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Processo nº 177/2016 Data: 07.12.2016
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “usura para jogo”.
Vícios da decisão da matéria de facto.
Pena.
Teoria da margem da liberdade.

SUMÁRIO

  Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.

O relator,

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José Maria Dias Azedo

Processo nº 177/2016
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, com os sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenado pela prática de 1 crime de “usura para jogo”, p. e p. pelo art. 13°, n.° 1 da Lei n.° 8/96/M e art. 219°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 7 meses e 15 dias de prisão suspensa na sua execução por 2 anos, e na pena acessória de proibição de entrada nas salas de jogo por 2 anos; (cfr., fls. 198 a 202-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o arguido recorreu, imputando à sentença recorrida o vício de “erro notório na apreciação da prova” e “excesso de pena”; (cfr., fls. 207 a 215).

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Respondeu o Ministério Público pugnando pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 222 a 227).

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Neste T.S.I., deu-se observância ao estatuído no art. 406° do C.P.P.M..

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Em sede de vista, juntou agora o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Na Motivação de fls.208 a 215 dos autos, o recorrente assacou, à douta sentença sob sindicância, o erro notório na apreciação de prova, a violação do preceito no art.13° da Lei n.°8/96/M, e finalmente a ofensa das disposições nos n.°2 do art.40°, n.°1 e n.°2 do art.43°, e n.°1 do art.65°, todos do Código Penal de Macau.
Antes de mais, subscrevemos as criteriosas explanações da ilustre Colega na Resposta (cfl. fls.222 a 227 dos autos).
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No que respeite ao «erro notório na apreciação de prova» previsto na c) do n.°2 do art.400° do CPP, é pacífica e consolidada, no actual ordenamento jurídico de Macau, a seguinte jurisprudência (cfr. a título meramente exemplificativo, Acórdãos do Venerando TUI nos Processo n.°17/2000, n.°16/2003, n.°46/2008, n.°22/2009, n.°52/2010, n.°29/2013 e n.°4/2014):
O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, oi seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta.
No caso sub iudice, o recorrente arrogou que os factos elencados no art.2° da Motivação feriam do erro notório na apreciação de prova, viste que «e.首先,原審法庭在事實判斷中只認定第一嫌犯B曾參與出資予被害人作賭博之用,沒有對任何其他人士作明確認定,但卻結論出一下為已證事實。»
Ora bem, trata-se duma arguição manifestamente ignorante ou até maquiavélica. Pois, na parte «事實判斷» da sentença em crise, a MMa Juiz a quo apontou com toda a clareza: «由嫌犯A將港幣120,000元的籌碼交予其賭博,……,在其輸光借款後,嫌犯A再提議借款港幣80,000元予其賭博», «在審判聽證中播放了星際娛樂場在案發時的監控錄影片段,當中顯示證人C在賭博過程中贏出時曾多次將籌碼交予嫌犯B或A,又或與兩名嫌犯之其中一人交換籌碼。» (sublinhas nossas)
Com efeito, colhemos que a apreciação da prova pela MMa Juiz a quo se mostra equilibrada, sintética e exacta, não enferma do erro notório invocado pelo recorrente.
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Na douta sentença em escrutínio, a MMa Juiz a quo deu como provado, e bem, que «嫌犯A表示可以借出港幣120,000元供被害人賭博,條件為被害人必須讓A兌碼以便賺取碼佣» e «其後,嫌犯A遊說被害人再次借錢賭博,表示可以借出港幣80,000元予被害人賭博,條件為每當賭局勝出時,需抽取投注額10%作利息».
Na nossa óptica, a matéria de facto provada assegura a firmeza e a justeza da subsunção jurídica de que «因此,本院認定兩名嫌犯︰B及A實施了被控訴的事實,彼等以共犯、故意及既遂方式觸犯一項第8/96/M號法律第13條第1款配合《刑法典》第219條第1款所規定及處罰的一項「為賭博的高利貸罪」». Daí flui que não existe o arrogado erro de interpretação.
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Na sentença recorrida, o recorrente foi condenado na pena principal de sete meses e quinze dias de prisão, sendo suspensa a execução durante período de dois anos, e na acessória de proibição de entrada nas salas de jogos (na RAEM) por um período de dois anos.
O recorrente pretendeu a redução da pena principal aplicada a si à de prisão não superior a seis meses, mantendo-se totalmente a suspensão da execução, com a intenção implícita de lhe não aplicar a pena acessória de proibição de entrada nas salas de jogos.
À luz da moldura penal prevista no n.°1 do art.13° da Lei n.°8/96/M ex vi n.°1 do art.219° do Código Penal (sendo é de pena de prisão até três anos), e ponderando a ilicitude, a culpa (dolo directo), a consequência e a exigência da prevenção, entendemos que a pena principal cominada pela MMa Juiz a quo não é excessiva, mas sim justa e proporcional.
Determina art.13° da Lei n.°8/96/M: Quem for condenado pelo crime previsto no artigo 13.° é punido com a pena acessória de proibição de entrada nas salas de jogos, por um período de 2 a 10 anos. O que revela que a aplicação da pena acessória é obrigatória.
Este normativo legal torna irremediavelmente descabido o pedido implícito de não lhe ser aplicada a pena acessória, e inviável a redução do período de proibição de entrada nas salas de jogos, porque o período fixado na douta sentença impugnada situa no limite mínimo.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do recurso em apreço”; (cfr., fls. 248 a 249-v).

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Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados na sentença recorrida a fls. 199 a 200, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Insurge-se o arguido contra a sentença que o condenou pela prática de 1 crime de “usura para jogo”, p. e p. pelo art. 13°, n.° 1 da Lei n.° 8/96/M e art. 219°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 7 meses e 15 dias de prisão suspensa na sua execução por 2 anos e na pena acessória de proibição de entrada nas salas de jogo por 2 anos, imputando à sentença recorrida o vício de “erro notório na apreciação da prova” e “excesso de pena”.

Cremos, porém, que não lhe assiste razão.

Vejamos.

De forma firme e repetida tem este T.S.I. considerado que: “O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 22.09.2016, Proc. n.° 562/2016, de 29.09.2016, Proc. n.° 465/2016 e de 03.11.2016, Proc. n.° 759/2016).

Como também já tivemos oportunidade de afirmar:

“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 16.06.2016, Proc. n.° 254/2016, de 22.09.2016, Proc. n.° 528/2016 e de 29.09.2016, Proc. n.° 630/2016).

No caso, e como – bem – nota o Ilustre Procurador Adjunto no seu douto Parecer, a apreciação da prova pelo Tribunal a quo apresenta-se equilibrada e sensata, não deixando de se explicitar de forma clara e lógica os motivos da convicção, não se vislumbrando qualquer desrespeito a (qualquer) regra sobre o valor da prova tarifada, regra de experiência ou legis artis, sendo pois de improceder o recurso na parte em questão.

–– Quanto à “pena”.

Nos termos do art. 40° do C.P.M.:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

Por sua vez, é sabido que “Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 21.07.2016, Proc. n.° 483/2016, de 22.09.2016, Proc. n.° 561/2016 e de 29.09.2016, Proc. n.° 628/2016).

No caso, ao crime em questão cabe a pena de “prisão até 3 anos”; (cfr., art. 219° do C.P.M.).

E, em conformidade com o consignado, evidente se nos apresenta que excessiva não é uma pena de 7 meses e 15 dias, que se encontra, sensivelmente, a 6 meses no mínimo legal, (e a mais de 2 anos do máximo), nenhuma margem existindo para qualquer redução.

Com efeito, e como também decidiu o Tribunal da Relação de Évora:

“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II - Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., o Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência).

Nesta conformidade, sendo um tipo de crime que, infelizmente, tem apresentado índices que demonstram um preocupante aumento (nos últimos anos), fortes são as necessidades de prevenção criminal, nenhuma redução da pena se nos apresentando possível.

Quanto à pena acessória, a mesma se apresenta a situação.

Com efeito, a pena acessória aplicada situa-se já no seu mínimo legal, (estando a 8 anos do seu máximo – cfr., art. 15° da Lei n.° 8/96/M), motivos não existindo para se considerar uma eventual não aplicação.

Tudo visto, resta decidir pela improcedência do recurso.

Decisão

4. Em face do exposto, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Pagará o arguido 5 UCs de taxa de justiça.

Macau, aos 07 de Dezembro de 2016
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 177/2016 Pág. 14

Proc. 177/2016 Pág. 15