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Processo n.º 597/2016 Data do acórdão: 2016-11-08 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
– erro notório na apreciação da prova

S U M Á R I O
1. O acórdão recorrido não pode padecer do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada aludido no art.º 400.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, porquanto não se divisa qualquer lacuna na investigação, concretamente feita pelo tribunal recorrido, do objecto probando nos autos, composto, em tudo que fosse desfavorável aos arguidos, pela matéria fáctica imputada a eles.
2. Enquanto não se mostra patente ao tribunal ad quem, ante todos os elementos probatórios carreados aos autos, que o tribunal a quo tenha violado quaisquer normas jurídicas atinentes ao valor legal das provas, regras da experiência da vida humana ou leges artis vigentes na tarefa jurisdicional do julgamento dos factos, o acórdão condenatório impugnado não pode ser viciado com erro notório na apreciação da prova.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 597/2016
(Autos de recurso penal)
Recorrentes: 1.º arguido A
2.º arguido B
3.º arguido C
4.º arguido D





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 1645 a 1656v do Processo Comum Colectivo n.º CR2-15-0198-PCC do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, foram condenados todos os quatro arguidos desse processo igualmente pela prática, em co-autoria material, e na forma consumada, de um crime de auxílio (qualificado), p. e p. pelo art.º 14.º, n.º 2, da Lei n.º 6/2004, de 2 de Agosto, tendo ficado punidos o 1.º arguido A e o 2.º arguido B, respectivamente, com pena de prisão de seis anos e seis meses e de cinco anos e nove meses, e o 3.º arguido C e o 4.º arguido D com pena de prisão, igualmente, de cinco anos e seis meses.
Inconformados com essa decisão judicial, vieram os quatro arguidos recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI).
O 1.º arguido A alegou que houve erro notório na apreciação da prova cometido pelo Tribunal sentenciador (na parte referente ao erradamente comprovado recebimento, por ele próprio, da remuneração do auxílio à imigração clandestina), o qual, para além disso, lhe impôs uma pena de prisão excessivamente pesada, pelo que pediu, a título principal, que passasse a ser condenado pela prática de um crime de auxílio (simples) do art.º 14.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2004, e que, fosse como fosse, passasse a ser punido, tidos em conta os art.os 65.º e 40.º do Código Penal (CP), com uma pena de prisão perto do respectivo mínimo legal (cfr., em detalhes, a motivação de fls. 1703 a 1714 dos autos).
O 2.º arguido B imputou ao acórdão recorrido apenas o excesso na medida da pena, e pretendeu que fosse punido, ponderadas todas as circunstâncias já apuradas no caso, tão-só com uma pena de prisão de cinco anos a cinco anos e seis meses, sob pena da violação mormente do princípio da justiça relativa (cfr., em pormenor, a motivação de fls. 1670 a 1672).
O 3.º arguido C, para rogar, a título principal, que passasse a ser absolvido ou condenado apenas pela prática do crime de auxílio simples, começou por apontar à decisão condenatória recorrida os três vícios referidos nas alíneas a), b) e c) do n.º 2 do art.º 400.º do Código de Processo Penal (CPP), tendo focado a sua argumentação na alegada não comprovação cabal, perante os elementos de prova produzidos nos autos, de que o maço de notas por ele entregue ao 1.º arguido fosse destinado à remuneração do auxílio à imigração clandestina do caso dos autos, e, depois, subsidiariamente, pretendeu que fosse condenado como cúmplice em sede do art.º 26.º do CP (por o seu papel nos factos do auxílio à imigração clandestina ser dispensável à prática dos mesmos), com nova concretização da sua pena de prisão, em medida não superior a dois anos e seis meses de prisão, com finalmente almejada suspensão da execução da mesma nos termos do art.º 48.º do CP, vistas sobretudo as suas condições pessoais e sócio-económicas (cfr., em detalhes, a motivação de fls. 1684 a 1698v).
O 4.º arguido D, para pedir também a sua condenação somente em sede do crime de auxílio simples, argumentou que a decisão condenatória recorrida padeceu do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (porque, no seu entender, para já não se poderia dar por provado que o dinheiro recebido pelo 1.º arguido fosse a remuneração do acto de auxílio à imigração clandestina, e, por outro lado, nem se provou que esse dinheiro tenha sido entregue pelo próprio 4.º arguido ao 1.º arguido), para além de viciada com erro notório na apreciação da prova (uma vez que ante os elementos de prova carreados aos autos, não se poderia dar por provado que o próprio 4.º arguido tomou efectivo conhecimento de que o dinheiro recebido pelo 1.º arguido era a remuneração do acto de auxílio à imigração clandestina, nem dar por provado que o próprio 4.º arguido fez com que outrem tenha obtido vantagem patrimonial ou material pela conduta de auxílio à imigração clandestina), sendo certo que este 4.º arguido não deixou de defender, subsidiariamente falando, que lhe foi injusta a condenação no crime de auxílio qualificado à imigração clandestina (visto que ele se limitou a fornecer ajuda patrimonial para aquele senhor testemunha em causa nos autos poder vir para Macau, e, portanto, ele próprio nunca pretendeu que com esse acto de ajuda a esse senhor, viesse a ganhar algum interesse ilícito) (cfr., em pormenor, a motivação de fls. 1673 a 1681).
Aos recursos, respondeu a Digna Delegada do Procurador junto do Tribunal recorrido, no sentido de manutenção do julgado (cfr. fls. 1722 a 1738v).
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 1760 a 1764), pugnando também pela improcedência de todos os recursos.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se que o acórdão ora recorrido se encontrou proferido a suas fls. 1645 a 1656v, cujo teor integral, que inclui a fundamentação fáctica e jurídica do veredicto final condenatório aí feito, se dá por aqui intergralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, é de notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Visto o teor das quatro motivações de recurso em questão, nota-se que com excepção do 2.º arguido, todos os outros três arguidos vêm sindicar igualmente do resultado do julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal a quo.
Contudo, desde já se observa que o acórdão recorrido não pode padecer do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (aludido no art.º 400.º, n.º 2, alínea a), do CPP), porquanto não se divisa qualquer lacuna na investigação, concretamente feita pelo Tribunal recorrido, do objecto probando nos autos, composto, em tudo que fosse desfavorável aos arguidos, pela matéria fáctica imputada a eles.
Da mesma maneira, também não se consegue detectar alguma contradição irredutível na fundamentação probatória da decisão condenatória recorrida, em virtude de que após lida essa fundamentação já escrita no texto do aresto impugnado, se afigura ao presente Tribunal de recurso que é lógica e coerente a explicação dada pelo Tribunal sentenciador para a formação da sua livre convicção sobre os factos.
E quanto à questão nuclear do erro notório na apreciação da prova, apontado pelos 1.º, 3.º e 4.º arguidos à decisão judicial impugnada, a tese da existência deste vício também não pode proceder, porque estes três arguidos acabam por pretender fazer impor o ponto de vista pessoal deles acerca do resultado do julgamento judicial da matéria de facto em causa no caso dos autos, enquanto não se mostra patente a este Tribunal ad quem, ante todos os elementos probatórios carreados aos autos, que o Tribunal recorrido tenha violado quaisquer normas jurídicas atinentes ao valor legal das provas, regras da experiência da vida humana ou leges artis vigentes na tarefa jurisdicional do julgamento dos factos.
Por outro lado, improcede também a tese de cumplicidade avançada pelo 3.º arguido na sua motivação do recurso, por esta tese não ser compatível com toda a matéria de facto já dada por provada em primeira instância, matéria de facto essa que, nitidamente, dá para suportar cabalmente o nexo de co-autoria entre os quatro arguidos no cometimento do crime por que vinham todos condenados. Assim sendo, já não é mister conhecer do pedido de aplicação da nova pena de prisão ao 3.º arguido dentro da moldura aplicável à cumplicidade.
Do supra decidido, resulta que não é viável convolar o crime de auxílio qualificado para o crime de auxílio simples, sendo, pois, todos os quatro arguidos correctamente condenados, já pelo Tribunal a quo, como co-autores de um crime de auxílio qualificado à imigração clandestina.
Entretanto, já procede o pedido de redução das penas de prisão formulado pelos 1.º e 2.º arguidos.
De facto, vistos todos os ingredientes fácticos já apurados judicialmente em primeira instância e como tal descritos no texto do acórdão ora recorrido, afigura-se mais justo e equilibrado, aos padrões da medida da pena plasmados mormente nos art.os 40.º e 65.º, n.os 1 e 2, do CP, passar a condenar o 1.º arguido em cinco anos e nove meses de prisão e o 2.º arguido em cinco anos e seis meses de prisão.
Sendo os quatro arguidos co-autores do crime por que vinham condenados no acórdão recorrido, é de reduzir oficiosamente (cfr. maxime o art.º 392.º, n.º 2, alínea a), do CPP) as penas de prisão dos 3.º e 4.º arguidos. Assim sendo, e nos mesmos termos acima referidos, passa-se a impor a estes dois arguidos apenas cinco anos e três meses de prisão.
Com isso, fica já prejudicado o pedido de suspensão da execução da pena posto pelo 3.º arguido, por a nova pena de prisão acima achada para ele ser superior a três anos (art.º 48.º, n.º 1, do CP, a contrario sensu).
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar improcedente o recurso do 3.º arguido C, improcedente também o recurso do 4.º arguido D, parcialmente procedente o recurso do 1.º arguido A, e procedente o recurso do 2.º arguido B, bem como passar a impor somente ao 1.º arguido cinco anos e nove meses de prisão, ao 2.º arguido cinco anos e seis meses de prisão, e aos 3.º e 4.º arguidos igualmente cinco anos e três meses de prisão.
Pagarão os 3.º e 4.º arguidos as custas dos seus recursos, com dez UC e seis UC de taxas de justiça individuais. Sem custas no recurso do 2.º arguido, sendo os honorários da sua Ex.ma Defensora Oficiosa, fixados em mil e oitocentas patacas, por conta do Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância. Pagará o 1.º arguido apenas metade das custas do seu recurso, duas UC de taxa de justiça individual e metade dos honorários da sua Ex.ma Defensora Oficiosa, fixados em duas mil e seiscentas patacas (sendo a outra metade, no valor de mil e trezentas patacas, por conta do Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância).
Este acórdão é irrecorrível nos termos do art.º 390.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal.
Macau, 8 de Novembro de 2016.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chou Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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