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Proc. nº 458/2016
Recurso Contencioso
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 10 de Novembro de 2016
Descritores:
-Execução Fiscal
-Oposição
-Recurso Contencioso

SUMÁRIO:

Nos termos dos artigos 91º do Regulamento do Imposto do Selo e 165º do Código das Execuções Fiscais, não é possível deduzir oposição à execução fiscal se o que estiver na origem da execução for um acto de que caiba impugnação contenciosa.







Proc. nº 458/2016

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I – Relatório
A, casado, de nacionalidade chinesa, portador do Bilhete de Identidade de Residente de Hong Kong n.º XXX, residente em XXX, Hong Kong, deduziu no Tribunal Administrativo oposição à execução fiscal (proc. nº R/2013-08-900447), na qual é exequente a Direcção dos Serviços de Finanças.
Nessa oposição, o ora recorrente opunha-se à cobrança coerciva do imposto de selo sobre transmissões de bens no valor total de MOP579.485,00, bem como do selo de conhecimento de cobrança, dos juros vencidos e do rendimento do cofre do Tesouro, alegando ser nulo o acto de citação e anulável o acto de liquidação do imposto por violação de lei com fundamento em erro sobre os pressupostos, além de suscitar a sua ilegitimidade como executado e defender que o acto de liquidação constitui dupla tributação.
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Foi proferida sentença no TA, que julgou improcedente a oposição à execução fiscal.
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É contra essa sentença que ora vem interposto o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações o executado A ormulou as seguintes conclusões:
«A. O presente recurso vem interposto da sentença proferida nestes autos a fls. 65 a 69v, de 7 de Março de 2016, pelo Tribunal Administrativo, que julgou improcedente a oposição à execução deduzida pelo Recorrente relativamente à execução fiscal iniciada pela Recorrida nos Autos de Execução Fiscal n.º R/2013-08-900447.
B. A 14 de Outubro de 2010, foi submetido um documento denominado “Offer for Purchase” entre a sociedade “Casa XXX Limitada” (a “Sociedade”) - através da assinatura do Recorrente, sócio maioritário da Sociedade - e a sociedade XXX (Macau) Limitada, através do qual o Recorrente exteriorizou interesse em adquirir diversos imóveis.
C. Tal documento reveste um carácter absolutamente preliminar e não contem todos os elementos essenciais ao negócio, não se tendo com ele constituído sinal ou reserva, e estando a celebração do negócio sujeita a diversas condições, que inclusive podiam ter impacto no preço.
D. A proposta produzia efeitos por apenas 7 dias, o que é também revelador da sua natureza de convite a contratar, preliminar, temporária e condicional, e continha referência a um contrato promessa a celebrar no futuro, o que demonstra que não consubstancia, sequer, um contrato promessa.
E. O documento não foi sequer assinado com os proprietários dos imóveis em causa, pelo que não produziu quaisquer efeitos jurídicos, e não foi recebido por todas as entidades a que foi dirigido.
F. O único destinatário que acusou a recepção da carta-convite, isto é, a sociedade XXX (Macau) Limitada, era proprietária de apenas alguns dos imóveis em causa, pelo que a carta não produziu sequer quaisquer efeitos jurídicos e muito menos translativos.
G. O documento em causa constituía uma mera declaração de intenções, uma declaração do propósito de negociar a aquisição de certas fracções que, pelo simples facto de não conter todas as condições do negócio nem ter sido assinada pelas partes interessadas, nunca poderia revestir a natureza de contrato promessa ou mesmo de um documento contratual afim ou similar ao contrato promessa.
H. O Recorrente foi notificado editalmente pela Direcção dos Serviços de Finanças, a 8 de Maio de 2013, para proceder ao pagamento de imposto de selo por transmissão de bens, tendo por base o referido papel, sem que as Finanças cuidassem de verificar se alguma das fracções em causa pertencia ao Recorrente, pelo que, na fase do pagamento voluntário do imposto, a liquidação do mesmo não foi levada ao conhecimento do Recorrente.
I. A 1 de Novembro de 2014, através de mandado da Chefe Auxiliar da Repartição das Execuções Fiscais (cumprido pela Polícia de Segurança Pública), foi o Recorrente citado nos autos de execução fiscal para proceder ao pagamento da quantia exequenda de MOP579,485.00 por Imposto de Selo de Transmissão de Bens do ano 2012, tendo sido usada a morada do Recorrente em Macau, a mesma cujo endereço as Finanças não conseguiram encontrar na fase de pagamento voluntário do imposto.
J. O Recorrente foi citado por um órgão administrativo, estabelecendo, no entanto, o artigo 29.º do Decreto-lei n.o 30/99/M, de 5 de Julho, que “A Repartição das Execuções Fiscais compete a prática de todos os actos de execução fiscal, que não sejam da competência do tribunal, previstos no Código das Execuções Fiscais, aprovado pelo Decreto n.º 38.088, de 12 de Dezembro de 1950” (sublinhado nosso).
L. A citação é um acto processual que, por natureza, é exclusivamente reservado aos órgãos judiciais, não podendo ser praticado por quaisquer outros órgãos, nomeadamente administrativos.
M. Constituindo a citação uma modalidade de notificação, ambas as figuras se distinguem, pois que “enquanto a citação é um acto exclusivo do processo, e pelo que um acto exclusivamente judicial, a notificação pode ser utilizada tanto em processo judicial como no administrativo” (Alfredo J. de Sousa e José da Silva Paixão, Código de Processo Tributário --- Comentado e Anotado, 2a ed., pág. 134).
N. O Tribunal de Segunda Instância pronunciou-se no sentido de que “quando o Código das Execuções Fiscais fala de citação dos executados, obviamente está-se a falar da actuação de um órgão jurisdicional, e não um órgão administrativo-executivo”, acrescentando que “para assegurar a garantia dos administrados, cremos que a nenhum órgão administrativo deverá ser conferida a competência para praticar tais actos” (acórdão do TSI de 2003-03-20, Proc. n.º 78/2000).
O. A presente citação realizou-se com a advertência sancionatória de que o Recorrente, caso não respondesse à ordem que lhe foi dirigida, veria os seus bens serem penhorados - situação gravosa que “obviamente não pode ser entregue a qualquer pessoa, muito menos a uma pessoa que, desde início, seja já parte interessada de todo o procedimento tributário”, conforme realça o Tribunal de Segunda Instância no acórdão referido.
P. Sendo a citação um acto da competência exclusiva de um órgão jurisdicional e tendo sido realizada por um órgão administrativo, verifica-se o vício de usurpacão de poder, o que conduz à nulidade da citação, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 122.º do Código do Procedimento Administrativo.
Q. O Recorrente, num primeiro momento (isto é, a 8 de Maio de 2013), foi notificado editalmente no processo relativo à cobrança de imposto de selo que precedeu os Autos de Execução Fiscal em causa e, posteriormente, já foi possível à Repartição das Execuções Fiscais identificar a morada do Recorrente em Macau no mandado enviado à Polícia, o que demonstra que deveria ter sido averiguado se alguma das fracções (cuja transmissão alegadamente se tributava) pertencia ao Recorrente.
R. A morada (em Macau) usada no mandato demonstra que era possível desde o primeiro momento identificar a morada do Recorrente em Macau (não tendo, porém, sido feita qualquer diligência para o encontrar) - não tinha lugar a aplicação do disposto no n.º 6 do artigo 54.º do CEF e não devia o Recorrente ter sido notificado editalmente, pelo que, também com este fundamento, deve a citação ser declarada nula, verificando-se o fundamento de oposição previsto na alínea e) do artigo 169.º do CEF.
S. Relativamente à determinação da quantia exequenda, a Repartição das Execuções Fiscais baseou-se num documento denominado “Offer for Purchase” que, em erro crasso e manifesto, qualificou como um contrato que operava ou prometia a transmissão de imóveis, sendo certo que, claramente, tal documento não produziu, nem prometera produzir, quaisquer efeitos translativos, visando tão somente um início de negociações num momento posterior.
T. Resulta do próprio documento o respectivo carácter preliminar nas negociações entre os sujeitos: conforme expressamente incluído no documento, (i) o contrato promessa só será celebrado num momento posterior (vide como consta do parágrafo relativo ao depósito), (ii) o sinal será somente pago na celebração do contrato promessa (e o restante preço será entregue na celebração do contrato definitivo ou escritura), (iii) o preço indicado poderá ser alterado até à celebração do contrato promessa de compra e venda, (iv) o negócio estava dependente de uma avaliação a realizar por um banco e a ser requerida em data indeterminada, e (v) o prazo para celebrar o negócio jurídico conta-se a partir da data da eventual celebração do contrato promessa de compra e venda.
U. O referido documento, uma verdadeira carta-convite, devia ser interpretado exclusivamente no âmbito das negociações pré-contratuais levadas a cabo pelos vários sujeitos, não podendo os mesmos ser prejudicados pelo simples facto de o terem colocado por escrito, e a aceitação ou recepção da carta-convite pela contraparte não poderia formar qualquer contrato.
V. A entidade tributária enjeitou (quiçá, por falta de tempo) e não analisou o contrato promessa de cessão de quotas celebrado entre B, XXX (Macau) Limited e o Recorrente, a 11 de Dezembro de 2010, relativo à sociedade XXX Investments Limited, o qual não está sujeito a imposto de selo por transmissão de bens.
X. Por força das regras da aplicação da lei no tempo, fica claro que o documento em questão não poderia nunca constituir um facto tributável (nos termos da própria lei aplicável à época), pois à data da assinatura da “Offer of Purchase”, ou seja, a 14 de Outubro de 2010, estabelecia a alínea b) do n.º 3 do artigo 51.º do Regulamento do Imposto de Selo que são sujeitos a imposto de selo “os contratos-promessa de compra e venda, não se incluindo nestes os de mera sinalização ou reserva de imóveis, desde que o seu valor não exceda 10,000.00 patacas” (nosso sublinhado).
Z. Se à época, segundo a lei então vigente, nem os contratos de mera sinalização estavam sujeitos a imposto de selo por transmissão de bens, por maioria de razão, também os documentos que apenas contêm uma intenção (ou oferta) na aquisição de imóveis, e não envolvem qualquer sinal não estariam sujeitos a tal imposto de selo.
AA. Tal disposição legal viria a ser revogada pela Lei n.º 4/2011, de 3 de Maio de 2011, que entrou em vigor no dia seguinte à sua publicação, e que indica expressamente no respectivo n.º 2 do artigo 8.º que “a presente lei só se aplica aos factos tributários ocorridos após a sua entrada em vigor” (sublinhado nosso).
BB. As Finanças não só efecturam uma qualificação, grosseira e incompetente, do referido papel como um facto tributável, como ainda por cima aplicaram mal a lei, usando a lei alterada, mas não os normativos em vigor à data do acto.
CC. Observa-se então que não há incidência real do imposto e que é de anular o correspondente acto administrativo por vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito e indevida e abusiva qualificação dos documentos, nos termos do artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo.
DD. É evidente a ilegalidade dos autos de Execução Fiscal em causa, na medida em que a certidão de relaxe que os sustenta foi, também ela, ilegalmente extraída, tendo sido afirmado pela Jurisprudência da Região, igualmente acolhida e referenciada pelo Tribunal Administrativo, que são admitidos como motivos legítimos de oposição à execução, sob pena da violação do princípio da plenitude da garantia da via judiciária consagrado no artigo 36.º da Lei Básica da RAEM, no artigo 14.º do CPA, no artigo 6.º da Lei n.º 1/1999, no artigo 2.º do Código de Processo Administrativo Contencioso e no artigo 1.º do CPC, outros fundamentos além dos previstos no artigo 169.º do CEF.
EE. Sustentam os Acórdãos do Tribunal de Segunda Instância, proferidos nos processos n.ºs 94/2003, 130/2003 e 171/2003, que a interpretação do CEF, “ou melhor, a praxis procedimental baseada em diploma que não vigora na ordem jurídica não pode ser de tal forma estrita que postergue os princípios que garantam uma maior amplitude dos meios de defesa em relação a outros diplomas, tal como decorre do próprio Código de Processo Civil (cfr. artigos 697.º e 699.º do CPC)...” (cfr. Acórdão do TSI de 4 de Dezembro de 2003, proferido no Processo n.º 130/2003, disponível em www.court.gov.mo).
FF. A dívida não existia à data da emissão do título que originou os presentes autos de execução, pelo que é ilegal a sua execução, porquanto carece o respectivo título - a certidão de relaxe - de um requisito substancial, ou seja, a exigibilidade da dívida, conducente à sua inexequibilidade.
GG. Como fundamento de oposição à execução, tem sido admitida, de acordo com a jurisprudência referida, a inexequibilidade do título executivo, assim se estendendo o leque de fundamentos para a oposição à execução elencados no artigo 169.º do CEF, sendo então ilegal a execução fiscal sustentada no referido título, ao qual falta o requisito da exigibilidade da dívida, devendo por isso ser extinta a execução em curso.
HH. Ainda que se considere que estamos perante um documento tributável (o que não se concede), sempre se diria que o sujeito contratual no contrato promessa de compra e venda celebrado não é o Recorrente mas sim a Sociedade, da qual aquele é sócio maioritário, limitando-se o Recorrente a assinar os contratos em questão - e, também, o documento pré-contratual acima referido - por conta da Sociedade.
II. Resulta da cláusula 7 do contrato promessa de compra e venda assinado a 11 de Dezembro de 2010 sobre várias fracções do edifício “XXX Court” localizado no Beco da Rosa 21-29, em Coloane, o mesmo foi assinado por conta da Sociedade.
JJ. Nunca foi intenção do Recorrente praticar os actos em causa em nome próprio, mas sim em nome da Sociedade, a qual assinou contrato, outorgou escritura e assumiu as correspondentes obrigações fiscais. Sendo esse o único negócio que se concretizou, por se terem verificado as condições.
LL. Ao abrigo do n.º 3 do artigo 188.º do Código Comercial, “com o registo, a sociedade assume os direitos e obrigações decorrentes dos actos anteriormente praticados em nome dela”, pelo que as obrigações fiscais seriam da responsabilidade da Sociedade com processo de registo em curso (sociedade irregular).
MM. O sujeito passivo da relação tributária ora em questão é a Sociedade (que oportunamente liquidou os encargos), não tendo consequentemente o Recorrente legitimidade passiva para ser chamado nos Autos de Execução Fiscal em causa, sendo certo que as outras fracções foram adquiridas por outros sujeitos, que liquidaram o imposto devido.
NN. Verifica-se o fundamento de oposição previsto na alínea a) do artigo 169.º do CEF e é o acto administrativo anulável por vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, nos termos do artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo.
OO. A Sociedade, ou seja, a efectiva titular passiva da relação tributária para o negócio firmado e concretizado, já pagou por inteiro e atempadamente o imposto de selo devido pela transmissão dos imóveis em questão, pelo que se verifica o fundamento de oposição previsto na alínea b) do artigo 169.º do CEF.
PP. Verifica-se que a Repartição das Execuções Fiscais cobrar pretende dois impostos de igual natureza pelo mesmo facto e pelo mesmo período de tempo, pelo que tem também lugar o fundamento de oposição previsto na alínea d) do artigo 169.º do CEF e é o acto administrativo anulável por vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, nos termos do artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve o presente recurso ser recebido e a final julgado procedente, por provado e, em consequência, deve o acto administrativo ser anulado nos termos do disposto no artigo 124,º do CPA e nas alíneas a), b), d) e e) do artigo 169,º do CEF.»
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A entidade recorrida respondeu ao recurso, concluindo assim as suas alegações:
«1. O presente recurso vem interposto da sentença de 7 de Março de 2016 que negou provimento à oposição à execução fiscal deduzida pelo ora Recorrente relativamente à execução fiscal que correu termos sob o n.º R/2013-08-900447 quanto à dívida proveniente de Imposto do Selo por transmissão de bens do ano de 2012 no valor de MOP$579,485.00, a que acresce selo de verba, Juros de mora à taxa de 1 % ao mês, 3% de dívidas e receitas do cofre.
2. Defendemos o entendimento já preconizado pelos tribunais de que o processo de execução fiscal, correndo os seus termos na Repartição das Execuções Fiscais, supõe uma fase administrativa autónoma integrada por actos instrumentais resultando daqui que a execução de actos administrativos para pagamento de quantia certa é efectuada num serviço administrativo e mediante o processo de execução fiscal, pelo que que não poderá proceder a alegada nulidade da citação por usurpação de poder ao abrigo da alínea e) do artigo 169.º do CEF.
3. É facto assente que em sede de oposição à execução, seja por embargos ou por simples requerimento, só podem ser invocados como fundamentos os previstos no Código das Execuções Fiscais em caso algum poderá versar sobre matéria que deva constituir objecto de reclamação ou recurso contencioso ao abrigo dos respectivos regulamentos.
4. Pelo que o vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, nos termos do artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo, não consubstancia fundamento para oposição à execução do artigo 169.º do CEF.
5. Em sede de imposto do selo sobre transmissão de imóveis é sujeito passivo o adquirente dos imóveis, ou seja, o Executado ora recorrente.
6. A execução fiscal tem por base uma certidão que vale como sentença passada em julgado não podendo considerar-se ilegítima a pessoa que foi colectada ou o seu responsável desde que como tal venha mencionada nessa certidão. Pelo que, não se encontra preenchido o fundamento de ilegitimidade do Executado.
7. As certidões de relaxe que titulam os presentes Autos de Execução Fiscal dizem respeito ao contrato celebrado a 7 de Outubro de 2010, em que o ora recorrente surge como adquirente dos imóveis em causa.
8. Enquanto que as Guias de pagamento juntas pelo recorrente, como documentos n.ºs 2 a 12, dizem respeito à transmissão operada pelo documento datado de 23 de Fevereiro de 2011, em que surge como adquirente a “Casa XXX Limitada”, ou seja, tratam-se de factos tributários distintos, inexistindo fundamento para oposição por duplicação de colecta ao abrigo da alínea d) do artigo 169.º do CEF.
Nestes termos e nos demais de Direito, deve ser mantido a sentença do Tribunal Administrativo de 7 de Março de 2016.»
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O digno Magistrado do MP emitiu o seguinte parecer:
«A, executado nos processos de execução fiscal n.ºs 2013-08-900447-00 e apensos, que correm termos pela Repartição das Execuções Fiscais, deduziu oposição a tais execuções, vindo esta a ser julgada improcedente por sentença de 07 de Março de 2016, do Tribunal Administrativo.
Recorre agora de tal sentença, cuja revogação pretende - o pedido de anulação do acto, que formula a final, deve-se a evidente lapso -, imputando-lhe errado julgamento dos fundamentos em que havia sustentado a oposição, como resulta das conclusões da sua alegação de recurso.
Na sua contra-alegação, o exequente bate-se pela manutenção do julgado, rebatendo as teses do recorrente.
São quatro os fundamentos em que assentou a oposição e que o recorrente insiste em fazer vingar, desta feita perante o tribunal de recurso.
O primeiro deles respeita à aventada nulidade da citação para a execução.
Em essência, sustenta o recorrente que a citação, por se tratar de um acto processual de suma importância, está reservada aos tribunais, não podendo ser feita por entidades administrativas. Mas não oferece qualquer apoio legal para essa sua tese, sendo certo que nada, na lei vigente, cauciona o entendimento que pretende fazer vingar. Chama em seu abono um acórdão do Tribunal de Segunda Instância (acórdão de 20 de Março de 2003, Processo n.º 78/2000), que decidiu precisamente em sentido contrário àquele que o recorrente advoga, pois as passagens que dele respiga são transcrições da sentença de primeira instância, que esse acórdão revogou.
Não tem, pois, qualquer razão, sendo manifestamente improcedente a suscitada nulidade da citação, conforme decidido em primeira instância.
Invocou também, como fundamento da oposição, a existência de erro nos pressupostos em que se fundou a liquidação.
Mas a oposição não constitui o meio próprio para reagir contra os vícios da liquidação.
O contribuinte desfruta da garantia de recurso contencioso para reagir contra as ilegalidades da liquidação do imposto de selo, como melhor resulta do artigo 91.º do Regulamento do Imposto de Selo. Não usando dessa prerrogativa, o acto de liquidação firma-se na ordem jurídica, não podendo os respectivos vícios ser escrutinados na fase da execução, como o recorrente pretende. Congruentemente, o Código das Execuções Fiscais não integra nos fundamentos da oposição as ilegalidades da liquidação (cf. artigos 169.º e 176.º) e esclarece, no seu artigo 165.º, que, em caso algum, a oposição poderá versar matéria que, segundo os respectivos regulamentos, deva constituir objecto de reclamação ou recurso contencioso.
Improcede, igualmente, este fundamento, como a sentença recorrida bem decidiu.
Suscitou ainda o recorrente a sua ilegitimidade como executado.
Nesse sentido, assevera que a promessa ou anúncio de aquisição de imóveis que está na base da tributação não foi efectuada em seu nome pessoal, mas em nome da sociedade “Casa XXX, Ld.ª”.
Como já se referiu, as ilegalidades relativas ao acto de liquidação não podem servir de fundamento à oposição, pelo que uma leitura da alínea a) do artigo 169.º que pretenda trazer para o campo da oposição a discussão sobre a veste em que o executado possa ter actuado ao praticar o facto tributário, se em nome próprio, se em nome de outrem, parece votada ao insucesso. O imposto foi liquidado tendo como sujeito passivo o oponente, ora recorrente, sendo ele o devedor e o responsável pelo pagamento, de acordo com o acto tributário, nenhum engano ou discrepância havendo entre o devedor assim identificado nas certidões de relaxe e o executado citado.
Ademais, o documento que serviu de base à liquidação do imposto não deixa quaisquer dúvidas quanto à actuação em nome próprio, na promessa de aquisição efectuada pelo executado.
Soçobra também este fundamento de oposição, como a sentença recorrida bem assinalou.
Por fim, foi esgrimida a duplicação da colecta, como fundamento da oposição, vindo também questionado o julgamento que sobre o assunto foi efectuado em primeira instância.
Deve recordar-se que, nesta matéria, o imposto é devido por quaisquer documentos que sejam fonte de transmissão dos bens, incluindo aqueles, documentos, que titulem a transferência dos poderes de facto de utilização e fruição dos bens. Ora, como bem assinala o exequente, constata-se que, ao invocar a dupla tributação, o oponente, ora recorrente, está a lidar com dois factos tributários diversos, posto que respeitantes aos mesmos bens. Por um lado, a aquisição dos bens por si próprio; por outro, a posterior transmissão desses bens para a sociedade “Casa XXX, Ld.ª”. Porque de dois distintos factos tributários se trata, não podem confundir-se as respectivas colectas e falar-se de dupla tributação. Improcede, pois, este fundamento da oposição e o imputado erro de julgamento.
Em suma, nenhum reparo merece a decisão recorrida, que deve ser integralmente mantida, negando-se provimento ao recurso.»
Cumpre decidir.
***
II – Os Factos
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
«- O executado é sócio da sociedade “Casa XXX, Lda.” (vd. fls. 23 a 32 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
- No dia 3 de Março de 2011, a sociedade “Casa XXX, Lda.”, na qualidade de contribuinte, junto da Direcção dos Serviços de Finanças, efectuou o pagamento dos impostos de selo sobre a transmissão de bens, com referências matriciais: 50649-RC-ARC, 50649-RC-BRC, 50649-RC-CRC, 50649-RC-DRC, 50649-RC-ERC, 50649-01-A1, 50649-01-B1, 50649-01-C1, 50649-02-A2, 50649-02-B2 e 50649-02-C2 (vd. fls. 10 a 20 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
3 - No dia 1 de Agosto de 2013, o pessoal da Direcção dos Serviços de Finanças elaborou várias certidões de cobrança coerciva com os números de referência: 2013-08-900447, 2013-08-900448, 2013-08-900449, 2013-08-900450, 2013-08-900451, 2013-08-900452, 2013-08-900453, 2013-08-900454, 2013-08-900455, 2013-08-900456, 2013-08-900457, 2013-08-900458, 2013-08-900459, 2013-08-900460, 2013-08-900461, 2013-08-900462, 2013-08-900463, 2013-08-900464, 2013-08-900465, 2013-08-900466, 2013-08-900467 e 2013-08-900468, a fim de proceder, junto do executado, à cobrança coerciva dos impostos de selo sobre as transmissões dos bens imóveis com os números de referência matricial: 50649-RC-ARC, 50649-RC-BRC, 50649-RC-CRC, 50649-RC-DRC, 50649-RC-ERC, 50649-01-A1, 50649-01-B1, 50649-01-C1, 50649-02-A2, 50649-02-B2, 50649-02-C2, 70161-05-B5, 73220-01-A1, 73220-01-B1, 73220-02-A2, 73220-02-B2, 73220-03-A3, 73220-03-B3, 73220-04-A4, 73220-04-B4, 22794-14-C14 e 22794-14-D14 (vd. fls. 2 do processo apenso n.º 2013-08-900447-00, fls. 2 do processo apenso n.º 2013-08-900448-00, fls. 2 do processo apenso n.º 2013-08-900449-00, fls. 2 do processo apenso n.º 2013-08-900450-00, fls. 2 do processo apenso n.º 2013-08-900451-00, fls. 2 do processo apenso n.º 2013-08-900452-00, fls. 2 do processo apenso n.º 2013-08-900453-00, fls. 2 do processo apenso n.º 2013-08-900454-00, fls. 2 do processo apenso n.º 2013-08-900455-00, fls. 2 do processo apenso n.º 2013-08-900456-00, fls. 2 do processo apenso n.º 2013-08-900457-00, fls. 2 do processo apenso n.º 2013-08-900458-00, fls. 2 do processo apenso n.º 2013-08-900459-00, fls. 2 do processo apenso n.º 2013-08-900460-00, fls. 2 do processo apenso n.º 2013-08-900461-00, fls. 2 do processo apenso n.º 2013-08-900462-00, fls. 2 do processo apenso n.º 2013-08-900463-00, fls. 2 do processo apenso n.º 2013-08-900464-00, fls. 2 do processo apenso n.º 2013-08-900465-00, fls. 2 do processo apenso n.º 2013-08-900466-00, fls. 2 do processo apenso n.º 2013-08-900467-00, fls. 2 do processo apenso n.º 2013-08-900468-00, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos).
4 - No dia 1 de Novembro de 2014, através do Corpo de Polícia de Segurança Pública, o executado recebeu a cópia do certificado de dívida e a citação legal emitidas pela Repartição das Execuções Fiscais, da Direcção dos Serviços de Finanças (vd. fls. 8 do processo apenso n.º 2013-08-900447-00, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
5 - No dia 11 de Novembro de 2014, o executado, através do mandatário judicial, por simples requerimento, apresentou a oposição contra às supracitadas execuções (vd. fls. 2 a 21 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)».
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III – O Direito
A sentença ora impugnada, na parte que aqui interessa destacar, apresenta o seguinte teor:
«1. Nulidade do acto de citação
Alega o executado que o acto de citação compete exclusivamente ao órgão judicial, bem como, a Repartição das Execuções Fiscais procedeu à citação edital sem fazer diligências sobre o seu endereço de contacto, pelo que exige ao presente Tribunal que seja decretado nulo o acto de citação e julgada procedente a oposição à execução, ao abrigo do art.º 169.º, al. e) do Código das Execuções Fiscais.
Quanto ao litígio resultante das relações jurídicas da nova lei fiscal, a «Lei de Bases da Organização Judiciária» aprovada pela Lei n.º 9/1999, de 20 de Dezembro, dispõe no seu art.º o seguinte:
“Artigo 30.º - Tribunal Administrativo
1. O Tribunal Administrativo é competente para dirimir litígios emergentes de relações jurídicas administrativas, fiscais e aduaneiras.
2. No âmbito do contencioso administrativo, e sem prejuízo da competência do Tribunal de Segunda Instância, compete ao Tribunal Administrativo conhecer:
... ...
6) Dos recursos dos actos praticados pela entidade competente dos serviços da administração fiscal nos processos de execução fiscal;
7) Dos embargos, oposição à execução, verificação e graduação de créditos, anulação de venda e de todos os incidentes da instância previstos na lei de processo que se suscitem nos processos de execução fiscal;
... ...” Nos termos do supracitado artigo, n.º 3, als. 6) e 7), podemos verificar que compete exclusivamente ao Tribunal Administrativo apreciar os recursos dos actos praticados nos processos de execução fiscal, os embargos, oposição à execução, verificação e graduação de créditos, anulação de venda e de todos os incidentes da instância previstos na lei de processo que se suscitem nos processos de execução fiscal. E quanto à citação do executado feita no processo de execução fiscal, a «Lei de Bases da Organização Judiciária» não dispõe expressamente que tal acto processual deve ser praticado pelo órgão judicial. Além disso, o D.L n.º 30/99/M de 5 de Julho que entrou em vigor mais cedo em relação à supracitada lei, vem regular a organização e funcionamento da Direcção dos Serviços de Finanças, segundo esse decreto-lei, uma das finalidades da criação desse é a transferência expressa do processo de execução fiscal que na altura era exercido pelo Tribunal Administrativo, para a Direcção dos Serviços de Finanças (vd. o prefacio1 e os art.ºs 37.º-2 a 41.º do referido decreto-lei), em conjugação com o art.º 29.º do mesmo decreto-lei: “À Repartição das Execuções Fiscais compete a prática de todos os actos de execução fiscal, que não sejam da competência do tribunal, previstos no Código das Execuções Fiscais, aprovado pelo Decreto n.º 38.088, de 12 de Dezembro de 1950.”, daí pode-se deduzir que pelo legislador são atribuídas à autoridade administrativa fiscal - Repartição das Execuções Fiscais as competências para tratamento do processo de execução de fiscal, bem como para praticar todos os actos que competem ao tribunal nos processos de execução fiscal, daí conclui-se que, evidentemente, não procede a alegação do executado de que é nulo o acto de citação praticado pela autoridade administrativa por ser fora das competências.
Quanto ao que alega o executado que recebeu a primeira notificação dos autos de execução, através da citação edital, por um lado, segundo os elementos constantes dos autos, provou-se que a notificação do executado foi feita pela Repartição das Execuções Fiscais através do auxílio prestado pelo CPSP, mas não foi feita através do edital; por outro lado, segundo os dados constantes dos autos, também se provou que a Repartição das Execuções Fiscais não fez nenhuma diligência tendo solicitado auxílio junto do CPSP para proceder à citação do executado, mas não procedeu à citação dele através dos Correios ou contacto directo (modalidade da citação prevista no art.º 180.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil), quanto a isso, consideramos que a respectiva circunstância não é igual ao uso errado de citação edital ou à falta de citação, e o executado, por sua vez, também não consegue indicar claramente qual o prejuízo que ele sofre pela citação dele através do auxílio prestado pelo CPSP, e ele, também tempestivamente interveio no processo, tendo apresentado a oposição, pelo que, a dita irregularidade não constitui a nulidade prevista nos art.ºs 62.º, 63.º, 65.º e 66.º do Código das Execuções Fiscais; e/ou contraria o disposto no art.º 169.º, al. c) do mesmo código.
Pelo que, este Tribunal julga improcedente tal razão da oposição à execução.
*
2. Anulabilidade do acto de fixação por violação da lei
Alega o executado que os acordos ora objectos do acto de liquidação não são contratos-promessa de compra e venda, considerando que o acto de fixação incorreu em erro nos pressupostos de facto e de direito, por falta de matéria colectável devendo ser anulado.
Face às razões invocadas no pedido de oposição à execução, é de salientar que, quanto ao regime jurídico aplicado actualmente à execução fiscal, é aplicável ainda o Código das Execuções Fiscais (publicado em 6/1/1951), aprovado pelo D.L n.º 38.088, de 12 de Dezembro de 1950.3
O supracitado código dispõe nos seus art.ºs 165.º, 169.º e 176.º os seguintes:4
«Art.º 165.º A oposição só pode ter os fundamentos previstos por este código.
Em caso algum poderá versar matéria que, segundo os respectivos regulamentos, deva constituir objecto de reclamação ou recurso contencioso.
§ 1.º Se a oposição não tiver por fundamento qualquer dos mencionados nos números dos artigos 169.º e 176.º e se não for acompanhada dos documentos de prova ou indicação de testemunhas, será logo rejeitada in limine pelo juiz, que mandará prosseguir na execução.
... ...
Art.º 169.º A oposição por simples requerimento só pode ter alguns dos fundamentos seguintes:
a) Ilegitimidade da pessoa citada, por esta não ser o próprio devedor nem o responsável pelo pagamento da dívida exequenda, seja qual for a sua proveniência;
b) Pagamento da dívida exequenda ou sua anulação devidamente comprovada;
c) Prescrição da dívida exequenda;
d) Duplicação de colecta por, estando paga por inteiro uma contribuição ou imposto, se exigir, da mesma ou de diferente pessoa, uma outra de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo;
e) Falta ou nulidade de primeira citação para a execução, quando o executado não tenha intervindo no processo.
§ 1.º O fundamento da alínea d) deste artigo só é admissível se o executado o não tiver anteriormente invocado em qualquer recurso, e, da mesma forma, não poderá ser invocado em recurso se anteriormente tiver sido alegado em oposição à execução.
§ 2.º Para observância do disposto no parágrafo anterior, o secretário de Fazenda dará, por escrito, a sua informação, que será junta aos autos.
Art.º 176.º Além dos fundamentos mencionados no artigo 169.º a oposição por meio de embargo poderá ter mais os seguintes:
1.º Ilegalidade da contribuição lançada ao executado, por essa espécie de contribuição não existir nas leis em vigor ou por não estar autorizada a sua cobrança na lei orçamental;
2.º Falsidade do documento que servir de base à execução;
3.º Litígio pendente ou instaurado depois da penhora acerca dos bens penhorados;
4.º Não pertencerem ao executado os bens penhorados.»
Embora nas disposições legais acima indicadas tenha sido fixado o “princípio de enumeração taxativa”, face às razões de oposição à execução fiscal, com a evolução da sociedade e do direito, a fim de assegurar que possa o particular ter uma plena protecção judicial, a jurisprudência já indicou que as razões de oposição à execução fiscal não devem ser restritas nas situações previstas nos art.ºs 165.º, 169.º e 176.º do Código das Execuções Fiscais, no sentido de se concretizar o “princípio da plenitude da garantia da via judiciária”.5
Certamente, perante os pressupostos que se tome em consideração o princípio da plenitude da garantia da via judiciária, as razões de oposição à execução fiscal também não são ilimitadas. In casu, evidentemente, as razões de oposição invocadas pelo executado não reúnem qualquer uma das situações previstas nos art.ºs 169.º e 176.º do Código das Execuções Fiscais, mesmo que seja provado que o acto de fixação (até ao acto de liquidação como base título executivo) padece de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito tal como alegado pelo executado, daí só pode resultar a anulabilidade de tal acto mas não a nulidade (vd. art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo). Quanto ao acto administrativo anulável, já se estipulam na lei o processo pelo qual se deduz a impugnação (incluindo a reclamação, recurso administrativo e contencioso) e seu prazo. Se for admitida a alegação de que o acto padece de vício de anulabilidade e se a oposição tiver tal alegação como fundamento, então todos os processos e prazos previstos na lei quanto aos recursos já não fazem sentido. Por isso o vício que conduza à anulabilidade do acto não pode servir do fundamento de oposição à execução fiscal resultante de tal acto, isso também corresponde ao disposto no art.º 165.º do Código das Execuções Fiscais (parte primeira). Em suma, não pode o executado, neste momento, deduzir a impugnação que se deva deduzir na fase de impugnação administrativa ou na fase de recurso contencioso.
Pelo que este Tribunal julga improcedente tal razão da oposição à execução.
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3. Ilegitimidade do executado
Alega o executado que celebrou os acordos ora objectos de fixação não em nome pessoal mas sim em nome da sociedade “Casa XXX, Lda.”, pelo que considera que não tem legitimidade de ser executado.
Em primeiro lugar, face aos acordos indicados pelo executado, a autoridade administrativa fiscal fixou o valor e os analisou, de tal modo a reconhecer que os acordos estavam sujeitos ao pagamento de imposto de selo e que o executado era sujeito passivo, procedendo assim à liquidação, sendo isso um acto administrativo independente, contudo, tal como foi indicado no texto, não pode o executado, no processo de execução fiscal, alegar que o acto de fixação e o de liquidação padecem eventualmente de vício de violação de lei que conduza à anulabilidade servindo isso fundamento para a oposição à execução fiscal; além disso, conforme constam das certidões de cobrança coerciva, nelas indica-se igualmente que o executado é devedor.
E para além do documento constante de fls. 9 dos autos, o executado não apresentou qualquer elemento que justificasse como sujeita passiva a sociedade “Casa XXX, Lda.”, pelo que, deve-se julgar improcedente tal alegação feita pelo executado de que o processo de execução viola o disposto no art.º 169.º, al. a) do Código das Execuções Fiscais.
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4. Dupla tributação do acto de liquidação
Alega o executado que a sociedade “Casa XXX, Lda.” já efectuou o pagamento do imposto de selo sobre as transmissões de bens imóveis com os números de referência matricia1 50649-RC-ARC, 50649-RC-BRC, 50649-RC-CRC, 50649-RC-DRC, 50649-RC-ERC, 50649-01-Al, 50649-01-Bl, 50649-01-Cl, 50649-02-A2, 50649-02-B2 e 50649-02-C2, considerando assim que a cobrança coerciva dos respectivos impostos constitui dupla tributação.
De acordo com os dados constantes dos autos, as certidões de cobrança coerciva emitidas pela Direcção dos Serviços de Finanças têm a ver com os impostos de selo liquidados pela aquisição dos 22 bens imóveis com números de referência matricial; 50649-RC-ARC, 50649-RC-BRC, 50649-RC-CRC, 50649-RC-DRC, 50649-RC-ERC, 50649-01-Al, 50649-01-B1, 50649-01-C1, 50649-02-A2, 50649-02-B2, 50649-02-C2, 70161-05-B5, 73220-01-A1, 73220-01-B1, 73220-02-A2, 73220-02-B2, 73220-03-A3, 73220-03-B3, 73220-04-A4, 73220-04-B4, 22794-14-C14 e 22794-14-D14, entre os quais, mesmo que a sociedade “Casa XXX, Lda.” tenha efectuado o pagamento dos impostos de selo liquidados pela aquisição dos 11 bens imóveis, como não são iguais os sujeitos passivos e o executado, por sua vez, também não consegue provar que são iguais as matérias colectadas (os supracitados actos de transmissão de bens imóveis), conclui-se que não se verifica a dupla tributação prevista no art.º 169.º, al. d) do Código das Execuções Fiscais, pelo que, deve-se julgar improcedente tal razão de oposição à execução fiscal.».
*
2 – A sentença acabada de transcrever - no que, por outras palavras, corresponde ao ponto de vista do digno Magistrado do MP no seu parecer de fls. 175/177, e que para o mesmo fim, também aqui fazemos acolhemos - merece o nosso aplauso, pelo que a fazemos nossa na íntegra, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 5, do art. 631º do CPC.
Acrescentamos apenas que, quanto aos pontos 2 e 3 da sentença transcrita, a posição que eles veiculam é a que vem sendo seguida no direito comparado (assim, v.g., Acs. do STA de 29/10/2008, Proc. nº 0272/08, de 22/03/2011, Proc. nº 0749/10, de 16/12/2015, Proc. nº 0787/14, de 18/05/2016, Proc. nº 01076/15).
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IV - Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso jurisdicional, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça em 8 UC.
TSI, 10 de Novembro de 2016
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong

Fui presente
Mai Man Ieng
1 Indica-se no prefácio do D.L n.º 30/99/M, de 5 de Julho que “...a transferência das Execuções Fiscais para a Direcção dos Serviços de Finanças, vem responsabilizar os órgãos da administração tributária pela prática dos actos que embora materialmente administrativos, fazem parte do processo de execução fiscal, justificando o recurso a pessoal especializado”.
2 O art.º 37.º do D.L n.º 30/99/M tem a mesma disposição com o art.º 30.º, n.º 3, al. 6) da «Lei de Bases da Organização Judiciária», aprovada pela Lei n.º 9/1999, artigo esse posteriormente foi revogado pelo art.º 83.º da «Lei de Bases da Organização Judiciária», em consonância com as competências judiciais fixadas pela mesma Lei de Bases, nomeadamente quanto às competências nos processos de execução fiscal.
3 Vd. Acórdãos proferidos pelo presente Tribunal em 6/10/2014 no processo n.º 105/14-EF, em 25/9/2015 no processo n.º 112/15-EF, em 16/10/2015 no processo n.º 115/15-EF, bem como em 3/12/2015 no processo n.º 117/15-EF:
“...A Lei de Reunificação, de 20 de Dezembro, dispõe no seu art.º 4. n.º 1, al. 8) que: as normas legais que contenham remissões para legislação portuguesa, desde que não ponham em causa a soberania da República Popular da China e não violem o disposto na Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, podem, transitoriamente, antes da sua alteração pela Região Administrativa Especial de Macau, continuar a ser aplicadas na Região Administrativa Especial de Macau.”
Por outro lado, o D.L n.º 30/99/M, de 5 de Julho dispõe que: “À Repartição das Execuções Fiscais compete a prática de todos os actos de execução fiscal, que não sejam da competência do tribunal, previstos no Código das Execuções Fiscais, aprovado pelo Decreto n.º 38.088, de 12 de Dezembro de 1950.”
E a «Lei de Bases da Organização Judiciária», de 20 de Dezembro, dispõe no seu art.º 30.º quanto às competências do Tribunal Administrativo que: “No âmbito do contencioso fiscal, e sem prejuízo da competência do Tribunal de Segunda instância, compete ao Tribunal Administrativo conhecer: ... 6) Dos recursos dos actos praticados pela entidade competente dos serviços da administração fiscal nos processos de execução fiscal; 7) Dos embargos, oposição à execução, verificação e graduação de créditos, anulação de venda e de todos os incidentes da instância previstos na lei de processo que se suscitem nos processos de execução fiscal; ...” (art.º 30.º, n.º 3, al. 6) e 7).
Sintetizados os supracitados dispositivos, embora o Código das Execuções Fiscais seja uma lei portuguesa publicada antes da reunificação, as matérias por si reguladas não prejudicam a soberania da RPC nem contrária o disposto na «Lei Básica da RAEM», tanto a Repartição das Execuções Fiscais como o tribunal competente na execução fiscal, podem ainda aplicar os respectivos dispositivos do Código das Execuções Fiscais nos processos de execução fiscal, para servir duma disposição transitória...”
4 A versão chinesa seguinte foi traduzida por nós:
… … (vd. versão portuguesa no texto)

5 Vd. Acórdãos proferidos pelo Tribunal de Segunda Instância de Macau em 4/12/2003 no processo n.º 94/2003, em 4/12/2003 no processo n.º 13/2003 e em 30/11/2006 no processo n.º 527/2006.
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458/2016 25