Processo nº 541/2016/A
(Autos de Suspensão de Eficácia)
Data: 10 de Novembro de 2016
ASSUNTO:
- Suspensão de eficácia
- Declaração da caducidade da concessão do terreno
- Interesses de terceiros
SUMÁRIOS:
- Só há lugar à suspensão de eficácia quando os actos tenham conteúdo positivo, ou tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente.
- Além disso, é necessário verificar-se ainda, cumulativamente (salvo os casos excepcionais previstos nos n.ºs 3 e 4 do artº 121º do CPAC), os seguintes requisitos:
“a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.” (nº 1 do artº 121º do CPAC).
- Não se afigura a declaração da caducidade preclusiva prevista na nova Lei de Terra ser um acto pura e simplesmente negativo, pelos menos na parte em que pode implicar a devolução do terreno e a perda, a favor da RAEM, as benfeitorias incorporadas no terreno, bem como a inexistência de direito a qualquer indemnização ou compensação por parte do concessionário (cfr. artºs 168º, nº 1 e 179º, nº 1, ambos da nova Lei de Terras).
- O Requerente não tem legitimidade para defender os interesses de terceiros no procedimento cautelar e requerer consequentemente a respectiva suspensão de eficácia do acto com base nos mesmos.
O Relator,
Ho Wai Neng
Processo nº 541/2016/A
(Autos de Suspensão de Eficácia)
Data: 10 de Novembro de 2016
Requerente: A
Entidade Requerida: O Chefe do Executivo da RAEM
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
A, melhor identificado nos autos, vem requerer a suspensão da eficácia do acto do Chefe do Executivo da RAEM, de 26/04/2016, que declarou a caducidade parcial da concessão do terreno descrito na CRP sob o nº. ... a fls. … do livro …, situado na ilha da Taipa, entre….
Alega para tanto, no essencial, que a execução deste acto lhe causará prejuízos de difícil reparação; a suspensão da execução não acarreta qualquer prejuízo para o interesse público; e inexistem indícios de ilegalidade na interposição do recurso contencioso.
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O Senhor O Chefe do Executivo da RAEM vem opor à pretensão do Requerente, por entender o acto em crise é insusceptível de suspensão de eficácia, bem como o pedido em si não preencher os requisitos legais previstos no nº 1 do artº 121º do CPAC.
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O Mº Pº é de parecer pela improcedência do pedido.
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II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
O Tribunal é o competente.
As partes possuem a personalidade e a capacidade judiciárias.
Mostram-se legítimas e regularmente patrocinadas.
Não há questões prévias, nulidades ou outras excepções que obstam ao conhecimento do mérito da causa.
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III - FACTOS PROVADOS
Com base nos documentos juntos aos autos, considera-se assente a seguinte factualidade com interesse à boa decisão da causa:
1. Através do ofício 240/DAT /2016, o Requerente foi notificado do Despacho do Chefe do Executivo 26/04/2016, que declarou a caducidade da concessão do terreno correspondente às parcelas demarcadas e assinaladas com as letras B, C, D1, D2, e E na planta cadastral n.º 29/1989, com a área de, respectivamente, 2,869m2, 3,304m2, 152m2, 1,233m2 e 32m2, que faz parte integrante do Lote …, e do qual deve ser desanexado, descrito na CRP sob o n.º ... a fls. … do Livro …, situado na ilha da Taipa, entre…, de que A é titular, pelo decurso do prazo de validade, a que se refere o Processo n.º 54/2015 da Comissão de Terras, nos termos e fundamentos do parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 15/02/2016, os quais fazem parte integrante do referido despacho.
2. Em 14/07/2016 o Requerente impugnou o despacho do Chefe do Executivo.
3. Na parcela E foi construído um posto de transformação eléctrica para fornecimento de electricidade aos residentes da vila da Taipa, onde se incluem as 14 moradias unifamiliares edificadas no terreno concessionado.
4. De acordo com os projectos aprovados, este posto de transformação era provisório, devendo ser substituído por um posto de transformação definitivo concluída a construção das restantes moradias, dos equipamentos sociais de apoio aos moradores (piscina, campo de ténis e instalações de apoio) e da ligação final de todas estas infra-estruturas à rede geral de energia e iluminação pública.
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IV – FUNDAMENTAÇÃO
1. Da excepção da insusceptibilidade da suspensão de eficácia do acto:
A Entidade Requerida suscitou a questão da insusceptibilidade da suspensão de eficácia do acto, por o mesmo ser um acto meramente negativo.
Quid iuris?
Como é sabido, a nova Lei de Terra prevê duas situações da caducidade da concessão dos terrenos urbanos:
1- A falta de aproveitamento dentro do prazo fixado (cfr. artº 166º da Lei nº 10/2013); e
2- O termo do prazo da concessão provisória sem esta ter sido convertida em definitiva (cfr. artºs 48º, nº 1 e 52º, todos da Lei nº 10/2013).
Para a primeira situação, a Lei de Terra permite, a requerimento do concessionário, a suspensão ou prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno sob autorização do Chefe do Executivo, por motivo não imputável ao concessionário e que o Chefe do Executivo considere justificativo (nº 5 do artº 104º da Lei nº 10/2013).
Ou seja, a falta de aproveitamento dentro do prazo fixado não implica necessariamente a caducidade da concessão. Para o efeito, a Administração tem de analisar e valorar se existir algum comportamento culposo do concessionário. Verifica-se, portanto, uma declaração de vontade por parte da Administração nesta espécie da caducidade da concessão.
O que já não acontece para a segunda situação, pois o legislador não prevê outra alternativa para além da caducidade da concessão provisória.
Isto é, uma vez decorrido o prazo da concessão provisória do terreno sem esta ter sido convertida em definitiva, independentemente havendo ou não culpa do concessionário ou prévia declaração da caducidade com fundamento na falta de aproveitamento do terreno dentro do prazo fixado, verifica-se sempre a caducidade da concessão provisória.
Aqui, a Administração, para declarar a caducidade da concessão provisória, não precisa de analisar e valorar se existir algum comportamento negativo do concessionário.
É a chamada caducidade-preclusão (ou caducidade preclusiva), que depende somente dum facto objectivo simples, que é justamente o decurso do prazo legal ou contratualmente estabelecido.
No mesmo sentido, veja-se os acórdãos deste Tribunal, de 08.06.2016 e de 07.07.2016, proferido, respectivamente nos Procs. nºs 179/2016/A e 434/2015.
No caso em apreço, a declaração da caducidade funda-se no termo do prazo da concessão provisória sem esta ter sido convertida em definitiva, pelo que o seu efeito imediato não é susceptível de suspensão de eficácia, por ser uma caducidade preclusiva, não tendo portanto a natureza constitutiva, mas sim meramente declarativa.
No entanto, a declaração da caducidade preclusiva prevista na nova Lei de Terra parece não ser pura e simplesmente negativa, visto que determina também a perda, a favor da RAEM, as benfeitorias incorporadas no terreno, bem como a inexistência de direito a qualquer indemnização ou compensação por parte do concessionário (cfr. artº 168º, nº 1, da nova Lei de Terras).
Além disso, ela pode implicar a devolução do terreno, o que até resulta expressamente da cláusula 13ª, nº 4 do contrato de concessão em causa e do nº 1 do artº 179º da nova Lei de Terra, matéria, aliás, também invocada pelo Requerente.
Nesta parte, verifica-se a sua vertente positiva, que é susceptível de suspensão de eficácia nos termos legais.
Como o pedido da suspensão de eficácia do Requerente abrange esta parte positiva, pelo que é de julgar improcedente a excepção da insusceptibilidade da suspensão de eficácia suscitada pela Entidade Requerida.
2. Do mérito do pedido da suspensão de eficácia:
Para a procedência do pedido da suspensão de eficácia, não basta ser um acto positivo, ou sendo negativo, com conteúdo positivo.
É ainda necessário ainda reunir outros requisitos legais, a saber:
“a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultam fortes indícios de ilegalidade do recurso.” (nº 1 do artº 121º do CPAC).
Tais requisitos devem verificar-se cumulativamente para que o requerimento seja procedente (Acórdãos do Tribunal de Última Instância, de 25.4.2001, recurso 6/2001, do Tribunal de Segunda Instância, de 22.2.2001, recurso 30-A/2001, e do Supremo Tribunal Administrativo de Portugal, de 1.7.2003, recurso 975/03), salvo os casos excepcionais previstos nos n.ºs 3 e 4 do artº 121º do CPAC.
Em relação ao requisito da inexistência de fortes indícios de ilegalidade do recurso, entendemos que está verificado, na medida em que a interposição do recurso contencioso por parte do Requerente contra o acto em crise é uma actuação legal e legítima, consistindo no exercício de um direito fundamental previsto no artº 36º da Lei Básica da RAEM.
Não nos parece que a suspensão da eficácia do acto cause grave prejuízo para o interesse público concretamente prosseguido pelo acto. Aliás, nos termos do nº 1 do artº 129º do CPAC, tal requisito considera-se verificado face à falta da sua alegação por parte da Entidade Requerida.
No que respeita ao requisito constante da citada alínea a) do nº 1 do artº 121º do CPAC, o Requerente, para sustentar a sua posição, alegou essencialmente o seguinte:
- A obrigação do concessionário deixar livre e desocupado o terreno implica o levantamento de todos os equipamentos usados para a execução das obras tendentes ao aproveitamento do terreno concessionado e a demolição das estruturas provisórias executadas.
- Na parcela E foi construído um posto de transformação eléctrica para fornecimento de electricidade aos residentes da vila da Taipa, onde se incluem as 14 moradias unifamiliares edificadas no terreno concessionado.
- De acordo com os projectos aprovados, este posto de transformação era provisório, devendo ser substituído por um posto de transformação definitivo concluída a construção das restantes moradias, dos equipamentos sociais de apoio aos moradores (piscina, campo de ténis e instalações de apoio) e da ligação final de todas estas infra-estruturas à rede geral de energia e iluminação pública.
- Assim, a reversão da parcela "E", livre de quaisquer ónus ou encargos para a RAEM, como determinado no acto recorrido, implica que o concessionário proceda à demolição do referido posto, o que provocará, necessariamente, a interrupção do fornecimento de electricidade, prejudicando grave e irreversivelmente o interesse público durante o período de tempo mais ou menos longo que demorará o licenciamento a construção de uma nova subestação da Companhia de Electricidade de Macau em local apropriado a conceder para o efeito.
- Nesta conformidade, a caducidade da concessão e a desocupação do terreno concessionado provocará graves danos na sua esfera jurídica, de difícil reparação, se não mesmo completamente irreparáveis, como o bom senso determina num caso em que os moradores ficam, por tempo indeterminado, sem fornecimento de energia eléctrica.
- Além disso, a execução imediata do acto também põe em causa o "direito à saúde e qualidade de vida" dos moradores em referência, na medida em que não podem gozar as infra-estruturas de lazer (piscina e campo de ténis, a construir na parcela B conforme o contrato de concessão).
Como se deve notar que o Requerente não alegou qualquer prejuízo de difícil reparação próprio, mas sim prejuízos de terceiros.
Ora, sendo interesses de terceiros, o Requerente não tem legitimidade para os defender no presente procedimento cautelar e requerer consequentemente a respectiva suspensão de eficácia do acto com base nos mesmos.
No mesmo sentido, veja-se o Ac. do TUI, de 01/11/2016, proferido no Proc. nº 55/2016.
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V - DECISÃO
Por tudo o exposto, acordam, em conferência, em indeferir o pedido de suspensão da eficácia do despacho do Senhor Chefe do Executivo, de 26/04/2016, pelo qual se declarou a caducidade da concessão do terreno.
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Custas pelo Requerente com 8UC de taxa de justiça.
Registe e notifique.
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RAEM, aos 10 de Novembro de 2016.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Fui presente
Mai Man Ieng
11
541/2016/A