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Processo nº 773/2015
Data do Acórdão: 07DEZ2016


Assuntos:

Autorização de residência
Antecedentes criminais
Insuficiência de fundamentação
Poder discricionário
Princípio da adequação
Princípio da proporcionalidade


SUMÁRIO

1. O acto administrativo considera-se fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o artº 480º/2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de reacção, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.

2. Os tribunais administrativos não podem sindicar as decisões tomadas pela Administração no exercício de poderes discricionários, salvo nos casos extremos de erro grosseiro ou manifesto ou quando sejam infringidos os princípios gerais que limitam ou condicionam, de forma genérica, a discricionariedade administrativa, designadamente os princípios constitucionais: o princípio da imparcialidade, o princípio da igualdade, o princípio da justiça, o princípio da proporcionalidade, o princípio da boa fé, etc..

3. Admitindo embora que, tendo em conta o facto de o cônjuge do recorrente residir e trabalhar em Macau e os seus filhos terem nascido e vivido em Macau, o indeferimento da autorização de residência temporária em Macau implica incómodos na sua vida familiar em Macau e algumas limitações no exercício, por parte do recorrente, do seu direito à reunião familiar em Macau, é de aceitar a impossibilidade da integral harmonização entre a protecção dos interesses tutelados por esse direito e a de interesses públicos, nomeadamente o da segurança pública e interna da RAEM. Nestas circunstâncias, tem-se de reconhecer que a Administração está em melhores condições para avaliar se se torna necessário limitar, senão sacrificar direitos do recorrente para que se concretizem os interesses públicos consubstanciados na salvaguarda de segurança pública e interna. Assim, ponderando os interesses em jogo, por um lado estão presentes os bens jurídicos da segurança e ordem pública da RAEM, e por outro lado, os valores de ordem pessoal e familiar do próprio recorrente, não é de concluir que o indeferimento da autorização de residência constitui erro grosseiro ou manifesto no exercício do poder discricionário, nem que o indeferimento poderá infringir os princípios de cariz constitucional, nomeadamente o princípio proporcionalidade.

O relator


Lai Kin Hong


Processo nº 773/2015

I

Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

A, devidamente identificado nos autos, vem recorrer da decisão do Secretário para a Segurança que indeferiu a renovação da autorização de residência temporária, concluindo e pedindo:

1. O presente recurso contencioso tem por objecto o despacho da Entidade Recorrida que indeferiu o pedido de renovação da autorização de residência do Recorrente.
2. Na base desta decisão esteve a prática, entre Junho e Julho de 2011, de três crimes de emprego ilegal, dos quais resultou, em 11 de Abril de 2013, a condenação do Recorrente na pena única de cinco meses de prisão com suspensão da sua execução por um ano.
3. Na fundamentação do acto, a Entidade Recorrida limitou-se a-alegar a existência de antecedentes criminais e o receio de continuação da actividade criminosa, sem fazer qualquer ponderação das circunstâncias do caso e sem explicar porque é que entende haver o perigo de continuação da actividade criminosa.
4. Porque se trata de uma decisão proferida ao abrigo de poderes discricionários e porque extingue a qualidade de residente da RAEM, à Entidade Recorrida impunha-se um especial dever de fundamentação.
5. A Entidade Recorrida tinha o dever de explicar porque é que a gravidade dos antecedentes criminais se sobrepunha ao interesse da manutenção da vida familiar do Recorrente, casado com uma residente permanente da RAEM e pai de dois filhos menores de tenra idade, o que não foi feito.
6. A Entidade Recorrida tinha também a obrigação de explicar porque é que receia a continuação da actividade criminosa quando, dos factos constantes do processo instrutor, resulta que não mais o Recorrente voltou a praticar qualquer ilícito, e já decorreram mais de quatro anos sobre a data da prática dos factos que estão na origem da decisão recorrida.
7. A Entidade Recorrida também não explicou porque é que em Julho de 2013, dois após a prática dos factos e tendo já nessa altura transitado em julgado a condenação do Recorrente, ainda assim lhe foi deferida a renovação da autorização de residência; o que foi que mudou de então para cá?
8. E se há o perigo de continuação da actividade criminosa, não se percebe porque é que a Entidade Recorrida não determinou a interdição de entrada do Recorrente na RAEM.
9. Em suma, a Entidade Recorrida deveria ter feito uma ponderação dos interesses em causa e explicar as razões porque receia que o Recorrente pratique mais crimes no futuro.
10. Não o tendo feito, a decisão recorrida padece de um vício de forma, por insuficiência da sua fundamentação, pelo que deve ser anulada, nos termos do disposto no artigo 124.° do CPA.
11. Mas este não é o único vício que pode ser assacado ao acto recorrido.
12. Porque em causa está o exercício de poderes discricionários, a decisão administrativa tem de observar o princípio da proporcionalidade consagrado no n.º 2 do artigo 5.° do CPA.
13. Para que o acto seja válido têm de ser cumpridas as exigências de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
14. Porém, o acto recorrido falha o teste da proporcionalidade em qualquer uma das três referidas vertentes.
15. Quanto à adequação da decisão, não se vislumbra que a natureza dos crimes praticados ou a conduta do Recorrente posterior à sua prática seja de molde a colocar em perigo a segurança da RAEM e dos seus residentes.
16. Até porque não só o Tribunal condenou o Recorrente numa pena muito leve com suspensão da sua execução, como também não foram tomadas medidas para impedir a entrada do Recorrente na RAEM, onde até à data é livre de entrar e permanecer.
17. O acto recorrido também não passa pelo crivo da necessidade.
18. O Recorrente tem mantido uma conduta exemplar, mostrou remorso pela situação, tem uma família estável, está socialmente bem integrado, não tem problemas financeiros e tem emprego garantido.
19. E já depois do trânsito em julgado da condenação foi deferida ao Recorrente a renovação da autorização de residência.
20. O Recorrente também não está impedido de entrar e permanecer em Macau.
21. O receio de continuação da actividade criminosa é infundado, e tanto assim é que a entidade Recorrida se exime de explicar o porquê desse receio.
22. Não se antevê assim que a não renovação da autorização de residência seja uma medida necessária para evitar uma lesão do interesse público.
23. Finalmente, o acto recorrido não passa também o teste da proporcionalidade em sentido estrito.
24. O Recorrente é casado com uma residente permanente de Macau desde 25 de Outubro de 2009, de cuja relação nasceram dois filhos, o primeiro actualmente com cinco anos e a segunda com 11 meses.
25. A família está socialmente bem integrada, vive em casa própria, tem outra fracção habitacional e o filho mais velho frequenta a escola em Macau, estando a filha mais nova ainda em casa.
26. A presença do pai na vida dos filhos é essencial para o seu bom desenvolvimento.
27. A não renovação da autorização de residência implica o afastamento do Recorrente do seio familiar e a necessidade de procurar emprego noutras paragens para prover ao sustento da sua família e fazer face às obrigações pecuniárias que impendem sobre o casal.
28. Confirmar este acto redundaria num grave prejuízo dos direitos da família do Recorrente sem que haja um fundamento sério para o efeito.
29. Só razões muito ponderosas justificariam a validade do acto recorrido, o que não acontece com as razões avançadas pela Entidade Recorrida, que nem sequer se deu ao trabalho de as fundamentar devidamente.
30. Tudo considerado, a decisão recorrida é também anulável por vício de violação de lei por violação do princípio da proporcionalidade.

Termos em que deve o presente recurso contencioso ser procedente, por provado, e, em consequência, ser anulado o acto de indeferimento da renovação da autorização de residência do Recorrente com fundamento nos vícios de forma e de violação de lei, nos termos conjugados dos artigos 5.°, n.º 2,114.°, n.º 1, alínea a), 115.°, n.º 1, e 124.° do CPA, e artigo 21.°, n.º 1, alíneas c) e d), do CPTA.
Mais se requer a V. Exas. que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 24.° do CPTA, determine à Entidade Recorrida a prática do acto de deferimento da renovação da autorização de residência do Recorrente.


Citado, veio o Secretário para a Segurança contestar pugnando pela improcedência do recurso.

Não havendo lugar à produção de provas, foram o recorrente e a entidade recorrida notificados para apresentar alegações facultativas.

Apenas o recorrente apresentou as alegações facultativas que, para além de “replicar” a contestação da entidade, reiterou grosso modo aquilo que já alegou na petição do recurso.

Em sede de vista final, o Dignº Magistrado do Ministério Público opinou no seu douto parecer pugnando pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos, cumpre conhecer.

O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.

O processo é o próprio e inexistem nulidades e questões prévias que obstam ao conhecimento do mérito do presente recurso.

Os sujeitos processuais gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade.

De acordo com os elementos existentes nos autos, é tida por assente a seguinte matéria de facto com relevância à decisão do presente recurso:

* O recorrente é residente permanente de Hong Kong, casado com B, residente permanente de Macau;
* Do casamento nasceram dois filhos, em 14XX20XX e 03XX20XX;

* Por despacho do Senhor Secretário para a Segurança de 24MAIO2010, foi concedida a autorização de residência temporária ao recorrente, com fundamento da reunião familiar com o seu cônjuge em Macau;

* A autorização de residência temporária foi sucessivamente renovada em 28AGO2011 e 19JUL2013;

* A última renovação da autorização é válida até 23MAIO2015;

* Por sentença, já transitada em julgado, proferida em 11ABR2013 pelo Juízo Criminal do TJB, o recorrente foi condenado, pela prática, em concurso efectivo, de três crimes de emprego ilegal, previsto e punido pelo artº 16º/1 da Lei nº 6/2004, na pena única de prisão de cinco meses, suspensa por um ano;

* Em 21ABR2015, o recorrente formulou o pedido para a renovação da residência temporária;

* Uma informação datada de 23ABR2015 sobre a condenação penal foi junta ao procedimento de renovação de autorização de residência temporária – vide as fls. 100 do processo administrativo;

* Por despacho, precedido da audição prévia do recorrente e baseado na informação elaborada pela PSP, proferido em 06JUL2015 pelo Senhor Secretário, foi-lhe indeferido o pedido de renovação de autorização de residência temporária – vide as fls. 61 do processo administrativo;

* O despacho tem o seguinte teor:
批示
事項:居留許可續期申請
利害關係人:A
參件:治安警察局第300066/CESMREN/2015P號補充報告書
上述報告書所載意見第2點所述事實表明申請人不是一個遵守法律的人,對其今後遵守法律缺乏信任,基於公共安全及公共秩序的考慮,根據第5/2003號行政法規第22條1款及第4/2003號法律第9條2款1項之規定,決定不批准有關居留許可的續期申請。
* Inconformado com o mesmo, o recorrente interpôs o presente recurso contencioso mediante o requerimento que deu entrada na Secretaria do TSI em 04SET2015.

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, ex vi do artº 1º do CPAC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Assim, de acordo com o alegado no petitório do recurso, constituem o objecto da nossa apreciação as seguintes questões:

1. Da insuficiência de fundamentação; e

2. Da violação dos princípios da proporcionalidade, da adequação e da necessidade.

Então vejamos.

1. Da insuficiência de fundamentação

Para o recorrente, como a entidade recorrida se limitou a alegar a existência de antecedentes criminais e o receio de continuação da actividade criminosa, sem fazer qualquer ponderação das circunstâncias do caso e sem explicar porque é que entende haver o perigo de continuação da actividade criminosa, o acto recorrido padece do vício da insuficiência de fundamentação, pois se trata de uma decisão proferida ao abrigo de poderes discricionários e que extingue a qualidade de residente da RAEM, à entidade recorrida impunha-se um especial dever de fundamentação.

O recorrente não põe em crise o juízo sobre a existência dos antecedentes criminais e o comprovado incumprimento das leis da RAEM, que a Administração deve ter em conta na matéria de autorização de residência, nos termos impostos pelo artº 9º/2-1) da Lei nº 4/2003, tendo-se limitado a questionar a suficiência das razões para justificar o indeferimento do pedido de renovação da autorização de residência.

Ou seja, como a entidade recorrida se limitou a dizer quer o recorrente foi criminalmente punido e concluiu pelo receio de continuação da actividade criminosa, não tendo todavia especificado as razões suficientes que a levaram a concluir pela existência do tal perigo de continuação da actividade criminosa, o recorrente entende que o acto recorrido padece da insuficiência da fundamentação, geradora da anulabilidade.

Como se sabe, o acto administrativo considera-se fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o artº 480º/2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de reacção, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.

Tal como vimos no despacho recorrido, integralmente reproduzido na matéria de facto assente, foi com base na condenação penal pelo prática de três crimes de emprego ilegal que a Administração foi levada a indeferir o pedido de renovação da autorização de residência.

Não nos parece, na esteira do entendimento doutrinário e jurisprudencial supra, que o recorrente não tenha ficado a conhecer as razões de facto e de direito em que se apoiou a decisão recorrida, pois basta uma leitura simples do teor do despacho recorrido, salta à vista de que foi pelo juízo da prognose, baseado na condenação criminal, da desconfiança por parte da Administração no bom comportamento futuro do recorrente e por necessidade de tutela dos bens jurídicos relativos à segurança pública e à ordem pública prevenindo contra o eventual incumprimento das leis da RAEM que a entidade recorrida decidiu indeferir o pedido de renovação de residência nos termos consentidos pelo disposto no artº 22º/1 do Regulamento Administrativo e no artº 9º/2-1) da Lei nº 4/2003.

Bem ou mal formulados estes juízos, sintéticos embora, bem ilustrativos das razões de facto e de direito, a entidade recorrida fundamentou efectivamente a decisão recorrida de modo a que o seu destinatário pudesse compreender o seu sentido.

Não padece assim o acto recorrido do vício formal de insuficiência de fundamentação.

2. Da violação dos princípios da proporcionalidade, da adequação e da necessidade.

O recorrente entende que, tendo sido praticado no exercício do poder discricionário, o acto recorrido falha nas exigências de proporcionalidade, de adequação e da necessidade, uma vez que a entidade recorrida não levou em conta a natureza dos crimes pelos quais foi condenado, o carácter não gravoso da pena aplicada pelo Tribunal penal, a conduta exemplar mantida desde a prática dos factos que estiveram na origem da sua condenação penal e acompanhado do arrependimento, a estabilidade familiar em Macau, a inexistência dos problemas financeiros e a garantia de um emprego.

Para os efeitos de concessão da autorização de residência temporária na modalidade de reagrupamento familiar, a lei exige que se deva atender, inter alia, antecedentes criminais – cf. artº 9º/2-1) da Lei nº 4/2003.

Ficou provado que:

Por sentença, já transitada em julgado, proferida em 11ABR2013 pelo Juízo Criminal do TJB, o recorrente foi condenado, pela prática, em concurso efectivo, de três crimes de emprego ilegal, previsto e punido pelo artº 16º/1 da Lei nº 6/2004, na pena única de prisão de cinco meses, suspensa por um ano

Trata-se indubitavelmente dos antecedentes criminais.

Ora, a lei não impõe o indeferimento necessário da autorização de residência, ou da renovação da autorização, às pessoas que tenham antecedentes criminais, a decisão administrativa, o indeferimento, como sucedeu in casu, não é tomado no exercício de um poder vinculado, mas sim de um poder discricionário, pois, cabe à Administração analisar em cada caso concreto as condições do requerente para saber se a autorização lhe afigura mais conveniente ao interesse público, tendo em conta nomeadamente a segurança pública e interna da RAEM.

Como se sabe, no exercício do poder discricionário em que a Administração goza na sua actuação necessariamente uma certa margem de liberdade, ao Tribunal cabe verificar se existe uma correspondência entre os pressupostos de factos legalmente previstos e os factos verificados no caso concreto e a adequação do acto administrativo ao fim legal para que lhe é conferido o poder discricionário, assim como o controlo do respeito pelos princípios gerais da actividade administrativa e dos princípios de cariz constitucional.

Portanto, os tribunais administrativos não podem sindicar as decisões tomadas pela Administração no exercício de poderes discricionários, salvo nos casos extremos de erro grosseiro ou manifesto ou “quando sejam infringidos os princípios gerais que limitam ou condicionam, de forma genérica, a discricionariedade administrativa, designadamente os princípios constitucionais; o princípio da imparcialidade, o princípio da igualdade, o princípio da justiça, o princípio da proporcionalidade, o princípio da boa fé, etc..” – Freitas do Amaral, in Curso do Direito Administrativo, II, Almedina, pág. 392.

Ao que parece, para o recorrente, como os factos que originaram a condenação criminal são de diminuta gravidade, ele tem mantido bom comportamento nos últimos quatro anos e a sua residência em Macau não é geradora do perigo para a segurança e ordem pública para a RAEM, nada justifica o indeferimento da autorização de residência com fundamento no receio da continuação de actividade criminosa. Assim, ao decidir com decidiu, a Administração violou os princípios da proporcionalidade, da adequação e da necessidade.

Ora, reza esta lei nos seus artigos 8º e 9º que:

Artigo 8.º
Autorização especial de permanência
1. A permanência na RAEM pode ser especialmente autorizada para fins de estudo em estabelecimento de ensino superior, de reagrupamento familiar ou outros similares julgados atendíveis.
2. O pedido de autorização de permanência para fins de estudo é instruído com documento comprovativo de inscrição ou matrícula em estabelecimento de ensino superior da RAEM, e documento que ateste a duração total do curso respectivo.
3. A autorização de permanência para fins de estudo é concedida pelo período normal de duração do curso pretendido frequentar, sendo renovável pelo período máximo de 1 ano.
4. Tratando-se de curso com duração superior a 1 ano, a autorização é obrigatoriamente confirmada pelo menos uma vez por ano, sendo para tal tidos em conta a efectiva frequência do curso e o aproveitamento escolar.
5. A autorização de permanência do agregado familiar de trabalhador não-residente especializado, cuja contratação tenha sido do interesse da RAEM, é concedida pelo período pelo qual o referido trabalhador estiver vinculado, sob parecer da entidade competente para a autorização da contratação de mão-de-obra não-residente.
6. Na pendência de pedido de fixação de residência pode o Serviço de Migração prorrogar a autorização de permanência do interessado a seu requerimento, uma ou mais vezes, até 30 dias após a decisão final sobre aquele pedido.
Artigo 9.º
Autorização
1. O Chefe do Executivo pode conceder autorização de residência na RAEM.
2. Para efeitos de concessão da autorização referida no número anterior deve atender-se, nomeadamente, aos seguintes aspectos:
1) Antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no artigo 4.º da presente lei;
2) Meios de subsistência de que o interessado dispõe;
3) Finalidades pretendidas com a residência na RAEM e respectiva viabilidade;
4) Actividade que o interessado exerce ou se propõe exercer na RAEM;
5) Laços familiares do interessado com residentes da RAEM;
6) Razões humanitárias, nomeadamente a falta de condições de vida ou de apoio familiar em outro país ou território.
3. A residência habitual do interessado na RAEM é condição da manutenção da autorização de residência.
Tal como vimos no despacho recorrido, foi pelo juízo de prognose da falta de confiança no bom comportamento futuro do recorrente, baseado na sua condenação criminal, e pela necessidade de salvaguardar a segurança e ordem pública que a Administração decidiu indeferir o pedido de renovação de autorização de residência temporária já concedida ao recorrente.

Ora, a propósito do perigo para a segurança ou ordem pública, na matéria de imigração ilegal e da expulsão, regulada pela Lei nº 6/2004, este TSI já chegou a pronunciar-se no seu Acórdão brilhantemente elaborado e deliberado em 18OUT2012, no processo nº 127/2012, nos termos seguintes:

A interdição baseou-se no art. 12º, nºs 2, 3 e 4 da Lei nº 4/2006, embora com reporte ao fundamento da alínea 2), do nº2, do art. 4º da Lei n.º 4/2003.
Espreitemos, então, o que nos dizem as disposições invocadas no acto.
Primeiro, o art. 12º, nºs 2, 3 e 4 da Lei nº 4/2006:
Artigo 12. º
Interdição de entrada
1. As pessoas a quem seja decretada a expulsão ficam, depois de esta ser concretizada, interditas de entrar na RAEM por um período a fixar na ordem de expulsão.
2. Pode igualmente ser decretada a interdição de entrada:
1) Preventiva ou sucessivamente, quando os motivos que levam à recusa de entrada, nos termos das alíneas 1) a 3) do n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 4/2003, justifiquem que essa medida seja prolongada no tempo;
2) Às pessoas a quem seja revogada a autorização de permanência nos termos do n.º 1 do artigo anterior.
3. A interdição de entrada pelos motivos constantes das alíneas 2) e 3) do n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 4/2003 deve fundar-se na existência de perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM.
4. O período de interdição de entrada deve ser proporcional à gravidade, perigosidade ou censurabilidade dos actos que a determinam.
Agora, o art. 4º, nº2, al. 2), da Lei 4/2003:
Artigo 4.º
Recusa de entrada
1. É recusada a entrada dos não-residentes na RAEM em virtude de:
1) Terem sido expulsos, nos termos legais;
2) A sua entrada, permanência ou trânsito estar proibida por virtude de instrumento de direito internacional aplicável na RAEM;
3) Estarem interditos de entrar na RAEM, nos termos legais.
2. Pode ser recusada a entrada dos não-residentes na RAEM em virtude de:
1) Tentarem iludir as disposições sobre a permanência e a residência, mediante entradas e saídas da RAEM próximas entre si e não adequadamente justificadas;
2) Terem sido condenados em pena privativa de liberdade, na RAEM ou no exterior;
3) Existirem fortes indícios de terem praticado ou de se prepararem para a prática de quaisquer crimes;
4) Não se encontrar garantido o seu regresso à proveniência, existirem fundadas dúvidas sobre a autenticidade do seu documento de viagem ou não possuírem os meios de subsistência adequados ao período de permanência pretendido ou o título de transporte necessário ao seu regresso.
3. A competência para a recusa de entrada é do Chefe do Executivo, sendo delegável.

A interdição aplicada ao recorrente baseou-se, repetimos, na circunstância de ele ter sido condenado em pena privativa de liberdade na RAEM. Esse foi o factor que despoletou a interdição de entrada em Macau.
Só que, a interdição de entrada com base nesse motivo deve fundar-se, como o prescreve a lei, “…na existência de perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM” (nº3, do art. 12º, da Lei nº 6/2004).
Essa é, portanto, a primeira questão que urge abordar: se justificava a medida (por ora, não curamos de saber se o período da medida atenta contra o princípio da proporcionalidade).
Olhando para a letra do nº3 do art. 12º da Lei nº 6/2004, cremos nenhumas dúvidas subsistirem acerca da possibilidade de interdição da entrada, quando o motivo é algum dos previstos nas alíneas 2) e 3) do nº2 do art. 4º da Lei nº 4/2003. Mesmo dando de barato que a alínea 3) desse nº2 aqui não tenha qualquer razoável aplicabilidade1, não podemos deixar de admitir que a situação de facto se subsume na perfeição à previsão da alínea 2), uma vez que se sabe que o recorrente foi condenado em pena de prisão (embora suspensa na sua execução).
Assim, à partida, não vemos obstáculos à integração dos factos à situação típica do referido inciso normativo.
*
Mas, isto é só o princípio do nosso trabalho. Na verdade, ainda falta responder a questões várias. É que a primeira parte do nº3 do art. 12º da Lei 6/2004 não basta para preencher os requisitos da interdição com esse fundamento. Por isso se deve perguntar ainda, por exemplo, se a prática do crime por banda do recorrente representará algum perigo efectivo para a segurança e ordem públicas de Macau?
Disse o TUI uma vez:
“…o poder de recusar a entrada na RAEM de não-residentes e de fixar o período em que é interditada a sua entrada consiste na discricionariedade da Administração, pois o legislador deixa largo âmbito de escolha à Administração para tomar a decisão de recusar a entrada e fixar o período de interdição de entrada na Região. Por o recurso contencioso ser de mera legalidade, é, em princípio, insindicável o exercício do poder discricionário pela Administração, salvo a violação de lei traduzida no erro manifesto ou na total desrazoabilidade do seu exercício” (Ac. de 30/07/2008, Proc. nº 34/2007).
Estamos de acordo com a afirmação do princípio. Vamos explicar-nos.
É seguro que, face ao artigo 12º, nº2, a interdição de entrada “pode… ser decretada…” em qualquer dos casos previstos nas alíneas 1) e 2). A lei confere ao administrador uma mera faculdade, não um dever de agir. E assim é que, mesmo na hipótese da alínea 1) - que remete para os casos de recusa de entrada estabelecidos nas alíneas 1) a 3) do nº2 do art. 4º da Lei nº 4/2003 – isto é, mesmo perante um caso concreto em que alguém tenha sido condenado em pena privativa de liberdade (alínea 2), do nº2, do art. 4º citado), a Administração tem o poder de não declarar a interdição. Estamos aí, seguramente, num plano de discricionariedade perfeita no seu estado mais puro. A actividade levada a cabo pela Administração neste estrito domínio só em situações de erro grosseiro ou tosco pode levar à invalidação judicial do acto praticado em tal sede (excluídas razões como a incompetência, desvio de poder, vício de forma por falta de fundamentação, que ora não estão em causa).
*
Perguntamos, ainda assim: Mas, quem tem o poder de não interditar, não tem também o de interditar? Sim, a resposta não pode deixar de ser afirmativa, porque isso está subentendido na lei2. Tem, porque quem pode fazer uma coisa, também pode fazer a outra. Trata-se da doutrina dos poderes implícitos ou imanentes.
Simplesmente, querendo a Administração interditar, a discricionariedade em que se move já não tem os mesmos traços de caracterização. A lei introduz factores de vinculação a que a Administração não pode deixar de obedecer. E eles estão ditados no nº3, do citado art. 12º: “A interdição de entrada pelos motivos constantes das alíneas 2) e 3) do n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 4/2003 deve fundar-se na existência de perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM”. (destaque nosso).
Se prestarmos atenção cuidada à disposição em apreço, logo se concluirá que a afirmação atrás produzida – aquela feita a propósito da insindicabilidade da actividade discricionária – não pode servir para a hipótese em que a Administração decide interditar a entrada a alguém, porque aí entram critérios vinculativos a respeito da densificação e avaliação do que seja perigo efectivo e perigo para a ordem e segurança públicas.
Eis-nos assim perante a questão que emana da expressão grifada: conceitos vagos e indeterminados. Questão polémica e nem sempre de fácil consenso, cuja origem remonta ao século XIX na Áustria, pela mão de Edmund Bernatzik e Friedrich Tezner nos estudos que empreenderam na época e que, após a segunda guerra mundial, entrou parcialmente no esquecimento para se renovar mais tarde com grande esplendor. Bernatzik sustentava que o administrador, mesmo quando no exercício do poder discricionário, não estava liberado de agir conforme a lei, submetido que estava à “moralidade administrativa”3. Para Tezner, a doutrina dos conceitos indeterminados seria cientificamente infundada e inimiga do Estado de Direito. Entre os conceitos legais determinados e os conceitos legais indeterminados haveria apenas uma diferença de grau, não de qualidade. Assim, segundo a “teoria da univocidade” ou “teoria da unidade” a que deu origem, só pode haver uma decisão correcta. O poder discricionário seria assim o contraponto ao poder vinculado.
Pois bem. Se praticamente ninguém hoje em dia já admite que a concretização daqueles conceitos escape a toda e qualquer sindicabilidade contenciosa4, mal se aceita, por outro lado, que a apreciação judicial se possa restringir às situações em que o caso levado a juízo evidencia um erro grosseiro ou manifesto.
Sobre o assunto, de resto, na jurisprudência comparada, um acórdão do STA português de 18/06/2003, Proc. nº 01283/02 asseverou:
«Como este Supremo Tribunal vem ultimamente decidindo, ao usar tais termos o legislador não está a entregar à Administração poderes discricionários, mas a fixar-lhe um quadro de vinculação, se bem que mitigado pela possibilidade de preenchimento de conceitos vagos e indeterminados – v. sobre a matéria os Acs. deste STA de 22.9.09, P. nº 44.217, 11.5.99, P. n.º 43.248, e 29.3.01, P. n.º 46.939, de 20/6/02, P.41.706, de 11/3/03, P.42.973 e de 26/3/03, P.1168/02».
Como se refere no acórdão deste STA de 10-12-98, tirado no Processo nº 37.572, "conceitos indeterminados são aqueles que, por concreta opção do legislador, envolvem uma definição normativa imprecisa e a que se terá de dar, na fase de aplicação, uma definição específica; em face dos factos concretos, de tal forma que o seu emprego exclui a existência de várias soluções possíveis, uma vez que se impõe uma única solução (a concreta) para o caso em concreto. Não estamos, aqui, no domínio da discricionariedade.
Nos conceitos indeterminados, a lei refere-se a uma realidade cujos contornos e limites não aparecem bem delineados no seu conceito enunciado, mas que, contudo, resulta também claro que se pretende ver delineado um pressuposto concreto.
Estamos, assim, no campo da aplicação da lei, já que, no fundo, se trata de subsumir os factos a uma determinada categoria legal contida em conceitos indeterminados" (Neste sentido e na perspectiva geral do problema, Fernando Azevedo Moreira, in Revista de Direito Público, n.º 1, pg. 67 e ss.5).
E outra vez afirmou:
«… o uso de conceitos indeterminados, não é uma fórmula de concessão à autoridade de uma qualquer margem de apreciação insusceptível de controle judicial pleno ulterior, sem embargo da existência de situações, em que, por razões essencialmente práticas se aceite redução do controle judicial, em situações em que as normas contenham juízos de valor de carácter não jurídico, fazendo apelo a regras técnicas, científicas, ou juízos de prognose, valorizações subjectivas de situações de facto…
… Nas situações, de conceitos meramente descritivos, dos que contenham conceitos de valor cuja concretização resulte de mera exegese dos textos legais, sem necessidade de recurso a valorações extra legais ou quando tais juízos envolvam valorações especificamente jurídicas, o tribunal haverá de proceder ao controle pleno, designadamente de interpretação/aplicação realizada pela Administração no acto prolatado ao seu abrigo…»6.
Efectivamente, há diferença entre discricionariedade e conceitos indeterminados. Além, a lei permite a escolha de uma solução entre várias possíveis; logo, a discricionariedade revela-se na vontade do administrador. Os conceitos indeterminados caracterizam-se por uma indeterminação do seu sentido, para cujo apuramento se supõe uma tarefa intelecção e de interpretação; logo, a interpretação revela a vontade legislativa determinada pelo sistema jurídico em si mesmo.
É assim que para alguns, na utilização dos conceitos jurídicos indeterminados7 através da interpretação não existe qualquer poder discricionário e não se permite senão uma única solução.
Ou seja, nessa perspectiva, a temática dos conceitos indeterminados, ao envolver uma tarefa de interpretação, não permite senão uma única solução (e que, não tendo sido alcançada pelo administrador, pode ser, sem esforço algum fiscalizada pelo julgador, avaliando se a solução administrativa foi realmente a única solução justa que a norma permitia)8
E assim, ou se respeita a lei na concretização fáctica aos pressupostos abstractos da norma (tatbstand) ou os tribunais podem fazer o seu papel de controle de legalidade. Não tendo sido alcançada pelo administrador, pode ser, sem esforço algum, fiscalizada pelo julgador, avaliando se a solução administrativa foi realmente a única solução justa que a norma permitia9. De modo que, essa tarefa implica concluir se o “edifício ameaça ruína” ou não, se a pessoa é “idónea” ou não, se o edifício tem “valor monumental”, se a manifestação representa “perigo para a ordem ou segurança públicas”, se a substância é “tóxica” ou não. Sim ou não; não há talvez, mais ou menos, nem meios-termos (não se é mais ou menos capaz, mais ou menos criminoso; a situação não é mais ou menos perigosa, mais ou menos inconveniente; não existem conclusões do tipo “assim-assim”).
Por isso é que se defende que a interpretação e aplicação dos conceitos indeterminados é sempre uma actividade da Administração vinculada à lei, que visa a busca da (única) solução justa10, sob pena de a realização de certos direitos fundamentais ficar dependente do livre critério da autoridade administrativa11
Isto é, o conceito é finito, contendo um núcleo de certeza onde tertium non datur (por exemplo, ou há “urgência” ou “insalubridade”, ou não): certeza positiva, ao lado de um núcleo de certeza negativa. Essa é hoje a posição predominante na Alemanha, onde se reconhece um controle judicial pleno aos conceitos indeterminados.
Não falta, porém, quem pense que o problema dos conceitos indeterminados não é resolúvel pela busca da única solução, mas da melhor solução, cuja valoração cabe apenas ao administrador. Tal controle de mérito é privativo da Administração12.
Para outros, porém, entre aqueles núcleos de certeza há, por vezes, lugar para um espaço de valoração subjectiva, zonas cinzentas onde flutuam incertezas e onde o poder judiciário não pode actuar, por esse ser já um campo do domínio do discricionário. Estaremos, aí, não segundo uma “única solução” possível (se assim fosse, o judiciário poderia fazer controle), mas perante a possibilidade de mais do que uma solução, caso em que o administrador formula um juízo subjectivo na procura da “melhor solução” face à finalidade legal.
Também não se pode esquecer, por outro lado, que a doutrina da solução única não consegue dar resposta a todas as situações, nomeadamente aquelas complexas que importem a intervenção de elementos subjectivos (valorações13), prognoses, apreciações técnicas e até actividades de planificação e políticas14. Wolf, citado por Sérvulo Correia, dizia que quando a subsunção de uma situação de facto num conceito indeterminado não é factível através de um raciocínio discursivo, mas somente através de um juízo de avaliação, ou quando a lei remete para parâmetros extra-jurídicos incertos e em especial para uma estimativa de desenvolvimentos futuros, o tribunal deve respeitar os «limites de tolerância» e não substituir a sua avaliação à da Administração15. Serão casos em que o administrador deve agir sem sujeição a revisibilidade jurisdicional: o juiz não pode substituir-se ao administrador, salvo casos raros de erro grosseiro.
Destaquemos o caso da prognose. E o que é a prognose?
A prognose, nas palavras de António Francisco de Sousa, é a antecipação intelectual do futuro, é a afirmação sobre acontecimentos futuros; não um juízo de subsunção16, mas um juízo de probabilidade ou de previsão17.
Ora, é precisamente, por dizer respeito a situações fácticas futuras que ao presente são chamadas pela via de uma antecipação ou de um juízo hipotético, que esta prognose envolve riscos. Por tal motivo, a tarefa do tribunal apresenta-se aí vastamente difícil.
O exemplo alemão trazido por Sérvulo Correia é elucidativo: ao abrigo de determinada norma, a recusa de uma licença de instalação de um estabelecimento hoteleiro quando os factos justificam a suposição de que o hoteleiro não merece a «confiança» (conceito indeterminado) necessária para o desempenho de tal actividade. O conceito “confiança” precisa de ser interpretado e essa tarefa pode ser levada a cabo pelo Judiciário. Mas o “juízo, perante os pressupostos de facto, sobre se o requerente merece ou não a necessária confiança é um juízo de prognose, visto que envolve uma apreciação hipotética conduta futura do requerente no desempenho da actividade pretendida”18.
Ora, a prognose afasta-se de padrões de racionalidade e tudo o que não é racional, tudo o que escapa a modelos de probabilidade, deixa de estar sob a mira jurídica do controlo judicial.
Como pode o tribunal dizer que uma manifestação – não autorizada pela Administração com fundamento no “perigo para a ordem pública” – não oferece esse perigo? Com que critérios ou com que fundamentos minimamente radicados numa base factual e objectiva pode o tribunal contrariar a Administração no juízo por ela feito?19
E como pode o tribunal desdizer a Administração ao cancelar a licença de uso e porte de arma (art. 31º do Regulamento de Armas e Munições, anexo ao DL nº 77/99/M, de 8/11) com fundamento em “razões de mera segurança e ordem públicas”, se na decisão administrativa estão contidos pressupostos de verificação futura? Com que base pode o tribunal simplesmente aniquilar a apreciação feita pela Administração sobre o comportamento vindouro do indivíduo?
Evidentemente, sempre se pode dizer que a Administração não tem elementos seguros para crer que a suposta actividade futura se vai produzir desta ou daquela forma (não se trata de conferir poderes premonitórios ao administrador). Mas, se os não tem ela, também a não tem o juiz. E é por isso que este não pode ser mais intrusivo do que a própria Administração.
São razões tão simples como estas que têm levado a considerar que o Judiciário não pode intrometer-se na vida da Administração sempre que ela decide em bases prognósticas. Quando esta assim actua, fá-lo em plena consciência da responsabilidade pelas suas consequências (políticas, sociais, económicas) e as mesmas responsabilidades não podem ser assacadas aos tribunais, que apenas julgam segundo os ditames do direito.
A verdade é que, por outro lado, o acolhimento de que os critérios prognósticos não são revisíveis pelo Judiciário apresenta riscos, na medida em que pode abrir a porta a decisões administrativas arbitrárias, fora de qualquer censura externa.
É por essa razão que na Alemanha de hoje se vem negando a existência dessa margem de livre apreciação como princípio geral, nomeadamente em certas matérias que compreendem manifestamente uma prognose sobre problemáticos perigos futuros – como é o caso de centrais nucleares – ou uma avaliação de futuros desenvolvimentos sociais, como sucede com a valoração da aptidão e da necessidade de construção de determinadas estradas, por exemplo20. Esta ideia vem também ilustrada por Maria Ângela Marques Del Claro ao referir que a “doutrina da margem de apreciação” é negada hoje na Alemanha, como princípio geral, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, mantida somente para campos restritos e a título excepcional”21.
*
Olhemos para o caso em apreço.
Não podemos esquecer que o “perigo…para a segurança e ordem públicas” deve ser um “perigo efectivo”. Tudo isto nos remete, por conseguinte, para duas questões: uma, saber o que deve preencher o conceito indeterminado “perigo para a segurança e ordem públicas”; outra, como proceder para a concretização da efectividade do perigo.
Portanto, sempre que a Administração quiser declarar a interdição de entrada a um indivíduo com base na referida alínea 2), do nº2, do art. 4º da Lei 4/2003, está vinculada a interpretar e valorar os conceitos vagos e indeterminados a que nos temos vindo a referir.
Ou seja, é grande a planície da discricionariedade de que a Administração dispõe para agir neste plano (no sentido de poder interditar ou não interditar). Mas, como já acima dissemos, optando por interditar com base naquele motivo, já a situação foge ao conceito de verdadeira discricionariedade ou de um poder discricionário puro, ficando o terreno encurtado a um campo de acção muito mais estrito. Em tal hipótese, a lei não deposita no órgão administrativo uma total liberdade de escolha de comportamentos administrativos ou de soluções juridicamente indiferentes, todas elas igualmente idóneas para a satisfação do interesse público, e por isso insindicáveis pelo Tribunal. Ao contrário, a lei estabeleceu determinados pressupostos de vinculação que, uma vez verificados, permitirão agir no sentido permitido pela norma: a interdição de entrada.
É verdade que esses pressupostos de vinculação ao mesmo tempo contêm uma forte indeterminação, pois as fórmulas “perigo efectivo” e “perigo para a ordem e segurança pública” não estão densificadas normativamente e antes carecem de um preenchimento casuístico perante um quadro factual futuro transponível para a actualidade através de um fundado juízo de antecipação.
Ora, o emprego de tais fórmulas, a que não é estranho o tipo legal de acto administrativo a praticar, implica a entrega ao órgão decisório da possibilidade de usar de juízos de prognose, de matriz predominantemente técnico-valorativa22. Tal prognose traduz-se na verificação de factos moldados numa ocorrência futura - factos e situações esses ligados à pessoa concretamente visada - que possam preencher a hipótese típica que a lei quer precisamente controlar ou impedir, como já vimos.
Mas sendo assim, a Administração está melhor colocada, através dos órgãos próprios, nomeadamente os de polícia e de segurança, do que os tribunais para fazer tal avaliação.
Ora, por isso mesmo, apesar de a disciplina normativa em apreço exprimir vinculação e não discricionariedade, ela abre a via para uma certa margem de livre apreciação administrativa que escapa ao controle jurisdicional, sob pena de se cair naquilo a que se chama “dupla administração”. Por isso se diz que só os erros manifestos, grosseiros ou palmares ou só os critérios e juízos ostensivamente desacertados e visivelmente ofensivos da lógica e do bom senso que traduzam manifestações de pura arbitrariedade são passíveis de censura por parte do tribunal em casos destes23. Isto é, apesar de não haver entrave à interpretação dos conceitos pelo Judiciário, não se pode dizer que eles apenas permitem uma só interpretação (e, portanto, uma única solução) e que ao intérprete-juiz seja fácil identificar se a situação fáctica estaria ou não abrangida pelo conceito. Saber se uma conduta pode vir futuramente a preencher o conceito implica um juízo que deve ficar subtraído ao papel do julgador, porque pode haver mais do que uma solução justa (a melhor solução) dentro da zona de incerteza que ele comporta24. O controle jurisdicional, em casos destes, só pode ser exercido quando o acto administrativo de concretização do conceito “ultrapassar os limites da tolerância, aceitabilidade, ofendendo o consenso geral” e for “absurda e irrazoável”25
*
Tentemos, mesmo assim, ver em que medida aqueles aspectos vinculados terão sido ou não razoavelmente respeitados, o mesmo é dizer, se tais aspectos foram, ou não, grosseira e imperdoavelmente desrespeitados. Interpretemos.
Segurança pública não deve confundir-se com segurança nacional. Esta tem por pressuposto algo muito vasto que implique uma situação em que a própria soberania do Estado Chinês e a integridade do território da RAEM estão ameaçados por actividade externa (pense-se na actividade terrorista, os vários tráficos, nomeadamente de armas, droga, e até de pessoas, cujo combate exige por vezes acção conjugada das forças de armadas e das forças e serviços de segurança), embora também abarque a segurança interna das populações e da coisa pública. Há, aliás, neste aspecto sempre alguma confusão conceptual e nem sempre os conceitos são levados à norma com um sentido muito definido.
O conceito de “segurança pública” faz parte, de certo modo, - embora, numa dimensão mais restrita - do corpo da ideia perpassada pelo âmago do conceito de “segurança nacional”, ainda que com este se não confunda. Quer dizer, ele contém a noção de segurança das populações, segurança das pessoas em geral que se acham com direito ao respeito pela sua integridade física e pela salvaguarda dos seus bens.
A “ordem pública” surge, neste contexto, como algo muito próximo da segurança pública e dos objectivos a ela associados. Trata-se de uma locução que tem por fundamento definitório um interesse fundamental da sociedade, portanto um interesse geral, que se pode manifestar pela importância na prevenção dos danos sociais à tranquilidade (manutenção da ordem na rua, nos lugares públicos, etc.), da segurança (prevenção de acidentes, defesa contra catástrofes, prevenção de crimes, etc.), salubridade (águas, saneamentos, etc.). Segundo o Prof. Jorge Miranda, “ordem pública” é o “conjunto das condições externas necessárias ao regular funcionamento das instituições e ao pleno exercício dos direitos das pessoas” e que, segundo o mesmo autor, aparece conexa com a segurança interna26-27.
A “ordem pública” que a polícia funcionalmente tem por fim assegurar, caracterizase em regra por três vectores:
“a)Pelo seu carácter principalmente material, posto que se trata de evitar desordens visíveis;
b) Pelo seu carácter público, já que a polícia não tutela matérias do foro privado nem o próprio domicílio pessoal, salvo na medida em que as actividades que aí se desenrolem tenham reflexos no exterior (regulamentação do barulho causado por aparelhagens sonoras, higiene de imóveis);
c) Pelo seu carácter limitado, são três os itens tradicionais da ordem pública: tranquilidade (manutenção da ordem na rua, nos lugares públicos, luta contra o ruído); segurança (prevenção de acidentes e flagelos, humanos ou naturais); salubridade (salvaguarda da higiene pública)” 28-29
O Código Penal aborda a temática dos crimes contra a ordem e a tranquilidade públicas nos arts. 282ºa 296º e a Lei Básica refere-se somente à “ordem pública” como sendo uma das atribuições da responsabilidade do Governo da RAEM (art. 14º).
Ora, se tomarmos em consideração a “segurança” e “ordem públicas” na referida acepção, não podemos de um modo liminar e peremptório, censurar a Administração quando assim actua, sempre que tem pela frente um criminoso. Efectivamente, se um não residente comete um crime, e se por ele vem a ser definitivamente condenado em pena de prisão (mesmo que a não cumpra), o desvalor que a acção ilícita representa para a sociedade – e que através dos tribunais o condenou – à partida, é motivo aparentemente suficiente para recusar a sua entrada na RAEM. É por isso que as duas leis citadas (Lei 6/2004 e 4/2003) nisso estão em sintonia quando uma para outra remete (ver art. 12º, nº3, Lei 6/2004).
Simplesmente, nem tudo está resolvido com esta maneira tão simples de encarar o problema. Dito por outras palavras, concedemos que a prática de um ilícito criminal pelo qual alguém vem a ser punido, pode representar algum perigo para a sociedade. Nesta lógica, até faz sentido afastar a ideia de que alguém é muito ou pouco criminoso, porque a noção que evola do vocábulo não se compraz com nenhuma régua ou medidor. Depois de cometido um crime, o seu autor em caso nenhum será visto como meio cumpridor das leis ou meio criminoso. Será criminoso, simplesmente. É, aliás, nesse plano que o perigo pode advir. Mas esse perigo (repare-se a lei não se refere a “ofensa” para a segurança ou para a ordem pública e, em vez disso, fala em “perigo” para a segurança ou para a ordem pública) tanto pode ser longínquo, afastado, ou então mais próximo, actual, sério e real. Por isso a concretização obriga a ir cada vez mais fundo.
Na verdade, a norma em apreço (nº3, do cit. art. 12º, da Lei nº 6/2004), é exigente e restritiva. Ela afirma: Não basta que o perigo que o condenado represente para a sociedade da RAEM seja abstracto, potencial ou meramente possível. É evidente que o facto só é considerado crime quando a sociedade reclama a sua punição. A sociedade é dinâmica nesse sentido e é por tal motivo que a cada passo novos ilícitos são introduzidos nos instrumentos de previsão ou tipificação criminais. De alguma maneira, quando o legislador reflecte a vontade do povo, prevendo a punição de um facto, subjacente a essa previsão está sempre a protecção de um bem ou interesse público.
Todavia, a subsunção perfeita dos factos à norma carece da verificação de um perigo que deva ser efectivo para a segurança e ordem públicas. Ora, semanticamente, todo o perigo que não é efectivo deixa, a bem dizer, de ser perigo, porque não existe ou porque não é real. Por isso pensamos que a utilização pelo legislador do vocábulo “efectivo” não pode ter sido tão ingénua ou negligente. Foi intencional e estamos certos de que quis emprestar-lhe um sentido de seriedade, de algo real, senão mesmo de gravidade.
Tem, pois, que ser um perigo real, isto é, um perigo sustentado numa tal ostensiva situação que implique ou demande uma atenção especial ao indivíduo condenado, em função do tipo de crime, em função das consequências, em função da personalidade do delinquente.
Dito de outra maneira, se para o legislador bastasse a condenação em pena privativa de liberdade (condição-causa), não teria ele sentido a necessidade de a essa condição de base fazer acrescer a existência de um perigo para a ordem e segurança públicas (1ª condição-fundamento), pressupondo-o efectivo (2ª condição-fundamento).
Ou seja, deixa de bastar para o efeito a condenação em pena privativa de liberdade e nem mesmo a existência de perigo para a segurança e ordem públicas são já suficientes para o legislador. É preciso que este perigo seja concomitantemente concreto, sério, real, senão mesmo grave, portanto, “efectivo”.
Por tal motivo, haverá que prestar atenção ao tipo de ilícito em causa, aos valores protegidos no tipo, à dosimetria concreta da pena, ao seu cumprimento para a partir daí se avançar para um juízo de prognose a propósito do futuro.
Para o administrador fazer aplicação perfeita da lei, deve preencher cada uma das condições através do recurso aos factos e deles extrair a necessária integração subsuntiva. Isto porque, tendo o criador da lei estabelecido uma tal imposição, o seu aplicador não pode simplesmente atender à condição base como se isso fosse suficiente para automaticamente extrair dela as condições-fundamento.

Na esteira desse entendimento doutrinário, mutatis mutandis, cremos que ao formular o juízo sobre a falta de confiança no bom comportamento futuro do recorrente e a necessidade da tutela da segurança e ordem pública, a Administração está a actuar dentro da área de livre apreciação concedida por lei à Administração e a decidir uma matéria que escapa ao controlo jurisdicional desde que não haja erro grosseiro e manifesto.

Na verdade, in casu, havendo correspondência entre os pressupostos de factos legalmente previstos e os factos verificados no caso concreto, sendo a negação da renovação da autorização de residência uma decisão adequada e necessária a afastar o perigo para a segurança e ordem pública, cuja existência foi afirmada pelo juízo de prognose formulado pela Administração, judicialmente insindicável, não se vê como é que se verifica in casu o tal erro grosseiro e manifesto.

Finalmente no que diz respeito à alegada violação do princípio da proporcionalidade, por a Administração não ter respeitado o dever para assegurar os direitos consagrados na Lei de Bases da Política Familiar (Lei nº6/94/M de 1 de Agosto).

Pois para o efeito defende nas conclusões do recurso que:
23. Finalmente, o acto recorrido não passa também o teste da proporcionalidade em sentido estrito.
24. O Recorrente é casado com uma residente permanente de Macau desde 25 de Outubro de 2009, de cuja relação nasceram dois filhos, o primeiro actualmente com cinco anos e a segunda com 11 meses.
25. A família está socialmente bem integrada, vive em casa própria, tem outra fracção habitacional e o filho mais velho frequenta a escola em Macau, estando a filha mais nova ainda em casa.
26. A presença do pai na vida dos filhos é essencial para o seu bom desenvolvimento.
27. A não renovação da autorização de residência implica o afastamento do Recorrente do seio familiar e a necessidade de procurar emprego noutras paragens para prover ao sustento da sua família e fazer face às obrigações pecuniárias que impendem sobre o casal.
28. Confirmar este acto redundaria num grave prejuízo dos direitos da família do Recorrente sem que haja um fundamento sério para o efeito.
29. Só razões muito ponderosas justificariam a validade do acto recorrido, o que não acontece com as razões avançadas pela Entidade Recorrida, que nem sequer se deu ao trabalho de as fundamentar devidamente.
30. Tudo considerado, a decisão recorrida é também anulável por vício de violação de lei por violação do princípio da proporcionalidade.

Ora, admitindo embora que, no caso em apreço, tendo em conta o facto de o cônjuge do recorrente residir e trabalhar em Macau e os seus filhos terem nascido e vivido em Macau, o indeferimento da renovação da autorização de residência temporária em Macau implica incómodos da sua vida familiar em Macau e algumas limitações no exercício, por parte do recorrente, do seu direito à reunião familiar em Macau, temos de aceitar a impossibilidade da integral harmonização entre a protecção dos interesses tutelados por esse direito e a de interesses públicos, nomeadamente o da segurança pública e interna da RAEM.

Nestas circunstâncias concretas, temos de reconhecer que a Administração está em melhores condições para avaliar se se torna necessário limitar, senão sacrificar direitos dos recorrentes para que se concretizem os interesses públicos consubstanciados na salvaguarda de segurança pública e interna.

Assim, ponderando os interesses em jogo, por um lado temos os bens jurídicos da segurança e ordem pública da RAEM, e por outro lado, os valores de ordem pessoal e familiar do próprio recorrente, não consideramos que o indeferimento da renovação da autorização de residência constitui erro grosseiro ou manifesto no exercício do poder discricionário, nem consideramos que o indeferimento poderá infringir os princípios de cariz constitucional, nomeadamente o princípio proporcionalidade.

Improcede in totum o recurso.

Em conclusão:

4. O acto administrativo considera-se fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o artº 480º/2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de reacção, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.

5. Os tribunais administrativos não podem sindicar as decisões tomadas pela Administração no exercício de poderes discricionários, salvo nos casos extremos de erro grosseiro ou manifesto ou quando sejam infringidos os princípios gerais que limitam ou condicionam, de forma genérica, a discricionariedade administrativa, designadamente os princípios constitucionais; o princípio da imparcialidade, o princípio da igualdade, o princípio da justiça, o princípio da proporcionalidade, o princípio da boa fé, etc..

6. Admitindo embora que, tendo em conta o facto de o cônjuge do recorrente residir e trabalhar em Macau e os seus filhos terem nascido e vivido em Macau, o indeferimento da autorização de residência temporária em Macau implica incómodos na sua vida familiar em Macau e algumas limitações no exercício, por parte do recorrente, do seu direito à reunião familiar em Macau, é de aceitar a impossibilidade da integral harmonização entre a protecção dos interesses tutelados por esse direito e a de interesses públicos, nomeadamente o da segurança pública e interna da RAEM. Nestas circunstâncias, tem-se de reconhecer que a Administração está em melhores condições para avaliar se se torna necessário limitar, senão sacrificar direitos do recorrente para que se concretizem os interesses públicos consubstanciados na salvaguarda de segurança pública e interna. Assim, ponderando os interesses em jogo, por um lado estão presentes os bens jurídicos da segurança e ordem pública da RAEM, e por outro lado, os valores de ordem pessoal e familiar do próprio recorrente, não é de concluir que o indeferimento da autorização de residência constitui erro grosseiro ou manifesto no exercício do poder discricionário, nem que o indeferimento poderá infringir os princípios de cariz constitucional, nomeadamente o princípio proporcionalidade.


Resta decidir.
III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência julgar improcedente o recurso.

Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 6 UC.

Registe e notifique.

RAEM, 07DEZ2016
_________________________ _________________________
Lai Kin Hong Joaquim Teixeira de Sousa
_________________________ (Fui presente)
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
_________________________
Ho Wai Neng
1 Na verdade, não faz muito sentido invocar a existência de fortes indícios da existência de crimes já cometidos ou da preparação para prática de crimes, se os dados mostram que o crime foi já cometido. Isto é, não se justifica apelar à verificação de indícios de crime se os elementos revelam a prova do seu cometimento, a menos que a ocorrência daquele crime constitua para a Administração indício de que novos crimes estariam em preparação, o que, porém, não foi expresso fundamento do acto.
2 Da mesma maneira que quem tem poder para autorizar, conceder, licenciar, também tem o poder de negar a autorização, de não conceder ou de não licenciar e até mesmo de cassar a licença.
3 Segundo Forsthoff, Tratado de Derecho Administrativo, Madrid, Instituto de Estudios Politicos, 1958, pag. 138.
4 Neste sentido, por exemplo, Ac. TUI, de 27/04/2000, Proc. nº 6/2000, 3/05/2000, Proc. nº 9/2000,
5 Para este autor estariam excluídas da apreciação pelos tribunais situações muito específicas: (i) actos praticados por órgãos autónomos (v.g. júris de exames ou de avaliação de conhecimentos, (ii) certas avaliações, operadas sem a autonomia do ponto anterior (v.g. avaliação de funcionários), (iii) as hipóteses da chamada discricionariedade técnica, desde que reduzida a limites muito estreitos (v.g. importância de um monumento) e (iv) aqueles casos em que se verifica uma conexão particularmente íntima entre o exercício de uma competência discricionária e o seu pressuposto vinculado (v.g., distúrbios violentos justificativos das intervenções policiais) – ob. cit., fls. 69 a 75.
6 Ac. do STA de 20/11/2002, Proc. nº 0433/02. No mesmo sentido, e citando Marcelo Rebelo de Sousa, "Lições de Direito Administrativo, I, 111, dizendo que "Apurado que seja um conceito indeterminado, … a sua interpretação e aplicação não são discricionárias e, por conseguinte, são jurisdicionalmente controláveis», ver o Ac. do STA de 17/01/2007, Proc. nº 01068/06.
7 “Bons costumes”, “ordem pública”, “interesse colectivo”, “segurança pública”, “bem comum”, “tranquilidade”, “perigo”, “lesão grave”, “maiores vantagens” “boa resolução do assunto”, etc.
8 Eduardo Garcia de Enterria e Tomás-Ramón Fernandéz, Curso de Derecho Administrativo, Civitas, 4ª ed, 1990, pag. 271, para quem a aplicação de tais conceitos à qualificação de circunstâncias concretas não admite mais do que uma solução: ou se dá ou não se dá o conceito; ou há ou não boa fé; o preço ou é justo ou não o é; ou se vio9lou a probidade ou não se violou: Tertium non datur.
9 Eduardo Garcia de Enterria e Tomás-Ramón Fernandéz, Curso de Derecho Administrativo I, Civitas, 2000, pag. 457, para quem a aplicação de tais conceitos à qualificação de circunstâncias concretas não admite mais do que uma solução: ou se dá ou não se dá o conceito; ou há ou não boa fé; o preço ou é justo ou não o é; ou se violou a probidade ou não se violou: Tertium non datur.
10 António Francisco de Sousa, Conceitos Indeterminados no direito Administrativo, Almedina, 1994, pag. 205.
11 Autor e ob. cits. pag. 207.
12 Na doutrina brasileira, por exemplo, é o caso do autor José dos Santos Carvalho Filho, em O Controle Judicial da concretização dos conceitos jurídicos indeterminados:
http://download.rj.gov.br/documentos/10112/783251/DLFE-46989.pdf/Revista54Doutrina_pg_109_a_120.pdf.
13 Decisões sobre exames escolares ou similares; deliberações de natureza valorativa proferidas por comissões independentes constituídas por peritos ou representantes de interesses, designadamente de qualificação de escritos como perigosos para a juventude; decisões respeitantes a factores específicos relevantes para o conceito jurídico indeterminado, em especial sobre matéria político-administrativa: apud, José Manuel Sérvulo Correia, in Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, pag. 126/127.
14 A actividade planificadora referente ao ordenamento do território, à rede de estradas, de infra-estruras hospitalares, de protecção do ambiente, etc fazem ao mesmo tempo da política da Administração, não podendo ficar sujeita ao controlo do tribunal, salvo casos limitados (António F. de Sousa, ob. cit., pag. 213/216).
15 Ob. cit., pag. 125.
16 Concordamos que, embora esta tarefa diga respeito à fase da subsunção (tal como o defende Sérvulo Correia, ob. cit., pag. 119), ela não é uma subsunção enquanto aplicação dos factos ao direito da norma, uma vez que tais factos ainda não se produziram.
17 Ob. cit., pag. 115.
18 Ob. cit., pag. 119.
19 Ao fazê-lo num caso concreto na Alemanha, deu-se mal o tribunal quando foi confrontado com graves desordens e distúrbios na sequência da manifestação que tinha autorizado depois da recusa da Administração (exemplo extraído de António Fran Francisco de Sousa, ob. cit., pag. 215).
20 Exemplos citados por Sérvulo Correia, ob. cit., pag. 127.
21 In O Direito Administrativo e a Doutrina dos Conceitos Jurídicos Indeterminados, na Revista da Faculdade de Direito da UFPR, vol. 40, nº0, (2004), em: http://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=conceitos%20indeterminados%20maria%20%C3%A2ngela%20marques%20del%20claro&source=web&cd=1&sqi=2&ved=0CCAQFjAA&url=http%3A%2F%2Fojs.c3sl.ufpr.br%2Fojs2%2Findex.php%2Fdireito%2Farticle%2Fdownload%2F1741%2F1440&ei=85tzULjtILCRiQf_woHABA&usg=AFQjCNHLHa97-jU5DkIpcY0fbyT5SWFj_Q

22 M. S. GIANNINI, Diritto Amministrativo, II, 1988, p. 495; SÉRVULO CORREIA, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, pag. 171 e 478.
23 Sobre o assunto, ver Azevedo Moreira, ob. cit. e ainda Miguel Nogueira de Brito, Sobre a Discricionariedade Técnica, in separata da Revista de Direito e Estudos Sociais, 1994.
24 Garcia de Enterria-Tomás-Ramon Fernandez, Curso de Derecho Administrativo, CIvitas, 4ªçed., , vol. I, pag.275;
25 José dos Santos Carvalho Filho, em “O controle judicial da concretização dos conceitos jurídicos indeterminados”, in http://r.j.gov.br/c/document_library/get_file?.

26 Enciclopédia Verbo Luso-Brasileira da Cultura.
27 O ac. do STA de 06/04/1992, Proc. nº 029379 definiu a ordem pública como sendo “o conjunto de condições que permitem o desenvolvimento da vida social com tranquilidade e disciplina, de modo que cada indivíduo possa desenvolver a sua actividade sem terror ou receio”.
28 Parecer da PGR n.º 9/96A/Complementar, de 2 de Dezembro de 1998 — Diário da República, II Série, n.º 1, de 3 de Janeiro de 2000; também Parecer P001622003, de 18122003).
29 Sobre o conceito de ordem pública ver, ainda, JORGE MIRANDA, entrada “Ordem pública”, in Enciclopédia Verbo LusoBrasileira de Cultura, Edição Século XXI, volume 21, Editorial Verbo, Lisboa/S. Paulo, pág. 901; ANTÓNIO FRANCISCO DE SOUSA, “Função constitucional da Polícia”, Revista do Ministério Público, Ano 24, Jul/Set 2003, n.º 95, pág. 2530; PIETRO VIRGA, La Potestà di Polizia, Giuffrè Editore, Milano, 1954, pág. 3235; e ALDO M. SANDULLi, Manuale di Diritto Amministrativo, 10.ª edição, Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene, Napoli, 1969, pág. 582.
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773/2015-39