Processo nº 919/2016 Data: 13.12.2016
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Liberdade condicional.
Pressupostos.
SUMÁRIO
1. A liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.
2. É de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.
O relator,
José Maria Dias Azedo
Processo nº 919/2016
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A (A), com os restantes sinais dos autos e ora presa no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida o vício de violação do disposto no art. 56° do C.P.M.; (cfr., fls. 107 a 122 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).
*
Em resposta, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 126 a 127).
*
Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Na Motivação do recurso (fls.107 a 122 dos autos), a recorrente solicitou a revogação do douto despacho recorrido e a concessão da liberdade condicional, assacando-lhe o vício de violação do preceituado no art.56° do CPM, por entender que ele reunir todos os pressupostos.
*
No douto despacho sob impugnação (fls.91 a 93 dos autos), a MMa Juiz a quo chegou à conclusão de a recorrente preencher o pressuposto prescrito na alínea a) do n.°1 do art.56° do CPM, pois é a preocupação com a prevenção geral que determinou o indeferimento do pedido da liberdade condicional, indeferimento que vê incorporado no despacho em crise.
Atendendo ao teor da carta de fls.132 e aos documentos de fls.133 a 141 dos autos, afigura-se-nos acreditável que a mãe da recorrente carece de cuidado e campanha da mesma, em virtude de estar hospitalizada por doença bastante grave – não doença diminuta.
À luz do preceituado nos n.°1 e n.°2 do art.43° do CPM, entendemos que a visão humanista e o respeito pelos valores de humanismos, enunciados no preâmbulo do D.L. n.°58/95/M, orientam igualmente a execução da pena de prisão, inclusive a liberdade condicional.
Doutro lado, e ressalvado o muito elevado respeito pela cautelosa preocupação da MMa Juiz a quo, parece-nos que a concessão da liberdade condicional com fundamento em eminente razão humanitária pode, em certa medida, neutralizar o efeito nocivo e a negativa repercussão para a prevenção geral. Daí decorre que, segundo a nossa modesta opinião, se pode, em sede do recurso, ponderar documentos supervenientes que não haviam sido tidos em consideração na 1ª instância.
Nesta linha de perspectiva, e sem prejuízo do respeito pelo melhor ponto de vista em sentido contrário, inclinamos a opinar em concessão da liberdade condicional pretendida, para que a ora recorrente possa prestar piedade e cuidado à sua mãe que está com grave doença.
Por todo o expendido acima, propendemos pela procedência do presente recurso”; (cfr., fls. 148 a 148-v).
*
Corridos os vistos legais dos Mmos Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.
*
Passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):
– por Acórdão do T.U.I. de 18.09.2013, foi A, ora recorrente, condenada numa pena de 6 anos e 9 meses de prisão, pela prática de um crime de “tráfico de estupefacientes”;
– a mesma recorrente, deu entrada no E.P.C. em 20.04.2012, e em 18.10.2016, cumpriu dois terços da referida pena, vindo a expiar totalmente a mesma pena em 18.01.2019;
– em caso de vir a ser libertada, irá viver com a sua mãe, em HEILONGJIANG, R.P.C., de onde é natural, tencionando trabalhar como empregada comercial.
Do direito
3. Insurge-se a ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do art. 56° do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.
Porém, cremos que se terá que negar a pretensão apresentada.
Vejamos.
— Preceitua o citado art. 56° do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:
“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).
Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. n.° 1).
“In casu”, atenta a pena que à recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente presa desde 20.04.2012, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.
Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do n.° 1 do referido art. 56°.
Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).
Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 23.06.2016, Proc. n.° 430/2016, de 03.11.2016, Proc. n.° 726/2016 e de 24.11.2016, Proc. n.° 798/2016).
Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.
Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?
Como atrás se deixou adiantado, cremos que de sentido negativo deve ser a resposta.
Com efeito, independentemente do demais, e, nomeadamente, da alegada “situação médica” da mãe da ora recorrente que, sem prejuízo do muito respeito por entendimento em sentido diverso, não se mostra de considerar já que apenas justificada com meras fotocópias, não sendo assim de se ter tal factualidade como “assente”, importa ter presente o tipo de crime cometido, (o de “tráfico de estupefacientes”), os graves seus prejuízos e malefícios para a saúde pública, (muito) fortes sendo as necessidades de prevenção criminal (geral).
Por sua vez, ponderando na pena aplicada, na já expiada e, em especial, no período de pena que ainda falta cumprir, apresenta-se-nos que, por ora, viável não se mostra de considerar como verificado o pressuposto do art. 56, n.° 1, al. b) do C.P.M., havendo pois que acautelar a repercussão de tal tipo criminalidade na sociedade, não podendo ser postergadas as exigências de tutela do ordenamento jurídico, (cfr., F. Dias in “Dto Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 528 e segs.), havendo igualmente que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade no que toca à validade da norma violada através do “restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada”; (cfr., F. Dias in “Temas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 106).
Assim, em face das expostas considerações, e verificados não estando os pressupostos do art. 56°, n.° 1 do C.P.M., há que confirmar a decisão recorrida.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.
Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 13 de Dezembro de 2016
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 919/2016 Pág. 12
Proc. 919/2016 Pág. 13