Processo n.º 908/2015-A
(Recurso cível)
Relator : João Gil de Oliveira
Data : 1 de Dezembro/2016
ASSUNTOS:
- Legitimidade e legitimação substantiva
SUMÁRIO:
1. A legitimidade é a posição das partes na relação jurídico-processual, tal com configurada pelo autor na acção e cuja falta leva à absolvição da instância. Já a questão relativa à legitimação substantiva constitui um requisito da procedência da acção, trata-se aí de um pressuposto condicionante do pedido formulado, atinente à aos fundamentos da causa de pedir e esta não foi objecto de qualquer decisão transitada em julgado.
2. Deve improceder a acção em que se pede à ré a devolução à autora do poder de administração de um dado edifício e respectivos meios e fundos, se noutra acção se considerou que a deliberação da assembleia geral do condomínio do prédio era inválida, deliberações que foram declaradas inválidas por sentença transitada em julgado, pelo que a administração do condomínio que pretende agir ao abrigo dessa deliberação deixa de ter fundamento para tal, tudo se passando como se esta nunca tivesse existido, dado a anulação ter efeito retroactivo artigo 282º do C. Civil.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 908/2015/A
(Recurso Civil)
Data : 1/Dezembro/2016
Recorrentes : Recurso Final
- Administração do Condomínio A
Recurso Interlocutório
- Companhia de Gestão Imobiliário B Limitada
Recorridas : - As mesmas
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – RELATÓRIO
1. Administração (Direcção) do Condomínio A, residente em XXX;
Contra
Companhia de Gestão Imobiliária B Limitada, em sede da pessoa jurídica de Avenida XXX, tel. n.º XXX;
Vem intentar o presente processo comum de declaração.
A autora apresentou a petição inicial constante das fls. 2 a 9, pedindo que seja a ré condenada a:
1. devolver à autora o poder de administração do Edifício A e todos os respectivos objectos e retirar-se imediatamente do condomínio referido;
2. devolver o fundo de administração, que os condóminos colocam à guarda da ré, no valor de MOP$775.680,00;
3. devolver o depósito comum obrigatório, no valor de MOP$2.327.040,00;
4. devolver os juros decorridos da guarda dos dois fundos referidos e indicar o valor dos juros.
*
Citada a ré, apresentou a contestação constante das fls. 28 a 40, pedindo que sejam rejeitados os pedidos da autora.
*
Ao longo do processo foram interpostos diversos recursos interlocutórios, como abaixo se dá conta.
A regularidade da representação da A. foi definitivamente decidida por acórdão do V.º TUI e sobreveio desistência nos outros recursos interlocutórios com excepção do 3º que se prendia com essa representação, na medida em que se fixou o prazo para o suprimento da irregularidade da procuração de fls. 177 e 177v sob a legal cominação prevista no n.º 2 do art.º 82.º do CPCM.
*
A final, foi julgada improcedente a acção e absolvida a Ré, Companhia de Gestão Imobiliária B Limitada, dos pedidos formulados pela Autora, Administração (Direcção) do Condomínio A.
2. Inconformada com essa sentença, recorre a A., Administração (Direcção) do Condomínio A, alegando, em síntese conclusiva:
(i) Julgamento repetido da legitimidade da autora
1. O tribunal a quo proferiu sentença no dia 2 de Abril de 2013, na qual julgou improcedente o fundamento da autora.
2. O recorrente entende que o tribunal a quo já apreciou no despacho saneador a legitimidade da autora e julgou que a autora era representante legal do caso e se produziu o efeito de transição em julgado.
3. Como não consiste em nulidade ou excepção de conhecimento oficioso, o douto Juiz não pode tomar decisão sobre a mesma questão jurídica.
4. Pelo exposto, o recorrente entende que a decisão do tribunal a quo viola o art.º 429.º n.º 2 do Código de Processo Civil e deve ser anulada.
(ii) Actualmente a autora ainda tem a qualidade de colégio de administração do condomínio A
5. O tribunal a quo entendeu que foram anuladas as deliberações, pelo que se extinguiram todos os efeitos, e acabou por julgar improcedentes os pedidos da autora. Mas o tribunal a quo ignorou que nunca anulou os actos praticados durante o período da execução das deliberações, mas sim os manteve.
6. Outrossim, aos 30 de Maio de 2010, a autora realizou de novo a assembleia geral do condomínio e foi nomeado o novo colégio de administração.
7. No dia 16 de Agosto de 2010, o colégio de administração original (autora do caso) entregou todos os documentos respeitantes à gestão ao nomeado por essa deliberação; o novo colégio de administração aceitou a respectiva competência de gestão e declarou aceitar todos os direitos e deveres dos presentes autos.
8. No dia 27 de Maio de 2012, realizou-se a assembleia geral do condomínio e nomeou-se legalmente o novo colégio de administração. Não foi questionada a Comissão de Gestão ou o funcionamento.
9. O novo e o original colégios de administração já concluíram as formalidades de transição dos respectivos direitos e deveres; o novo colégio de administração aceitou a respectiva competência de gestão e declarou aceitar todos os direitos e deveres (incluindo os presentes autos) (sic.).
10. É de lembrar que, mesmo não havendo a sentença da anulação das deliberações, o colégio ainda fica sem competência pela prescrição do mandato. Se for confirmado pelo novo colégio de administração, continua a ter legitimidade.
11. A autora goza ainda da qualidade do colégio de administração do Condomínio A, ao abrigo do art.º 1359.º do Código Civil, tem legitimidade ao intentar acção contra qualquer pessoa.
12. A autora pretendeu o poder de administração da ré, o que consiste em cumprimento da sua função.
13. Nos termos do art.º 1333.º n.º 4 do Código Civil, salvo a existência de acordo ao contrário, o colégio de administração é responsável pelo fundo de gestão, que, portanto, consiste em dever da autora.
14. A autora demandou a devolução do fundo, o que é correspondente à situação prevista no art.º 1359.º n.º 1 do Código Civil.
Pelo exposto, nos demais opiniões que V. Exª doutamente suprirá, deve-se julgar a acção procedente e, em consequência, anular o acórdão constante das fls. 398 a 401 e condenar a ré a devolver o poder de administração e os fundos por ela guardados.
3. Responde a Ré, COMPANHIA DE GESTÃO IMOBILIÁRIO B, LIMITADA, ora Recorrida, dizendo, em síntese:
A. Não há violação do disposto no artigo 429/2 do CPC por a improcedência da acção nada ter a ver com a legitimidade processual da Autora.
B. Não há violação do disposto no artigos 1359/1 e 1333/4, ambos do CCivil por a eleição da administração do condomínio em 28/08/2005 ter sido anulada, tudo se passando como se tal administração nunca tivesse existido, dado a anulação da sua eleição ter efeito retroactivo - artigo 282 do C. Civil.
C. Não tem, portanto, por onde proceder o recurso da Autora.
D. Por outro lado, sempre improcederia a presente acção, dado que em consequência da desistência dos pedidos pela Autora no processo n.º CV3-070031-CAO (fls. 230 a 241), as deliberações tomadas na assembleia-geral de 8 de Março de 2007 dos condóminos do A permanecem válidas.
E. E, sendo válidas as deliberações tomadas na assembleia geral dos condóminos de 8/03/2007, esvaziam de fundamento a presente acção, uma vez que tais deliberações incumbem a Ré de administrar o condomínio.
F. Assim, o tribunal recorrido não só não violou o caso julgado e/ou a lei substantiva, como cumpriu a decisão tomada no despacho de fls. 88 e 88v, que lhe impunha a improcedência do pedido.
PELO EXPOSTO, e nos demais termos de direito que V. Ex.as doutamente suprirão, deve ser negado recurso interposto, mantendo-se, em consequência, a aliás douta decisão do Tribunal a quo, com as legais consequências.
4. Foram colhidos os vistos legais.
II – FACTOS
Vêm provados os factos seguintes:
“Factos provados:
- A R. é uma Companhia comercial limitada, registada na CRCBM sob o n.º XXX, as suas actividades são exploração de gestão imobiliária. (Alínea A) dos factos provados).
- O Edifício A está registado sob descrição n.º XXX na CRP (Alínea B) dos factos provados).
-Desde Outubro de 2000 que a R. se responsabiliza pela gestão do Edf. “A.º (Alínea C) dos factos provados).
-No dia 9 de Setembro de 2005, a autora notificou a ré por meio de carta registada de que foi eleita a nova companhia de administração, de acordo com a autorização da assembleia geral do condomínio, solicitando à R. para se retirar do condomínio (Alínea D) dos factos provados).
- A R. não retirou do condomínio nem entregou os respectivos documentos (Alínea E) dos factos provados).
- Desde Outubro de 2000 a Setembro de 2005, o aludido edifício está sujeita à administração da ré, que cobra mensalmente MOP$387.840,00 (trezentos e oitenta e sete mil, oitocentos e quarenta patacas) (Alínea F) dos factos provados).
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Base instrutória:
- A R. celebrou com partes dos condóminos um contrato de acordo com o qual cada condómino tinha de pagar o fundo de gestão o montante equivalente a dois meses de condomínio. (art.ºs 1.º e 2.º da base instrutória)
- O valor do fundo acima referido é de MOP$776.240,00. (art.º4.º da base instrutória)
- Nem todos os condóminos pagaram o condomínio entre Outubro de 2000 e Setembro de 2005. (art.º6.º da base instrutória)
- No Período acima referido a R. apenas recebeu MOP$20.607.161,99. (art.º7.º da base instrutória)
- O valor do fundo comum de reserva é de MOP$2.060.716,20. (art.º8.º da base instrutória)”
III – FUNDAMENTOS
1. No processo foram interpostos vários recursos, a saber:
1º Recurso interlocutório
Foi interposto do despacho de fls. 202-205vº, que considerou que a autora desta acção está bem representada judicialmente. Isto porque, não obstante a deliberação de 28/08/2005 ter sido anulada judicialmente, a anulação é sanável. E na sequência da deliberação de 30/05/2010 (fls. 169-172), que nomeou as pessoas nela identificadas, estas deliberaram em 16/08/2010 (fls. 174-176) prosseguir com a presente acção, nomeando pessoa para representar a A., a qual nomeou mandatário um dos já constituídos. Ou seja, os actuais legais representantes da A. ao manifestarem expressamente a vontade em prosseguir com a presente acção, confirmam todos os actos praticados, pelo que a anulação se tinha por sanada, nos termos do art. 281º do C. Civil.
Deste despacho foi interposto recurso pela Ré e veio a ser definitivamente decidido por acórdão do V.º TUI, no sentido da regularidade da representação da A.
É na sequência desta decisão que se passam a conhecer dos restantes recursos, interlocutórios e final.
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2º Recurso Interlocutório
A fls. 218 a ré invocou a nulidade do despacho de fls. 202, uma vez que incidiu sobre o requerimento de fls. 178-179 (apresentado pela ré, pedindo a improcedência da acção face à ilegitimidade substantiva da autora), sem que os documentos com ele juntos lhe tivessem sido notificados.
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Sobre tal invocação recaiu o despacho de indeferimento de fls. 246-248 (2ª decisão recorrida), de que coube recurso jurisdicional, interposto pela ré a fls. 256 e alegado a fls. 296 e sgs., mas do qual desistiu a fls. 446 (cfr. despacho de homologação de fls. 450).
Sobreveio desistência deste recurso, homologada por despacho de fls 450.
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3º Recurso Interlocutório
A decisão concernente ao recurso interlocutório interposto a fls. 311 e alegado a fls. 332 é a seguinte:
«Fls. 275: Notifique a A. para dizer o que tiver por conveniente quanto à matéria da procuração e/ou juntar procuração e declaração de ratificação do processado sem os indicados vícios no prazo de 10 dias. Notifique».
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A fls. 290 dos autos o M.mo juiz ordenou a notificação da autora para se pronunciar sobre o requerimento de fls. 275-276 apresentado pela Ré a respeito da regularidade da procuração forense da autora (3ª decisão recorrida).
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4º Recurso Interlocutório
A fls. 318 o M. juiz decidiu a pretensão da ré de fls. 275/276, indeferindo-a (4ª decisão recorrida, em que a Ré punha em causa a procuração forense junta a folhas 254, uma vez que os Advogados não têm poderes para efectuar reconhecimentos por semelhança com menções especiais -de cujo despacho foi interposto recurso jurisdicional pela ré (fls. 325), que foi alegado a fls. 342 e sgs., mas de que a recorrente veio a desistir a fls. 446 (cfr. homologação a fls. 450).
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5º Recurso Interlocutório
Após a produção de prova, veio a ré (fls. 374-375) suscitar a irregularidade formal da procuração forense de fls. 371, uma vez que nem a qualidade, nem os poderes de representação de C podiam ser atestados por advogado, como foram na certificação da procuração referida.
O Ex.mo Juiz lavrou então a decisão de fls. 380-382, indeferindo o requerido (5ª decisão recorrida), de que foi interposto recurso jurisdicional pela ré (fls. 386), que foi alegado a fls. 392 e sgs, mas de que desistiu a fls. 446 (cfr. homologação a fls. 450).
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2. Vamos começar pelo recurso proferido a final, na medida em que o único recurso que se mantém de pé, o 3º recurso interlocutório se mostra prejudicado pelas decisão transitada e relativa à regularidade da representação da A., bem ainda como pelo próprio desfecho que o recurso da decisão final irá merecer.
Recurso Final
Na sentença recorrida proferida a final foi lavrada decisão que absolveu a Ré, Companhia de Gestão Imobiliária B Limitada, dos pedidos formulados pela Autora, Administração (Direcção) do Condomínio A, com os fundamentos seguintes:
“Capacidade jurídica
Os pedidos desta acção tem a ver com os actos que a ré devia praticar após o término do seu mandato de gestão: devolver o poder de administração, retirar-se do edifício, devolver à autora o fundo de gestão e o depósito comum obrigatório, que ficaram por ela guardados, acrescidos dos juros.
A ré entende que o art.º 1357.º do Código Civil não atribui à autora qualquer poder, pelo que esta não tem capacidade jurídica.
Dispõe o art.º 39.º do Código de Processo Civil que “1. A personalidade judiciária consiste na susceptibilidade de ser parte. 2. Quem tiver personalidade jurídica tem igualmente personalidade judiciária.”
Como a autora não tem personalidade jurídica, parece que assiste razão à excepção da ré.
Mas não se pode ignorar o art.º 1359.º n.º 1 do Código Civil: “A administração tem legitimidade para agir em juízo, quer contra qualquer dos condóminos, quer contra terceiro, na execução das funções que lhe pertencem ou quando autorizada pela assembleia.”
Dispõe o art.º 1333.º n.º 4 do Código Civil que “Salvo deliberação em contrário da assembleia geral do condomínio, a gestão do fundo cabe à administração do condomínio, nos limites definidos pela assembleia.”
Dispõe o art.º 1357.º n.º 1 alínea f) do mesmo Código que “São funções da administração, além de outras que lhe sejam atribuídas pela assembleia, pelo regulamento do condomínio ou pela lei … Realizar os actos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns”.
Dos fundamentos de factos da autora se vê que já se deliberou terminar a administração da ré e se autorizou a autora a contratar outrem para gerir o condomínio na assembleia geral do condomínio de 28 de Agosto de 2005, em conjugação com as disposições referidas, a autora goza, sem dúvida, da legitimidade para intentar acção quanto às questões em causa.
No tocante a excepção referida, é claro que este tribunal não possa, por um lado, defender que a autora não goza da capacidade jurídica por falta de personalidade jurídica e não pode ser parte da acção; e por outro lado, afirmar contrariadamente que a autora tem legitimidade para intentar a presente acção, sobretudo quando a lei prevê expressamente que esta é legítima.
Pelo que, este tribunal deve considerar o art.º 1359.º n.º 1 do Código Civil como uma disposição especial e que a autora dispõe da legitimidade.
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Inutilidade superveniente
A ré deduziu ainda a excepção da inutilidade superveniente, fundamentando-se em que a autora já avocou o poder do edifício em 16 de Março de 2007, pelo que o pedido desta já foi satisfeito e este tribunal não precisa de conhecer esse pedido.
Analisando globalmente o caso, antes de intentar a presente acção, a autora intentou uma outra acção de medida cautelar, pedindo que seja a ré ordenada a devolver o poder de administração e os documentos e se retirar do edifício.
Das fls. 29 a 31 do anexo B, juntado aos autos incidentais, se pode ver que, aos 16 de Março de 2007, este tribunal já ordenou a entrega judicial temporária do poder de administração do Edifício A e dos objectos.
Entretanto, a autora apresentou outros pedidos além dos da devolução do poder de administração e da retirada do edifício, portanto, este tribunal precisa de continuar a conhecer o caso independentemente da procedência ou não da excepção referida.
No tocante à medida cautelar, à primeira vista, parece que procede a excepção deduzida pela ré, por razão de que, por entrega judicial referida, já foi satisfeita uma parte dos pedidos da autora.
Mas a medida referida é temporária e os interesses relacionados com os pedidos da autora só efectivamente se concretizam através da presente acção.
Pelo que, é improcedente a excepção da inutilidade superveniente.
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Pedidos da autora
Os pedidos resultam do facto de que a assembleia geral do condomínio deliberou, por duas vezes, aos 28 de Agosto de 2005 e aos 6 de Janeiro de 2006,terminar a administração da ré, enquanto que a ré toma com defesa a invalidade das respectivas deliberações. Portanto, a procedência ou não dos pedidos da autora depende da validade das deliberações referidas.
De acordo com as alegações da ré, as acções de anulação das deliberações pretendidas pela autora foram julgadas respectivamente no processo n.º CV3-05-0063-CAO e no processo n.º CV3-06-0017-CAO.
Conforme os dois certificados constantes das fls. 180 a 198 dos autos, já se proferiram sentenças nos processos referidos, anulando as deliberações da assembleia geral do condomínio de 28 de Agosto de 2005 e de 8 de Janeiro de 2006.
Como os pedidos da autora se baseiam em que a gestão da ré foi terminada pela assembleia geral do condomínio, é claro que a autora não tenha qualquer fundamento para suportar os pedidos apresentados após ser anuladas essas deliberações.
Quanto a isso, a autora sustentou que devia considerar que a ré aceitou tacitamente a validade das deliberações porque não intentou acção de anulação dentro do prazo legal.
Analisados os dois processos referidos, constata-se que a ré do caso não é a autora dos processos aludidos; além disso, nos autos não há qualquer elemento que releva o intento, por parte da ré própria, de qualquer acção jurídica relativamente às deliberações, pelo isso, é certo que a autora não impugnou pela invalidade dentro do prazo legal.
Mesmo sendo assim, as deliberações já foram anuladas, nos termos do art.º 282.º do Código Civil, extinguem-se todos os efeitos destas. Ainda que a ré não impugne na altura, a autora não pode tomar as deliberações como fundamento e exigir à ré devolver o poder de administração e os respectivos objectos, retirar-se do edifício, devolver o fundo de gestão e o depósito comum obrigatório, acrescidos dos juros.
Pelo que, este tribunal pode julgar improcedentes os pedidos da autora sem necessidade de analisar os outros factos do caso.”
3. Da pretensa violação do caso julgado
A Autora vem arguir que a sentença recorrida violou o artigo 429/2 do CPC, por ter entendido que o tribunal a quo apreciou repetidamente a matéria sobre legitimidade da Autora, a qual já fora apreciada pelo despacho saneador transitado em julgado de fls. 205v e ss.
A recorrente confunde legitimidade com legitimação substantiva. A legitimidade é a posição das partes na relação jurídico-processual, tal com configurada pelo autor na acção e cuja falta leva à absolvição da instância. Já a questão relativa à legitimação substantiva constitui um requisito da procedência da acção, trata-se aí de um pressuposto condicionante do pedido formulado, atinente à aos fundamentos da causa de pedir e esta não foi objecto de qualquer decisão transitada em julgado.
Não há violação do caso julgado porquanto no que se refere à legitimidade a decisão proferida a final não se deixa de ratificar a decisão proferida a fls. 206.
Na verdade, a improcedência da acção nada tem a ver com a legitimidade processual da Autora, conforme resulta da fundamentação da sentença recorrida acima transcrita.
4. Dos fundamentos da acção
Insiste a Autora que a acção devia ter procedido por a Autora ter legitimidade para agir em juízo e gerir o fundo, face ao disposto nos artigos 1359/1 e 1333/4, ambos do C. Civil.
A A. tem legitimidade, mas não foi essa a causa da improcedência, como se disse.
A a presente acção improcedeu porque se considerou que a deliberação da AC do condomínio do prédio era inválida, em face das decisões proferidas nos processos cujas certidões foram juntas aos autos, evidenciando-se na douta sentença recorrida a autoridade do caso julgado.
Na verdade, as deliberações tomadas na assembleia-geral dos condóminos do edifício A realizada em 28/08/2005 foram declaradas inválidas por sentença proferida nos autos CV3-05-0063-CAO e transitada em julgado no dia 26 de Novembro de 2009, pelo que a eleição da administração do condomínio em 28/08/2005 foi anulada, tudo se passando como se esta nunca tivesse existido, dado a anulação ter efeito retroactivo artigo 282º do C. Civil.
Não pode a A. pretender arredar a Ré, enquanto administradora, com base numa deliberação que se mostra ter sido anulada.
Por outro lado, como bem observa a recorrida, o destino da acção ficou traçado por força do despacho de fls. 88-88v, segundo o qual:
"As deliberações tomadas na Assembleia Geral de 8 de Março de 2007, a serem válidas, retiram utilidade à presente acção, uma vez que tais deliberações incumbem a Ré de administrar o condomínio e, por outro lado, tornam relevante a manifestação de vontade desistência do pedido formulado pela Administração do condomínio, aqui Autora, pois que esta a partir da dita deliberação manifesta a sua vontade através dos novos membros eleitos e não através as pessoas que a integravam à data da propositura da acção.
Sucede, porém, que a deliberação de 8 de Março de 2007 foi objecto de impugnação judicial através da acção que corre termos neste Juízo sob o CV307-0031-CAO, a qual ainda não se mostra decidida. Nesta conformidade e ao abrigo do disposto no art. 223º, n.º 1 do CPCM, determino a suspensão da presente instância até que se mostre definitivamente julgada a acção ordinária n.º CV3-07-0031-CAO."
Assim, em consequência da desistência dos pedidos pela Autora no processo n.º CV3-07-003l-CAO (fls. 230 a 241), as deliberações tomadas na Assembleia Geral de 8 de Março de 2007 dos condóminos do edifício A permanecem válidas, esvaziando de fundamento a presente acção, uma vez que tais deliberações incumbem a Ré de administrar o condomínio.
Donde se retira que tribunal recorrido não só não violou o caso julgado e a lei substantiva, como cumpriu a decisão tomada no despacho de fls. 88 e 88v, que lhe impunha a improcedência do pedido.
5. Como está bem de ver, a decisão ora proferida, conjugada com a decisão anterior proferida pelo TUI, que reconheceu a regularidade da representação da A., não deixa de prejudicar o conhecimento do 3.º recurso interlocutório, o único que que se manteria erecto.
IV – DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida, mais se julgando prejudicado o conhecimento do 3º recurso interlocutório.
Custas pela recorrente.
Macau, 1 de Dezembro de 2016,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
908/2015/A 20/20