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Processo nº 704/2016
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 24 de Novembro de 2016

ASSUNTO:
- Marca
- Função do recurso jurisdicional

SUMÁRIO:
- A função do recurso jurisdicional consiste em apreciar o mérito da decisão judicial recorrida, não visando portanto criar decisões sobre matérias novas, pelo que a Recorrente não pode, em sede de recurso, suscitar uma questão que nunca foi objecto de apreciação pelo Tribunal a quo, salvo aquelas questões de conhecimento oficioso do Tribunal.
- A marca registanda e a marca registada a favor da parte contrária destina-se a assinalar produtos e serviços da classe 42.ª, ou seja, na mesma área de actuação económica da sociedade detentora da marca prioritária, pelo que a ora recorrente não pode ver a sua marca registada, por força do estatuído nos artigos 214.º, n.º 2, alíneas b) e e) e 215.º, n.º 1 a), b) e c) todos do RJPI.
O Relator




Processo nº 704/2016
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 24 de Novembro de 2016
Recorrente: A
Recorridas: - B
- C
- D
- E
- Direcção dos Serviços de Economia

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por sentença de 27/04/2016, julgou-se improcedente o recurso interposto pela Recorrente A, mantendo a decisão da recusa do registo da marca N/12112 da Direcção dos Serviços de Economia.
Dessa decisão vem recorrer a Recorrente, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. O Meritíssimo Juiz a quo, para decidir no sentido de manter o despacho de recusa do registo da marca N/12112 consistente em XX, não fez uma correcta interpretação do conceito de "erro ou confusão" a que alude o art.º 214.°, n.º 2, alínea e), do RJPI, tendo, assim, dado por verificado um requisito de tal fundamento de recusa, qual seja, "possibilidade de induzir o consumidor em erro ou confusão", que, efectivamente, não existe.
2. Porque os recursos judiciais de marca têm natureza de ampla jurisdição, pode o Venerando Tribunal de Segunda Instância conhecer de questões não tratadas no Tribunal Judicial de Base (cfr. Ac. do TSI de 26 de Julho de 2007, explicitado no processo n.º 516/2006), questões essas que não se suscitaram porque, à data da apresentação do recurso judicial de marca, ainda não podiam ser colocadas.
3. A forma como a Recorrida compôs as duas marcas aqui em confronto e o Nome de Estabelecimento, cujo registo requerer em Macau demonstra que procura associar a expressão inglesa XX e a expressão chinesaXX (que romaniza XX ou XX).
4. Contudo, a Recorrida não tem direitos sobre o sinalXX, per si, pois trata-se de uma criação da Recorrente, que o tem egistado noutras jurisidções; e se é verdade que as marcas na classe 36.ª, N/11861 (da Recorrida e que é composta pelo sinal ) e a N/12113 (da Recorrente, que é composta pelo sinal XX) podem coexistir, o mesmo poderá acontecer no sentido inverso em relação à marca "XX", que aqui está em discussão e que se destina a assinalar serviços da classe 42.ª.
5. O fundamento previsto no artigo 214.°, n.º 2, alínea e) do RJPI só funciona se a coincidência de elementos da marca e do nome de estabelecimento ou denominação social for susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão.
6. Embora seja verdade que a denominação social da Recorrida integre os caracteres "XX" e a expressão "XX", não há factos alegados que nos permitam extrair a conclusão de que há possibilidade de induzir em erro ou confusão o público consumidor que estiver em contacto com um serviço da classe 42.ª assinalado pela marca que se pretende registar e a Recorrida.
7. Quando a lei determina que não podem ser registadas marcas que contenham nome de estabelecimento (art.º 214.°, n.º 2, alínea e), do RJPI), tem que se dar por verificado o requisito "se for susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão".
8. Consta do título do Registo do Nome do estabelecimento n.º E/40 que a actividade desenvolvida pelo seu titular é a "Administração e gestão de propriedades"; trata-se, pois, de uma actividade que não se confunde com os serviços que a Recorrente pretende oferecer com a marca aqui em apreciação, quais sejam, os integrados na classe 42.ª (hotelaria e similares).
9. A sentença recorrida violou a norma contida no art.º 214.°, n.º 2, alínea e), do RJPI, por a ter aplicado com uma errada interpretação sobre o conceito de erro ou confusão e por ter dado por verificado o requisito "susceptibilidade de induzir o consumidor em erro ou confusão", no caso, inexistente.
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A Recorrida B respondeu à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 311 a 321 dos autos, cujo teores aqui se dão por integralmente reproduzidos, pugnando pela improcedência do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
1. Em 18 de Setembro de 2003 a Recorrente requereu o registo de marca de serviços N /12112, para a classe 42.ª, assim reproduzidaXX.
2. O pedido de registo foi publicado no BORAEM n.º 49 – II Série, de 03/12/2003.
3. Em 02/02/2004 as sociedades B, C, E e D apresentaram reclamação ao pedido de registo.
4. Em 04/03/2004 a Recorrente contestou as reclamações.
5. Foi feito o exame da marca e por despacho de 16.02.2005 foi o pedido de registo recusado pelo Departamento da Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia (DPI) através de Despacho publicado no Boletim Oficial n.º 14 , II Série, de 06.04.2005.
6. A Recorrente interpôs recurso judicial desse despacho que tomou o n.º CV2-05-0005-CRJ tendo sido decidido, por acórdão transitado em julgado, que os recursos judiciais intentados pela recorrente para impugnar a concessão das marcas N/11861, N/12024 e N/12786 eram prejudiciais em relação ao pedido da marca N/12112 para serviços da classe 42.
7. Uma vez que as marcas N/11861 e N/12024 ficaram registadas e a marca N/12786 foi recusada, todas por decisão judicial transitada em julgado, a marca N/12112, para serviços da classe 42 foi novamente examinada e por despacho de 06/03/2014 foi o seu registo recusado, tendo o mesmo sido publicado na II série do Boletim Oficial n.º 14 de 02 de Abril de 2014.
8. A marca n.º N/11861, que consiste em para assinalar serviços da classe 36.ª, está registada a favor da parte contrária B.
9. A marca n.º N/12024, que consiste em para assinalar serviços da classe 42.ª, está registada a favor da parte contrária D.
10. A Recorrente é titular do registo das marcas XX, N/12113 para a classe 36 e N/12115, para a classe 42ª, tendo esta, entretanto, sido declarada caducada por Acórdão do TSI de 22/05/2014, transitado em julgado.
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III – Fundamentação
Antes de mais, cumpre-nos dizer que não é correcta a afirmação constante no ponto nº 2 da conclusão da motivação do recurso no sentido de que o Tribunal de Segunda Instância pode conhecer de questões não tratadas no Tribunal Judicial de Base, “questões essas que não se suscitaram porque, à data da apresentação do recurso judicial de marca, ainda não podiam ser colocadas”.
Como é sabido, a função do recurso jurisdicional consiste em apreciar o mérito da decisão judicial recorrida, não visando portanto criar decisões sobre matérias novas, pelo que a Recorrente não pode, em sede de recurso, suscitar uma questão que nunca foi objecto de apreciação pelo Tribunal a quo, salvo aquelas questões de conhecimento oficioso do Tribunal.
Pois, segundo o princípio da estabilidade da instância previsto no artº 212º do CPCM, segundo o qual uma vez citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei.
Ora, se admitisse a questão nova em crise, que não é de conhecimento oficioso do Tribunal, como fundamento do recurso jurisdicional da Recorrente, significaria permitir uma alteração da causa de pedir por parte da mesma, o que viola o citado princípio da estabilidade da instância.
No mesmo sentido, vejam-se o Ac. do TUI, de 27/2/008, proferido no Proc. nº 58/2007, bem como os Acs. do TSI, de 16/07/2015, de 26/05/2016 e de 17/11/2016, proferidos, respectivamente, nos Procs. nºs. 266/2015, 35/2016 e 656/2016.
Face ao exposto, não é de conhecer as questões novas suscitadas em sede do presente recurso.
A sentença recorrida tem o seguinte teor:
   “...
   Cumpre decidir.
   A recorrente estriba o seu recurso no seguinte, e único, argumento: os sinais XX e são indissociáveis para o conjunto dos consumidores de Macau e de Hong-Kong, pelo que quando estiverem em causa produtos ou serviços integrados na mesma classe, ou estejam em causa produtos e/ou serviços afins, o titular do primeiro sinal terá de ser necessariamente o titular do segundo, que corresponde ao da marca registanda. E, segundo defende a recorrente, essa indissociabilidade decorre do facto da expressão XX, cuja romanização é XX ou XX, constituírem os dois caracteres que designam em Chinês a sua marca inglesa.
   Vejamos.
   Em primeiro lugar, de acordo com a factualidade supra exposta, verifica-se, desde logo, que o fundamento da indissociabilidade, utilizado pela recorrente, já perdeu actualidade dado que a sua marca N/12115, para a classe 42.ª, XX, caducou.
   De todo o modo, sempre se dirá que, apesar dos caracteres chineses XX significarem, em inglês, XX, a afirmação da recorrente, de que estamos perante dois sinais indissociáveis e que o titular de um terá de ser o titular do outro, não é, salvo o devido respeito, correcta.
   A ser válida a argumentação da recorrente também lhe deveria ser reconhecida a titularidade do correspondente sinal em português (que numa tradução literal será ponto de referência ou marco), ou em outra qualquer língua, nos termos permitidos pelo artigo 198.º do RJPI.
   A recorrente requereu o registo de uma marca nominativa, fantasiosa, escrita em língua inglesa – XX – e o sinal que agora pretende registar são dois caracteres chineses cuja transliteração corresponderá a XX ou XX, sinais esses que terão de ser avaliados de forma autónoma para efeitos de atribuição de um título de propriedade industrial.
   O facto de os mencionados caracteres chineses que constituem a marca em questão - XX- significarem XX, como se afirmou, corresponde a um mero processo de tradução entre duas línguas, não sendo correcto afirmar-se que o público consumidor associa as duas marcas. O público consumidor que domine as duas línguas (inglesa e chinesa) associará as duas expressões como equivalentes, mas esta asserção não permite dar o passo seguinte, como pretende fazer a recorrente, que é a conclusão de que estamos face a marcas indissociáveis.
   Colocada a questão desta forma, e voltando às características do sinal que a recorrente pretende agora registar, constituída pelos caracteres XX (sendo certo que neste recurso não se cuida da expressão inglesa XX, marca sobre a qual, coo se disse, a requerente já não é titular do respectivo registo para a classe 42.ª atenta a respectiva declaração de caducidade), é incontornável que o mesmo vai efectivamente reproduzir o nome de um estabelecimento já registado em Macau a favor de outra sociedade (tal como decidiu o Tribunal de Segunda Instância no Acórdão de 21.10.2009 no processo 21/2009); vai reproduzir parcialmente o nome de um estabelecimento hoteleiro já registado em Macau (conforme decisão do TUI de 26/10/11 no processo 38/2011), e vai reproduzir parcialmente a marca n.º N/12024, que consiste em para assinalar serviços da classe 42.ª, e que está registada a favor da parte contrária D.
   O artigo 213.º do RJPI estatui que o registo é concedido se não tiver sido revelado fundamento de recusa e as reclamações, se as houver, forem consideradas improcedentes.
   Como fundamentos específico de recusa prevê o artigo 214.º, n.º 2, alínea b) por referência ao artigo 215.º, n.º 1, alíneas a), b) e c) ambos do RJPI, a circunstância de a marca ou algum dos seus elementos conter reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor, ou que compreenda o risco de associação com a marca registada.
   Por sua vez, o artigo 215.º, n.º 1 refere que a marca registada considera-se reproduzida ou imitada, no todo ou em parte, por outra, quando, cumulativamente: a) A marca registada tiver prioridade; b) Sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins; c) Tenham tal semelhança gráfica, nominativa, figurativa ou fonética com outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.
   Luís Couto Gonçalves dá-nos conta que o facto de uma marca ser a reprodução ou imitação de outra já anteriormente registada se trata da proibição relativa mais importante ao registo de marcas, sob o ponto de vista prático, importância essa que advém do facto de ser o fundamento de recusa mais invocado.
   Como refere Américo da Silva Carvalho o risco de confusão que compreende o risco de associação com a marca anterior deve ser interpretado no sentido de que a mera associação entre duas marcas não basta para concluir pelo risco de confusão ou seja, exige-se que exista um risco de confusão quanto à origem do produto. Assim, uma marca poderá coexistir com outra idêntica se cada uma delas se reporta a ramos de actividade económica diferentes, devendo distinguir-se o conceito de semelhança do de afinidade de produtos.
   A semelhança dos produtos ou serviços serve para aquilatar se os produtos ou serviços provêm ou não da mesma origem e a afinidade para determinar se os produtos satisfazem ou não as mesmas necessidades, concluindo-se, pois, que:
   - são semelhantes os produtos que o público pode atribuir à mesma origem;
   - os meios ou locais de distribuição constituem um meio para determinar a semelhança ou dissemelhança dos produtos.
   O critério a utilizar nessa distinção dever ser, em todo o caso, o ponto de vista da clientela, ou seja, o juiz deve colocar-se no lugar do público.
   Assim, para que haja possibilidade de confusão relativamente à origem empresarial dos produtos ou serviços, há que ter em atenção diversos factores, nomeadamente, a natureza e o tipo de necessidades que os produtos ou serviços visam satisfazer e os circuitos de distribuição desses produtos ou serviços, vindo a considerar-se que o público atribuirá a mesma origem a produtos ou serviços de natureza e utilidade próxima e que sejam habitualmente distribuídos através dos mesmos circuitos, sendo irrelevante, na emissão de tal juízo sobre a afinidade de produtos e serviços, a classe da tabela em que se integram, uma vez que a diferente inscrição ou classificação dos produtos e serviços não obsta, por si só, a que sejam considerados semelhantes.
   No vertente caso, a marca registanda e a marca registada a favor da parte contrária destina-se a assinalar produtos e serviços da classe 42.ª, ou seja, na mesma área de actuação económica da sociedade detentora da marca prioritária, pelo que, não podemos deixar de concordar com a DSE no sentido de que a ora recorrente não pode ver a sua marca registada, por força do estatuído nos artigos 214.º, n.º 2, alíneas b) e e) e 215.º, n.º 1 a), b) e c) todos do RJPI.
   Decisão:
   Pelo exposto, julga-se totalmente improcedente o recurso interposto por “A”, e, em consequência, mantém-se o despacho recorrido.
   *
   Custas a cargo da recorrente.
   Registe e Notifique.
   ...”.
Trata-se de uma decisão que aponta para a boa solução do caso.
Assim, ao abrigo do disposto do nº 5 do artº 631º do CPCM, é de negar provimento ao recurso, com os fundamentos constantes na decisão impugnada.
*
IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a sentença recorrida.
*
Custas pela Recorrente.
Notifique e registe.
*
RAEM, aos 24 de Novembro de 2016.
Ho Wai Neng
Jose Candido de Pinho
Tong Hio Fong



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704/2016