Processo n.º 435/2016
(Recurso cível)
Relator: João Gil de Oliveira
Data : 24/Novembro/2016
ASSUNTOS:
- Reapreciação da matéria de facto
- Alteração do pedido e da causa de pedir na réplica
- Litigância de má-fé
SUMÁRIO :
1. Se o A. propõe uma acção de execução específica de um contrato promessa de compra e venda contra a Ré e se prova que o contrato exibido foi falsificado, tendo esta assinado uma folha em branco com outro propósito, tal pedido não pode ser acolhido.
2. Se os recorrentes, nas suas alegações, não especificaram quais os concretos pontos da matéria de facto que consideram incorrectamente julgados e quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida, não é possível proceder a uma reapreciação da matéria de facto, face ao disposto no art. 599º, n.º 1 do CPC.
3. Impõe-se a condenação como litigante de má-fé, se o A. propõe uma acção baseada em documento, cuja falsidade é objecto de processo crime, facto que não ignora, tanto assim que o documento se revela a partir de uma certidão extraída daquele processo.
4. Não pode o A. pretender que seja atendido um pedido suplementar, de restituição do indevidamente pago, formulado na réplica, com base em alegado enriquecimento sem causa, se não logra provar esse pagamento.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 435/2016
(Recurso cível)
Data : 24/Novembro/2016
Recurso Final
Recorrentes : - A (Autor)
- B (Interveniente)
Recurso Interlocutório
- A
Recorrida: - C (Ré)
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – RELATÓRIO
1. A vem recorrer do despacho do Tribunal a quo que indeferiu a modificação/ampliação do pedido, peticionada pelo Autor na sua réplica, apresentando as suas alegações, que alinha em conclusões nos termos que seguem:
A) Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do douto despacho recorrido.
B) Na sua Réplica (arts. 7.° a 9.° e a final) o Autor pediu que «a improceder o pedido de execução específica nos presentes autos, conforme formulado na petição inicial, deve a Ré ser condenada, no limite, a devolver o valor recebido, sob pena de locupletamento indevido, ao abrigo do disposto no art. 467.° do Código Civil,
C) «razão pela qual, ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 217.° e 421.° do Código de Processo Civil, se requer a ampliação do pedido no sentido de, a improcederem os pedidos originariamente formulados na petição inicial, ser a Ré condenada a devolver o montante de MOP$2.060.000,00 (dois milhões e sessenta mil patacas), a que devem acrescer os respectivos juros moratórias, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento.»
D) Ora, a ampliação do pedido nos termos formulados tem total cabimento ao abrigo das citadas disposições legais,
E) porque se sustenta na mesma causa de pedir, sendo os mesmos os factos (nomeadamente o contrato cuja execução específica se pede) articulados na petição inicial, e
F) impondo-se ao abrigo do princípio da economia processual,
G) só assim permitindo uma efectiva resolução do litígio por parte do Tribunal a quo .
H) O douto despacho a q uo violou as disposições processuais supra citadas.
Termos em que, e nos melhores de Direito, deve proceder o presente recurso, revogando-se o douto despacho recorrido e, por conseguinte, devendo ser admitida a ampliação do pedido oportunamente formulado.
2. A e B, Autor e Interveniente nos autos à margem referenciados, vêm recorrer da douta sentença proferida a final, que julgou improcedente a acção por si intentada, em que pediam a execução específica de um suposto contrato-promessa sobre dada fracção, concluindo:
A) Os elementos probatórios produzidos nos autos não permitem suportar os factos dados por provados na al. II) da douta sentença recorrida,
B) Impondo, ao invés, decisão da matéria de facto de sentido oposto, nomeadamente por força do disposto no art. 437.º do Código de Processo Civil.
C) Não pode proceder qualquer condenação por litigância de má fé dos ora Recorrentes, porque a conduta processual dos mesmos não merece a censura de que foi alvo na decisão recorrida.
D) Salvo o devido respeito, a decisão recorrida foi longe demais, impondo aos ora Recorrentes um dever de verdade para além do quadro legal e da própria diligência exigível,
E) Inexistindo, segundo boa doutrina, um dever de verdade nas alegações fácticas das partes,
F) Sob pena de colisão com as regras do ónus da prova no sentido de que a parte, ao ter que declarar aquelas circunstâncias que lhe são desfavoráveis, estaria provando factos cuja prova é ónus exclusivo da contra parte.
G) Se as partes estivessem sujeitas a um dever de verdade quanto aos factos históricos atinentes à controvérsia, a verdade emergiria das alegações e não haveria necessidade de um controlo formal da verdade através da produção dos meios de prova.
H) Ora, os Recorrentes detêm registos videográficos que mostram a Ré a assinar os aludidos documentos. No rigor dos factos desconheciam que a Ré alegadamente não queria alienar.
I) Na verdade, o que se prefigura, a aceitar a versão factual que logrou prevalecer é que, então, a Ré assinou documentos com reserva mental.
Termos em, e nos melhores de Direito que v. Exªs. douta mente suprirão, deve ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências, com o que se pede a costumada JUSTIÇA.
3. C, recorrida no processo em epígrafe, aí mais bem identificada, tendo sido notificada das alegações apresentadas pelos recorrentes, vem, nos termos do art. 613°, n° 2 do CPC, apresentar resposta às alegações dos recorrentes, defendendo, em suma, o acerto da decisão.
4. Foram colhidos os vistos legais.
II – FACTOS
Vêm provados os factos seguintes:
“Da Base Instrutória:
- A D é sócia e administradora da agência imobiliária “XXX, Lda.”. (resposta ao quesito 6º da base instrutória)
- A pedido da D a Ré assinou uma folha em branco a fim de facilitar o arrendamento da fracção autónoma “Q4”, correspondente 4º andar “Q” do prédio urbano sito em Macau, na Avenida do Almirante Magalhães Coreia, n.ºXX, descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o n.ºXXX, a fls. XXX, do Livro B47 e inscrito na matriz sob o artigo n.º071225. (resposta ao quesito 7º da base instrutória)
- Utilizando a referida folha em branco D, sem autorização da Ré, redigiu o doc. junto a fls. 21 dos autos e cujo teor aqui se reproduz para os legais e devidos efeitos. (resposta ao quesito 8º da base instrutória)
III – FUNDAMENTOS
1. O objecto do recurso final passa fundamentalmente por saber se haverá lugar a uma modificação da matéria de facto, no sentido de fazer inverter a conclusão a que o tribunal de 1.ª Instância chegou, no sentido de que o contrato-promessa é falso, tendo sido lavrado sobre uma folha em branco assinado pela Ré, com um outro propósito que não o da celebração desse contrato; por outro lado se se deve manter a condenação de má-fé dos AA. (A. e interveniente).
Entretanto, interlocutoriamente, levanta-se outro recurso do A. e Interveniente, suscitando a reapreciação da não admissibilidade da ampliação do pedido, em que subsidiariamente, passaram a reclamar a restituição da quantia paga a título de sinal e totalidade do preço do contrato-promessa de compra e venda, por enriquecimento sem causa, sendo certo que, a final, nada se prova, fosse quanto à celebração do contrato, fosse quanto à entrega do dinheiro.
2. O caso
Os AA. alegam ter celebrado um contrato-promessa de compra e venda de uma fracção com a Ré, dizendo que esta lhe prometera vender uma fracção e que por ela pagaram o sinal e totalidade do preço de HKD2000000,00 (dois milhões de dólares).
Por alegado incumprimento da Ré, pedem a execução específica do contrato e, subsidiariamente, a indemnização nos termos do n.º1 e 2 do art. 436º do CC, no montante de MOP4120000,00.
A seu tempo, vêm formular o pedido de restituição do que alegadamente foi pago, sob pena de enriquecimento sem causa, pedido este que não foi admitido.
Tendo essa matéria sido objecto de indagação e levada à base instrutória, o que resultou provado foi apenas o que acima vem consignado, ficando patente a “falsidade” do contrato, em desconformidade com a vontade da Ré, não se comprovando qualquer pagamento.
3. O que dizer sobre isto?
Que é um caso de polícia, como parece ter sido, tendo dado lugar a uma participação que determinou um julgamento crime com condenação do falsificador em pena de prisão, como, aliás, resulta da fundamentação da motivação do Tribunal Colectivo no julgamento da matéria de facto (cfr. fls 266 dos autos).
A partir daqui parece que está tudo dito, não se compreendendo a tese que o recorrente sustenta, seja na pretensão de uma restituição de um montante que não se prova tenha sido pago; não se compreendendo como pode, sem provas, defender o indefensável, insistindo na celebração do contrato; defender que não há má-fé.
Mas vamos por partes.
4. Do recurso interlocutório
Questão que se pode colocar é a de, perante o resultado apurado, de que não se comprova qualquer pagamento, como se pode pretender que, a título de enriquecimento sem causa, seja restituído o que não foi entregue?
Desde logo, face ao disposto no art. 628º, n.º 2 e 3 do CPC, parece que por essa via se exclui a possibilidade de apreciação.
Dispõe o n. 2:
“ Os recursos que não incidam sobre o mérito da causa e que tenham sido interpostos pelo recorrido em recurso de decisão sobre o mérito só são apreciados se a sentença não for confirmada.”
E o n.º3:
“Os recursos que não incidam sobre o mérito da causa só são providos quando a infracção cometida tenha influído no exame ou decisão da causa ou quando, independentemente da decisão do litígio, o provimento tenha interesse para o recorrente.”
Na verdade, trata-se de um recurso que não incide sobre o mérito, sobe conjuntamente com o interposto da decisão final (vd. n.º 1 e epígrafe do artigo) sobre o mérito, a sentença foi confirmada, não se vê que a não admissão pudesse influir na decisão da causa ou que o provimento pudesse ter provimento para o recorrente, a partir do momento em que não se comprova que tenha sido pago o aludido montante que se pretende ver restituído.
Isto, independentemente de não se sufragar o entendimento expendido no despacho recorrido, enquanto se consignou:
“Permite a lei, no art. 217, n.º 1 do CPC., a ampliação do pedido ou a sua alteração na réplica.
No caso em apreço, o que o A. pede, em rigor, não corresponde a qualquer ampliação, e não corresponde porque é, de todo, qualitativamente diverso do que pediu antes. Diremos que se trata de mais um pedido que conviverá com o anteriormente deduzido e para ser atendido em caso de não procedência do primeiro.
Tanto é, de todo, qualitativamente diverso que até pressupõe factualidade diversa. Pressupõe a alegação de inexistência de qualquer fonte, de qualquer obrigação de pagamento pelo A. à R. (por isso a invocação do enriquecimento sem causa).
Este é um dado relevante porque, qualificando o pedido em causa como subsidiário (vide art. 7º da réplica: A improceder o pedido de execução específica .... , deve a R. ser condenada ... a devolver o valor recebido), como deve ser qualificado, sempre o mesmo seria ilegal, ainda que deduzido inicialmente (única forma possível) porque, como refere Abrantes Geraldes, "a admissibilidade subsidiária de pedido pressupõe qlle entre um e outro se verifique uma determinada conexão substancial (v.g. identidade de relação material litigada)) não se concebendo a apresentação de pedidos sem qualquer nexo entre eles" - Cfr. A. cit. in Temas Da Reforma Do Proc. Civil, V.I, 2ª ed., p157
Mas se não corresponde a qualquer ampliação do pedido, surgindo em termos subsidiários, porque é um outro pedido, mantendo incólume o anterior e para ser atendido, então também não corresponde a qualquer alteração e por isso mesmo.
Com efeito, com o segundo pedido, alegada ampliação, na economia do processo e a benefício da pretensão do A., conviverá o primeiro exactamente conforme existia e de forma autónoma para ser atendido em primeiro lugar: não há, pois, qualquer modificação.”
Na verdade, para além de a modificação da causa de pedir estar prevista no n.º 1 e a do pedido no n.º 2 do art. 217º, sempre estaríamos perante uma modificação, no caso, na modalidade de alteração do pedido, que não ampliação ou redução, que não deixaria de ser admissível na réplica, independentemente da causa de pedir. Mesmo que se entenda que a subsidiariedade não exige conexão, não deixa de haver entre a relação principal e a subsidiária uma relação económica.1
Isto é, admite-se que os AA. pedissem a restituição de quantia entregue, caso viesse a faltar fundamento para essa entrega.
Ora, um pedido de enriquecimento sem causa radica numa causa residual, a que parece não obstar o que se dispõe no n.º 6 do art. 217º do CPC, sob pena de não se poder, em qualquer circunstância, formular um pedido subsidiário de condenação, baseado em enriquecimento sem causa e que radicasse ainda numa causa integrante do complexo de factos articulados na acção e que se concretizaria na entrega daquela quantia ao pretenso promitente vendedor.
Mas, como se viu, mesmo a admitir-se essa modificação do pedido e da causa de pedir, trata-se de matéria que sempre esbarraria com uma decisão desfavorável à pretensão, em vista da matéria que vem provada.
5. Impugnação da matéria de facto por parte dos recorrentes
Os recorrentes sustentaram as seguintes questões nas alíneas A), B), H) e I) da conclusão da petição de recurso:
"A) Os elementos probatórios produzidos nos autos não permitem suportar os factos dados por provados na al. II da douta sentença recorrida,
B) Impondo, ao invés, decisão da matéria de facto de sentido oposto, nomeadamente por força do disposto no artº (sic) do Código de Processo Civil.
H) Ora, Os Recorrentes detêm registos videográficos que mostram a Ré a assinar os aludidos documentos. No rigor dos factos desconheciam que a Ré alegadamente não queria alienar.
l) Na verdade, o que se prefigura, a aceitar a versão factual que logrou prevalecer é que, então a Ré assinou documentos com reserva mental."
A pretensão dos recorrentes está votada ao fracasso, na exacta medida em que não concretiza quais as razões, as provas, o raciocínio que conduz a que se forme uma convicção diferente daquela a que chegou o Tribunal Colectivo da 1ª Instância.
Dispõe o art. 599°, n° 1 do CPC:
"1. Quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso: a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados; b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida."
Nas suas alegações os recorrentes não especificaram quais os concretos pontos da matéria de facto que consideram incorrectamente julgados e quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
O A. e Interveniente limitam-se a referir a “vã credibilidade” de D, sem que adiantem razões para essa descredibilização, tendo essa testemunha admitido que foi ela que falsificou o documento, tendo inclusivamente sido condenada em pena de prisão por tal facto/crime.
Por outro lado, diz que as fotos desmentem que o documento tenha sido assinado em branco, mas limita-se a enunciar uma proposição, sem que dessa suposta base probatória se possa inferir um facto que contrarie a conclusão a que o Tribunal chegou.
O certo é que das fotografias juntas a fls 258 a 261 nada se retira quanto ao conteúdo do documento.
Nesta conformidade e nos termos do art. 599°, n° 1 do CPC, julgar-se-á improcedente o recurso na parte relativa à impugnação da matéria de facto.
6. Litigância de má fé
Foram A. e Interveniente condenados em multa de 30 Ucs como litigantes de má-fé.
Impugnam agora essa condenação.
Sobre esta questão não assiste a mínima razão aos recorrentes.
Atentemos na fundamentação que conduziu à condenação que se mostra impugnada:
«Pugna a Ré que o Autor tinha omitido, na sua p.i., os factos essenciais, nomeadamente, sobre a assinatura aposta no contrato-promessa não foi da autoria da Ré e das declarações inseridas na quitação de fls. 21 foi inseridas contra a sua vontade, mesmo assim, moveu a presente acção contra a Ré, pretendendo a condenação do mesmo na litigância de má fé e no pagamento dos honorários pagos pela Ré por causa dessa conduta de má fé.
Na resposta, defendeu o Autor que não tinha ocultado qualquer facto, por ter junto com a p.i. documento extraído daquele processo criminal.
Prevê-se o n°2 do artigo 385º do Código de Processo Civil:
“Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitidos factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção de justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”.
Aí se distingue entre dolo substancial e dolo instrumental.
“O dolo substancial diz respeito ao fundo da causa, ou melhor, à relação jurídica material ou de direito substantivo; o dolo instrumental diz respeito à relação jurídica processual” Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Volume II, pág. 263.
Segundo o que foram alegados pela Ré, esta imputou ao Autor a omissão dos factos essenciais quanto ao direito que alegou, ou seja, o dolo substancial.
No caso vertente, o Autor moveu acção de execução específica contra a Ré, alegando que celebrou com ela um contrato-promessa que tem por objecto a fracção autónoma “Q4”, pelo preço de HKD2.000.000,00, tendo o Autor entregue à Ré a totalidade do preço, contra a emissão da declaração da quitação, no momento da assinatura do respectivo contrato-promessa.
Mas, na realidade, consta dos autos a prova de que o alegado contrato-promessa não foi assinada pela Ré, nem esta chegou a dar quitação do recebimento de tal preço que a Autora disse tê-la entregue.
Ao instaurar a presente acção contra a Ré com o fundamento de incumprimento do contrato-promessa, os factos articulados pelo Autor não se corresponde, de facto, com a verdade.
Falta ainda saber se os Autor e Interveniente sabiam a inverdade desses factos no momento da petição.
Das peças extraídas do processo-criminal CR3-14-0088-PCC, outra resposta não poderá ter senão que os Autor e Interveniente tomaram, efectivamente, conhecimento desses factos, à data da acção.
A D foi acusada pelo M°P° por factos de ter adulterado o contrato-promessa e a declaração de quitação, com vista de enganar o Autor e o interveniente a lhe entregar o valor do preço. A acusação do M°P° foi deduzida em 6/03/2014. O interveniente foi notificado da acusação em 17/03/2014 (fls.156)
De acordo com o teor da declaração feita pelo próprio Autor na fase do inquérito, (fls. 160), esse participou junto à P.J., suspeitando ter sido burlada pela D, pelos referidos factos, em Março de 2013.
A presente acção foi instaurada pelo Autor em Dezembro de 2013, e a intervenção do chamado ocorreu-se em 22/07/2014.
Quer dizer, tanto o Autor como o Interveniente, sabiam muito bem, ao momento da acção, que é muito provável que a Ré não terá assinado o contrato-promessa e não acordado na venda da fracção autónoma em causa, nem terá recebido da quantia entregue à D. Mesmo assim, ignorando completamente essas vicissitudes, omitindo esses factos relevantes, moveu a presente acção contra a Ré, exigindo-a a honorar o compromisso que esta não terá assumido, tidos como se fossem verdadeiros os documentos em causa.
Não vale, absolutamente, a argumentação do Autor de que com a junção do documento extraído do processo-crime, indicando que não ocultou os factos. Na verdade, o documento que juntou com a p.i., é exactamente o contrato-promessa com a alegada falsa assinatura da Ré e a tal declaração da quitação, mas nada no seu articulado tinha mencionado a probabilidade da falsidade da assinatura da Ré, tendo-os como fossem verdadeiros, juntando-os aos autos para provar a relação jurídica de contrato-promessa celebrado com a Ré com vista a obter o triunfo da sua pretensão.
Segundo esses factos provados, estão fora de dúvidas que o Autor, assim como o Interveniente omitiram, efectivamente, factos relevantes para a decisão do mérito da causa, que é a inveracidade dos documentos e a falta de declaração de vontade por parte da Ré na celebração do contrato-promessa, o qual foi forjada pela D.
Segundo o princípio de boa fé consagrado no art°9°, n°s 1 e 2 do C.P.C., as partes devem agir de acordo com os ditames da boa fé, não devem, designadamente, formular pedidos ilegais, articular factos contrários à verdade, …”
Assim, cabe às partes expor todos os factos com verdade para o Tribunal apreciar, no global, o caso com vista a pronunciar se ela ou qual é a parte tem razão, o que não se permite é que as partes, com seu bel prazer, alegam apenas parte dos factos, omitindo outros relevantes, para obter, com mais facilidade, o êxito da sua pretensão.
A conduta do Autor e do Interveniente integra-se nas alíneas a) e b) do n°2 do transcrito art°385°. Pois omitiram o facto sobre a falsidade dos documentos por conduta da D e a falta de declaração da vontade por parte da Ré na celebração do contrato-promessa, o que se tornará a sua pretensão contra a Ré carece de qualquer fundamento.
O Autor actuou, pelo menos, com negligência grosseira, senão dolo, mesmo que entendesse que, à data da acção, o Autor não tinha certeza sobre a falsidade dos documentos, devendo aguardar pelo resultado do inquérito para determinar a responsabilidade ser de tal D ou da Ré, bem ao invés, o Autor precipitou a imputar a responsabilização à Ré, ignorando a alta probabilidade de não ser autoria do contrato-promessa. Posteriormente, com a acusação deduzida pelo M°P° e a condenação da D por decisão judicial em 11/02/2015, a situação já se tornou muito clara, mesmo assim, o Autor insistiu a sua pretensão contra a Ré, desconsiderando o facto de a mesma não ser autoria do contrato-promessa nem da declaração da quitação. O mesmo aconteceu com o Interveniente, tanto mais que este só interveio no mesmo após a dedução da acusação pelo M°P° contra a Ip.
Pelo exposto, as conduta do Autor consubstanciam-se, integralmente, no conceito da litigância de má fé.
Em conformidade, condenam os Autor e Interveniente como litigância de má fé, ao abrigo do disposto acima transcrito e, consequentemente, considerando a gravidade das circunstâncias em jogo, devendo os mesmos ser condenados na multa de 30 Uc, por cada.
***
Pedido de indemnização pela Ré
Pretende a Ré a condenação do Autor no pagamento dos honorários dos mandatários em virtude da litigância de má fé.
Dispõe-se o art°386° do C.P.C. que:
“1. A parte contrária pode pedir a condenação do litigante de má fé no pagamento de uma indemnização.
2. A indemnização pode consistir:
a) No reembolso das despesa a que a má fé do litigante tenha obrigada a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatário ou técnicos;
b) No reembolso dessas despesas e na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequências da má fé.
2. O juiz opta pela indemnização que julgue mais adequada à conduta do litigante de má fé, fixando-a sempre em quantia certa.”»
Como podem os recorrentes pretender deixar de ser condenados como litigantes de má-fé, se alegam a existência de um contrato-promessa falso, forjado a posteriori, sem que tivesse qualquer conteúdo no momento em que foi assinado, facto esse comprovado em sede criminal e em sede cível, no âmbito do presente processo?
Como podem deixar de ser condenados, se alegam um pagamento a alguém que não está comprovado, se bem que ainda aqui se admita que a não comprovação de um facto não significa a prova do seu contrário?
Não deixa de se comprovar à saciedade que os A. e Interveniente litigam, deduzindo uma pretensão cuja falta de fundamento não podiam ignorar, alteraram a verdade dos factos, fizeram do processo um meio um uso manifestamente reprovável, ou no mínimo, ocultaram factos que não podiam ignorar. Que factos são esses? O terem celebrado um contrato com a Ré. Não porque não tenham logrado provar um contrato, mas sim por se ter provado que esse contrato era falso, na medida em que forjado, facto de que eles tinham conhecimento como se explicita no segmento da sentença acima transcrito.
Como se observa, isto é um caso de polícia, como foi.
Os recorrentes esgrimem com um “dever de verdade” que dizem não ter sido violado, na medida em que não sabiam das relações entre a falsificadora do documento e a Ré.
Esse dever de correcção e verdade não deixa de ser desmentido pelos próprios factos. Os AA. juntam uma certidão extraída do processo crime onde se julga a falsificação desse documento. Como se podem servir dele, tê-lo por verdadeiro e servir-se dele como fundamento para o pedido formulado na acção, sem terem a certeza da veracidade do documento?
No âmbito cível a condenação por litigância de má-fé não só se justifica, como se impõe, tal como flui do art. 385º do CPC.
Na verdade, através dos factos produzidos na audiência de julgamento e de todos os documentos constantes dos autos, nomeadamente a certidão do processo penal CR3-14-0088-PCC, o Tribunal a quo condenou os recorrentes como litigantes de má fé, aplicando-lhes pena de multa, o que não merece qualquer censura por banda deste tribunal.
7. Em suma:
Se o A. propõe uma acção de execução específica de um contrato promessa de compra e venda contra a Ré e se prova que o contrato exibido foi falsificado, tendo esta assinado uma folha em branco com outro propósito, tal pedido não pode ser acolhido.
Se os recorrentes, nas suas alegações, não especificaram quais os concretos pontos da matéria de facto que consideram incorrectamente julgados e quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida, não é possível proceder a uma reapreciação da matéria de facto, face ao disposto no art. 599º, n.º 1 do CPC.
Impõe-se a condenação como litigante de má-fé, se o A. propõe uma acção baseada em documento, cuja falsidade é objecto de processo crime, facto que não ignora, tanto assim que o documento se revela a partir de uma certidão extraída daquele processo.
Não pode o A. pretender que seja atendido um pedido suplementar, de restituição do indevidamente pago, formulado na réplica, com base em alegado enriquecimento sem causa, se não logra provar esse pagamento.
Tudo visto e ponderado, nos termos e fundamentos expostos, a acção não deixará de improceder.
IV - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso final, confirmando a decisão recorrida, mostrando-se prejudicado o recurso interlocutório.
Custas pelos recorrentes em ambos os recursos.
Macau, 24 de Novembro de 2016,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 - Anselmo de Castro, Direito processual Civil Declaratório, Almedina, 1981, I, 160
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