio à sua vontade, forçada a ausentar-se de Macau, porque o restaurante no qual trabalhava encerrou a sua actividade.
    9. A Menor Recorrente, porém, foi autorizada a continuar os seus estudos na supramencionada instituição de ensino.
    10. A Menor Recorrente teve de se ausentar de Macau entre 19 de Outubro e 26 de Novembro e 15 de Janeiro e 14 de Fevereiro, uma vez que a sua mãe ainda se encontrava a aguardar pela conclusão das formalidades da sua contratação ao serviço do restaurante "Cervejaria X", o que veio a acontecer a 20 de Março de 2015.
    11. O Recorrente, que é cozinheiro num restaurante da sociedade X Entretenimento Companhia Limitada, pediu autorização especial de permanência, na modalidade de reagrupamento familiar, em 26 de Março de 2015.
    12. Por desconhecimento dos procedimentos legais, o Recorrente não informou, como teria sido conveniente, o Serviço de Migração, de que a sua esposa, nessa data, já se encontrava autorizada a trabalhar na Cervejaria X, desde 20 de Março de 2015.
    13. Em 2 de Abril de 2015, a mãe da Menor Recorrente informou os Serviços de Migração de que a situação familiar e financeira estava de novo reposta em melhores condições relativamente àquelas que inicialmente tinham permitido à Menor Recorrente viver em Macau, tendo requerido, também ela, o reagrupamento familiar.
    14. A situação com base na qual tinha sido concedida a Autorização Inicial encontravase totalmente reposta e resolvida, pelo que não haveria quaisquer razões para que a Administração mudasse o seu entendimento quanto à vivência da Menor Recorrente em Macau com os pais.
    15. O Serviço de Migração, perante as mesmas circunstâncias familiares e profissionais dos pais, decidiu recusar que a Menor Recorrente continuasse aqui a sua vida.
    16. A Autorização Inicial o Exmo. Sr. Secretário para a Segurança refere o seguinte:
    "Entretanto, em consideração de que a criança nasceu em Macau, e sendo de idade muito tenra, e que os pais têm trabalhado em Macau ao longo de vários anos, e por outros factores, decidiu que com base em razões humanitárias, excepcionalmente permite-se o requerimento de permanência da criança."
    17. O pedido de autorização especial de permanência, na modalidade de reagrupamento familiar não é um pedido originário, tratando-se antes de prolongar uma situação já existente, fundamentado pelos factos de i) a Menor Recorrente ter nascido em Macau, de ii) os pais da Menor Recorrente já viverem e trabalharem em Macau desde 1994, de iii) a Menor Recorrente, sendo ainda uma criança, precisar de protecção especial, e, ainda, iv) por razões humanitárias;
    18. fundamentos esses que, tal como se pode concluir, se mantêm, até à presente data, na íntegra.
    19. A fim de se evitar tratar de forma igualo que é diferente, o caso sub iudice resumirse-ia a um tratamento diferenciado do pedido de continuidade dos estudos e permanência da Menor Recorrente, de outros pedidos que visam a constituição de uma nova situação de facto.
    20. O problema que se criou na vida da Menor Recorrente, por causa da alteração de empregador da sua mãe, não deverá ser equacionado, salvo o devido respeito, sob o prisma da precariedade da permanência do Recorrente ou do seu agregado familiar.
    21. Por outro lado, o Recorrente não afirma que à Menor Recorrente assista o benefício de um estatuto, no sentido a que Administração parece querer referir-se, mas sim de uma situação consolidada no tempo - ainda que não no direito - que reclama o benefício de uma actuação razoável, proporcionada e justa, pela Administração, precisamente porque essa situação de facto adquiriu com o tempo um relevo jurídico bastante para que os princípios constantes do CPA tivessem que ser aplicados ao caso de forma mais rigorosa, o que, salvo o devido respeito, não aconteceu.
    22. Ao decidir o seu pedido de reagrupamento familiar, a actuação da Administração deveria ter partido de uma análise dos factos por referência à Menor Recorrente, que é o sujeito de direitos principal in casu.
    23. Contrariamente ao que a Administração refere no Acto Recorrido, não houve interrupção prolongada que justificasse a recusa da permanência da Menor Recorrente, conforme atesta a certidão de entradas e saídas da mesma, bem como os documentos escolares.
    24. Conforme reiterou o Recorrente ao longo de todo o procedimento, o pedido de reagrupamento não consubstanciava um caso ex novo, semelhante aos que têm sido consistentemente negados pela Administração e confirmados pelos tribunais, mas antes o de uma criança que aqui tinha vivido e estudado durante toda a sua vida.
    25. Não deve proceder o argumento da Administração de que a precariedade do status quo ante não é "imputável à Administração", pois a relevância do status quo ante incide antes na integração dos princípios de direito administrativo que deveriam ter sido mobilizados para a construção dos pressupostos sob os quais a Administração agiu, mas não o foram.
    26. A Administração operou uma análise sobre pressupostos que não eram importantes para os interesses que estavam em causa, ao apoiar-se no tempo em que a mãe da Menor Recorrente não teve trabalho, em vez de, verificado que estava que os dois pais da Menor Recorrente já tinham emprego à data do pedido, fazer incidir a sua análise sobre se tinha, de facto, havido alguma (significativa) interrupção dos estudos da Menor Recorrente, que, consequentemente, pudesse tornar o seu status quo ante irrelevante.
    27. Por esse motivo, salienta-se que a intenção de evitar os efeitos que este Acto Recorrido comporta, sindica-se apenas quanto à sua nocividade sobre a Menor Recorrente, porquanto os requisitos que a Administração aplicou, usando o seu poder discricionário na Autorização Inicial (de 2005), estavam (e continuam) preenchidos.
    28. É visível o reconhecimento, por parte da Administração, da aptidão do pressuposto de ambos os pais estarem empregados, na fundamentação do Acto Recorrido quando é dito que "por falta de observância dos requisitos necessários à sua manutenção, o que veio a suceder em finais de 2013, altura em que a mãe viu terminada a sua qualidade de trabalhadora".
    29. Por esse motivo, os "requisitos necessários à sua manutenção", que a Administração reconhece, eram de fácil verificação e estavam de facto concretizados, em 26 de Março de 2015.
    30. O princípio da legalidade, previsto no art. 3.ºdo CPA, prevê no seu n.º 1 que a actividade da Administração se subordina sempre aos fins que a norma prevê.
    31. Pelo que a finalidade da norma prevista no artigo 8º da Lei 4/2003, teria que ter sido levada em conta na apreciação do pedido de reagrupamento.
    32. Simultaneamente, no âmbito da sua actividade discricionária, a Administração não deixa de estar sujeita ao bloco de legalidade que inclui todas as fontes de direito.
    33. Ao optar pelo indeferimento, sem interesse público ou alteração de pressupostos que o justificasse, a Administração rejeitou a sujeição ao denominado princípio da juricidade, que implicaria, no entender do Recorrente, que a Administração, perante a inexistência de interesse público, não desconsiderasse, como desconsiderou, os valores protegidos pelos diplomas legais mencionados no Recurso Hierárquico, omissão essa que persiste no Acto Recorrido.
    34. A Administração, na fundamentação do Acto Recorrido, insistiu que nenhum direito ao reagrupamento assistia ao Recorrente e à Menor Recorrente, mas não explicou as razões de interesse público que a levaram a desconsiderar todas as implicações negativas sobre a esfera pessoal da Menor Recorrente, que pudessem tornar a decisão razoável e justa.
    35. Verificando-se que nenhum interesse público subjaz ao indeferimento, sempre teria a Administração que reconhecer que, ao proporcionar à Menor Recorrente, desde 2005, o reagrupamento com os pais, estava a contribuir para a criação duma situação de facto com relevo jurídico.
    36. Relevo jurídico esse que, entende o Recorrente, se revelou no momento em que a continuidade do desenvolvimento da personalidade da Menor Recorrente colocou em confronto a finalidade do artigo 8.° da Lei 4/2003 com os valores jurídicos que são protegidos pela demais legislação de Macau, constitucional, interna e internacional, e que deviam estar presentes na formação de vontade da Administração, por não se sobrepor o interesse público.
    37. A decisão que resultou do procedimento, uma vez que assentou em pressupostos depurados dos valores protegidos na Convenção sobre os Direitos das Crianças, (doravante, a "Convenção"), em vigor em Macau através do Aviso do Chefe do Executivo n.º 5/2001, dos valores referentes aos direitos de personalidade e seu desenvolvimento protegidos pelo Código Civil, e dos valores protectores das crianças e da família plasmados na Lei Básica, deve ser considerada por este Tribunal em violação dos princípios identificados.
    38. O "interesse superior da criança" deveria ter prevalecido na avaliação que a Administração fez das duas opções que poderia tomar perante o pedido, porquanto tal interesse seria realizado plenamente se tivesse sido concedido o direito à reunião familiar, autorizando-se a permanência da Menor Recorrente.
    39. Ao desconsiderar os princípios jurídicos dos diplomas legais enunciados supra, o Acto Recorrido violou os princípios basilares consagrados no CPA, bem como o disposto na Declaração dos Direitos da Criança.
    40. Do menosprezo dos valores protegidos através dos dispositivos legais acima enunciados decorrerá, necessariamente, a desconsideração de um normativo constitucional, aplicável por força do artigo 43.º da Lei Básica da RAEM, que se encontra plasmado no artigo 38.° dessa Lei.
    41. Sem conceder quanto à directa aplicação dos diplomas e normas até agora enunciados, que pelo menos deveriam ter conformado a decisão deste pedido de reagrupamento familiar, e, tendo a Administração verificado inexistir superior interesse público, ou decaimento dos pressupostos fácticos constantes da Autorização Inicial, o escopo das normas conjugadas dos artigos 8.° e 11.° da Lei n.º 4/2003 e dos artigos 1729.º, 1739.°, 1741 n.º 1 e 1742.º, todos do Código Civil, sempre teria permitido à Administração autorizar a permanência da Menor Recorrente, por razões humanitárias, nos mesmos termos da Autorização Inicial.
    42. A Administração Pública, no relacionamento com os particulares, ainda que no exercício de poderes discricionários, está sempre vinculada aos princípios gerais da actuação administrativa.
    43. Consequentemente, a Administração deve reger-se, mesmo aquando da implementação de "políticas internas" (e porquanto as mesmas não constituem lei), pelos princípios da protecção dos direitos e interesses dos administrados (artigo 4.º do CPA), da igualdade e proporcionalidade (artigo 5.º do CPA), da justiça e imparcialidade (artigo 7º do CPA) e da boa-fé (artigo 8º do CPA).
    44. A Menor Recorrente, para além de ser a mesma criança que beneficiou da Autorização Inicial, e de ainda ser menor (tem 11 anos), sofre hoje a agravante de recorde-se, com a anuência da RAEM - se encontrar a meio do seu desenvolvimento pessoal e escolar, pelo que o desenvolvimento saudável destas dimensões da sua personalidade está dependente da autorização requerida pelo Recorrente.
    45. Conjugada essa susceptibilidade de irreparável prejuízo no desenvolvimento de personalidade da Menor Recorrente, com a protecção legal que lhe assiste, por via dos diplomas legais enunciados supra, conclui-se que o Acto Recorrido padece do vício de violação de lei, por violação dos princípios de proporcionalidade, adequação e justiça, que o CPA consagra, respectivamente, no n.º 2 do artigo 5.º e no artigo 7.º do CPA.
    46. Ao decidir de maneira contrária àquela que foi proporcionada à Menor Recorrente ao longo de dez anos, a Administração viola claramente o princípio da justiça, na sua dimensão "protectora da confiança e da segurança dos cidadãos",
    47. Igualmente, o princípio da boa-fé na actividade da Administração é totalmente omitido no Acto Recorrido.
    48. O Acto Recorrido padece do vício de violação de lei, por não atender às expectativas legitimamente criadas na Menor Recorrente e nos seus pais que, ao longo de uma década, justificadamente depositaram a sua confiança na Administração, nos termos em que, a existir uma conjuntura fáctica idêntica àquela que existia ao tempo da Autorização Inicial, a Administração permitiria que a Menor Recorrente pudesse viver em Macau com os pais.
    49. A desagregação familiar que o Acto Recorrido irá provocar, ao não permitir que a Menor Recorrente viva com os pais na RAEM é também per si demonstrativa da desproporcionalidade e desadequação do Acto Recorrido, e ipso facto contrária à lei, atenta a premissa fundamental de que existe um status quo ante de reagrupamento familiar.
    50. A actuação da Administração está vinculada aos princípios e valores humanistas que a Lei Básica propugna, sendo essa uma realidade que está em directa oposição à decisão do Acto Recorrido, afigurando-se urgente a anulação dessa decisão.
    51. Se a RAEM permitiu que a Menor Recorrente, nascida em Macau, aqui estudasse desde os três (3) anos de idade até ao presente ano lectivo, e que a mesma crescesse e se habituasse ao meio cultural, social e educativo das suas instituições, a decisão vertida no Acto Recorrido irá, sem qualquer motivo atendível, violar de forma repentina e cruel os direitos adquiridos e as expectativas criadas no Recorrente e na Menor Recorrente, marcando-a indelevelmente na sua confiança na sociedade, sem que se verifique uma justificação plausível.
    52. Observando a jurisprudência de Macau, o Acto Recorrido em análise ostenta a violação de princípios de direito supra identificada, porquanto, diferentemente dos casos em que a RAEM não propicia a que se consolidem direitos adquiridos ou expectativas nas pessoas, foi a RAEM que, in casu, permitiu que a criança iniciasse o desenvolvimento da sua personalidade em Macau.
    53. No caso em análise, não se trata de uma escolha que os pais tenham que fazer entre a labuta e a proximidade dos seus filhos, mas sim - problema bem diferente que resulta da fase escolar e etária da Menor Recorrente - proteger a continuidade da estabilidade emocional e psicológica de uma criança gue, por ter vivido até aos onze (11) anos de idade na RAEM, sob autorização da RAEM, não está por esse motivo preparada para enfrentar um ambiente social e cultural e um sistema educativo totalmente diferentes, tendo adquirido o direito de aqui viver no decurso do desenvolvimento da sua personalidade, enquanto as circunstâncias profissionais dos seus pais se mantiverem.
    Termos em que, conforme defendido na petição de recurso, deve o presente recurso contencioso ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser anulado o despacho de indeferimento do recurso hierárquico necessário proferido pelo Senhor Secretário para a Segurança, com base na sua ilegalidade, nos termos do disposto no artigo 124.° do PA, por preterição das formalidades legais ou, subsidiariamente, por vício de violação de lei, na sua vertente de erro sobre os pressupostos de facto e de direito e, por violação dos princípios da boa-fé, da proporcionalidade e da justiça, com as demais consequências legais, assim se fazendo a costumada Justiça!

    4. O Digno Magistrado do MP oferece o seguinte douto parecer:
    Objecto do presente recurso contencioso é o despacho de 21 de Agosto de 2015, da autoria do Exm. ° Secretário para a Segurança, através do qual foi indeferido recurso hierárquico interposto do despacho de 01 de Julho de 2015, este da autoria do Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública, que denegou pedido de autorização especial de permanência de agregado familiar na Região Administrativa Especial de Macau, formulado por A para a filha B.
    Vêm imputados ao acto os vícios explanados ao longo da petição de recurso, e que, a final, os recorrentes resumem a violação de lei, na sua vertente de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, e violação dos princípios da boa-fé, da proporcionalidade e da justiça.
    Contestou a autoridade recorrida, asseverando a legalidade do acto e pugnando pela sequente improcedência do recurso.
    Vejamos.
    Em requerimento de 26 de Março de 2015, formulado ao abrigo do artigo 8.º da Lei n.º 4/2003 e na qualidade de trabalhador não residente titular do TITNR n.º…, A requereu, ao Serviço de Migração do Corpo de Polícia de Segurança Pública, autorização especial de permanência na Região Administrativa Especial de Macau, até ao termo do prazo de validade do seu TITNR, para a filha B - fls. 388 do processo instrutor. Tramitado o respectivo procedimento, veio o pedido a ser indeferido por despacho de 01 de Julho de 2015, do Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública, com o fundamento de que o requerente, por não ser trabalhador especializado, não pode usufruir, de acordo com o artigo 8.º, n.º 5, da Lei n.º 4/2003, da autorização especial de permanência do agregado familiar - fls. 277 do processo instrutor. Interposto recurso hierárquico necessário, veio aquele indeferimento a ser confirmado pela autoridade recorrida, em despacho de 21 de Agosto de 2015, reproduzido a fls. 42 a 45, agora objecto de escrutínio contencioso.
    Posto isto, passemos à abordagem dos vícios que vêm imputados ao acto.
    Ao falar de erro nos pressupostos, pretendem os recorrentes pôr em causa, se bem percebemos, o entendimento subjacente à decisão recorrida, segundo o qual a autorização especial de permanência para fins de reagrupamento familiar, prevista no artigo 8.º da Lei n.º 4/2003, estaria, no caso de trabalhadores não residentes, circunscrita aos trabalhadores especializados.
    Se assim é, o vício que verdadeiramente está em causa é o de violação de lei, por erro de interpretação. Na verdade, afigura-se não subsistirem dúvidas de que o recorrente A não é trabalhador especializado, tal como a Administração considerou e o próprio admite na sua petição de recurso - cf. artigo 83.° - o que põe de lado a hipótese de erro nos pressupostos de facto, ao menos nessa parte.
    Todavia, não se crê que a decisão padeça de violação de lei por errada interpretação dos normativos pertinentes ao caso, nomeadamente os n.ºs 1 e 5 do artigo 8.° da Lei n.° 4/2003. O Tribunal de Última Instância já se pronunciou, em acórdãos de 10 de Janeiro de 2007 e 14 de Maio de 2008, tirados respectivamente nos processos 39/2006 e 21/2007, no sentido de que os trabalhadores não residentes, quer os não especializados, quer os especializados cuja contratação tenha sido do interesse da RAEM, não têm um direito à permanência dos seus filhos menores na Região. A autorização especial de permanência prevista no artigo 8.°, n.º 1, da Lei n.º 4/2003, constitui um poder eminentemente discricionário, como bem resulta da utilização da expressão "pode ser. .. autorizada", poder limitado pelas condicionantes previstas nos n.ºs 2, 3 e 4, nos casos de permanência para fins de estudo, e pela condicionante do n.° 5 no caso de autorização de permanência para reagrupamento familiar. E no que especificamente toca à autorização em vista de reagrupamento familiar, parece que, no caso de trabalhadores não residentes, apenas os especializados, cuja contratação tenha sido do interesse da RAEM, poderão beneficiar dessa possibilidade de autorização discricionária. É que, embora o artigo 8.° da Lei n.° 4/2003 não exclua expressamente os trabalhadores não residentes não especializados dessa possibilidade, parece que uma leitura conjugada do artigo 8.°, n.º 5, com o artigo 2.° do Regulamento Administrativo n.º 5/2003 apontará no sentido dessa exclusão.
    Improcede, pois, o alegado vício de violação de lei por erro nos pressupostos, tal como improcede o suposto vício de violação de lei, por ofensa interpretativa do artigo 8.° da Lei n.º 4/2003.
    Ao longo da sua petição, abordam também os recorrentes a possível violação de normas da Declaração dos Direitos da Criança e do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, cujos princípios basilares consideram ter sido ofendidos, o que, no seu entender, acaba por afrontar também a norma do artigo 38.º, n.º 3, da Lei Básica, aplicável ao caso por força do seu artigo 43.º.
    Sendo exacto que este artigo 43.º manda aplicar aos não residentes as normas do respectivo capítulo (Direitos e Deveres Fundamentais dos Residentes), e estatuindo o artigo 38.º, n.º 3, que os menores ... gozam do amparo e protecção da Região Administrativa Especial de Macau, não é menos certo que o amparo e protecção dos não residentes, garantidos pela conjugação daquelas duas normas, não compreendem, obviamente, o direito de residência nem o direito à permanência, o que, desde logo, deita por terra o argumento dos recorrentes fundado na alegada violação. Cabe, no entanto, dizer que os acórdãos do TUI anteriormente referenciados abordaram também esta questão, fazendo-o de forma tão completa que poderia revelar-se fastidioso acrescentar-lhes outras possíveis achegas.
    Improcede, também, a violação de lei fundada na ofensa de princípios basilares das leis internacionais que protegem direitos das crianças e da família, e bem assim dos artigos 38.º, n.º 3, e 43.º da Lei Básica.
    Por fim, vem alegada a violação dos princípios da proporcionalidade, justiça e boa- fé. Para explicitarem a violação destes princípios, os recorrentes apelam, por um lado, ao status quo ante da menor, na medida em que foi autorizada a permanecer, desde que nasceu, na RAEM, onde tem estudado, onde se aculturou e vem amadurecendo e moldando a sua personalidade, asseverando que se mantém a mesma situação que perdurou durante toda a vida da menor, pelo que a decisão de a afastar do Território traduz manifesta desrazoabilidade no exercício do poder discricionário; por outro lado, afirmam que, ao permitir a permanência ininterrupta da menor na Região Administrativa Especial de Macau, desde o seu nascimento em 2004, a Administração criou uma situação de facto, que se consolidou no tempo, incutindo, quer na menor, quer nos pais, legítimas expectativas de continuidade, que agora saem defraudadas com o acto recorrido.
    A questão da desrazoabilidade do exercício do poder discricionário poderia ter alguma acuidade se o acto tivesse a roupagem que os recorrentes lhe emprestam, pressupondo nomeadamente um pedido de permanência para prosseguimento de estudos ou para assegurar uma continuidade de permanência reclamada por razões de outra índole. Mas o acto recaiu sobre um pedido concreto de reunião familiar, efectuado quando estava prestes a findar o prazo do visto turístico a coberto do qual a menor se encontrava em Macau. Na verdade, na sequência da perda de emprego, por parte da mãe, em 2013, a menor acabaria por sair de Macau, acompanhando a mãe no regresso às Filipinas, deixando de manter ligação em permanência a Macau, não obstante ter efectuado matrícula em estabelecimento de ensino do Território para o ano lectivo de 2014/2015. Daí que o quadro de continuidade de uma situação consolidada no tempo, em que alicerçam parte do recurso e que invocam nomeadamente para imputar à Administração um exercício irrazoável dos poderes discricionários, não se confirme, pelo que as invocadas violações dos princípios da justiça, proporcionalidade e adequação resultam improcedentes. Tal como resulta infundada a invocação da violação do princípio da boa-fé, pois, para além da assinalada descontinuidade da permanência em Macau, as anteriores concessões de autorizações de permanência, porque precárias e sempre condicionadas à permanência does) progenitor(es) de quem a menor dependia, jamais poderiam ser aptas, em termos de causalidade, a suscitar a confiança legítima no incondicional deferimento de futuras autorizações de permanência.
    Diga-se, a finalizar, que não se percebe muito bem a razão de o recorrente haver formulado, em 26 de Março de 2015, o pedido de autorização especial de permanência na Região Administrativa Especial de Macau, até ao termo do prazo de validade do seu TITNR, para a filha B, o que justifica agora com a demora da contratação da esposa, quando é um dado adquirido que esta havia sido contratada em 20 de Março de 2015. Tal como não se entende que, neste pedido de permanência, haja omitido qualquer referência ao tal status quo ante da menor. Também não deixando de causar alguma estranheza a circunstância de a mãe haver também requerido autonomamente, em 2 de Abril de 2015, autorização de permanência para a filha. Em suma, soçobra também a invocada violação dos princípios da proporcionalidade, justiça e boa-fé.
    Termos em que o recurso não merece provimento.
    
    5. Foram colhidos os vistos legais.
    
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
    
    III - FACTOS
    É do seguinte teor o despacho recorrido:
1. “Assunto: Recurso hierárquico necessário
Autorização de permanência de agregado familiar de trabalhador não residente
Recorrente: A
    O recorrente vem impugnar o despacho de 01/07/2015 do Cmdt. do CPSP (acto recorrido), imputando-lhe:
    - O desrespeito pelo "status quo ante [de sua filha) …" que ... resulta do facto de a RAEM ter autorizado[anteriormentej a menor a viver com os seus pais em Macau ...";
    - O desrespeito pelas razões humanitárias que, na sua opinião, rodeiam as circunstâncias do seu pedido de permanência;
    - A violação das normas de direito interno e internacional sobre a família e as crianças em particular;
    - A violação dos "princípios que regem a actividade discricionária da Adminstração", sejam os princípios da "igualdade, da proporcionalidade, da justiça e imparcialidade e da boa-fé";
    Sem razão, no entanto,
    O "status quo ante" (da filha do recorrente) imediatamente anterior ao pedido em apreço é o de um visto precário de permanência que resulta da lei a favor de qualquer visitante que aqui se encontre, sem possuir qualquer especial estatuto de permanência ou residência concedido por acto da Administração;
    Aliás, no caso, tal status acontece na sequência do gozo duma autorização excepcional de permanência por cerca de 7 meses, concedida a fim de a interessada poder "completar o ano lectivo" ... ;
    E mesmo quanto ao status quo ante mediato, resultou este de sucessivos pedidos dos pais da interessada, que o mesmo é dizer, de opções de vida suas, por natureza precárias e altamente susceptíveis de serem interrompidas, como o foram, por falta de observância dos requisitos necessários à sua manutenção, o que veio a suceder em finais de 2013, altura em que a mãe viu terminada a sua qualidade de trabalhadora, regressando ao país de origem, sem que para tal tivesse concorrido a prática de qualquer acto por parte da Administração que lhe não deu causa, portanto;
    Qualidade aquela que a mãe da interessada só viria a recuperar mais de um ano volvido, o que obrigaria, também, a um afastamento prolongado quer entre ambas, quer da interessada em relação a Macau, nos dois casos sem qualquer imputabilidade à Administração;
    Pelo que a situação da criança, sempre de natureza precária (sem a posse de qualquer estatuto estável e garantidamente perdurável) jamais poderá assacar-se à Administração de Macau, pelo contrário, resultando de opções integralmente imputáveis ao requerente e seu cônjuge;
    Na mesma situação não se vislumbrando, de resto, quaisquer circunstâncias de tal modo graves, ponderosas, que possam integrar a noção de "razões humanitárias" e demandem, neste âmbito, uma autorização excepcional de permanência;
    O indeferimento da autorização de permanência à filha de um não residente que aqui permanece, como já se disse, com um estatuto de natureza precária (enquanto mantiver a relação de trabalho autorizada) não fere minimamente a união e estabilidade da família, nem quaisquer direitos das crianças;
    Pois com o acto administrativo em causa, a RAEM não interfere de forma activa e censurável sobre qualquer direito de residentes, familiar ou outro, constituído e sedimentado no seu espaço político-administrativo, que deva proteger e abster-se de violar, nos termos da lei, sendo certo que em presença de um não residente que invoca um status quo cuja precaridade de forma alguma poderá imputar-se à Administração de Macau;
    Não é posto em causa o dever de absoluto respeito pelo direito de reunir a família e com ela habitar por todo o tempo e num mesmo lugar, apenas não se permitindo que o sujeito de direitos imponha não o seu direito, mas as circunstâncias, nomeadamente de lugar, do seu exercício;
    Sendo que a tal não oferecem a menor oposição quer as leis fundamental e ordinária de Macau, quer os instrumentos de direito internacional a que a RAEM se encontra vinculada;
    Por fim, igualmente não se vislumbra a violação dos alegados princípios da igualdade ( em relação ao qual o recorrente não apresenta qualquer evidência de diferentes decisões noutros casos de idênticas circunstâncias) e da proporcionalidade em qualquer das suas vertentes (aliás só equacionável quanto ao acto eivado de erro manifesto ou total desrazoabilidade), muito menos dos princípios da imparcialidade e da boa-fé e dos valores elementares da ordem jurídica, seja da justiça, em última análise, que de todo se não mostram feridos na decisão recorrida.
    Pelo exposto, ao abrigo do art. 161.°, n.º 1, do CPA, decido confirmar o acto administrativo recorrido, negando provimento ao presente recurso.
    Gabinete do Secretário para a Segurança da Região Administrativa Especial de Macau, aos 21 de Agosto de 2015.
    
    O Secretário para a Segurança
    Wong Sio Chak”

2. Colhe-se do respectivo PA e pareceres e relatório a factualidade pertinente, como tal transcrita e acolhida pela entidade recorrida de forma à formulação do supra despacho referido e que consubstancia o acto de que se recorre:
  CORPO DE POLÍCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA
  Ref. n.º 201155/CTNRSM/2015P
  
     Parecer:

1. Nos termos do art.º 8.º da Lei n.º 4/2003, o trabalhador não residente A entregou um pedido para a filha dele B poder permanecer em Macau, até à data-limite de prescrição do Título de Identificação de Trabalhador Não Residente dele n.º ….

2. Segundo indica o arquivo deste Serviço:
a) Actualmente, o requerente possui o Título de Identificação de Trabalhador Não Residente n.º …, válido até 10/12/2015, é cozinheiro no X Entertainment Group Limited.
b) Actualmente, a mulher C possui o Título de Identificação de Trabalhador Não Residente n.º …, válido até 05/04/2016, é empregada na cervejaria X.
c) A filha B nasceu em Macau aos 02/04/2004, portadora do passaporte filipino n.º ….

3. O requerente declarou que a família dele tem 4 membros (ele próprio, a mulher, a filha mais velha que está a viver em Inglaterra, e a filha menor que está a permanecer em Macau na qualidade de visitante). Através da consulta dos documentos comprovativos respeitantes, já foram confirmadas as relações entre os membros familiais.

4. Tendo em conta que o requerente não é empregado não residente especialmente qualificado, é de indeferir o requerimento dele.

5. Durante o processo de audiência, o requerente entregou parecer escrito (Anexo I).

6. Como os motivos alegados são insuficientes (vd. em mais detalhes o ponto 4 deste Relatório), e não existem casos especiais de excepção que possa levar à autorização, nos termos do art.º 8.º, n.º 5 da Lei n.º 4/2003, sugere-se indeferir o presente pedido de autorização de permanência; e que na notificação escrita, seja especificado que a parte própria deve tomar a responsabilidade; e se for caso de permanência excessiva no caso da filha por não ter saído de Macau, por causa de falta de disposição adequada dele, ele terá que assumir os resultados legais que isso implicará.


À apreciação e consideração do Sr. Comandante.

A Subintendente
Ku I Kan (ass.: vd. o origianl)
pel’
A chefe substituta do Serviço de Migração
Ng Sou Peng
Subintendente
Aos 18/06/2015
     Despacho:







Concordo com a proposta deste parecer, dado como integralmente transcrito aqui. Nos termos do art.º 8.º, n.º 5 da Lei n.º 4/2003, no exercício da competência conferida pelo Secretário para a Segurança, decido indeferir o presente pedido de autorização de permanência.

Em 01/07/2015
O Comandante
(ass.: vd. o original)
Leong Man Cheong
Superintendente Geral
Assunto: pedido de permanência em Macau para agregado familiar de trabalhador não residente
Relatório complementar n.º MIG393/2015/TNR
Pág. N.º: 1
Data: 18/06/2015
     1. Com referência ao pedido apresentado pelo requerente trabalhador não residente A para "a autorização especial de permanência para agregado familiar do trabalhador não-residente" em Macau da filha dele B, como ele não é "trabalhador não residente com qualificação especial", este Comissariado redigiu o Relatório n.º MIG393/2015/TNR, sugerindo indeferir o pedido acima referido.
     2. Aos 05/05/2015, nos termos do artigo 94.º do Código do Procedimento Administrativo, usando da forma de "audiência escrita", foi dado a conhecer ao requerente formalmente o parecer proposto no relatório; podendo ele, no prazo de 10 dias após a recepção do aviso, pronunciar-se por escrito sobre o conteúdo da proposta.
3. Aos 14 de Maio de 2015, o requerente apresentou o parecer escrito no prazo de 10 dias disposto como é mencionado supra, cujo conteúdo essencial é o seguinte, para mais detalhes, vd. o anexo:
1) Desde os 3 anos de idade, a filha menor do interessado começou a frequentar escolas do Território (Documentos n.º 4 a 10), e já está habituada ao modo e regime educacional de Macau;
2) Por autorização excepcional feita pelo ex-Secretário para a Segurança, a filha menor foi autorizada para acompanhar a mãe portadora de Título de Identificação de Trabalhador Não Residente, na qualidade de agregada familiar. O local de trabalho da mãe encerrou, e a mãe foi obrigada a mudar de emprego. Portanto, o direito de permanência enquanto agregada familiar já obtida pela filha não deve ser posto em causa pela mudança do emprego da mãe;
3) O interessado e a mulher fazem trabalhos não qualificados desde sempre; e à filha menor deles foi autorizada permanência de cerca de 9 anos na mesma. No entanto, segundo indica o documento de audiência, a autorização do pedido de permanência em Macau dos agregados familiares só é concedida aos trabalhadores não residentes qualificados;
4) Segundo o Gabinete para os Recursos Humanos, sobre os pedidos de "autorização especial de permanência" para agregados familiares apresentados pelos trabalhadores não residentes não qualificados, os documentos que dispensam a audiência do parecer não têm efeitos jurídicos.
5) Nestes termos, os trabalhadores não residentes não qualificados também têm o direito de apresentar pedidos para os seus agregados familiares. O parecer escrito apresentado está conforme os princípios da proporcionalidade e da justiça no Código do Procedimento Administrativo;
6) Como não foi concedida à filha menor a autorização de permanência, no início do ano lectivo 2014, durante uns meses, ela voltou às Filipinas com a mãe;
7) Desde os 3 anos de idade até hoje, a filha menor frequenta escolas sempre aqui em Macau. Já está provado que ela está qualificada para pedir autorização de permanência. As autoridades não devem negar o pedido de autorização de permanência da filha dele. Se o resultado final for indeferimento, este Comissariado violará o disposto no art.º 5.º, n.º 2 da Lei n.º 4/2003;
8) O interessado e a mulher optaram por trabalhar em Macau, e a filha deve acompanhar os pais. Se o pedido for indeferido, o desenvolvimento emocional e psicológico da criança vai ser posto em perigo;
9) Segundo o documento de audiência, se este Comissariado indeferir a autorização da permanência de uma criança que já permaneceu em Macau por 11 anos como está a pretender fazer, vai violar o Código Civil;
10) Aos 26 de Março, o interessado pediu autorização de permanência na qualidade de agregada familiar para a filha menor dele, a mulher dele foi contratada aos 20 de Março pela cervejaria X como empregada. Por não conhecer bem o procedimento administrativo, ao apresentar o pedido, o requerente não forneceu documento comprovativo da contratação do emprego da mulher.
11) O interessado não entregou documentos suficientes aquando do pedido, e isso fez com que este Comissariado emitisse documento de audiência, propondo indeferir o pedido de autorização de permanência da filha dele na qualidade de agregada familiar. O interessado espera que este Comissariado não indefira o seu pedido por não ter apresentado documentos suficientes.
12) Aos 2 de Abril, a mulher do interessado entregou ao Comissariado de Estrangeiros um documento sobre as situações familiar e financeira (Documento n.º 11), pedindo ao Secretário para a Segurança prorrogar a autorização de permanência através de recurso hierárquico;
13) O interessado espera que o Comissariado possa conceder à filha a autorização de permanência na qualidade de agregada familiar quanto antes, para que a filha possa continuar a permanecer em Macau a frequentar a escola, reduzindo a influência exercida sobre a criança;
14) O rendimento familiar actual do interessado aumentou em comparação com o momento em que apresentou o pedido (Documentos n.º 13-17), o que prova que ele tem capacidade económica suficiente para dar alimento à família;
     4. Através da análise aos registos passados do interessado e da sua filha menor, ficámos a conhecer que: a filha menor do interessado obteve autorização excepcional concedida pelo ex-Secretário para a Segurança para poder permanecer em Macau na qualidade de agregada familiar de trabalhador não residente, acompanhando a mãe. , Mais tarde, aos 03/12/2013, a autorização de permanência da mãe na qualidade de trabalhador foi cancelada, e a autorização especial de permanência da filha menor dela também foi cancelada. Em seguida, o interessado pediu autorização de permanência para a filha menor dele na qualidade de agregada familiar de trabalhador não residente. Depois de considerar as respectivas circunstâncias, para evitar que os estudos da filha menor dele fossem influenciados, o ex-Secretário deu autorização excepcional para ela poder permanecer até 31/07/2014 (o dia da conclusão daquele ano lectivo). Portanto, ao pedir mais uma vez a autorização de permanência em Macau para a filha menor dele, o interessado devia ter considerado a possibilidade de o seu pedido ser indeferido; portanto, antes de 17/04/2015 quando o cônjuge dele recomeçou a trabalhar em Macau, devia ter dado prioridade à obtenção das condições para tomar conta da filha menor no local de origem. Portanto, este Comissariados considera que os motivos constantes do parecer escrito apresentado por ele são insuficientes, pelo que se propõe indeferir o presente pedido de autorização de permanência da agregada familiar do trabalhador não residente.

À decisão superior.
ASS. SUBCOMº. WONG KENG CHEONG
(ass.: vd. o original)
pel'
A chefe do Comissariado de Trabalhadores Não-residentes
IAO VAI LAM

    
    II - FUNDAMENTOS
    1. Respigamos e actualizamos o que, em sede do apenso de suspensão de eficácia do acto, escrevemos a propósito da presente situação:
    O Caso
    O requerente é pai de uma menina, B, com doze (12) anos de idade, nascida em Macau no dia 2 de Abril de 2004, onde sempre viveu e estudou até Setembro de 2014.
    A RAEM autorizou a menor a viver com os seus pais em Macau, por via de um despacho proferido pelo Exmo. Sr. Secretário para a Segurança, em 15 de Abril de 2005, ai se invocando razões humanitárias.
    Autorizada que foi a viver em Macau, a menor estudou desde os três (3) anos de idade, na Escola Primária Oficial Luso-Chinesa de Sir Robert Ho Tung, chegando a estar inscrita no 5.º ano de escolaridade
    Essa autorização de permanência que a RAEM lhe concedeu teve como consequência que a menor, não tenha conhecido outro sistema de ensino a não ser o sistema de ensino de Macau.
    Em Dezembro de 2013, a mãe daquela menina foi forçada a ausentar-se de Macau, porque o restaurante no qual trabalhava anteriormente encerrou a sua actividade.
    Chegado o mês de Setembro de 2014, a menor teve de se ausentar de Macau entre 19 de Outubro e 26 de Novembro e 15 de Janeiro e 14 de Fevereiro, uma vez que a sua mãe ainda se encontrava a aguardar pela conclusão das formalidades da sua contratação, ao serviço de um outro restaurante, deixando de ser autorizada a residir em Macau.
    Preocupado com a demora das formalidades do emprego da esposa, o requerente, que sempre aqui permaneceu, sendo cozinheiro num restaurante da sociedade X Entretenimento Companhia Limitada, pediu autorização especial de permanência, na modalidade de reagrupamento familiar, em 26 de Março de 2015, por sua própria iniciativa, para que a filha pudesse regressar à sua vida normal o mais rapidamente possível.
    Nessa data, desde 20 de Março de 2015, a mãe da criança informou os Serviços de Migração de que a situação familiar e financeira estava de novo reposta, inclusivamente, em condições superiores àquelas que inicialmente tinham permitido à menor viver em Macau, tendo requerido, também ela, o reagrupamento familiar.
    A informação prestada ao Serviço de Migração visava alertar para o facto de que a situação com base na qual tinha sido concedida a autorização inicial se encontrava reposta e resolvida, pelo que não haveria quaisquer razões para que a Administração mudasse o seu entendimento quanto à vivência da Menor em Macau com os pais.
    No entanto, outro foi o entendimento da Administração, tendo indeferido o pedido, mesmo depois de ter permitido que a menor B vivesse legalmente em Macau até aos 11 (onze) anos de idade. O Serviço de Migração, aparentemente, perante as mesmas circunstâncias familiares e profissionais dos pais, decidiu recusar que a menina continuasse aqui a estudar, apesar de os seus pais estarem os dois aqui empregados, com TTNR/s, onde trabalham há cerca de 20 anos, ainda que a mãe o não faça ininterruptamente – visto o curto lapso de tempo de mudança de emprego -, nos termos acima vistos.
    
    2. Resulta evidente que a medida tomada pode causar um grave prejuízo no desenvolvimento escolar, psicológico e emocional da criança que assim se verá na iminência de se desenraizar do local, escola, professores, colegas e amigos, com os quais cresceu e foi formando a sua personalidade.
    Podemos até considerar que, agora, mais do que em 2005, as razões humanitárias se imporiam, visto o desenrolar dos anos e o desenvolvimento da criança moldado no formato e enquadramento das escolas e cultura da RAEM.
    Escreve Deus direito por linhas tortas, mas se Ele o pode fazer, já tal não é permitido aos tribunais que devem estrita obediência à Lei. E esta – dura lex sed lex – aparta-se por vezes dos caminhos daquilo que se intui como justo, só a Administração podendo, no uso dos seus poderes de discricionariedade e oportunidade, melhor avaliar e sobrepesar os diversos interesses em jogo e atender às situações que, ainda que individuais e familiares constituem verdadeiros dramas.
    É certo – este tem sido um argumento que os nossos tribunais têm utilizado – que as pessoas, estes pais em concreto têm a possibilidade de fazer outra opção, qual seja a de se reagruparem, optando por não trabalhar em Macau. Não são obrigados a aqui permanecer, a trabalhar na RAEM. É evidente que é fácil dizê-lo, mas importará não esquecer todo um passado, todo um contributo de muitos anos que foi dado pelos trabalhadores não residentes, e por estes em particular, para o desenvolvimento, crescimento e riqueza da RAEM.
    
    Adianta-se, desde já, que não se vislumbra que a lei contemple o desiderato dos recorrentes, o que eles, aliás, parecem reconhecer no fundo, ao dizerem
    “Por outro lado, o Recorrente não afirma que à Menor Recorrente assista o benefício de um estatuto, no sentido a que Administração parece querer referir-se, mas sim de uma situação consolidada no tempo - ainda que não no direito - que reclama o benefício de uma actuação razoável, proporcionada e justa, pela Administração, precisamente porque essa situação de facto adquiriu com o tempo um relevo jurídico bastante para que os princípios constantes do CPA tivessem que ser aplicados ao caso de forma mais rigorosa, o que, salvo o devido respeito, não aconteceu.”
    Não obstante, pugnarem pela anulação do acto, alegando:
    “Em suma, salvo melhor opinião, a Administração sustenta que, uma vez que o Recorrente é não residente, não lhe assiste o direito ao reagrupamento familiar, pelo que os princípios de direito administrativo não foram, por esse facto, violados, independentemente da existência de um status quo ante, que a Administração admite ter existido.
    (…)
    Sem conceder quanto a uma interpretação diferente, o Recorrente não alegou possuir qualquer direito subjectivo enquanto residente que pudesse ser directamente exercido, nem lhe é desconhecido o entendimento que a jurisprudência de Macau tem tido sobre essa matéria.
    (…)
    Porém o Recorrente considera que aquele entendimento não significa que a Administração se possa eximir de valorar os bens e interesses jurídicos protegidos pela legislação em vigor, nos pressupostos sobre os quais assenta a sua actividade discricionária.
    (…)
    Mormente, sempre que exista uma sólida situação de facto que a RAEM haja consentido e que reclame as mesmas medidas de decisão inicial, e à qual nenhum interesse público se sobreponha.
    (…)
    No âmbito dessas situações consolidadas de facto, os procedimentos que envolvam menores em idade escolar deverão, atenta a falta de legislação específica, merecer uma análise de elementar cuidado, a fim de se evitar tratar de forma igualo que é diferente, algo que no caso sub iudice se resumiria a um tratamento diferenciado do pedido de continuidade dos estudos e permanência da Menor Recorrente, de outros pedidos que visam a constituição de uma nova situação de facto.”
    
    3. Mas analisemos, um por um, os vícios assacados ao acto.
    Traduzem-se os vícios ensaiados, ao logo da sua petição de recurso, na violação de lei, na sua vertente de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, e na violação dos princípios da boa-fé, da proporcionalidade e da justiça.
    4. Invocam os recorrentes o vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, o que não se deixa de extrair da sua alegação ao dizerem que contrariamente ao que a Administração refere no acto recorrido, não houve interrupção prolongada que justificasse a recusa da permanência da menor recorrente, conforme atesta a certidão de entradas e saídas da mesma, bem como os documentos escolares; o caso não consubstanciava um caso ex novo, semelhante aos que têm sido consistentemente negados pela Administração e confirmados pelos tribunais, mas antes o de uma criança que aqui nasceu e estudou durante toda a sua vida; seria à situação escolar e à permanência da menor recorrente, enquanto estudante, que a Administração deveria ter atendido, e não à da sua mãe (porquanto esta já tinha conseguido emprego e autorização para trabalhar, à data do pedido), para que, de forma adequada, proporcionada e justa (nota-se que à míngua de uma clara ofensa da norma que impusesse uma solução diversa, os recorrentes resvalam, a todo o passo, para a violação dos princípios); em vez de se relevar o tempo em que a mãe da criança não teve trabalho, dever-se-ia atender ao facto de que os pais já tinham emprego à data do pedido, fazendo incidir a sua análise sobre se tinha, de facto, havido alguma (significativa) interrupção dos estudos da menor; no fundo, que aquando da apreciação do pedido a situação dos recorrentes já fora reposta, devendo seguir-se os mesmos critérios e princípios enformadores que ditaram o deferimento da permanência ao longo de tantos anos.
    Perpassa por esta alegação uma falta de sintonia entre o que os recorrentes entendem dever ter sido feito, aquilo que, para si era justo, aquilo que devia ter sido relevado e o acto concreto que negou a sua pretensão.
    
    5. Atentemos no núcleo das normas pertinentes e constantes da Lei n.º 4/2003:
“Artigo 8.º
Autorização especial de permanência
1. A permanência na RAEM pode ser especialmente autorizada para fins de estudo em estabelecimento de ensino superior, de reagrupamento familiar ou outros similares julgados atendíveis.
2. O pedido de autorização de permanência para fins de estudo é instruído com documento comprovativo de inscrição ou matrícula em estabelecimento de ensino superior da RAEM, e documento que ateste a duração total do curso respectivo.
3. A autorização de permanência para fins de estudo é concedida pelo período normal de duração do curso pretendido frequentar, sendo renovável pelo período máximo de 1 ano.
4. Tratando-se de curso com duração superior a 1 ano, a autorização é obrigatoriamente confirmada pelo menos uma vez por ano, sendo para tal tidos em conta a efectiva frequência do curso e o aproveitamento escolar.
5. A autorização de permanência do agregado familiar de trabalhador não-residente especializado, cuja contratação tenha sido do interesse da RAEM, é concedida pelo período pelo qual o referido trabalhador estiver vinculado, sob parecer da entidade competente para a autorização da contratação de mão-de-obra não-residente.
6. Na pendência de pedido de fixação de residência pode o Serviço de Migração prorrogar a autorização de permanência do interessado a seu requerimento, uma ou mais vezes, até 30 dias após a decisão final sobre aquele pedido.
Artigo 9.º
Autorização
1. O Chefe do Executivo pode conceder autorização de residência na RAEM.
2. Para efeitos de concessão da autorização referida no número anterior deve atender-se, nomeadamente, aos seguintes aspectos:
1) Antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no artigo 4.º da presente lei;
2) Meios de subsistência de que o interessado dispõe;
3) Finalidades pretendidas com a residência na RAEM e respectiva viabilidade;
4) Actividade que o interessado exerce ou se propõe exercer na RAEM;
5) Laços familiares do interessado com residentes da RAEM;
6) Razões humanitárias, nomeadamente a falta de condições de vida ou de apoio familiar em outro país ou território.
3. A residência habitual do interessado na RAEM é condição da manutenção da autorização de residência.
Artigo 11.º
Autorização excepcional
1. O Chefe do Executivo pode, por razões humanitárias ou em casos excepcionais devidamente fundamentados, conceder a autorização de residência com dispensa dos requisitos e condições previstos na presente lei e das formalidades previstas em diploma complementar.
2. A dispensa prevista no número anterior, quando deferida, não pode ser invocada por outras pessoas não compreendidas no respectivo despacho, mesmo com fundamento em identidade de situações ou maioria de razão.”
Das normas transcritas flui claramente um poder discricionário à Administração e as situações concretas são valoradas, a cada momento e perante cada circunstancialismos, pela Administração em função dos critérios que só a ela cabe definir.

6. Como se vê, nenhum dos apontados critérios pelos recorrentes se impõe injuntiva e vinculadamente à Administração, na apreciação dos pedidos que lhe sejam submetidos, tais como as alegadas expectativas criadas por uma situação anterior, tempo de permanência na RAEM, perduração da autorização anterior, estudos efectuados. Mesmo os critérios elencados como habilitantes à consideração da possibilidade de deferimento do pedido de permanência, como seja o caso dos estudos superiores, ou o reagrupamento familiar, não impõem que a Administração esteja vinculada a deferir as permanências que lhe sejam submetidas a esse título.
Se a autorização inicial, de 2005 contém a posição bem clara, compreensiva e humanista da Administração, no uso dos poderes discricionários concedidos pela lei nesta matéria, de, face à sua percepção dos interesses públicos em jogo, autorizar a permanência de uma criança de tenra idade, se numa certa perspectiva, o tempo volvido reforça a ligação à família e acentua essa vertente, por outro lado, não será despiciendo desconsiderar uma outra avaliação que a Administração possa fazer dessa situação, como seja uma outra idade da criança, uma outra conjuntura sócio-económica da RAEM. Permitiu-se excepcionalmente e temporariamente a permanência da criança aqui nascida, o que não significa que a Administração, chamada actualmente a reapreciar a situação da permanência da Recorrente menor, após esta ter interrompido a sua permanência, mesmo que aqui tenha vindo durante o cancelamento da permanência na qualidade de turista, tenha seguido o seu critério geral, a saber, o de que, como diz, na sua perspectiva, “não é do interesse público favorecer / propiciar a permanência especial de pessoas não residentes na RAEM, salvo quando existam situações razões especialmente atendíveis para isso.”
Ora, só a ela cabe integrar quais as situações especiais atendíveis, não sendo lícito aos tribunais imiscuírem-se nessa função que, de todo, não lhes cabe.
    
    7. Assim, o acto recorrido fundou-se na lei - nos n.ºs 1 e 5 do art. 8° da Lei n.º 4/2003, concretamente - e teve por fundamento, no essencial, o facto de o recorrente pai ser trabalhador não especializado (o que implica que a sua contratação não foi considerada de particular interesse para a a RAEM) e de não existirem, no caso, actualmente, razões especialmente atendíveis do deferimento.
    
    8. Numa outra perspectiva, em relação ao que foi alegado e perante alguma falta de clareza na exposição dos argumentos avançados, o Digno Magistrado do MP foca-se numa interpretação dos fundamentos do recurso, referindo que, ao falar de erro nos pressupostos, pretendem os recorrentes pôr em causa o entendimento subjacente à decisão recorrida, segundo o qual a autorização especial de permanência para fins de reagrupamento familiar, prevista no artigo 8.º da Lei n.º 4/2003, estaria, no caso de trabalhadores não residentes, circunscrita aos trabalhadores especializados.
    Não estamos seguros que tenha sido esse o sentido da argumentação expendida, até porque muito claramente o recorrente não se considera, ele próprio, e bem, trabalhador especializado (cfr. art. 83º da p. i.).
    De todo o modo, se assim fosse, o vício que verdadeiramente estaria em causa, como assinala o Digno Magistrado do MP, seria o de violação de lei, por erro de interpretação, havendo que concluir que não foi esse o caminho seguido pela Administração, nem tal entendimento teria de ser seguido.
    
    9. No sentido de que os trabalhadores residentes não têm direito à permanência dos filhos em Macau e que essa faculdade concretiza um poder discricionário da Administração já se pronunciou o mais Alto Tribunal da RAEM.1
    
10. Resta apreciar aquela fundamentação que, à míngua de uma violação clara da lei positiva interna se arrima numa pretensa afronta do Direito Internacional e na violação dos princípios gerais por que se deve reger a actividade administrativa.
    Falam os recorrentes em violação de normas da Declaração dos Direitos da Criança e do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos ainda dos princípios da justiça, proporcionalidade e boa-fé.
    Não há qualquer violação do Direito Internacional pela razão simples de que nenhuma norma obriga os Estados a autorizarem o reagrupamento familiar dos seus trabalhadores emigrantes ou não residentes. Até porque, como tem sido afirmado e reafirmado, no limite, a família não é posta em causa com uma separação forçada dos membros da família que se quer unida, bem podendo optar entre as vantagens económicas ou outras de um trabalho fora do seu país de origem ou o regresso àquele, prescindido daquelas vantagens. No fundo é uma questão de opção entre as vantagens e desvantagens que uma e outra opção pode arrostar.
    Também, noutra perspectiva, dos artigos 38º e 43º da Lei Básica não se pode retirar uma imposição no sentido de se autorizar a permanência a todos os membros do agregado de um trabalhador não residente. Aliás, a extensão dada no artigo 43º dos direitos dos residentes aos não residentes não pode deixar de contemplar, a montante, o respeito das regras e regulamentos privativos da concessão a autorização de trabalho, de permanência e de residência na RAEM, matéria da competência interna dos próprios Estados e que não deixará de estar condicionada pelas limitações que por via legal ou administrativa os respectivos órgãos decisores hajam por bem dever tomar.
    O mesmo se diga do art. 3º da Convenção dos Direitos da Criança e do artigo 23º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos.
    Que sentido retirar então dessas normas? Serão normas meramente programáticas? Pensamos que não, mas delas não se retira a concretização de uma protecção da família que passe necessariamente por um reagrupamento e unidade familiar, enquanto esteio vital da sociedade, como tal proclamado, à custa apenas do Estado de acolhimento, postergando os outros interesses que a Administração deve prosseguir com sacrifício de outros interesses que devam ser ponderados e que podem pôr em causa o equilíbrio e o bem estar dos outros residentes. A concretização daquelas normas pressupõe uma actuação administrativa que enquadre todos os interesses em jogo, pressupõe uma actuação cuja concretização não viole directamente a unidade familiar, os interesses da família e os interesses da criança, pressupondo-se um quadro prévio atributivo de um direito que, por via do acto praticado pudesse ser atingido. Assim, violaria tais normas, um acto que retirasse o direito constituído ou impedisse a concretização de um direito que habilitasse à permanência ou residência a um membro do agregado familiar.
    Não é seguramente o caso, pelas razões simples de que não há esse direito, não há sequer expectativa jurídica à obtenção do direito, pelo que não se vê que o direito seja impedido por qualquer acto da Administração, sendo o bem jurídico tutelado por aquelas normas passível de ser prosseguido por outra via, nomeadamente por sacrifício económico individual dos restantes membros da família ou de alguns deles.
    Nem se retire da idade da criança um argumento para abalar o despacho recorrido, procurando uma contradição ou erro no pressuposto de ter sido a idade da criança e por já não se tratar de uma criança de tenra idade um argumento decisivo na denegação da autorização de permanência.
    Sobre este argumento, se bem atentarmos, esse argumento não foi usado ou tido como decisivo no despacho recorrido como argumento para a decisão tomada. Sublinha-se no despacho que a situação de precariedade em que a menor se encontrava não confere direitos, não se pode impor que o interessado no direito à reunião da família possa impor aos Estados a lugar e o modo desse exercício e não se deixam de ponderar circunstâncias relevantes e excepcionais que não se encontraram, a considerar «de tal modo graves, ponderosas, que possam integrar a noção de “razões humanitárias” e demandem, neste âmbito, uma autorização especial de permanência».
    Donde se vê que não se deixou de fazer a ponderação do circunstancialismo que pudesse levar a relevar essas razões humanitárias.
    Não vivemos no Mundo perfeito e este é o drama da população trabalhadora migrante.
    
    11. Assim se entra na análise dos princípios, sendo esta a base que os recorrentes erigem como o trunfo forte em que apostam.
    Não deixam de o reconhecer, ao dizerem, nas suas alegações, que “Por outro lado, porque a Administração sempre concedeu a autorização para a menor permanecer junto dos pais em Macau até ao Acto Recorrido, a ilegalidade do mesmo coloca-se ao nível da violação dos princípios de direito.” (art. 18º das alegações facultativas).
    Invocam os recorrentes violação do princípio da proporcionalidade, adequação, justiça e boa-fé.
    Esses princípios vêm configurados no CPA nos seguintes termos:
    Artigo 5º/2 – “As decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar.”
Artigo 7.º - “ No exercício da sua actividade, a Administração Pública deve tratar de forma justa e imparcial todos os que com ela entrem em relação.
Artigo 8.º - “1. No exercício da actividade administrativa, e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa fé. 2. No cumprimento do disposto no número anterior, devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas e, em especial: a) Da confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa; b) Do objectivo a alcançar com a actuação empreendida.”
12. O princípio da proporcionalidade corresponde a uma ideia de variação correlativa de duas grandezas conexionadas, ou seja, se são ponderados os benefícios decorrentes da decisão administrativa para o interesse público prosseguido pelo órgão decisor e os respectivos custos, medidos pelo inerente sacrifício de interesses dos particulares, seja na sua vertente de exigibilidade e adequação na prossecução do interesse público, por um lado e na relação custos-benefícios, por outro.2
Ora, perante o caso, quais eram as possibilidades de decisão? Autorizar a permanência ou indeferir o pedido. Não há aqui uma possibilidade de meio termo e se o tribunal impusesse por esta via uma solução contrária à que foi tomada estaria seguramente numa situação injustificada a assumir uma posição executiva, num caso em que o poder conferido era discricionário e não se impõem razões legais que ditem essa intervenção jurisdicional. Porquê? Porque a decisão tomada compreende-se ainda como razoável à luz dos interesses prosseguidos, em detrimento dos que são sacrificados. Isto é, a entidade recorrida, no uso dos seus poderes discricionários considerou implicitamente relevar o interesse público da RAEM e da colectividade, em detrimento do sacrifício imposto àquela família, o que é legítimo poder fazer, não se afigurando que haja aqui uma manifesta desrazoabilidade e inadequação da medida tomada, compreendendo-se que tenha de haver controle e limitações às entradas e permanências de quem é do Exterior, matéria da exclusiva competência da Administração.
No caso a intervenção da Administração não foi arbitrária ou gratuita; apenas se intervém, não num corte de uma autorização precária que se vinha mantendo há vários anos e para o qual não contribuiu, só intervindo quando, por razão que não lhe é imputável, se interrompe essa ligação anterior, não sendo de relevar se essa interrupção foi por muito ou por pouco tempo. A mãe teve de sair de Macau; a filha acompanha-a, fazendo cessar o seu estatuto jurídico de permanência autorizada; a mãe volta a arranjar aqui emprego; pretende trazer a filha; a Administração nega essa pretensão; há aqui uma situação desconfortável para os interessados, mas não se crê que raie uma desproporcionalidade em vista dos termos em que tal princípio se concretiza, em particular, em função dos bens que se prosseguem e que se sacrificam.

    13. A violação do princípio da boa-fé não se mostra concretizada. Mas se com ele se visa a quebra de qualquer confiança que a Administração tenha criado, afigura-se que não lhe assiste razão na medida em que uma autorização precária, ainda que mantida por vários anos não pode criar essa pretendida confiança em que a situação, uma vez interrompida se mantenha. Diferentes poderiam ser as coisas eventualmente se a Administração cortasse sem mais a concessão de uma permanência mantida ao longo do tempo. Aí, poder-se criar a confiança numa situação que se vinha mantendo, não havendo razões para a alterar, mantendo-se os respectivos pressupostos, atendendo-se ao investimento feito numa educação, criando-se a expectativa legítima a que se mantivesse até ao seu termo.
   14. Quanto ao princípio da justiça, que se prende com o acatamento das regras basilares que informam a consciência, e o sentido, jurídico da comunidade, também não se perfila qualquer incumprimento em termos de ferir o núcleo de um direito fundamental.3
Quanto a este princípio, a prossecução do interesse público terá estado na mira da decisão proferida e não se deixa de compreender a sua prevalência sobre interesses particulares, donde por imbuída de imparcialidade, de racionalidade, de adequação, de proporção, se configurar ainda como positivamente justa, na esteira de que não é difícil configurar que as razões de equilíbrio da economia, crescimento, investimento e estabilidade da sociedade podem levar a que se indefira uma autorização de permanência numa situação em que desaparecem os pressupostos que anteriormente a motivaram ou em que essa situação se interrompeu.
     É verdade que os actos administrativos discricionários são atacáveis por desrazoabilidade, o que pode contender com aquela ideia de justiça acima referida, todavia não se trata de uma qualquer desrazoabilidade apreciada com qualquer grau de subjectividade.
    Por norma, esta afronta pressupõe a violação dos princípios de adequação e proporcionalidade na decisão proferida.
    E quanto a isto, dir-se-á tão somente que, não se atacando a eventual incorrecta aplicação da lei, concretamente objectivada no acto recorrido, constituindo tais princípios índices aferidores do controle da discricionariedade, em vista da conformação da decisão com a prossecução do interesse público, afastada estará a desrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários conferidos à Administração no caso concreto.
   No caso em apreço, descortina-se a prossecução do interesse público, a adequação do comportamento à prossecução desse interesse público e compreende-se ainda o sacrifício dos interesses privados em função da importância do interesse público que se procura salvaguardar.4
    Na verdade, eventuais interesses económicos, familiares e emocionais invocados pela recorrente serão estimáveis, mas haverão sempre que ceder face ao manifesto interesse público que se lhes contrapõe.
    E sobre isto o que temos a dizer é que tal como se afirma no despacho que consubstancia o acto recorrido também o tribunal não pode enveredar por uma sobreposição à actuação da entidade recorrida que, sobre o tema se pronunciou:
    
    “Por fim, igualmente não se vislumbra a violação dos alegados princípios da igualdade ( em relação ao qual o recorrente não apresenta qualquer evidência de diferentes decisões noutros casos de idênticas circunstâncias) e da proporcionalidade em qualquer das suas vertentes (aliás só equacionável quanto ao acto eivado de erro manifesto ou total desrazoabilidade), muito menos dos princípios da imparcialidade e da boa-fé e dos valores elementares da ordem jurídica, seja da justiça, em última análise, que de todo se não mostram feridos na decisão recorrida.”
    
    Serve aqui o extracto do nosso Acórdão n.º 232/2004, plenamente aplicável ao caso concreto: "Na verdade, na decisão recorrida não se vislumbra qualquer quebra daqueles critérios [proporcionalidade, boa-fé, justiça], sendo que a esfera jurídica e o núcleo dos interesses prosseguidos através da família não são postergados, sendo esta, aliás, a situação normal em relação aos trabalhadores emigrantes em qualquer parte do Mundo. Claro, reconhece-se, que essa não é a situação ideal, em termos de uma educação harmoniosa e mais equilibrada, sob o ponto de vista das emoções e dos afectos. É, no entanto, o preço a pagar por uma situação material mais confortável e dela beneficia toda a família."
    
    15. Em suma:
    A previsão do n.° 5 do art. 8º da Lei 4/003 -“A autorização de permanência do agregado familiar de trabalhador não-residente especializado, cuja contratação tenha sido do interesse da RAEM, é concedida pelo período pelo qual o referido trabalhador estiver vinculado, sob parecer da entidade competente para a autorização”- não é aplicável aos trabalhadores não especializados.
    Em relação aos trabalhadores não especializados é concedida uma ampla discricionariedade à Administração quanto à autorização de permanência dos familiares e tal discricionariedade só pode ser atacada com base em manifesta ilegalidade ou na total desproporcionalidade ou desrazoabilidade no exercício dos respectivos poderes, importando atentar que estes nunca adquiriram o estatuto de residentes, mas sim de trabalhadores não residentes.
    A permanência concedida a uma criança que aqui nasceu e estudou ao longo de vários anos é precária e a Administração é livre de a fazer cessar e de na ão conceder se a mãe perdeu o emprego e teve de regressar ao seu país, não obstante, passado algum tempo, aqui ter encontrado novo emprego, ainda que o pai aqui permanecesse e aqui tenha trabalhado, tal como a mãe muitos e longos anos.
    Não há qualquer violação do Direito Internacional pela razão simples de que nenhuma norma obriga os Estados a autorizarem o reagrupamento familiar dos seus trabalhadores emigrantes ou não residentes. Até porque, como tem sido afirmado e reafirmado, no limite, a família não é posta em causa com uma separação forçada dos membros da família que se quer unida, bem podendo optar entre as vantagens económicas ou outras de um trabalho fora do seu país de origem ou o regresso àquele, prescindido daquelas vantagens. No fundo é uma questão de opção entre as vantagens e desvantagens que uma e outra opção pode arrostar.
    Sem embargo de se reconhecer que essa não é a situação ideal, em termos de uma educação harmoniosa e mais equilibrada, sob o ponto de vista das emoções e dos afectos.
    Na situação acima reportada não se vislumbra qualquer quebra dos princípios de proporcionalidade, boa-fé e justiça, na medida em que a decisão tomada se compreende à luz da ponderação entre os interesses salvaguardados e os sacrificados, ponderação que cabe à Administração fazer e, no caso, passava apenas por deferir ou negar a autorização de permanência, não havendo razões fortes que imponham a solução contrária à que foi tomada e podendo sempre os interesses individuais e familiares ser acautelados por outra via, ainda que com eventuais sacrifícios materiais que, aliás, sempre poderão advir a qualquer momento com a perda do trabalho aqui prestado.
    
    Em face do exposto o recurso não deixará de improceder.
    
    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao presente recurso contencioso.
    Custas pela recorrente, com 3 UC de taxa de justiça individual
    
               Macau, 27 de Outubro de 2016,
               João A. G. Gil de Oliveira
               Ho Wai Neng
               José Cândido de Pinho
               Fui presente
               Mai Man Ieng
1 - Por todos, Acs. do TUI, de 10/1/2007 e 1/5/2008, Procs. n.ºs 39/2006 e 21/2007
2 - Int. ao Dto Adm., João Caupers, 6ª ed., 80
3 - Ac. do TSI, Proc. n.º 1284, de 11/4/2002
4 - João Caupers, in Int. ao Dto. Administ., 2001, 80
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871/2015 45/65