Processo n.º 836/2015
(Recurso Contencioso)
Relator: João Gil de Oliveira
Data: 7/Dezembro/2016
Assuntos:
- Pena de demissão; reabilitação por bom comportamento anterior
SUMÁRIO:
Se um funcionário a quem foi aplicada a pena disciplinar de demissão, vem pedir, decorrido o prazo previsto na lei, a sua reabilitação, invocando uma conduta posterior habilitante e merecedora dessa medida regeneratória, a Administração não pode limitar-se a repetir os argumentos relativos à gravidade passada e que conduziu à demissão, devendo pronunciar-se sobre aquela conduta posterior e sua relevância reparadora, só em função disso devendo apreciar o pedido de conversão da demissão em aposentação compulsiva concomitantemente formulado.
O Relator,
Processo n.º 836/2015
(Recurso Contencioso)
Data : 7 de Dezembro de 2016
Recorrente: A
Entidade Recorrida: Secretário para a Economia e Finanças
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
1. A, mais bem identificada nos autos, vem interpor para este Tribunal de Segunda Instância o presente RECURSO CONTENCIOSO solicitando a anulação do despacho proferido em 27 de Agosto de 2015 pelo Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças da R.A.E.M. que indeferiu o pedido de reabilitação formulado pela recorrente.
Para tanto alega em síntese conclusiva:
a) Em 2009, pelo Processo disciplinar n.º 001/CF/2009 da Direcção dos Serviços de Finanças, à recorrente foi aplicada a pena de demissão que produz efeito a partir de 14 de Novembro de 2009, ora, decorridos cerca de 6 anos.
b) Antes disso, a recorrente trabalhou mais de 20 anos na função pública, reunindo, na totalidade, um período de 20 anos e 29 dias de serviço contados a partir de 24 de Abril de 1989 até 31 de Dezembro de 2009, para efeitos de aposentação.
c) Desde a aplicação da pena de demissão, a recorrente tem mantido sempre boa conduta na sua vida pessoal, familiar e social. O Certificado de registo criminal da recorrente demonstra claramente que esta não tem nenhum antecedente criminal, sendo suficiente para apurar a sua boa conduta social como cidadão.
d) A recorrente reúne completamente os requisitos de reabilitação consagrados no art.º 349º do E.T.A.P.M.
e) Todavia, o despacho recorrido, só com fundamento na infracção disciplinar praticada pela recorrente que foi sancionada no processo disciplinar anterior, concluiu que a mesma não reuniu o requisito de “boa conduta”, decidindo indeferir o pedido de reabilitação formulado pela recorrente, bem como considerando que “a reabilitação implica o incentivo ao acto que pode ser censurado a todo o título (sic)”.
f) Tal opinião do despacho recorrido violou o objectivo legislativo do regime de reabilitação, vedado pelo art.º 349º do E.T.A.P.M.
g) No objectivo legislativo do regime jurídico de reabilitação “o que se visa não é alterar a sanção – que permanece intocável – mas tão só premiar um infractor bem comportado, retirando-lhe certas incapacidades e efeitos resultantes da punição sofrida.”, com vista a “apagar, até onde ainda for possível, o rasto de consequências negativas deixado por aquela censura na esfera jurídica do arguido”.
h) Para aferir o comportamento do infractor, no n.º 3 do mesmo artigo fixaram-se vários períodos e, segundo o qual, só se permite a apresentação do pedido de reabilitação pelo infractor após ter decorrido o período de prova adequado contado desde a punição.
i) Assim sendo, pode concluir-se que o regime de reabilitação não é nem deve alterar ou avaliar novamente a decisão tomada ou infracção disciplinar sancionada, mas sim, após a avaliação do comportamento que o infractor tem ao longo do período de prova, conceder ao infractor bem comportado a reabilitação, apagando o rasto de consequências negativas deixado pela sanção disciplinar.
j) No entanto, o despacho recorrido indeferiu o pedido de reabilitação formulado pela recorrente só com base na infracção disciplinar praticada pela mesma, como único fundamento. Isto significa que, após ser disciplinarmente sancionada, independentemente do seu comportamento e do tempo que decorreu, a recorrente não pode ser reabilitada, já que o facto de aplicação de sanção disciplinar à recorrente é considerado inalterável, sendo manifestamente incompatível com o objectivo legislativo do regime de reabilitação.
k) A par disso, o despacho recorrido também cometeu erro na aplicação do disposto no n.º 2 do mesmo artigo, referente à “boa conduta”.
l) A “boa conduta” como fundamento do procedimento de reabilitação, com base no objectivo legislativo do regime de reabilitação e na interpretação lógica, o seu aferimento deve ser feita em função do comportamento que o infractor tem num determinado período de tempo posterior à aplicação de sanção disciplinar.
m) Quanto a isto, é de assinalar que foi aplicada e executada a sanção no Processo disciplinar pela infracção disciplinar em causa. Portanto, a fundamentação da reabilitação em infracção disciplinar sancionada implica, indubitavelmente, uma punição pelo mesmo acto.
n) In casu, à recorrente foi aplicada a pena de demissão, desligando-se da função pública, pelo que a avaliação do seu comportamento deve ser feita naturalmente com fundamento no comportamento cívico que a recorrente tem, na vida pessoal e social, depois de ser sancionada.
o) Pelos factos acima expostos, a recorrente tem mantido sempre boa conduta depois de ser demitida e nunca praticou qualquer acto ilegal. Visando-se ao apuramento do seu comportamento, a recorrente apresentou o seu Certificado de registo criminal juntamente com o pedido de reabilitação.
p) Pelo exposto, a recorrente reúne completamente todos os requisitos de reabilitação previstos na lei, mormente o referente à “boa conduta”.
q ) O despacho recorrido fundamentou erradamente a avaliação da “boa conduta”, mencionada no n.º 2, na infracção disciplinar sancionada que foi praticada pela recorrente, sendo erro na aplicação da aludida disposição legal.
r) Nesta conformidade, o despacho recorrido violou o objectivo legislativo do art.º 349º e do disposto no n.º 2 do mesmo artigo do E.T.A.P.M., enfermando do vício de violação da lei, e, em consequência, deve o mesmo ser anulado.
s) A par disso, mesmo que se entender que é necessário avaliar a conduta precedente da recorrente, o despacho recorrido só atendeu, unilateralmente, ao facto negativo no que concerne ao acto praticado pela recorrente que foi sancionado no Processo disciplinar.
t) E ignorou completamente que a recorrente trabalhou mais de 20 anos na função pública e, pelo seu trabalho, ganhou reconhecimento do serviço, fazendo uma avaliação unilateral e inexacta sobre o comportamento precedente da recorrente.
u) Ademais, o despacho recorrido até não ponderou nem avaliou, de forma nenhuma, o comportamento adoptado pela recorrente após ser sancionada, assim como não atendeu ao Certificado de registo criminal apresentado pela recorrente para efeitos de apuramento, causando directamente o erro na avaliação do comportamento da recorrente.
v) É de indicar com clareza que, desde a aplicação de sanção disciplinar, a recorrente tem mantido sempre boa conduta, além disso, o Certificado de registo criminal demonstra claramente que a recorrente não tem antecedente criminal, daí se apura suficientemente que a mesma tem mantido sempre bom comportamento desde a aplicação de sanção disciplinar.
w) Por conseguinte, o despacho recorrido, só com fundamento na infracção disciplinar sancionada que foi praticada pela recorrente, concluiu que a mesma não reuniu o requisito legal de “boa conduta”, sendo este um erro no reconhecimento da situação efectiva da recorrente, padecendo, portanto, do vício de erro no reconhecimento dos pressupostos de facto e merecendo ser anulado.
Nestes termos, requer-se aos Venerandos Juízes que concedam provimento ao presente recurso por serem provados os factos nele invocados, declarando anulado o despacho recorrido por padecer dos vícios de violação do disposto no art.º 349º do E.T.A.P.M. e de erro nos pressupostos de facto.
Enfim, solicita-se que, nos termos dos artigos 53º a 55º do Código de Processo Administrativo Contencioso, seja efectuada a citação da entidade recorrida para, querendo, contestar no prazo legal, bem como seja ordenada a junção aos presentes autos de recurso contencioso do Processo individual da recorrente e do Processo Administrativo relativo à reabilitação.
2. O Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças, entidade recorrida nos autos de recurso contencioso à margem referenciados, contesta, dizendo em sede de conclusões:
a) Nos termos do n.º 2 do artigo 349.° do ETAPM, "a reabilitação será concedida a quem a tenha merecido por boa conduta, podendo para esse fim o interessado utilizar todos os meios de prova permitidos em direito" e pode ser requerida decorrido o prazo de 5 anos sobre a aplicação da pena de demissão. (alínea d) do n.º 3 do mesmo artigo)
b) Verificado que está o requisito da decorrência do prazo de 5 anos sobre a aplicação da pena, não logrou no entanto a recorrente fazer prova cabal no processo administrativo de reabilitação, como lhe competia, do merecimento da mesma por boa conduta, tendo-se limitado a apresentar com o pedido um certificado de registo criminal.
c) Propondo-se agora, em sede de recurso contencioso de anulação, fazer a prova dos factos que deveria ter feito no procedimento administrativo respectivo, como se constata pela junção de novos documentos e apresentação de rol de testemunhas para prova da boa conduta.
d) Pelo que não tem razão a recorrente quando alega que não foi tida em conta a sua conduta desde a aplicação da pena de demissão até à data do pedido de reabilitação, não podendo a administração, com a apresentação de um certificado de registo criminal, apreciar a sua conduta de forma rigorosa e objectiva de forma que lhe permita concluir no sentido de ter havido, sem margem para dúvidas, uma inflexão segura no seu comportamento, que permita tirar a ilação, em função de critérios de avaliação do homem médio, que a sancionada tem mantido uma boa conduta desde a data da demissão.
c) Por outro lado, "se a pena aplicada tiver sido a de demissão poder-se-a decretar a sua conversão em aposentação compulsiva", desde que o funcionário ou agente reúna o período mínimo de 15 anos de serviço contados para efeito de aposentação. (artigo 349.º n.º 6 do RTAPM)
f) Muito embora preencha a recorrente o requisito dos 15 anos de serviço contados para efeitos de aposentação, a conversão da pena não é automática, sendo um poder discricionário da administração.
g) Ora atendendo à particularidade da infracção cometida, a qual se traduziu num procedimento pensado a longo prazo, com o objectivo último de conseguir a aposentação, não pode deixar de se considerar o pedido de reabilitação como o "último degrau" de um caminho todo ele censurável e reprovável.
11) A recorrente, premeditadamente, deixou de comparecer ao serviço pretendendo ser aposentada compulsivamente como referiu verbalmente ao seu superior hierárquico, e sabendo estar a praticar uma infracção que inviabilizava a manutenção da sua situação jurídico-funcional.
i) Tendo-lhe sido aplicada a pena de demissão, continuou o seu trajecto face ao seu objectivo último, intentando acção judicial de anulação da pena aplicada c substituição pela aposentação compulsiva, recurso a que foi negado provimento por se mostrar adequada a aplicação da pena de demissão.
j) E veio agora em último recurso, pedir mais uma vez a conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva, a qual lhe foi negada pelo despacho objecto do presente recurso, uma vez que com tal conversão a recorrente acabaria por ver a sua conduta "premiada", conduta a todos os títulos reprovável.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado improcedente, em virtude da inexistência de qualquer ilegalidade do acto recorrido.
A entidade recorrida, nos termos do n.º 1 do artigo 53° do CPAC, considera provados todos os factos supra alegados juntando, para tanto, o processo administrativo demonstrador da verdade dos mesmos e um documento.
3. O Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças, apresentar as suas ALEGAÇÕES FACULTATIVAS, concluindo:
a) Nos termos do n.º 2 do artigo 349.º do ETAPM, "a reabilitação será concedida a quem a tenha merecido por boa conduta, podendo para esse fim o interessado utilizar todos os meios de prova permitidos em direito" e pode ser requerida decorrido o prazo de 5 anos sobre a aplicação da pena de demissão. (alínea d) do n.º 3 do mesmo artigo)
b) Verificado que está o requisito da decorrência do prazo de 5 anos sobre a aplicação da pena, não logrou no entanto a recorrente fazer prova cabal no processo administrativo de reabilitação, como lhe competia, do merecimento da mesma por boa conduta, tendo-se limitado a apresentar, com o pedido um certificado de registo criminal.
c) Propondo-se agora, em sede de recurso contencioso de anulação, fazer a prova dos factos que deveria ter feito no procedimento administrativo respectivo, como se constata pela junção de novos documentos e apresentação de rol de testemunhas para prova da boa conduta.
d) Pelo que não tem razão a recorrente quando alega que não foi tida em conta a sua conduta desde a aplicação da pena de demissão até à data do pedido de reabilitação, não podendo a administração, com a apresentação ele um certificado de registo criminal, apreciar a sua conduta de forma rigorosa e objectiva de forma que lhe permita concluir no sentido de ter havido, sem margem para dúvidas, uma inflexão segura no seu comportamento, que permita tirar a ilação que a sancionada tem mantido uma boa conduta desde a data da demissão.
e) Por outro lado, "se a pena aplicada tiver sido a de demissão poder-se-a decretar a sua conversão em aposentação compulsiva", desde que o funcionário ou agente reúna o período mínimo de 15 anos de serviço contados para efeito de aposentação. (artigo 349.º n.º 6 do RTAPM)
f) Muito embora preencha a recorrente o requisito dos 15 anos de serviço contados para efeitos de aposentação, a conversão da pena não é automática, sendo um poder discricionário da administração.
g) Ora atendendo à particularidade da infracção cometida, a qual se traduziu num procedimento pensado a longo prazo, com o objectivo último de conseguir a aposentação, não pode deixar de se considerar o pedido de reabilitação como o "último degrau" de um caminho todo ele censurável e reprovável.
h) A recorrente, premeditadamente, deixou de comparecer ao serviço pretendendo ser aposentada compulsivamente como referiu verbalmente ao seu superior hierárquico, e sabendo estar a praticar uma infracção que inviabilizava a manutenção da sua situação jurídico-funcional.
i) Tendo-lhe sido aplicada a pena de demissão, continuou o seu trajecto face ao seu objectivo último, intentando acção judicial de anulação da pena aplicada e substituição pela aposentação compulsiva, recurso a que foi negado provimento por se mostrar adequada a aplicação da pena de demissão.
j) E veio agora por fim, pedir a sua reabilitação e mais uma vez a conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva, a qual lhe foi negada pelo despacho objecto do presente recurso, uma vez que com tal conversão a recorrente acabaria por ver a sua conduta "premiada", conduta a todos os títulos reprovável.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado improcedente, em virtude da inexistência de qualquer vício do acto recorrido.
Termos cm que se requer a V. Exª que o presente recurso seja declarado improcedente sendo, consequentemente, mantido o despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, de 11 de Agosto de 2015, com as devidas consequências legais.
4. O Digno Magistrado do MP oferece o seguinte douto parecer:
A, outrora funcionária da Direcção dos Serviços de Finanças (DSF), punida disciplinarmente, em 2009, com a pena de demissão, requereu a sua reabilitação em 6 de Janeiro de 2015. Por despacho de 11 de Agosto de 2015 o Exm.º Secretário para a Economia e Finanças indeferiu essa pretensão. É deste despacho que vem interposto o presente recurso contencioso.
A recorrente imputa ao acto vícios de violação de lei, quer por erro de interpretação do artigo 349.°, n.º 2, do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM), quer por erro nos pressupostos de facto. Contrapõe a Administração que o acto não padece de qualquer desses vícios, mostrando-se inteiramente conforme aos ditames legais.
Vejamos.
Para caracterizar a ofensa ao artigo 349.°, n.º 2, do ETAPM, a recorrente alega que o acto recorrido não ponderou, como lhe competia, a conduta que releva nos termos desse normativo. No dizer da recorrente, essa conduta, a boa conduta que releva enquanto objecto de ponderação do merecimento é a conduta posterior à punição disciplinar; e o que a Administração apreciou foi a conduta infraccional da recorrente, manifestada na prática dos factos que conduziram à punição e na respectiva gravidade.
Temos por pertinente e procedente a argumentação da recorrente.
Na verdade, analisando os fundamentos do acto, verifica-se que aferiram a conduta da recorrente à luz dos factos dados como provados no processo disciplinar e levados em consideração na punição, para, a partir daí, dar por indemonstrada a necessária boa conduta a que se refere a lei e indeferir o pedido. Pois bem, não é seguramente essa a análise que a lei inculca no juízo a formular acerca do merecimento da reabilitação. O que está em causa é a apreciação da conduta evidenciada posteriormente à aplicação ou cumprimento da pena, nomeadamente durante os espaços temporais previstos no n.º 3 do aludido artigo 349.°, que constituem, por assim dizer, os períodos probatórios mínimos do comportamento dos reabilitandos. Só essa apreciação da conduta posterior vai permitir, nas palavras de Leal-Henriques, citado pela recorrente, aferir da boa conduta em função do comportamento cívico e comunitário do reabilitando, ao qual incumbe demonstrar que, na vida social e pessoal, tem assumido uma postura merecedora do beneficio da reabilitação.
E não se diga que a obrigatoriedade legal de apreciar a boa conduta por referência a um período temporal posterior à aplicação ou cumprimento da pena resulta prejudicada pelo facto de ser discricionária a conversão da demissão em aposentação compulsiva, e uma vez que a Administração já se pronunciou, no procedimento disciplinar, contra essa conversão. Trata-se, com efeito, de momentos e sedes de apreciação diversas, a que acresce que a reabilitação pode ser concedida sem que seja necessariamente decretada a conversão.
Procede, pois, o vício de violação de lei, por ofensa do artigo 349.º, n.° 2, do ETAPM.
Quanto ao alegado ena nos pressupostos de facto, a recorrente evidencia que o acto apenas atendeu ao comportamento alvo de censura no exercício de funções e desprezou os factos favoráveis à recorrente nesse mesmo exercício de funções, tais como louvores e classificações de serviço, tal como não ponderou nem avaliou a conduta adoptada pela recorrente na sua vida pessoal, familiar e social, que a própria classifica de boa conduta, e que diz transparecer objectiva e directamente do certificado de registo criminal que ofereceu.
Diga-se, antes de mais, que, em face do objecto deste recurso contencioso, não há que apreciar aqui a apetência e a suficiência do certificado de registo criminal para provar a boa conduta credora da reabilitação. Isso é tarefa que cabe à Administração e, não tendo esta feito tal apreciação - o que aliás contribuiu para que tivéssemos por verificado o vício de violação do artigo 349.°, n.º 2, do ETAPM - está o tribunal impedido, dada a margem de sindicância que nesta matéria lhe cabe, de abordar o assunto.
Por outro lado, há que convir que, bem vistas as coisas, o erro nos pressupostos de facto, tal como vem alegado, está prejudicado pela patente violação do referido artigo 349.°, n.º 2, do ETAPM. Na verdade, se a Administração errou na escolha do período temporal sobre o qual se debruçou para apreciar a conduta da recorrente, o que por si já configura a violação do aludido normativo, afigura-se de todo irrelevante que, adentro dessa errada escolha, a Administração haja ou não seleccionado todos os pressupostos que podiam ser ponderados em benefício da recorrente.
Daí que se creia improceder o suscitado vício de erro nos pressupostos de facto.
Termos em que, na procedência do vício de violação de lei, por ofensa do artigo 349.º, n.º 2, do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, deve conceder-se provimento ao recurso, anulando-se o acto recorrido.
5. Foram colhidos os vistos legais.
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
III - FACTOS
Com pertinência, respiga-se do PA o que a seguir se transcreve, relativamente ao despacho recorrido e proposta que lhe esteve subjacente:
“Governo da Região Administrativa Especial de Macau
Direcção dos Serviços de Finanças
Parecer:
Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças
Conforme o relatório elaborado pelo instrutor, a trabalhadora A violou os deveres de assiduidade, de obediência e de colaboração consagrados no E.T.A.P.M., pelo que se submete à consideração de V. Ex.ª o respectivo Processo disciplinar que visa, nos termos dos artigos 305º, 311º e 315º do aludido Estatuto, aplicar à interessada a pena de demissão.
À consideração de V. Ex.ª.
A Directora, Subst.ª,
(Assinatura vide o original)
Vitória da Conceição
21/10/2009
Despacho:
Concordo com o parecer. Autorizo a aplicação da pena de demissão à interessada, em conformidade com as respectivas disposições.
(Assinatura vide o original)
23/10/09
Assunto: Processo disciplinar n.º 001/CF/2009 e apenso n.º 001/CF/2009-A
INFORMAÇÃO N.º: 003/CF/2009
Data: 19/10/2009
Exma. Senhora Directora dos Serviços, Substa.,
PROPOSTA
N.º 139/NAJ/DB/15
Data : 09/06/2015
Assunto : Pedido de Reabilitação – A
Em cumprimento do despacho da Sr.ª Coordenadora do Núcleo de Apoio Jurídico de 15.04.15, cumpre informar o seguinte sobre o assunto identificado em epígrafe.
1. Mediante despacho do Sr. Secretário para a Economia e Finanças, de 09.01.15, foi enviado a este Núcleo para informação, o pedido de reabilitação da Sr.ª A, ex-funcionária da Direcção dos Serviços de Finanças, punida com pena de demissão.
2. À requerente, no âmbito do Processo Disciplinar que correu os seus termos na Direcção dos Serviços de Finanças, sob o n.º 001/CF/2009 e apenso n.º 001/CF/2009-A, foi aplicada a pena de demissão, pelo despacho do Sr. Secretário para a Economia e Finanças de 23/10/2009 exarado na Informação n.º 003/CF/2009, tendo a mesma recorrido desse acto para o Tribunal de Segunda Instância, recurso ao qual foi negado provimento.
3. Do relatório elaborado no processo disciplinar supra citado ficaram provados os seguintes factos, com relevância para o presente pedido:
a) No dia 14 de Maio de 2009, a agora requerente comunicou ao Coordenador do Núcleo de Apoio Jurídico, onde exercia funções de tradutora, que pretendia aposentar-se através de um processo disciplinar por falta de comparência ao serviço.
b) Nessa altura, o Coordenador daquele Núcleo referiu à arguida que o que estava a dizer era extremamente grave e que devia reconsiderar a sua decisão até porque a lei não diz que a pena, nesses casos, deve ser a aposentação compulsiva.
c) A arguida após o referido pelo respectivo coordenador comunicou que deixaria de se apresentar ao serviço na segunda-feira seguinte o que fez, tendo na sextafeira anterior retirado os seus objectos pessoais da sua secretária de trabalho tendo apenas deixado os objectos da Administração.
d) A partir de dia 18 de Maio de 2009, segunda-feira, a arguida deixou de comparecer ao serviço não tendo apresentado qualquer justificação para as suas faltas, tendo dado no ano civil de 2009 cento e dez (110) faltas seguidas e injustificadas, até à data de conclusão da acusação.
e) A arguida agiu pois voluntária, deliberada, consciente e premeditadamente, não comparecendo ao serviço durante a totalidade do período diário de presença obrigatória no serviço durante 110 dias bem sabendo que com tal conduta infringia o dever de assiduidade, a que está adstrita enquanto funcionária da Administração Pública de Macau, comportamento que foi por si previsto e querido.
4. A arguida, com o seu comportamento, violou dolosamente o dever de assiduidade previsto na alínea g) do n° 2 do artigo 279º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, e que a obriga a comparecer regular e continuadamente ao serviço, conforme n° 9 do mesmo artigo, constituindo essa conduta infracção disciplinar, nos termos do artigo 281.° daquele Estatuto, subsumível na alínea f) do n.º 2 e n.º 1 do artigo 315.° do mesmo diploma e punível abstractamente com a pena de aposentação compulsiva ou demissão na medida em que inviabiliza a manutenção da situação jurídico-funcional, com a agravante da premeditação, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 283.° do ETAPM, que consiste no desígnio formado 24 horas antes, pelo menos, da prática da infracção, conforme o n.º 2 do citado artigo.
5. Nos termos do artigo 349.° do ETAPM, a reabilitação será concedida:
a) a quem a tenha merecido por boa conduta (n.º 2);
b) se for requerida decorrido o prazo fixado no n.° 3 do mesmo artigo, que é de 5 anos, nos casos de demissão;
c) Nos casos de ter sido aplicada a pena de demissão, poderá decretar-se a sua conversão em aposentação compulsiva, se o funcionário punido reunisse, na data da punição, o período mínimo de 15 anos de serviço contados para efeitos de aposentação.
6. Face ao exposto, conforme já se argumentou no processo judicial que a requerente intentou e ao qual foi negado provimento, a aplicação no processo disciplinar da pena de aposentação compulsiva ou, conforme agora requer, a sua reabilitação com a consequente conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva traduzir-se-ia num "prémio" para a sua conduta a todos os títulos reprovável. Ou dito de outra forma, a requerente acabaria por alcançar aquilo que sempre pretendeu com a sua actuação, altamente lesiva para a Administração, isto é, aposentar-se não de acordo com as disposições legais que a regulam, mas servindo-se de uma possibilidade existente na lei, de conversão de demissão em aposentação compulsiva para quem reunir o mínimo de 15 anos de serviço, a qual não se destina seguramente a premiar condutas reprováveis como a da requerente.
Em conclusão, entendemos que não se verifica neste caso a boa conduta a que se refere a lei para a concessão da reabilitação requerida, pelo que deverá o pedido ser indeferido.
À consideração superior,
O Técnico Superior Assessor
(…)”
“Governo da Região Administrativa Especial de Macau
Direcção dos Serviços de Finanças
Assunto : Notificação do Despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 11.08.15.
Nos termos dos artigos 68° e ss. do Código do Procedimento Administrativo (CPA) aprovado pelo DL n° 57/99/M, de 11.10.99, e em referência pedido de reabilitação interpostc por A em 06.01.15, fica V. Exa. por este meio notificado na qualidade de mandatário da mesma do conteúdo do despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, de 11.08.15, exarado na Proposta n° 139/NAJ/DB/15, de 09 de Junho, sendo o sei teor o que a seguir se transcreve:
«Concordo com a proposta. Não autorizo o pedido da requerente.»
Ass.: B, aos 11.08.2015.
Da proposta referida reproduzem-se os fundamentos de facto e de direito que sustentam o presente despacho:
1. Mediante despacho do Sr. Secretário para a Economia e Finanças, de 09.01.15, foi enviado a este Núcleo para informação, o pedido de reabilitação da Sr.ª A, ex-funcionária da Direcção dos Serviços de Finanças, punida com pena de demissão.
2. À requerente, no âmbito do Processo Disciplinar que correu os seus termos na Direcção dos Serviços de Finanças, sob o n.º 001/CF/2009 e apenso n.º 001/CF/2009-A, foi aplicada a pena de demissão, pelo despacho do Sr. Secretário para a Economia e Finanças de 23/10/2009 exarado na Informação n.º 003/CF/2009, tendo a mesma recorrido desse acto para o Tribunal de Segunda Instância, recurso ao qual foi negado provimento.
3. Do relatório elaborado no processo disciplinar supra citado ficaram provados os seguintes factos, com relevância para o presente pedido:
a) No dia 14 de Maio de 2009, a agora requerente comunicou ao Coordenador do Núcleo de Apoio Jurídico, onde exercia funções de tradutora, que pretendia aposentar-se através de um processo disciplinar por falta de comparência ao serviço.
b) Nessa altura, o Coordenador daquele Núcleo referiu à arguida que o que estava a dizer era extremamente grave e que devia reconsiderar a sua decisão até porque a lei não diz que a pena, nesses casos, deve ser a aposentação compulsiva.
c) A arguida após o referido pelo respectivo coordenador comunicou que deixaria de se apresentar ao serviço na segunda-feira seguinte o que fez, tendo na sextafeira anterior retirado os seus objectos pessoais da sua secretária de trabalho tendo apenas deixado os objectos da Administração.
d) A partir de dia 18 de Maio de 2009, segunda-feira, a arguida deixou de comparecer ao serviço não tendo apresentado qualquer justificação para as suas faltas, tendo dado no ano civil de 2009 cento e dez (110) faltas seguidas e injustificadas, até à data de conclusão da acusação.
e) A arguida agiu pois voluntária, deliberada, consciente e premeditadamente, não comparecendo ao serviço durante a totalidade do período diário de presença obrigatória no serviço durante 110 dias bem sabendo que com tal conduta infringia o dever de assiduidade, a que está adstrita enquanto funcionária da Administração Pública de Macau, comportamento que foi por si previsto e querido.
4. A arguida, com o seu comportamento, violou dolosamente o dever de assiduidade previsto na alínea g) do n° 2 do artigo 279º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, e que a obriga a comparecer regular e continuadamente ao serviço, conforme n° 9 do mesmo artigo, constituindo essa conduta infracção disciplinar, nos termos do artigo 281.° daquele Estatuto, subsumível na alínea f) do n.º 2 e n.º 1 do artigo 315.° do mesmo diploma e punível abstractamente com a pena de aposentação compulsiva ou demissão na medida em que inviabiliza a manutenção da situação jurídico-funcional, com a agravante da premeditação, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 283.° do ETAPM, que consiste no desígnio formado 24 horas antes, pelo menos, da prática da infracção, conforme o n.º 2 do citado artigo.
5. Nos termos do artigo 349.° do ETAPM, a reabilitação será concedida:
a) a quem a tenha merecido por boa conduta (n.º 2);
b) se for requerida decorrido o prazo fixado no n.° 3 do mesmo artigo, que é de 5 anos, nos casos de demissão;
c) Nos casos de ter sido aplicada a pena de demissão, poderá decretar-se a sua conversão em aposentação compulsiva, se o funcionário punido reunisse, na data da punição, o período mínimo de 15 anos de serviço contados para efeitos de aposentação.
6. Face ao exposto, conforme já se argumentou no processo judicial que a requerente intentou e ao qual foi negado provimento, a aplicação no processo disciplinar da pena de aposentação compulsiva ou, conforme agora requer, a sua reabilitação com a consequente conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva traduzir-se-ia num "prémio" para a sua conduta a todos os títulos reprovável. Ou dito de outra forma, a requerente acabaria por alcançar aquilo que sempre pretendeu com a sua actuação, altamente lesiva para a Administração, isto é, aposentar-se não de acordo com as disposições legais que a regulam, mas servindo-se de uma possibilidade existente na lei, de conversão de demissão em aposentação compulsiva para quem reunir o mínimo de 15 anos de serviço, a qual não se destina seguramente a premiar condutas reprováveis como a da requerente.
Em conclusão, entendemos que não se verifica neste caso a boa conduta a que se refere a lei para a concessão da reabilitação requerida, pelo que deverá o pedido ser indeferido.”
Mais se informa V,. Exa. que do acto administrativo em apreço cabe recurso contencioso nos termos gerais, para o Tribunal de Segunda Instância da Região Administrativa Especial de Macau.
Com os melhores cumprimentos,
Direcção dos Serviços de Finanças, na RAEM, aos 27 de Agosto de 2015.
P´lo Director dos Serviços,
A Coordenadora do NAJ,
(…)”
IV – FUNDAMENTOS
1. A entidade recorrida proferiu despacho em 11 de Agosto do corrente ano que concordou com a proposta feita na Proposta n.º 139/NAJ/DB/15, indeferindo o pedido de reabilitação formulado pela recorrente, com vista a converter a pena de demissão em aposentação compulsiva.
A recorrente assaca ao acto recorrido dois vícios: Violação de lei e erro nos pressupostos de facto.
2. A recorrente diz que houve violação do objectivo legislativo do art.º 349º e do disposto no n.º 2 do mesmo artigo do E.T.A.P.M.
Mais defende que reúne os pressupostos para ser reabilitada, de forma a que a pena de demissão possa ser convertida em aposentação compulsiva recorrente, pois foi punida com pena de demissão, decorreu um período superior a 5 anos e reúne um período superior a 20 anos de serviço contados para efeitos de aposentação, apresentando uma conduta merecedora dessa reabilitação.
No despacho recorrido ter-se-á feito apenas um juízo de valoração sobre a conduta já anteriormente avaliada e que foi objecto do processo disciplinar, pelo que o despacho recorrido violou o objectivo legislativo do regime de reabilitação, vedado pelo art.º 349º do E.T.A.P.M.
O que contrapõe a entidade recorrida?
Que o que a recorrente pretende com a sua conduta é converter uma pena de demissão em aposentação compulsiva, opção que só cabe à entidade recorrida, em face dos factos integrante da aplicação daquela sanção disciplinar, estendendo-se na justificação e bondade do decidido.
Daí que, ao contrário do que alega a recorrente, “o despacho recorrido não indeferiu o pedido de reabilitação e conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva com o fundamento de uma infracção cometida e já punida, mas antes, o que foi tido em conta para a decisão que se traduz num poder discricionário do órgão decisório, foi todo um percurso reprovável e altamente lesante para a Administração, que culminaria agora no "prémio" que sempre pretendeu alcançar, sendo que, como veremos, nem sequer a exigência legal de prova de boa conduta posterior à aplicação da pena logrou fazer.”
3. Vejamos.
Prevê o art.º 349º do E.T.A.P.M.:
“1. Os funcionários e agentes punidos em quaisquer penas podem ser reabilitados, independentemente da revisão do processo disciplinar, competindo ao Governador conceder a reabilitação.
2. A reabilitação será concedida a quem a tenha merecido por boa conduta, podendo para esse fim o interessado utilizar todos os meios de prova permitidos em direito.
3. A reabilitação pode ser requerida pelo interessado ou seu representante, decorridos os prazos seguintes sobre a aplicação ou cumprimento da pena:
a) 1 ano, nos casos de repreensão escrita;
b) 2 anos, no caso de multa;
c) 3 anos, nos casos de suspensão;
d) 5 anos, nos casos de aposentação compulsiva e demissão.
4. A reabilitação faz cessar as incapacidades e demais efeitos da condenação ainda subsistentes, devendo ser registada no processo individual do funcionário ou agente.
5. A concessão da reabilitação não atribui ao indivíduo a quem tenha sido aplicada pena de aposentação compulsiva ou demissão o direito de reocupar, por esse facto, um lugar ou cargo na Administração.
6. Se a pena aplicada tiver sido a de demissão poder-se-á decretar a sua conversão em aposentação compulsiva, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 315º”.
Dispõe o n.º 3 do art.º 315º da mesma lei:
“A pena de aposentação compulsiva só poderá ser aplicada se o funcionário ou agente reunir o período mínimo de 15 anos de serviço contados para efeitos de aposentação, na ausência do que lhe será aplicada a pena de demissão”.
4. Importa ter presente que o que se requereu foi uma reabilitação e, num segundo pedido, a concessão da conversão da demissão em aposentação compulsiva.
Parece resultar claro que na reabilitação o que está em causa é a apreciação e valoração da conduta após a cessão da relação jurídico-laboral efectiva. O que se perspectiva na lei é o comportamento relevante do agente afastado, que o reabilite, de forma a poder ponderar-se a concessão de uma aposentação compulsiva. Não se trata de uma reapreciação pura e simples dos mesmos factos sobre os quais já houve pronúncia administrativa.
Como salienta Leal-Henriques, na reabilitação, “o que se visa não é alterar a sanção – que permanece intocável – mas tão só premiar um infractor bem comportado, retirando-lhe certas incapacidades e efeitos resultantes da punição sofrida.”1, com vista a “apagar, até onde ainda for possível, o rasto de consequências negativas deixado por aquela censura na esfera jurídica do arguido”.2
Há, na verdade, um período de prova mínimo, em que se exige que a conduta do agente seja de tal forma relevante que possa levar a reconsiderar uma pena expulsiva sem qualquer remuneração, dando-se-lhe, em via dessas boas acções um prémio, o poder auferir uma pensão, em face do tempo desempenhado e da conduta relevante merecedora desse prémio. Ainda que essa conversão não resulte automaticamente da lei, haverá aí uma margem discricionária de apreciação que cabe à Administração fazer, exercício esse que não pode deixar de ser feito.
Para aferir o comportamento do infractor, no n.º 3 do mesmo artigo fixaram-se vários períodos, só se permitindo a apresentação do pedido de reabilitação pelo infractor após ter decorrido o período de prova adequado contado desde a punição, o que inculca exactamente que o que releva é a boa conduta durante esse período.
O regime de reabilitação concretiza-se, pois, num instituto que não se reconduz a uma prova real de um primeiro juízo que foi feito. Traduz-se num “expediente através do qual se obtém uma declaração de cessação de certas incapacidades e efeitos resultantes da censura disciplinar, tendo como fundamento a boa conduta entretanto demonstrada pelo funcionário faltoso.”3 Isto é, o resultado a que a Administração chegou foi à demissão e esse acto mostra-se definitivo, enquanto tal. O que a lei prevê agora é que, passado algum tempo, e verificados os respectivos pressupostos, elaborar sobre uma nova realidade que deve ser analisada, ponderada e avaliada, de forma a praticar um outro acto que poderá traduzir-se numa reabilitação e permitirá ou não alterar a situação jurídico-funcional do agente em presença. Só após a avaliação do comportamento que o infractor teve ao longo do período de prova se poderá conceder ao infractor, com comportamento merecedor, a reabilitação, apagando o rasto de consequências negativas deixado pela sanção disciplinar.
Daqui decorre que esse exercício sobre a conduta posterior não pode deixar de ser feito. Ora, o que se observa, no despacho recorrido, é que esse exercício não foi produzido, devendo tê-lo sido. Sobre o comportamento posterior nem uma palavra na decisão tomada e ora sob recurso. A entidade recorrida reforça as suas razões justificativas da demissão – que não estão aqui em causa –, face à gravidade da conduta e parte desse pressuposto para se eximir àquilo a que não se podia eximir: a avaliação da conduta posterior e concluir no sentido da verificação e integração dos pressupostos da reabilitação e concessão da aposentação compulsiva, reportada esta a outra base factual e temporal.
Na verdade, o despacho recorrido indeferiu o pedido de reabilitação formulado pela recorrente só com base na infracção disciplinar praticada pela mesma, como único fundamento, violando assim a letra e o espírito do citado normativo do ETAPM.
Parece não haver dúvida que a recorrente, desde logo no procedimento administrativo invocou boa conduta e junta documentação (por sinal não foi enviada a este tribunal), não se divisando no despacho proferido qualquer análise e pronúncia sobre o mesmo.
Nesta conformidade, somos a pronunciarmo-nos no sentido da verificação do vício de violação de lei, se não mesmo de falta de fundamentação, nas vertentes seguintes: não cabia à entidade recorrida reforçar os argumentos sobre a mesma realidade já analisada e que foi objecto do processo disciplinar, não lhe cabendo sequer invocar neste momento novos ou diferentes fundamentos em relação à aplicação de uma pena disciplinar que se tornou caso decidido; cabia-lhe, sim, o que não fez, analisar a conduta posterior relevante e proceder a um julgamento sobre a sua capacidade reabilitante; de todo o modo, o indeferimento do pedido de reabilitação não encerra a fundamentação devida, pois que aquela que foi expendida não responde minimamente aos pressupostos de que aquela depende, tendo-se omitido qualquer menção ao valor do eventual bom comportamento relevante à aplicação da pena de demissão.
No fundo, nada mais do que aquilo que também doutamente entende o Digno Magistrado do MP, cujo parecer somos a sufragar.
5. Sobre o vício de erro nos pressupostos de facto.
Perde algum sentido a análise deste vício, já que o que supra se constatou é que os pressupostos de facto que deviam relevar e ter sido levados em conta o não foram.
Perde-se a recorrente a esgrimir com o facto de a entidade recorrida, repetindo o que anteriormente afirmara, que já fora sancionada no Processo disciplinar, tendo este servido este como único fundamento para apurar o não preenchimento do requisito de “boa conduta” pela recorrente.
Adianta que se trata de um facto passado e, além disso, tal sanção foi devidamente executada, pelo que não se deve fundamentar a reabilitação na dita infracção. Porém, a entender-se que é necessário avaliar a conduta precedente da recorrente, sempre se verifica a falta de ponderação englobante por parte do despacho recorrido, pois este apenas atendeu ao acto negativo praticado pela recorrente antes de ser sancionada e ignorou completamente os demais factores favoráveis à recorrente, como por exemplo, o ter trabalhado mais de 20 anos na função pública, granjeando sempre reconhecimento e elogios do seu serviço; de 1989 a 1995, a avaliação de desempenho da mesma era “Bom”; e, de 1996 a 2008, foi lhe atribuída a classificação de “Muito Bom/Satisfaz Muito”, concluindo por ter havido uma avaliação bastante unilateral e inexacta sobre o comportamento precedente da agente.
Para além de que o despacho recorrido até não terá ponderado nem avaliado, de forma nenhuma, o comportamento adoptado pela recorrente após ser sancionada, tendo esta mantido sempre boa conduta na sua vida pessoal, familiar e social.
6. Sobre isto o que dizer?
Que não se mostra relevante esta análise, concluindo-se no sentido de que, faltando a base factual que devia ter sido produzida sobre uma determinada realidade, não se pode falar em bom rigor em erro nos pressupostos de facto, na exacta medida em que não há objecto sobre que possa incidir o erro.
Também não estará correcto desviar a atenção para um outro objecto que deve estar de fora da reabilitação, como seja a reanálise da base factual pressuposto da demissão aplicada em 2011.
Pelo que neste particular aspecto, em relação a este apontado vício, não deixa de falecer razão à recorrente.
7. Em suma:
Se um funcionário a quem foi aplicada a pena disciplinar de demissão, vem pedir, decorrido o prazo previsto na lei, a sua reabilitação, invocando uma conduta posterior habilitante e merecedora dessa medida regeneratória, a Administração não pode limitar-se a repetir os argumentos relativos à gravidade passada e que conduziu à demissão, devendo pronunciar-se sobre aquela conduta posterior e sua relevância reparadora, só em função disso devendo apreciar o pedido de conversão da demissão em aposentação compulsiva concomitantemente formulado.
V - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao presente recurso contencioso, anulando o acto recorrido.
Sem custas.
Macau, 7 de Dezembro de 2016
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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira Joaquim Teixeira de Sousa
_________________________ (Fui presente)
Ho Wai Neng
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José Cândido de Pinho
1 MANUEL LEAL-HENRIQUES, “Manual de Direito Disciplinar”, CFJJ, 2005, 308
2 Idem, 308
3 - Autor, ob. e loc. citados
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836/2015 31/31