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Proc. nº 409/2016
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 01 de Dezembro de 2016
Descritores:
-Acção para a determinação da prática de acto legalmente devido
-Competência do tribunal

SUMÁRIO:
I - Se o conhecimento do recurso contencioso de actos expressos praticados pelo Chefe do Executivo compete ao TSI, tal como a este mesmo tribunal também pertence a competência para decidir sobre a validade dos actos de indeferimento tácito da mesma entidade administrativa (art. 36º, 8), da LB), não faz sentido que a acção tendente à prática de um acto legalmente devido em caso de indeferimento tácito ou de recusa de prática de acto de conteúdo vinculado (art. 103º, nº1, do CPAC) não pertença à esfera de competência do mesmo TSI.
II - A coerência e a unidade do sistema reclama que se entenda que a qualidade, categoria funcional e importância do cargo exercido pelo Réu nestas acções deve determinar a competência jurisdicional para a sua apreciação (e assim se compreende a referência normativa contida no art. 107º do CPAC “qualquer que seja o tribunal competente”).
Proc. nº 409/2016

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
“A, Limitada”, sociedade comercial em Macau, na Av. xxx, nº xxx, Edifício xxxxxx, xº e xº andares, instaurou neste TSI “acção para determinação da prática de acto legalmente devido” moveu contra o Chefe do Executivo da RAEM.
O pedido formulado foi o de que se determinasse ao réu a prática de acto que aprecie a pretensão da autora manifestada num pedido que oportunamente lhe dirigiu acerca da troca de terrenos da autora situados na zona do Plano da Taipa Norte por outros do Governo.
O tribunal, visto que o Réu não suscitou esta matéria exceptiva, suscitou oficiosamente a questão da competência deste TSI para o conhecimento do pedido, face ao que dispõe o art. 3º do CPAC.
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As partes tiveram oportunidade de se pronunciar sobre o tema, o que fizeram, uma (autora) para defender que a competência pertence ao TSI, outra (réu) para expressar a ideia de que a competência pertencerá ao Tribunal Administrativo.
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Também o digno Magistrado do Ministério Público, através do parecer de fls. 227 e 228, teve ocasião de manifestar a sua opinião, concluindo que a competência não pertence a este TSI, mas sim ao Tribunal Administrativo.
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II - Apreciando
1 – A questão não é fácil, reconheçamo-lo, dada a desarmonia total entre Lei de Bases da Organização Judiciária e o Código de Processo Administrativo Contencioso.
O artigo 107º do CPAC ao estabelecer “Qualquer que seja o tribunal competente” está implicitamente, senão mesmo através de uma curiosa forma expressa, a admitir que a competência não é unívoca.
Ou seja, parece ser mais ou menos intuitivo que o CPAC não tomou uma posição definitiva quanto à competência jurisdicional para o conhecimento desta espécie de acções, abrindo o caminho para uma interpretação que tolere uma casuística repartição de competências.
O próprio art. 99º do CPAC não introduz nenhuma regra, muito menos define uma competência jurisdicional, que se aplique a todas as acções. Apenas admite que algumas possam ser apresentadas no T.A., para cujas hipóteses introduz alguns procedimentos a observar em matéria de julgamento da matéria de facto (será realizado em colectivo) e de elaboração da sentença (será proferida singularmente pelo juiz do processo).
Onde, então, procurar a fonte para a solução deste problema, perante a ausência de critérios definidores claros nesta matéria?
Vejamos.
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2 - O Tribunal Administrativo, a respeito das acções em matéria administrativa, dispõe de competência para as que forem destinadas ao “reconhecimento de direitos e interesses”, “prestação de informação, consulta do processo ou passagem de certidões”, “contratos administrativos” e “responsabilidade civil extracontratual.” (art. 30º, nº2, alínea 3), da Lei de Bases da Organização Judiciária).
É certo que o art. 30º da Lei de Bases não faz qualquer alusão à competência do T.A. para o conhecimento destas acções, sem embargo da alusão genérica e residual da al. 7), da al. 5), do art. 30º, da Lei de Bases. Mas, a verdade é que mal se compreenderia que a não tivesse em relação aos órgãos e entidades para os quais dela já dispõe para a espécie processual de recursos contenciosos.
É por isso que reconhecemos que não é fácil a concatenação dos preceitos da Lei de Bases com os do CPAC.
Por outro lado, quando o art. 99º, nº 4 do CPAC se refere ao T.A. não o faz para definir a competência do tribunal (não se trata de uma norma de competência judicial), mas apenas para consignar que, sempre que a competência para a decisão em determinada acção pertencer ao T.A., será sempre o juiz singular (titular do processo) o competente para proferir a sentença, mesmo que o julgamento de facto tenha sido realizado por um tribunal colectivo (art. 99º, nº 3, CPAC).
O Tribunal de Segunda Instância dispõe de competência para o conhecimento dos recursos dos actos praticados pelo Chefe do Executivo (art. 36º, al. 8), parágrafo (1), da Lei de Bases da Organização Judiciária). Não existe nesse artigo, porém, nenhuma norma sobre as acções que envolvam o Chefe do Executivo (ver, por exemplo, alíneas 2) e 4), do art. 36º da Lei de Bases.
O Tribunal de Última Instância, pelo contrário, já está abrangido pela competência jurisdicional para o conhecimento das acções dirigidas contra o Chefe do Executivo, mas apenas “por causa do exercício das suas funções” (art. 44º, al. 2, al. 5), da Lei de Bases), o que pode ser entendido como querendo limitar as acções às situações em que se discuta a responsabilização pessoal do demandado, o que não é o caso em que a sua posição passiva apenas decorre da titularidade do cargo exercido no seio da Administração Pública.
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3 - Em vista do exposto, é evidente que faz falta uma norma coerente e definidora da competência que tenha por missão harmonizar pacificamente esta matéria.
Mas, enquanto não surge essa alteração legislativa neste domínio, pensamos que a coerência e unidade do sistema reclama que se entenda que a qualidade, categoria funcional e importância do cargo exercido pelo Réu nestas acções deve determinar a competência jurisdicional para a sua apreciação (e assim se compreende a referência normativa contida no art. 107º já aludido “qualquer que seja o tribunal competente”).
É verdade que a Lei de Bases não prevê nenhuma “acção” que caiba no âmbito dos poderes jurisdicionais do TSI, nem no artigo destinado à competência (art. 36º), nem no referente às espécies da distribuição (art. 37º).
Todavia, o legislador do CPAC não se esqueceu de contemplar as “acções” no leque das espécies processuais a distribuir no TSI (art. 9º, 4ª).
Assim sendo, ou a competência caberá ao TSI - posição foi defendida por este mesmo tribunal a propósito de situação semelhante (Ac. TSI, de 12/03/2015, Proc. nº 340/2014) - ou pertencerá ao TA, para quem entende que esse tribunal mesmo sem norma expressa, dispõe de uma competência genérica e residual, digamos assim, para todas acções não especialmente não previstas, nos termos da já citada al. 7), da al. 5), do art. 30º, da Lei de Bases.
Cremos, no entanto que a melhor solução ainda será a que o TSI definiu no aresto citado. Se o conhecimento do recurso contencioso de actos expressos praticados pelo Chefe do Executivo compete ao TSI, tal como a este mesmo tribunal também pertence a competência para decidir os actos de indeferimento tácito da mesma entidade administrativa (art. 36º, 8), da LB), não faz sentido que a acção tendente à prática de um acto legalmente devido em caso de indeferimento tácito ou de recusa de prática de acto de conteúdo vinculado (art. 103º, nº1, do CPAC) não pertença à esfera de competência do mesmo TSI.
Trata-se de uma solução que, se não tiver abrigo do art. 9º, 4º espécie, do CPAC, ao menos tê-lo-á de acordo com o mecanismo da integração lacunar evisto no art. 9º, nº3, do Código Civil.
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III - Decidindo
Face ao exposto, acordam em declarar este TSI o tribunal competente para o conhecimento da presente acção.
Sem custas.
Notifique.
TSI, 01 de Dezembro de 2016
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fui Presente
Joaquim Teixeira de Sousa











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