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--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------------
--- Data: 13/12/2016 ---------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. José Maria Dias Azedo -----------------------------------------------------------------
Processo nº 920/2016
(Autos de recurso penal)

(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)

Relatório

1. A (A), com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida o vício de violação do disposto no art. 56° do C.P.M.; (cfr., fls. 75 a 84 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).

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Em resposta, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 86 a 86-v).

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Em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público douto Parecer, opinando no sentido da improcedência do recurso.

Tem o Parecer o seguinte teor:

“Inconformado com a denegação da liberdade condicional por ocasião dos 2/3 do cumprimento de pena, recorre o recluso A do respectivo despacho, datado de 27 de Outubro de 2016.
Sustenta, em suma, que estavam preenchidos todos os requisitos legalmente exigidos para a concessão da liberdade condicional, pelo que, ao decidir de forma diversa, o despacho recorrido teria violado a norma do artigo 56.° do Código Penal.
Tal como bem refere o Ministério Público em primeira instância, não se detecta qualquer vício no despacho recorrido, pelo que o recurso se nos afigura manifestamente votado ao insucesso.
Vejamos.
A liberdade condicional visa preparar, de forma controlada, o regresso do recluso ao seio da comunidade. Intentando acautelar e compatibilizar simultaneamente o interesse do recluso e da comunidade, o instituto é propício a situações de tensão dialéctica, cuja solução residirá na reunião perfeita dos pressupostos exigidos no artigo 56.° do Código Penal.
Resulta deste normativo que a libertação condicional de um recluso, para além de ter o assentimento deste, depende dos demais pressupostos formais e materiais aí enunciados.
Nenhuma questão se levanta quanto ao assentimento e verificação dos pressupostos formais.
O problema reside na observância dos requisitos materiais.
Conforme jurisprudência dos tribunais da Região Administrativa Especial de Macau, a liberdade condicional é de aplicação casuística, dependendo a sua concessão da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em consonância com as regras de convivência, e desde que tal se mostre compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social, estando implícitas neste último requisito material considerações de prevenção geral sob a forma de exigência mínima irrenunciável da preservação e defesa da ordem jurídica – v. g., acórdãos do Tribunal de Segunda Instância, de 09.09.2004 e de 03.07.2008, proferidos nos processos 214/2004 e 378/2008, respectivamente, e citados por Leal-Henriques em anotação “Anotação e Comentário ao Código Penal de Macau”.
No caso vertente, suscitam-se, desde logo, dúvidas em sede de prevenção especial. O recorrente, tendo sido expulso de Macau e proibido de voltar a entrar durante 6 anos, logo reentrou ilegalmente para, escassos meses volvidos, cometer os crimes por que foi condenado. Esta personalidade de evidenciada tendência desviante, com passado de ligação a redes marginais, apesar de não haver provocado problemas na prisão, não tem aproveitado o tempo para se valorizar, nomeadamente através de cursos promovidos no estabelecimento, cuja frequência, para além de conferir formação e proporcionar participação em iniciativas comunitárias no âmbito prisional, sempre contribui para propiciar uma aproximação à vivência de ocupação que caracteriza a vida no exterior, assim atenuando os efeitos da desinserção social provocada pela detenção. O que permite pôr em causa a preparação do recorrente para um regresso antecipado à vida em liberdade.
Depois, não podemos esquecer a questão da prevenção geral. Prevenção geral positiva ou de integração, enquanto exigência de tutela do ordenamento jurídico, que se manifesta primordialmente no momento chave da aplicação da pena, mas que não pode menosprezar-se na avaliação das condições de concessão da liberdade condicional – cf. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, parágrafos 283 e 852.
Os tipos de ilícito que levaram à condenação (reentrada ilegal, usura e sequestro), cometidos numa região onde a economia é dominada pelo jogo, têm necessariamente impacto e consequências perniciosas para a confiança indispensável ao bom funcionamento do modelo económico de Macau. Neste contexto, a libertação condicional do condenado, quando falta cumprir um terço da pena de prisão que lhe foi aplicada, pode colocar em causa as finalidades de prevenção positiva que devem ser salvaguardadas na concessão da liberdade condicional.
Impõe-se, pois, concluir que a decisão recorrida efectuou uma correcta ponderação de todos os aspectos a considerar na concessão da liberdade condicional, em consonância com os comandos do artigo 56.° do Código Penal, pelo que nenhuma razão assiste ao recorrente, devendo, salvo melhor juízo, rejeitar-se o recurso”; (cfr., fls. 93 a 94-v).

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Em sede de exame preliminar constatou-se da manifesta improcedência do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):

– por Acórdão do T.J.B. de 10.07.2015, foi, A, ora recorrente, condenado na pena única de 3 anos de prisão, pela prática, em concurso real, dos crimes de “usura para jogo”, “sequestro” e “reentrada ilegal”;
– o mesmo recorrente, deu entrada no E.P.C. em 28.10.2014, e em 27.10.2016, cumpriu dois terços da referida pena, vindo a expiar totalmente a mesma pena em 27.10.2017;
– se lhe vier a ser concedida a liberdade condicional, irá regressar à ZHUHAI, R.P.C., de onde é natural, vivendo com a sua família, não possuindo perspectivas de ocupação profissional.

Do direito

3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do art. 56° do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.

Porém, como se deixou adiantado, cremos que se deve julgar improcedente a pretensão deduzida.

Vejamos.

— Preceitua o citado art. 56° do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:

“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).

Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. n.° 1).

“In casu”, atenta a pena única que ao recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 28.10.2014, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.

Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do n.° 1 do referido art. 56°.

Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).

Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 23.06.2016, Proc. n.° 430/2016, de 03.11.2016, Proc. n.° 726/2016 e de 24.11.2016, Proc. n.° 798/2016).

Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.

Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?

Apresenta-se-nos que de sentido negativo deve ser a resposta.

De facto, (e independentemente do demais), atento, em especial, os tipos de crimes pelo ora recorrente cometidos, sendo crimes cujos índices aumentam de forma preocupante, e notando-se que ocorreram enquanto o ora recorrente cá se encontrava ilegalmente, tendo-se introduzido em Macau de forma clandestina menos de 4 meses depois de ser expulso e proibido de voltar, (violando assim uma ordem de proibição de reentrada até 2020), (muito) fortes são as necessidades de prevenção criminal, importando pois acautelar a sua repercussão na sociedade, o que equivale a dizer que não podem ser postergadas as exigências de tutela do ordenamento jurídico; (cfr., F. Dias in “Dto Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 528 e segs.), havendo igualmente que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade no que toca à validade da norma violada através do “restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada”; (cfr., F. Dias in “Temas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 106).

Assim, em face das expostas considerações, e verificados não estando os pressupostos do art. 56°, n.° 1 do C.P.M., há que decidir em conformidade.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, decide-se rejeitar o recurso.

Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 3 UCs, pagando também o correspondente a 3 UCs como sanção pela rejeição do recurso.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Oportunamente, nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 13 de Dezembro de 2016
José Maria Dia Azedo
Proc. 920/2016 Pág. 12

Proc. 920/2016 Pág. 13