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Processo n.º 181/2016
(Revisão de Sentença do Exterior)

Relator: João Gil de Oliveira

Data: 1/Dezembro/2016


ASSUNTOS:

- Revisão de sentença
- Requisitos formais necessários para a confirmação
- Colisão ou não com matéria da exclusiva competência dos Tribunais de Macau
- Compatibilidade com a ordem pública

   SUMÁRIO:
  
  1. Com o Código de Processo Civil (CPC) de 1999, o designado privilégio da nacionalidade ou da residência constante da anterior al. g) do artigo 1096º do CPC, deixou de ser considerado um requisito necessário, passando a ser configurado como mero obstáculo ao reconhecimento, sendo a sua invocação reservada à iniciativa da parte interessada, se residente em Macau, nos termos do artigo 1202º, n.º 2 do CPC.
  
  2. Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.
  
  3. Quanto aos requisitos relativos ao trânsito em julgado, competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, o tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.
  
  4. É de confirmar a sentença proferida por um Tribunal de Taiwan que declarou a existência de um casamento cuja dissolução foi invalidada, não se vislumbrando qualquer violação ou incompatibilidade com a ordem pública ou qualquer obstáculo à revisão dessa sentença.
   
O Relator,

João A. G. Gil de Oliveira








Processo n.º 181/2016
(Revisão de Sentença do Exterior)

Data : 1/Dezembro/2016

Requerente : - A

Requerida : - B
    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I – RELATÓRIO
    A, mais bem identificado nos autos, vem requerer contra
    B, também ela aí mais bem identificada,
    nos termos do art.° 1199º e segs. do C.P.C.,
REVISÃO E CONFIRMAÇÃO DE SENTENÇA PROFERIDA POR TRIBUNAL DO EXTERIOR DE MACAU,
    o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
     1.º
    O requerido, A e a requerida, B, contraíram casamento civil em Macau, sob o regime da comunhão geral de bens, em 30 de Outubro de 2010.
     2.º
    Tal casamento foi, no entanto, alegadamente dissolvido, por sentença proferida, em Taiwan, em 21 de Fevereiro de 2012.
    Por outro lado,
     3.º
    Por processo que correu os seus termos por este mesmo Tribunal, com o n.º 743/2014, foi aquela decisão revista e confirmada em Macau.
    Ora sucede que,
     4.º
    Por nova decisão, datada de 27/10/2015, do Tribunal de Taiwan - Comarca de Tainan (臺灣臺南地方法院), do Juiz de Família, já transitada em 24/11/2015, foi julgado procedente o pedido formulado pelo ora requerente e, em conformidade, "foi reconhecida a existência da relação matrimonial entre as partes" (tradução nossa) (doc. n.º 1).
    De facto,
     5.º
    Tendo em conta que o divórcio peticionado pela ora requerida teve por base, confessadamente, declarações e assinaturas falsas, aquele pedido formulado pelo requerente foi julgado procedente e, consequentemente, como se disse, "reconhecido a existência de uma relação matrimonial", entre requerente e requerida.
     6.º
    É esta decisão - que anula a decisão anterior, que decretou o divórcio entre requerente e requerida - que ora se pretende rever e confirmar.
     7.º
    Não há dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão a rever, nem sobre a inteligibidade de mesma (art. 1200°, n.º 1, al. a) do C.P.C.).
     8.º
    A decisão transitou em julgado (al. b) do citado art. );
     9.º
    Provém de tribunal competente (al. c) do citido art. );
     10.º
    Não pode invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado - no caso, o que se pretende é exactamente anular uma decisão já transitada, através dos respectivos meios legais - (al. d) do citado art. );
     11.º
    A ré, ora requerida foi regularmente citada e exerceu o respectivo contraditório (al. e) do citado art. ); e
     12.º
    A decisão não conduz, finalmente, a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública (al. f) do citado art. ).
    Nestes termos,
    E nos mais de direito que V. Exas. suprirão, deverá ser revista e confirmada a sentença do Juiz de Família do Tribunal de Taiwan, Comarca de Tainan (臺灣臺南地方法院), datada de 27/10/2015, pela qual pelos motivos então invocados, foi "reconhecida a existência de relação matrimonial" entre requerente e requerida.

     Não foi deduzida oposição.
    
    O Digno Magistrado do Ministério Público pronuncia-se no sentido de não vislumbrar obstáculo à revisão em causa.

Foram colhidos os vistos legais.


     II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
O Tribunal é o competente internacionalmente, em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária, dispondo de legitimidade ad causam.
     Inexistem quaisquer outras excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer.
    
    III - FACTOS
Com pertinência, vem certificado pelo Tribunal de Taiwan:

SENTENÇA CÍVEL DO TRIBUNAL DISTRITAL DE TAINAN DE TAIWAN

N.º 252 da série de Du Hun Zi (2015)
Autor:
A, residente em…, Cidade de Tainan
Mandatário judicial:
Advogado Gao Huayang (高華陽), advogado Zeng Xianci (曾獻賜), advogado Zhan Bingda (詹秉達)
Ré:
B, residente em …, Cidade de Gaoxiong
Mandatário judicial:
Advogado Wang Chaoyang (王朝揚)


  As aludidas partes pediram a confirmação da existência da relação matrimonial. Tendo terminada a audiência de julgamento em 13 de Outubro de 2015, o presente Tribunal decide decretar o seguinte:
  Confirmar a existência da relação matrimonial entre o autor e a ré.
  As custas no montante de NT$3.000,00 pela ré.

Factos e fundamentos:
I. O autor alegou que:
1. O autor e a ré contraíram casamento sob o registo na RAEM em 30 de Outubro de 2002, e efectuaram o registo de casamento na Direcção de Assuntos Cíveis de Nanqu da Cidade de Tainan em 11 de Dezembro de 2003, e divorciaram-se por mútuo consentimento em 21 de Fevereiro de 2012. As testemunhas C e D não estiveram presentes no momento de divórcio, não confirmaram a vontade real de divórcio do autor. Em comparação das letras de B, D e C, as assinaturas das testemunhas de C e D são falsificadas pela ré, assim, o divórcio por mútuo consentimento é nulo ab initio, o autor intentou a presente acção de confirmação da nulidade de divórcio por mútuo consentimento (confirmação de existência da relação matrimonial).
2. Embora haja assinaturas de C e de D no acordo de divórcio, o autor não esteve presente quando estes dois assinaram. Uma vez que as testemunhas C e D já não têm nenhum contacto com o autor, daí não podem confirmar a vontade de divórcio do autor, ademais, durante o período de acordo de divórcio por mútuo consentimento e o registo de divórcio, o autor não teve encontro com as duas testemunhas, daí também se podem constatar que as testemunhas não confirmaram pessoalmente a vontade real de divórcio do autor, este divórcio é nulo ab initio.
3. Solicitou que: confirmação da existência da relação de casamento.

II. A ré alegou que: embora o acordo de divórcio não fosse assinado pessoalmente pelas testemunhas, as testemunhas são residentes de Macau e chegaram Tai Wan em 2006, não conheceram bem os caracteres tradicionais chineses, logo, os formulários foram preenchidos pela ré em Taiwan, a ré e as duas testemunhas exerceram a actividade de jóia na Rua de Zhong Hua Xi da Cidade de Tainan. No dia de celebração do acordo de divórcio, o autor e a ré pediram o divórcio junto da Direcção de Assuntos Cíveis, mas o pessoal da Direcção disse que precisa de duas testemunhas, por isso os dois foram à Rua de Zhong Hua Xi para procurar as duas testemunhas e pedir as assinaturas no acordo de divórcio, embora as testemunhas não assinassem pessoalmente, mas já sabiam bem a vontade de divórcio do autor e da ré e incumbiram a ré a assinar e preencher os dados.

III. Fundamentos de convicção:
1. A acção de confirmação de relação jurídica só pode ser intentada quando o autor tem interesses jurídicos resultantes da sentença de confirmação, nos termos do art.º 247.º n.º 1 do Código de Processo Civil. Entende-se por chamados interesses jurídicos resultantes da sentença de confirmação a posição do autor no direito privado que é susceptível de ser eventualmente lesada devido à indeterminação da existência da relação jurídica, esse perigo de lesão pode ser afastado através da sentença de confirmação, pelo que, a acção de confirmação de existência ou não da relação jurídica pressupõe os interesses jurídicos resultantes da sentença de confirmação (vide a sentença do Processo n.º 1031 da série de Tai Shang Zi (1952) do Supremo Tribunal). Através da investigação, o autor alegou que ele e a ré eram casal e efectuaram registo de divórcio em 21 de Fevereiro de 2012, além disso, o autor prestou a cópia de registo de domicílio, a cópia de pedido de divórcio n.º 1040109371 da série de Nan Shi Nan Hu Zi de 15 de Setembro de 2015 da Direcção de Assuntos Cíveis de Nanqu da Cidade de Tainan, a cópia de acordo de divórcio (adiante designado por “acordo de divórcio”). O autor alegou ainda que as testemunhas não estiveram presentes no momento de registo de divórcio, nem sabiam a vontade real de divórcio do autor, não preenchendo os requisitos de forma de divórcio por mútuo consentimento previstos no art.º 1050.º do Código Civil, a ré, por seu lado, não impugnou este facto, assim, existe obscuridade na existência ou não da relação matrimonial, podendo ser afastada pela sentença de confirmação. O autor intentou a acção e pediu a confirmação da existência da relação matrimonial, tem interesses jurídicos resultantes da sentença de confirmação.
2. O divórcio por mútuo consentimento deve ser feito por escrito, com as assinaturas de mais de duas testemunhas e o registo de divórcio no órgão de assuntos cíveis, nos termos do art.º 1050.º do Código Civil. As assinaturas de mais de duas testemunhas exigidas pelo art.º 1050.º do Código Civil não precisam de ser necessariamente feito no momento de emissão de certidão de divórcio, e as testemunhas não precisam de ser necessariamente presentes no momento de celebração do acordo de divórcio, podendo não ver ou ouvir pessoalmente a vontade real de divórcio das partes (vide sentença do Processo n.º 3792 da série de Tai Shang Zi (1979) do Supremo Tribunal).

1. O autor invocou que as testemunhas C e D não viram nem ouviram pessoalmente a vontade real de divórcio do autor, mas isso foi negado pela ré. A testemunha D declarou que quando a ré levou o acordo de divórcio ao mercado de jade para que ela apostou o carimbo, mas ela não se lembrou de que se o autor esteve presente ou não na altura e teve ou não contacto com o autor antes ou depois de apostar carimbo; a testemunha C declarou que a ré levou o acordo de divórcio ao mercado de jade e disse que ela quis divorciar-se do autor, mas também se esqueceu de que se o autor esteve presente ou não na altura e posteriormente quando encontrou o autor, ele também não falou de divórcio (vide o auto de 13 de Outubro de 2015 do presente Tribunal), daí não se pode verificar que as testemunhas D e C viram ou ouviram pessoalmente a vontade real de divórcio do autor no momento de celebração do acordo de divórcio.
2. A testemunha C ainda alegou que “o mandatário judicial do autor perguntou: você disse que encontrou A no dia de apostar carimbo, mas ele não falou contigo sobre o divórcio?” Há alguns dias antes os dois falaram sobre disso... “perguntou: antes do dia de apostar carimbo, o que é que os dois falaram?” Eles falaram sobre o divórcio às vezes no mercado de jade, às vezes em outros locais. Já sabemos disso muito cedo. “O mandatário judicial do autor perguntou: as parte já falaram o divórcio por várias vezes?” Sim. “Perguntou: sabia que as partes quiseram o divórcio?” Sabemos, eles dedicaram os seus negócios separadamente e não se deram muito bem. “O mandatário judicial do autor perguntou: no momento da celebração do acordo de divórcio, você não perguntou o autor sobre disso?” Esqueci-me. A testemunha C declarou que após o casamento, os dois não se deram bem, separaram-se por muitos anos e falaram sobre o divórcio pelo menos 10 vezes, e ele também se esqueceu de que se o autor esteve presente ou não no dia de apostar carimbo. A testemunha disse “às vezes em mercado de jade” e “às vezes em outros lugares”, mas não pode invocar a hora e o local exactos e quem falou disse. Não se pode verificar que a testemunha C viu ou ouviu pessoalmente a vontade real de divórcio do autor no momento da celebração do acordo de divórcio.
3. Face ao exposto, o acordo de divórcio por mútuo consentimento não preenche os requisitos legais, por consequência, o pedido do autor no sentido de existência da relação matrimonial é procedente, devendo ser confirmado.
4. A fundamentação da sentença já foi provada, os demais meios de defesa e as provas produzidas não afectarão o resultado da sentença.
5. O fundamento jurídico das custas: art.º 51.º da Lei de Assuntos Familiares, art.º 78.º e art.º 87.º n.º 1 do Código de Processo Civil.
Aos 27 de Outubro de 2015
O juiz do Juízo de Assuntos Familiares: Lin Yuzhi (林育幟)

  Podem apresentar petição de recurso junto do presente Tribunal no prazo de 20 dias a partir da data da notificação da sentença. Quem deduz recurso através de advogado deve pagar as custas de recurso.

Aos 27 de Outubro de 2015
O escrivão judicial: Li Shuhui (李淑惠)

REPUBLIC OF CHINA (TAIWAN)
No. 104100021627-001
MINISTRY OF FOREIGN AFFAIRS
REPUBLIC OF CHINA
This is to certify that the Signature/seal os Notary Public, Tannan District Court is authentic.

2. Mais se certifica o trânsito:

“Certidão de trânsito em julgado da sentença cível do Tribunal Distrital de Tainan de Taiwan

  A sentença da 1ª instância de 27 de Outubro de 2015, no sentido de confirmação da existência da relação matrimonial entre o autor A e a ré B no Processo n.º 252 da série de Du Hun Zi (2015) do Tribunal Distrital de Tainan de Taiwan, transitou em julgado em 24 de Novembro de 2015.
  Aos 4 de Dezembro de 2015

Notas:
Os processos de estado pessoal (tais como perfilhação, adopção, cessão de adopção, divórcio, tutela, assistência, alteração de apelido, etc.) deve proceder ao registo junto do respectivo órgão de assuntos cíveis no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da sentença.

Juízo de Assuntos Familiares do Tribunal Distrital de Tainan de Taiwan
O juiz: Lin Yizhi (林育幟)”


IV - FUNDAMENTOS
O objecto da presente acção - revisão de sentença de declaração de existência de relação matrimonial pela autoridade competente da cidade de Tainan, Taiwan, - de forma a produzir aqui eficácia, passa pela análise das seguintes questões:
- Requisitos formais necessários para a confirmação;
- Colisão ou não com matéria da exclusiva competência dos Tribunais de Macau;
- Compatibilidade com a ordem pública;
*
1. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública.
2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Com o Código de Processo Civil (CPC) de 1999, o designado privilégio da nacionalidade ou da residência - aplicação das disposições de direito privado local, quando este tivesse competência segundo o sistema das regras de conflitos do ordenamento interno - constante da anterior al. g) do artigo 1096º do CPC, deixou de ser considerado um requisito necessário, passando a ser configurado como mero obstáculo ao reconhecimento, sendo a sua invocação reservada à iniciativa da parte interessada, se residente em Macau, nos termos do artigo 1202º, n.º 2 do CPC.
A diferença, neste particular, reside, pois, no facto de que agora é a parte interessada que deve suscitar a questão do tratamento desigual no foro exterior à R.A.E.M., facilitando-se assim a revisão e a confirmação das decisões proferidas pelas autoridades estrangeiras, respeitando a soberania das outras jurisdições, salvaguardando apenas um núcleo formado pelas matérias da competência exclusiva dos tribunais de Macau e de conformidade com a ordem pública.
Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a decisão estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade1, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.
Dúvidas não resultam quanto à confirmação da existência da relação de casamento, tendo considerado inválida a dissolução do casamento proferida à luz do ordenamento de Taiwan.
Vejamos então os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.

3. Autenticidade e inteligibilidade da decisão.
Parece não haver dúvidas de que se trata de um documento autêntico devidamente selado e traduzido, certificando-se uma decisão proferida pelo tribunal competente de Taiwan, da República da China, Taiwan, face às leis do ordenamento respectivo, cujo conteúdo facilmente se alcança, em particular no que respeita à parte decisória – manutenção do casamento.2
4. Quanto aos requisitos relativos ao trânsito em julgado, competência do autoridade do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, dispõe o artigo 1204º do CPC:
    “O tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito”.
   Tal entendimento já existia no domínio do Código anterior,3 entendendo-se que, quanto àqueles requisitos, geralmente, bastaria ao requerente a sua invocação, ficando dispensado de fazer a sua prova positiva e directa, já que os mesmos se presumiam4.
   É este, igualmente, o entendimento que tem sido seguido pela Jurisprudência de Macau.5
   Ora, nada resulta dos autos ou do conhecimento oficioso do Tribunal, no sentido da não verificação desses requisitos que assim se têm por presumidos.
   Resulta até dos documentos juntos que a decisão proferida transitou em julgado a partir de 24 de Novembro de 2015.
5. Já a matéria da competência exclusiva dos Tribunais de Macau está sujeita a indagação, implicando uma análise em função do teor da decisão revidenda, à luz, nomeadamente, do que dispõe o artigo 20º do CC:
“A competência dos tribunais de Macau é exclusiva para apreciar:
a) As acções relativas a direitos reais sobre imóveis situados em Maca
b) As acções destinadas a declarar a falência ou a insolvência de pessoas colectivas cuja sede se encontre em Macau.”
Ora, ainda aqui se observa que nenhuma das situações contempladas neste preceito colide com o caso sub judice.

   6. Da ordem pública.
Não se deixa de ter presente a referência à ordem pública, a que alude o art. 273º, nº2 do C. Civil, no direito interno, como aquele conjunto de “normas e princípios jurídicos absolutamente imperativos que formam os quadros fundamentais do sistema, pelo que são, como tais, inderrogáveis pela vontade dos indivíduos.”6 E se a ordem pública interna restringe a liberdade individual, a ordem pública internacional ou externa limita a aplicabilidade das leis exteriores a Macau, sendo esta última que relevará para a análise da questão.
No caso em apreço, em que se pretende confirmar a decisão que declarou a existência do casamento, julgando inválida a dissolução sobrevinda, entre o ora requerente e a sua esposa, não se vislumbra que haja qualquer violação ou incompatibilidade com a ordem pública.
   Aliás, sempre se realça que o nosso direito substantivo prevê a invalidade dos actos e contratos familiares, nomeadamente, por vício da vontade.
O pedido de confirmação de decisão do Exterior não deixará, pois, de ser procedente, não vindo referidos quaisquer acordos que importe confirmar.

Assim se confirmará a decisão proferida, tal como requerido.
   
   V - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam conceder a revisão e confirmar a a sentença do Juiz de Família do Tribunal de Taiwan, Comarca de Tainan (臺灣臺南地方法院), datada de 27/10/2015, pela qual pelos motivos então invocados, foi "reconhecida a existência de relação matrimonial" entre requerente e requerida, nos exactos termos constantes da sentença certificada nos autos e transitada que foi em 24 de Novembro de 2015.
Custas pelo requerente.
Macau, 1 de Dezembro de 2016,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
    
    


1 - Alberto dos Reis, Processos Especiais, 2º, 141; Proc. nº 104/2002 do TSI, de 7/Nov/2002
2 - Ac. STJ de 21/12/65, BMJ 152, 155
3 - cfr. artigo 1101º do CPC pré-vigente
4 - Alberto dos Reis, ob. cit., 163 e Acs do STJ de 11/2/66, BMJ, 154-278 e de 24/10/69, BMJ, 190-275
5 - cfr. Ac. TSJ de 25/2/98, CJ, 1998, I, 118 e jurisprudência aí citada, Ac. TSI de 27/7/2000, CJ 2000, II, 82, 15/2/2000, CJ 2001, I, 170, de 24/5/2001, CJ 2001, I, 263 de 11/4/2002, proc. 134/2002 de 24/4/2002, entre outros
6 -João Baptista Machado, Lições de DIP, 1992, 254
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