Processo nº 719/2015
(Revisão de Sentença do Exterior)
Relator : João Gil de Oliveira
Data: 17/Novembro/2016
Assuntos:
- Revisão de Sentença do Exterior
SUMÁRIO :
É de confirmar uma sentença proferida por Tribunal da República das Filipinas, relativa à declaração de um casamento tornado nulo por incapacidade psicológiga, sendo que, ainda com um regime diferente, também na nossa ordem jurídica não se deixa de admitir a invalidade do casamento baseada em vício da vontade de um ou de ambos os nubentes, comprovada a autenticidade e inteligibilidade da decisão revidenda, não se tratando de matéria da competência exclusiva dos Tribunais de Macau e não se vendo em que tal confirmação possa ofender os princípios de ordem pública interna.
O Relator,
João A.G. Gil de Oliveira
Processo n.º 719/2015
(Revisão de Sentença do Exterior)
Data : 17/Novembro/2016
Requerente : A
Requerido : B
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – RELATÓRIO
A, casada, de nacionalidade filipina, mais bem identificada nos autos, vem nos termos dos artigos 1199º e seguintes do C.P.Civil propor ACÇÃO DE REVISÃO DE DECISÃO PROFERIDA POR TRIBUNAL DO EXTERIOR DE MACAU contra,
B, também ela aí mais bem identificado,
o que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:
1º
A Requerente apresentou no Tribunal Regional da República das Filipinas, 3ª Região Judiciária, Secção 67, Paniqui, Tarlac, uma petição de declaração de anulação de casamento contra o Requerido, baseada na incapacidade psicológica do Requerido ao abrigo do artigo 36º do Novo Código da Família das Filipinas, caso autuado sob o n.º 317-10.
2º
O Requerido foi devidamente notificado, mas não contestou.
3º
Foi conduzido um diagnóstico de avaliação da relação marital das partes, consistindo numa profunda entrevista clínica e teste psicológico para avaliar a capacidade ou incapacidade dos cônjuges no contexto marital.
4º
Após uma cuidadosa avaliação das provas apresentadas, o referido Tribunal declarou o casamento de C e B celebrado em 17 de Outubro de 1997, nulo por razão de incapacidade psicológica por parte do último ao abrigo do artigo 36 em relação ao Artigo 68, ambos do Novo Código da Família das Filipinas. (Doc. n.º 1)
5º
Sendo que foi igualmente decretado pelo mesmo Tribunal que o filho menor das partes D manter-se-ia sob a custódia da Requerente sem prejuízo dos direitos de visita do Requerido.
6º
A referida decisão transitou em julgado 15 dias após a notificação a todas as partes,
7º
Aliás, a Requerente, actualmente já voltou a casar novamente, agora em Macau, em 29/10/2013, com E, com convenção antenupcial, sob o regime da comunhão de adquiridos, tendo adoptado o nome do marido "E". (Cópia da certidão narrativa de registo de casamento, protestando juntar certidão da convenção antenupcial) (Doc. n.º 2)
8º
Necessitando de regularizar a sua situação relativamente ao seu filho que ficou ao seu cuidado.
9º
A sentença revidenda é autêntica e inteligível e transitou em julgado.
10º
Provém de tribunal competente e não versa matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
11º
Do mesmo modo não contraria os princípios de ordem pública de Macau.
12º
E não se verificam excepções de litispendência e de caso julgado;
13º
Estão, assim, preenchidos todos os requisitos previstos no artigo 1200º do C. P. Civil, para confirmação da decisão em questão.
Nestes termos e nos mais de direito, e sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve ser revista e confirmada a decisão de 2 de Junho de 2011 e que decretou o casamento de C e B celebrado em 17 de Outubro de 1997, nulo, e ainda que que o filho das partes D manter-se-ia sob a custódia da Requerente sem prejuízo dos direitos de visita do Requerido, para produzir em Macau todos os seus efeitos.
Para tanto,
Requer, muito respeitosamente, a V. Exas. que se dignem deferir o prosseguimento dos posteriores termos.
Foi oportunamente citado o requerido que não deduziu qualquer oposição.
O Digno Magistrado do Ministério Público pronuncia-se no sentido de não vislumbrar obstáculo à revisão em causa.
Foram colhidos os vistos legais.
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
O Tribunal é o competente internacionalmente, em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária, dispondo de legitimidade ad causam.
Inexistem quaisquer outras excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer.
III - FACTOS
Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:
Relativamente ao processo de divórcio que correu seus termos no Tribunal Regional da República das Filipinas, 3ª Região Judiciária, Secção 67, Paniqui, Tarlac, aí foi proferida decisão judicial por sentença em 2 de Junho de 2011 e que entrou em vigor 15 dias após a notificação a todas as partes, cujo teor do acórdão e certidões aqui se dá integralmente por reproduzido e cuja tradução é a seguinte:
“Consulado Geral da República
das Filipinas
R. A. E. de Macau
CERTIFICADO DE AUTENTICAÇÃO
Eu, F, Cônsul Geral da República das Filipinas na R. A. E. de Macau, devidamente comissionado e qualificado, certifico que G, cuja assinatura e selo estão afixados na Decisão no Caso Civil No. 317-10 para: Declaração de Anulação de Casamento requerida por C contra B, era à data em que assinou o documento em 18 de Março de 2013, um Funcionário de Autenticação, Departamento dos Negócios Estrangeiros, e creio verdadeiramente que a sua assinatura aí afixada é genuína.
O Consulado Geral não assume responsabilidade pelo conteúdo do documento em anexo.
Em testemunho disso, assinei o meu nome e afixei o selo branco do Consulado Geral da República das Filipinas na R. A. E. de Macau, neste dia 15 de Abril de 2013.
(assinatura ilegível)
F
Cônsul Geral
Doc. N° 1948
Serviço N° 12188-2013
O. R. N° 5950508
Série de 2013
Livro N° 3
Página N° 306
Emolumentos MOP220
Anexos :
- Decisão no Caso Civil N.º 317-10 para : Declaração de Anulação de Casamemto , Requerida por C contra B
-Certificado de Autenticação do Departamento dos Negócios Estrangeiros, Manila xxx
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*
REPÚBLICA DAS FILIPINAS
TRIBUNAL REGIONAL
3ª REGIÃO JUDICIÁRIA
SECÇÃO 67
PANIQUI, TARLAC
C
Autora
- contra –
B Caso Civil No. 317-10
Réu Para: Declaração de
Anulação de Casamento
DECISÃO
Isto é uma petição apresentada pela autora C contra o réu B para Declaração de Anulação de Casamento baseada na incapacidade psicológica do réu ao abrigo do Artigo 36 do Novo Código da Família das Filipinas.
Uma notificação, juntamente com uma cópia da Petição e os seus anexos, foi entregue ao réu. (Docs. A, B e C) Ele não apresentou uma resposta ou quaisquer alegações de resposta. O Gabinete do Procurador Geral registou a sua presença e delegou o Gabinete do Procurador Regional de Tarlac para representar o Estado neste processo (Docs. D e D-1). O tribunal emitiu uma Ordem direccionando o Gabinete do Procurador Regional para conduzir uma investigação para determinar se existe ou não conflito entre as partes na instauração deste caso. (Doc. E) O Procurador H, que está destacado neste Tribunal, apresentou um Relatório declarando que não há conflito entre as partes na instauração deste caso. Assim, ele compareceu nas fases de PréJulgamento e Julgamento deste caso em representação do Estado. O réu não apareceu apesar do devido aviso. O Dr. I, advogado da autora, apresentou a autora que identificou alguns documentos, incluindo a sua Declaração Ajuramentada (Doc. I). A Sra. J e a Psicóloga K estavam presentes para corroborar O testemunho da autora. O Relatório de Avaliação Psicológica (Doc. L) da Dra. K foi também apresentado para apoio da petição. O Procurador H aceitou as suas qualificações como perita para provar a incapacidade do réu no contesto marital. Não foi apresentada qualquer prova pelo Estado.
A partir do testemunho e provas documentais apresentados, foram estabelecidos os seguintes factos:
A autora e o réu neste caso casaram em 28 de Junho de 1997 em Dasmaririas, Cavite (Doc. J). A sua união foi abençoada com dois (2) filhos: D que nasceu em 17 de Outubro de 1997 e L que nasceu em 12 de Maio de 2002. (Doc. K e K-1) Não celebraram nenhum contrato pré-nupcial e não adquiriram nenhuns bens, móveis ou imóveis, de valor substancial. Não incorreram em nenhumas dívidas conjugais. No entanto, a autora desconhecia que na altura da celebração do seu matrimónio o réu era psicologicamente incapacitado para cumprir com as suas essenciais obrigações maritais. Foi apenas durante a sua coabitação como marido e mulher que ela se apercebeu da verdadeira natureza da personalidade do seu marido.
As partes conheceram-se quando se tornaram colegas de liceu em 1994 e durante esse ano escolar começaram a namorar. Depois de concluírem o curso liceal, o réu encontrou a autora uma a três vezes por mês mas nunca fez nenhum genuíno esforço para estabelecer uma relação sólida com a mesma. No entanto, mesmo durante no início da sua relação, ela já tinha observado alguns dos seus pouco usuais comportamentos. O réu era muito irascível e beligerante. Tinha uma tendência e inclinação para brigar com toda a gente, inclusive ela, até nos assuntos mais triviais. Sempre que ele se via perante o prospecto de derrota num argumento, recorria a chantagem emocional. Isso tornou-se um fardo para ela dado que sempre que eles discutiam, ameaçava-a sempre de a deixar.
O réu também criticava a autora pela sua aparência e defeitos e comparava-a sempre com outras mulheres que ele tinha conhecido. Ironicamente, ele era muito ciumento de todos os seus amigos e amigas, parentes e conhecidos e exigia-lhe sempre uma atenção extraordinária. A recusa dela em aceitar os caprichos dele também acabava sempre em discussão e com ele a agredi-la verbalmente. Ele era também mentiroso e obsessivamente dominador mesmo no início do namoro e durante a sua relação. Dado o seu comportamento, a autora começou a ponderar romper com ele. Entretanto, engravidou. Cedendo aos desejos dos seus pais, foi forçada a casar-se.
Tendo casado, a autora pensou que a réu amadureceria como um chefe de família. No entanto, ele iria revelar mais alguns dos seus traços negativos. Meses depois do casamento, ele exigiu que ela administrasse o lar e suportasse todas as suas despesas, forçando-a a pedir dinheiro aos seus pais para suportar as suas necessidades diárias. Ele exigiu também que ela evitasse de se dar com qualquer pessoa, homem ou mulher, devido ã sua natureza ciumenta. Proibiu-a de receber pessoas amigas, ou ficaria muito irado e começaria a insultá-la. Até os seus pais e familiares não eram poupados à sua natureza conflituosa. Criticava os pais e familiares dela sempre que os visitavam. E pior ainda, quando ele se apercebia de um desvio da rotina que ele lhe impunha, ficava histérico e discutia incessantemente com ela. As suas brigas tornaram-se diárias, privando-a de uma vida marital normal.
Depois de coabitarem por um ano, ele adoptou injustificadamente um arranjo de morada invulgar. Pediu-lhe que ela deixasse a casa deles e fosse viver com os pais dela. Ele, por sua vez, ficava com os pais dele. Ele exibia um apego anormal com os seus pais. Este arranjo causou-lhe uma incrível angústia emocional pois ele também exigiu que ela deixasse o seu primogénito com ele. Chegou mesmo a ameaçar violência se ela alguma vez partisse com o filho deles. O réu também exibiu uma inclinação anormal para os seus amigos e conhecidos. Juntava-se religiosamente às festas e encontros dos seus amigos e conhecidos com regularidade. Ironicamente, nem se deu ao trabalho de assistir ao primeiro aniversário do seu primogénito, preferindo passar o inteiro dia com os seus amigos. Durante a sua coabitação, nunca teve um emprego estável e dependia unicamente dos pais para apoio financeiro. No entanto, apesar disto, recusava-se a participar nas despesas da sua família preferindo gastar o seu dinheiro nos seus caprichos pessoais. Também isso se tornou uma importante fonte de conflito, pois ele tornou-se irritantemente ciumento do papel dela como o sustento da família.
Querendo salvar o seu casamento e manter a sua família, ela chegou a sugerir que tivessem aconselhamento matrimonial. No entanto, ele sempre se opôs a isso. Apesar dos pedidos dela para uma vida de família normal, o seu bizarro arranjo durou até à altura em que se separaram. Incapaz finalmente de lidar com a recusa dele de uma vida de família normal, a sua incorrigível preferência por uma negligência financeira e emocional e insultos verbais, ela nunca mais voltou ao seu lar conjugal. Decidiu finalmente terminar os seus laços maritais com o réu com vista a ter um melhor prospecto de vida.
A Dra. K, uma perita em Psicologia, conduziu um diagnóstico de avaliação da relação marital das partes, consistindo numa profunda entrevista clínica e teste psicológico para avaliar a capacidade ou incapacidade psicológica dos cônjuges no contexto marital.
Os resultados dos testes mostraram que a autora é uma pessoa factual e racional e com uma capacidade inerente para se relacionar bem com as pessoas embora com tendência para ser introvertida. É também motivada para cumprir as suas obrigações e deveres. É generosa e está sempre pronta a ajudar as outras pessoas. Também mostrou ter subjacentes sentimentos de ansiedade. Manifesta uma atitude positiva em tempos adversos. O seu ego é normal, sem tentativas de criar uma impressão negativa ou positiva. Não revelou nenhuma perturbação psicológica séria. Os seus testes das suas raízes de crescimento, comportamento matrimonial e os resultados do seu teste psicológico mostram que ela é uma pessoa funcionando normalmente com capacidade para apreciar psicologicamente o seu papel marital.
Em contraste, o réu manifestou os seguintes sintomas clínicos: ser difícil e autoritário, irresponsáoel, enorme falta de empatia e sensibilidade, ter um sentido de prerrogativa e arrogância, egocentrismo, imaturidade e indolência, agressão física e emocional contra a autora, ciúmes irracionais, suspeita da fidelidade da autora, e vendo significados escondidos em situações benignas. O réu sofre de traços clínicos de distúrbio de personalidade com sintomas imbricantes entre desordens narcisistas de personalidade. Os seus sintomas já eram evidentes antes do casamento mas a autora não tinha competência para discernir que esses sintomas iniciais eram manifestações de sérios e permanentes problemas de personalidade. Notando as suas raízes de crescimento, as suas desordens são predispostas, daí, já profundamente emaizadas na formação da sua personalidade e nunca seriam susceptíveis para psicoterapia. Havia primeiros sintomas denotando a natureza crónica. Dada a sua condição, ele estava psicologicamente incapacitado de desempenhar o seu papel no casamento de acordo com as expectativas. Dado o seu distúrbio de personalidade que é de natureza de predisposição e persistente, espera-se que o seu padecimento se continue a manifestar num padrão permanente, daí, a impossibilidade de tratamento.
A questão a ser resolvida neste caso é se o casamento das partes deve ser ou não declarado nulo com base na incapacidade psicológica do réu.
Este Tribunal decide pela afirmativa.
O tribunal superior decidiu que:
xxx "a incapacidade psicológica deveria referir-se a não menos que uma incapacidade mental (não física) que causa uma parte a ser verdadeiramente desprovida de cognição das regras matrimoniais básicas que concomitantemente devem ser assumidas e cumpridas pelas partes do casamento que, como estipulado no Artigo 68 do Código da Familia, incluem as suas obrigações mútuas de viverem juntos, obseroar amor, respeito e fidelidade e prestar ajuda e apoio. Não há qualquer dúvida que o entendimento da lei foi confinado ao significado de "incapacidade psicológica" aos mais graves casos de desordens de personalidade claramente demonstrativos de uma profunda sensibilidade ao casamento".
Neste caso, o réu provou suficientemente sofrer de um distúrbio de personalidade e não tem a disposição mental e psicológica para cumprir as suas obrigações maritais essenciais ao abrigo da lei.
Na altura, a Juíza Associada do Tribunal Supremo Florida Ruth P. Romero, um membro do Comité de Código, explicou o sentido do Artigo 36 do Novo Código da Família das Filipinas e o seu impacto em face das provisões constitucionais e estatutárias sobre o casamento e família, e assim:
"As provisões constitucionais e estatutárias sobre a [amilia continuarão a estrela polar, que a nossa sociedade esperará fundamentalmente alcançar. Assim, a inclusão do Artigo 36 não pode ser considerado um abandono do ideal que todos apreciamos. Poder-se-á dizer que é um reconhecimento da realidade que alguns casamentos, devido à incapacidade de uma das partes contratantes, falham este ideal e assim as partes são obrigadas a encontrar uma maneira de pôr fim à sua união através de alguns meios legalmente aceitáveis." [Opinião separada em Santos vs. Tribunal de Recurso (1995)]
A lei deveria ser interpretada de maneira a providenciar o poder de sanar a provisão de incapacidade psicológica para a angústia, desventura e mágoa sofrida pelas partes num casamento marcado pela incapacidade psicológica de uma ou ambas as partes.
O Artigo 36 do Código da Família estipula:
"Um casamento contraído por qualquer parte que, na altura da celebração, estava psicologicamente incapacitada de cumprir com as obrigações maritais essências do casamento, será considerado nulo mesmo se essa incapacidade se manifeste apenas após a sua solenização."
Rufus D. Rodriguez, no seu livro, O Código da Eamília das Filipinas, Anotado, disse:
“Há incapacidade psicológica onde uma das partes contratantes não tem compreensão dos efeitos do casamento ou a falta de apreciação das suas obrigações maritais na altura do casamento em que a incapacidade continua e se toma manifesta apenas depois do casamento.”
Por outro lado, o Artigo 68 do mesmo Código estipula:
"O marido e a mulher são obrigados a viver juntos, observar mútuo amor, respeito e fidelidade e prestar ajuda e apoio mútuo."
Ernesto L. Pineda, também no seu livro, O Código da Família das Filipinas, Anotado, 1991, citando outros autores, disse:
"O cumprimento das obrigações provenientes dos três objectivos do casamento (filhos, fidelidade, permanência) depende da força da relação interpessoal. Uma séria incapacidade para uma partilha e apoio inierpessoal e apoio danificará a relação e subsequentemente a capacidade de cumprir as obrigações. A capacidade marital não pode ser considerada separadamente mas em referência à relação fundamental com a outra parte."
Ele citou as seguintes obrigações maritais essenciais:
1. Procriar filhos baseado no princípio universal de que a procriação de filhos através de cooperação sexual é o fim básico do casamento;
2. Viver juntos sob um tecto (Art. 68, CF) para companheirismo representa a unidade no casamento;
3. Observar mútuo amor, respeito e fidelidade (Art. 68, CF) para amor, conforto sexual e lealdade um com o outro são postulados básicos do casamento;
4. Prestar ajuda e apoio mútuos (Art. 68, CF) para assistência nas necessidades, tanto temporais como espirituais, é essencial para manter o casamento;
5. Apoiar conjuntamente a família (Art. 68, CF) pois os cônjuges são conjuntamente administradores na parceria;
6. Não cometer nenhum acto que traga perigo, desonra ou injúria um ao outro ou à fmm1ia (Art. 72, CF) para a segurança e protecção da família em todas as alturas é um dever primordial dos cônjuges."
O caso Santos vs. Tribunal de Recurso (4 de Janeiro de 1995) espedficava que para a incapacidade psicológica ser avaliada como uma razão para anulação de casamento:
"deve ser caracterizada por (a) gravidade, (b) antecedentes jurídicos, e (c) incurabilidade. A incapacidade deve ser gra'ue ou séria de tal maneira que a parte seria incapaz de executar deveres ordinários requeridos no casamento; deve ter raízes na história da parte antecedendo o casamento; embora as manifestações possam emergir apenas depois do casamento; e deve ser incuránel ou mesmo se de outro modo, a cura estivesse fora dos meios da parte envolvida."
O caso da República das Filipinas vs. Roridel Olaviano Molina (13 de Fevereiro de 1997) entre outros, enumerava as directrizes na interpretação de incapacidade psicológica. Afirmava que a raiz da capacidade psicológica deve ser médica ou clinicamente identificada e provada por um perito.
No caso de Edward Kenneth Ngo Te versus Rowena Ong Gutierrez Yu-Te (13 de Fevereiro de 2009), o Tribunal Supremo clarificou que no tratamento de petições para declaração de anulação de casamentos devido a incapacidade psicológica, os tribunais deveriam interpretar o Artigo 36 do Código da Família numa base de caso a caso; guiados pela experiência, as conclusões dos peritos e pesquisadore em disciplinas psicológicas e por decisões de tribunais da igreja.
Como anteriormente dito, a questão a ser resolvida neste caso é se o casamento em causa deveria ou não ser declarado nulo ao abrigo do Art. 36 do Código da Família das Filipinas por razão de incapacidade psicológica do réu.
As pertinentes alegações da petição foram todas claramente estabelecidas por preponderância de provas. Mais particularmente, a autora depôs acerca das actuações do réu durante a sua união - detalhando e substanciando as suas alegações na petição. É claro pela avaliação psicológica da médica psicóloga que ele falhou em cumprir as essenciais obrigações maritais e paternais conforme acima enumeradas devido à sua incapacidade psicológica. A Dra. K mostrou que é uma perita cujas conclusões têm um enorme peso nas disposições finais deste caso. O réu falhou em cumprir os seus deveres e obrigações legais como uma pessoa casada e os seus actos e omissões causaram que o casamento falhasse e subsistisse.
Após uma cuidadosa avaliação das provas apresentadas, este Tribunal decide outorgar a petição. Embora o Tribunal esteja ciente da política do Estado conforme garantido pela Constituição de proteger e reforçar a família como a instituição social autónoma básica e o casamento como o pilar da família, mas onde a totalidade das provas é suficiente para manter uma conclusão que uma ou ambas das partes está psicologicamente incapacitada de cumprir as obrigações maritais essenciais e que existe uma condição psicológica na altura em que o casamento foi celebrado, o Tribunal não encontra nenhuma razão convincente para não considerar certos actos como claras manifestações de uma personalidade desordenada que torna um ou ambos os cônjuges completamente incapazes de ignorar as obrigações essenciais da situação marital.
É portanto asseverado que um estudo meticuloso das provas da autora mostram que na verdade o casamento das partes deve ser declarado anulado por causa da incapacidade psicológica do réu em cumprir as suas obrigações essenciais do casamento. Mostra claramente que ele não tem mais a disposição mental e psicológica para o fazer, Assim, o Tribunal afixa a sua aprovação para a anulação do casamento das partes que falhou em todos os aspectos e para lhes dar um melhor prospecto de vida.
Declarando o casamento de C e B celebrado em 28 de Junho de 1007 em Dasmarifias, Cavite nulo por razão de incapacidade psicológica por parte do último ao abrigo do Artigo 36 em relação ao Artigo 68, ambos do Novo Código da Família das Filipinas.
O filho menor das partes D manter-se-a sob a custódia da autora sem prejuízo dos direitos de visita do réu.
Não havendo bens a serem liquidados, divididos e distribuídos, esta decisão tornar-se-á final quinze (15) dias após a notificação a todas as partes.
O Conservador Civil Local de Dasmarifias, Cavite e o Conservador Civil Geral, Departamento Nacional de Estatística de Quezon City, são aqui ordenados a fazer o averbamento desta decisão na Certidão de Casamento das partes e cancelar a Certidão de Casamento das partes no seu Livro de Casamentos.
Enviar cópias deste instrumento ao Conservador Civil Local de Paniqui, Tarlac, o Conservador Civil Local de Dasmarifias, Cavite, o Departamento Nacional de Estatística, o Gabinete do Procurador Provincial de Tarlac e o Gabinete to Procurador Geral, bem como às partes e aos seus advogados.
CUMPRA-SE.
Paniqui, Tarlac
2 de Junho de 2011
(assinatura ilegível)
Liberty O. Castaíi.eda
Juiz
Cópias para:
A
Paniqui, Tarlac
B
Dasmarifias, Cavite
Dr. I
Paniqui, Tarlac
H
Gabinete do Procurador Provincial
Tarlac City
Gabinete to Procurador-geral
Makati City
Conservador Civil Local
Paniqui, Tarlac
Conservador Civil Local
Dasmarifias, Cavite,
Conservador Civil Geral
Departamento Nacional de Estatística
Quezon City, Metro Manila
CÓPIA AUTENTICADA
(assinatura ilegível)
III - FUNDAMENTOS
1. O objecto da presente acção - revisão de sentença proferida em processo de divórcio pelo Tribunal Regional de Paniqui, Tarlac; república das Filipinas -, de forma a produzir aqui eficácia, passa pela análise das seguintes questões:
- Requisitos formais necessários para a confirmação;
- Colisão ou não com matéria da exclusiva competência dos Tribunais de Macau;
- Compatibilidade com a ordem pública;
2. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública.
2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Com o Código de Processo Civil (CPC) de 1999, o designado privilégio da nacionalidade ou da residência - aplicação das disposições de direito privado local, quando este tivesse competência segundo o sistema das regras de conflitos do ordenamento interno - constante da anterior al. g) do artigo 1096º do CPC, deixou de ser considerado um requisito necessário, passando a ser configurado como mero obstáculo ao reconhecimento, sendo a sua invocação reservada à iniciativa da parte interessada, se residente em Macau, nos termos do artigo 1202º, nº2 do CPC.
A diferença, neste particular, reside, pois, no facto de que agora é a parte interessada que deve suscitar a questão do tratamento desigual no foro exterior à R.A.E.M., facilitando-se assim a revisão e a confirmação das decisões proferidas pelas autoridades estrangeiras, respeitando a soberania das outras jurisdições, salvaguardando apenas um núcleo formado pelas matérias da competência exclusiva dos tribunais de Macau e de conformidade com a ordem pública.
Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade1, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.
3. Vejamos então os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
Autenticidade e inteligibilidade da decisão.
Parece não haver dúvidas de que se trata de um documento autêntico devidamente selado e traduzido, certificando-se uma decisão proferida em acção de nulidade de casamento, intentada pela ora requerente contra o seu marido, ora requerido, no Tribunal respectivo da cidade de Paniqui, Tarlac, República das Filipinas, proferida em 2 de Junho de 2011, cujo conteúdo facilmente se alcança, por ruptura conjugal e impossibilidade de recuperação do convívio e harmonia entre o casal, em particular no que respeita à parte decisória - dissolução do casamento -, sendo certo que é esta que deve relevar.2
4. Quanto aos requisitos relativos ao trânsito em julgado, competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, dispõe o artigo 1204º do CPC:
“O tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito”.
Tal entendimento já existia no domínio do Código anterior3, entendendo-se que, quanto àqueles requisitos, geralmente, bastaria ao requerente a sua invocação, ficando dispensado de fazer a sua prova positiva e directa, já que os mesmos se presumiam4.
É este, igualmente, o entendimento que tem sido seguido pela Jurisprudência de Macau.5
Ora, nada resulta dos autos ou do conhecimento oficioso do Tribunal, no sentido da não verificação desses requisitos que assim se têm por presumidos.
5. Já a matéria da competência exclusiva dos Tribunais de Macau está sujeita a indagação, implicando uma análise em função do teor da decisão revidenda, à luz, nomeadamente, do que dispõe o artigo 20º do CC:
“A competência dos tribunais de Macau é exclusiva para apreciar:
a) As acções relativas a direitos reais sobre imóveis situados em Macau
b) As acções destinadas a declarar a falência ou a insolvência de pessoas colectivas cuja sede se encontre em Macau.”
Ora, facilmente se observa que nenhuma das situações contempladas neste preceito colide com o caso sub judice, tratando-se aqui da revisão de um divórcio requerido apenas por um dos cônjuges e não contestado pela outra parte.
6. Da ordem pública.
Não se deixa de ter presente a referência à ordem pública, a que alude o art. 273º, nº2 do C. Civil, no direito interno, como aquele conjunto de “normas e princípios jurídicos absolutamente imperativos que formam os quadros fundamentais do sistema, pelo que são, como tais, inderrogáveis pela vontade dos indivíduos.”6
E se a ordem pública interna restringe a liberdade individual, a ordem pública internacional ou externa limita a aplicabilidade das leis exteriores a Macau, sendo esta última que relevará para a análise da questão.
No caso em apreço, em que se pretende confirmar o acórdão que declarou nulo o casamento e sem efeitos (void) ab initio casamento, decretando o divórcio entre a ora requerente e o seu marido, não se vislumbra que haja qualquer violação ou incompatibilidade com a ordem pública.
Aliás, sempre se realça que o nosso direito substantivo prevê a invalidade do casamento, ainda que sujeito a um outro regime, prevendo-se a inexistência ou anulabilidade e por razões também ligadas aos vícios da vontade, resultando até q ue o casamento chegou a um ponto em que já não era possível continuar, por comprovada incapacidade psicológica do requerido para assumir as responsabilidades maritais e os compromissos do casamento, fundamento de nulidade do casamento nos termos da lei local, mesmo que aferida a posteriori.
Observa-se que a custódia do filho menor foi entregue à mãe e não havia bens a partilhar.
Mais se constata, pela certidão junta, que a requerente já voltou a casar, em 29/11/2013, em Macau.
O pedido de confirmação de sentença do Exterior não deixará, pois, de ser procedente.
V - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam conceder a revisão e confirmar a decisão proferida no processo de divórcio litigioso entre a requerente A e o requerido B, decisão judicial, proferida no Processo n.º 317-10, em 2 de Junho de 2011 que decretou nulo o casamento celebrado entre requerente e requerido em 28 de Junho de 1997, decisão proferida em 2 de Junho de 2011 e com produção de efeitos jurídicos 15 dias após a notificação ordenada nesse mesmo dia.
Custas pelo requerente.
Macau, 17 de Novembro de 2016,
João A.G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 - Alberto dos Reis, Processos Especiais, 2º, 141; Proc. nº 104/2002 do TSI, de 7/Nov/2002
2 - Ac. STJ de 21/12/65, BMJ 152, 155
3 - cfr. artigo 1101º do CPC pré-vigente
4 - Alberto dos Reis, ob. cit., 163 e Acs do STJ de 11/2/66, BMJ, 154-278 e de 24/10/69, BMJ, 190-275
5 - cfr. Ac. TSJ de 25/2/98, CJ, 1998, I, 118 e jurisprudência aí citada, Ac. TSI de 27/7/2000, CJ 2000, II, 82, 15/2/2000, CJ 2001, I, 170, de 24/5/2001, CJ 2001, I, 263 de 11/4/2002, proc. 134/2002 de 24/4/2002, entre outros
6 -João Baptista Machado, Lições de DIP, 1992, 254
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