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Processo n.º 600/2016 Data do acórdão: 2016-11-24 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– atenuação especial da pena
– art.º 18.º da Lei n.º 17/2009, de 10 de Agosto
S U M Á R I O

O mecanismo de atenuação especial da pena previsto no art.º 18.º da Lei n.º 17/2009, de 10 de Agosto, deve ser aplicado com prudência, pelo que a inverificação da hipótese referida na parte final desta norma afasta a priori a activação desta cláusula da atenuação especial da pena.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 600/2016
(Autos de recurso penal)
Recorrente (1.º arguido): A (A)



ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão proferido a fls. 494 a 502 dos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR2-15-0434-PCC do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que o condenou como autor material, na forma consumada, de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 8.º, n.º 1, da Lei n.º 17/2009, de 10 de Agosto (doravente abreviada como Lei de droga), na pena de cinco anos de prisão, e de um crime de consumo ilícito de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 14.º da mesma Lei, na pena de dois meses de prisão, e, em cúmulo jurídico dessas duas penas, na pena única de cinco anos e um mês de prisão, veio o 1.º arguido A, aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para imputar a essa decisão judicial o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada previsto no art.º 400.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal (CPP) e o problema do excesso na aplicação da pena (por, alegadamente, o Tribunal sentenciador, na operação da medida da pena que resultou na aplicação da pena demasiado pesada a ele, não ter ponderado sobre todas as circunstâncias a ele favoráveis, tais como: já confessou, com boa postura, os crimes acusados, não tem antecedentes criminais em Macau, tinha apenas 17 anos na altura da prática dos crimes, mostrou sincero arrependimento na audiência de julgamento, já tirou com sucesso o vício de toxicodependência durante o tempo de detenção na prisão, melhorou bastante o relacionamento com os seus familiares, já está ciente das más influências da sua conduta delituosa sobre os familiares e a sociedade, já sabe agora preocupar-se com outrem, está confiante em que uma vez liberto da prisão poderá continuar a estudar e ter uma vida honesta na sociedade, tendo, para este efeito, o apoio total das duas irmãs mais velhas, e colaborou ele activamente com o pessoal policial com fornecimento de informações sobre o corpo, as características e meios de contacto de diversos comparticipantes no crime de tráfico, o que fez instaurar com sucesso, no seio da Polícia Judiciária, um processo de inquérito penal), a fim de rogar materialmente a atenuação especial, quer à luz do art.º 18.º da Lei de droga quer sob a égide do art.º 66.º do Código Penal (CP), ou, pelo menos, a redução nos termos gerais do art.º 65.º do CP, da sua pena de prisão do crime de tráfico de estupefacientes, com nova medida concreta da pena correspondente a ser achada almejadamente em três anos e cinco meses de prisão, a qual, em cúmulo jurídico com a pena de dois meses de prisão do crime de consumo de estupefacientes, faria nascer pretendidamente nova pena única, adequada, de três anos e seis meses de prisão (cfr. com mais detalhes, a motivação do recurso apresentada a fls. 516 a 530 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu a Digna Delegada do Procurador junto do Tribunal a quo no sentido de manutenção do julgado (cfr. a resposta de fls. 532 a 537).
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 568 a 569v), pugnando também pela improcedência do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Como não vem impugnada a matéria de facto já descrita como provada nas páginas 6 a 9 do texto do acórdão recorrido (ora a fls. 496v a 498) e sendo o objecto do recurso circunscrito materialmente à medida da pena, é de tomar tal factualidade provada como fundamentação fáctica da presente decisão de recurso, nos termos permitidos pelo art.º 631.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, ex vi do art.º 4.º do CPP.
Dessa factualidade provada, sabe-se, de entre as outras coisas, que o 1.º arguido ora recorrente, um residente de Hong Kong, foi interceptado policialmente em 8 de Abril de 2015, trazendo na altura consigo, dentro do sapato usado no pé esquerdo, 21 saquinhos contentores da Cocaína, com um total de 1,8 grama de Cocaína pura, e que na busca feita na sequência disso no quarto de uma “vila” alugado por ele em Macau, foram descobertos 34 saquinhos contentores da Cocaína, com um total de 17,9 gramas de Cocaína pura, destinando este arguido aqueles 21 saquinhos de Cocaína à actividade de tráfico, e metade desses 34 saquinhos de Cocaína também ao tráfico, e os remanescentes 17 saquinhos de Cocaína ao seu consumo próprio.
Do exame dos autos, sabe-se também que:
– o 2.º arguido do presente processo foi capturado e investigado pela Polícia não na sequência das informações prestadas pelo 1.º arguido (cfr. o que resulta, a contrario sensu, do auto de participação policial de fls. 187 a 189);
– na fase do inquérito, o 1.º arguido forneceu à Polícia Judiciária informações sobre cinco pessoas alegadamente envolvidas na actividade de tráfico de droga, e das diligências investigatórias subsequentemente feitas a este respeito por essa Polícia só se conseguiu descobrir a identidade real de um desses indivíduos que ainda não foi capturado em Macau (cfr. o que se pode ler, nomeadamente, no processado de fls. 319 a 323, 325 a 326, 368, 371, 386, 390 a 391 e 413 a 415).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Desde já se observa que foi indevidamente invocado o vício aludido no art.º 400.º, n.º 2, alínea a), do CPP para sustentar o pedido de atenuação da pena. De facto, toda a argumentação tecida na motivação do recurso tem a ver propriamente com a alegada falta de ponderação, pelo Tribunal recorrido, de todas as circunstâncias favoráveis ao arguido recorrente em matéria de medida da pena, e não com a falta de investigação de algum ponto do tema probando dos autos, delimitado, no caso concreto do recorrente, na falta de apresentação por ele da contestação escrita à acusação (tal como se relatou no relatório do acórdão impugnado), por toda a factualidade imputada a ele nesse libelo, factualidade imputada essa que já se encontra totalmente investigada pelo Tribunal recorrido (tal como se pode concluir através da leitura da fundamentação fáctica).
E agora do pedido de atenuação especial da pena: do exame do processado anterior dos autos, sabe-se que as informações então fornecidas pelo arguido recorrente à Polícia Judiciária acabaram por resultar na identificação concretamente bem sucedida de um só suspeito, o qual nem sequer ficou capturado, pelo que na esteira da jurisprudência deste TSI, segundo a qual este mecanismo deve ser aplicado com prudência, a inverificação da hipótese referida na parte final do art.º 18.º da Lei de droga afasta a priori a activação desta “cláusula especial” da atenuação especial da pena do crime de tráfico de droga.
E no respeitante à também pretendida atenuação especial da pena nos termos da “cláusula geral” da atenuação especial da pena prevista no art.º 66.º do CP: a solução tem que ser a descontento do recorrente, porquanto tendo especialmente em conta a quantidade de Cocaína destinada pelo recorrente (que é um residente de Hong Kong que veio para Macau a praticar o crime de tráfico de droga) ao tráfico, a qual não é pouca, não é de atenuar-lhe especialmente a pena do delito de tráfico, em prol precisamente da necessidade normal da pena (necessidade essa que reclama a aplicação da pena concreta deste crime dentro da respectiva moldura “normal”, a fim de poder assegurar de modo adequado e suficiente as finalidades de punição, sobretudo na vertente de prevenção geral do crime) (cfr. o critério material vertido no n.º 1 do art.º 66.º do CP).
Por fim, no tangente à subsidiariamente pretendida redução, nos termos gerais do art.º 65.º do CP, da pena do crime de tráfico e, consequentemente, da pena única de prisão, realiza este Tribunal ad quem que vistas todas as circunstâncias fácticas já apuradas pelo Tribunal a quo e descritas como provadas no texto da decisão recorrida, e à luz dos padrões da medida da pena vertidos nos art.os 40.º, n.os 1 e 2, 65.º, n.os 1 e 2, e 71.º, n.os 1 e 2, do CP, a pena do crime do tráfico e a pena única de prisão achadas pelo Tribunal recorrido já não admitem mais margem para a redução.
Há, pois, que naufragar o recurso, sem mais indagação por ociosa.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar não provido o recurso.
Custas pelo arguido recorrente, com três UC de taxa de justiça.
Macau, 24 de Novembro de 2016.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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