--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------
--- Data: 05/12/2016 --------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Juiz José Maria Dias Azedo -----------------------------------------------------------------------
Processo nº 877/2016
(Autos de recurso penal)
(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)
Relatório
1. A, com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida o vício de violação do disposto no art. 56° do C.P.M.; (cfr., fls. 318 a 333 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).
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Em resposta, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 335 a 338).
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Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Na Motivação do recurso (fls.318 a 333 dos autos), a recorrente solicitou a revogação do douto despacho recorrido e a concessão da liberdade condicional, assacando-lhe o vício de violação do preceituado no art.56° do CPM, por entender que ele reunir todos os pressupostos.
Antes de mais, subscrevemos inteiramente as criteriosas explanações da ilustre Colega na douta Resposta (cfl. fls.335 a 338 dos autos).
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No dia de hoje, constitui jurisprudência firme que a concessão da liberdade condicional depende do preenchimento cumulativo de todos os pressupostos, quer formais quer substanciais, consignados no art.56° do CPM, bastando a não verificação de qualquer um para se negar o pedido da liberdade condicional (a título exemplificativo, Acórdão do TSI no Processo n.°195/2003).
Importa recordar que a liberdade condicional não é uma medida de clemência ou de recompensa por mera boa conduta prisional, e serve na política do C.P.M. um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o recluso possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão. (Acórdão do TSI no Processo n.°50/2002)
Daí decorre que se, não obstante um comportamento prisional adequado, pelo passado do recluso e perspectivas de reintegração se não se formula um juízo de prognose favorável a uma regeneração e se teme pelas razões de prevenção geral. (Acórdãos do TSI nos Processos n.°225/2010)
Ainda se inculca reiteradamente que cada situação deve ser observada em concreto e caso a caso, num circunstancialismo de modo, tempo e lugar próprios, analisando de forma crítica a personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo se vai reinserir na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo ainda constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social. (Acs. do TSI nos Processos n.°225/2010 e n.°404/2011)
Envolvendo conceitos indeterminados de prognose, as alíneas a) e b) do n.°1 do referido art.56° dota aos julgadores certa margem de livre apreciação na interpretação e na valorização, pelo que a convicção de não verificação dos pressupostos subjectivos só poderia ser neutralizado se houvesse uma exemplar e excelente evolução activa da personalidade do recluso durante a execução da prisão, e não um mero comportamento passivo cumpridor das regras básicas de conduta prisional. (Acórdãos do TSI nos Processos n.°9/2002)
No caso sub judice, o MM° Juiz a quo aponta prudentemente: 本次是服刑人的第三次假釋申請,服刑人自去年其假釋聲請被否決後,再一次於本年5月違反獄規,其入獄至今共五次違反獄規,而且考慮到其所作出的犯罪行為嚴重,法庭認為其守法意識仍有待加強,因此,法庭至今對於是否能以對社會負責任的方式重返社會及不再犯罪仍信心不足。
A nível da prevenção geral, apontou: 此外,涉及毒品犯罪問題對澳門社會治安和法律秩序帶來相當嚴峻的挑戰,更有資料顯示,此類犯罪有年輕化趨勢,且濫藥人士中年齡最少為小學生,情況令人擔憂,其行為對社會安寧造成相當的負面影響。另一方面,由於毒品對居民的身體健康構成不可逆轉的影響,且對於非本澳居民的人士在澳門從事販毒活動及體內藏毒的方式運輸毒品的個案亦明顯增加,更加突顯預防此類犯罪的迫切性,因此,服刑人的行為對法制構成負面沖擊,嚴重危害社會治安及公眾安寧,高度打擊社會大眾對法律制度的信心,相關的負面影響在假釋時仍必須衡量,以判斷服刑人提早釋放會否使公眾在心理上無法承受。
Assim, e à luz da regra de experiência de ser difícil abandonar o vício de consumo de droga, aderimos, sem reserva, à cristal preocupação do MM° Juiz a quo, no sentido de que ela ainda não preenche, por ora, os pressupostos consagrados no n.°1 do art.56° do CPM.
Com efeito, como bem observou o MM° Juiz a quo, a recorrente não demonstra a capacidade de conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crime; e a colocação dele em liberdade nesta altura não é compatível com a paz social.
De qualquer modo, importa ter presente que é generalizadamente consabido que em termos comparativos, as sanções penais da ordem jurídica da RAEM são mais benevolentes. Daí que Macau deve tentar todo o esforço para evitar a desastre de ser destino ou “paraíso” de delinquentes.
Nesta linha de perspectiva, não podemos deixar de entender que não tem cabimento o pedido da recorrente, e não merece censura alguma o douto despacho em escrutínio, por este mostrar-se plenamente conforme com o disposto nos n.°1 e n.°2 do art.43° do CPM.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso”; (cfr., fls. 345 a 346-v).
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Em sede de exame preliminar constatou-se da manifesta improcedência do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):
– A, ora recorrente, deu entrada no E.P.C. em 19.05.2007, para cumprimento de uma pena de 11 anos de prisão que lhe foi aplicada pela prática de 1 crime de “tráfico de estupefacientes”;
– em 17.09.2014, cumpriu dois terços da referida pena, vindo a expiar totalmente a mesma pena em 17.05.2018;
– durante a sua reclusão foi 5 vezes disciplinarmente punido: em Março e Novembro de 2009, em 14.07.2011, em 21.03.2012 e em Agosto do corrente ano;
– se lhe vier a ser concedida a liberdade condicional, irá regressar à África do Sul, de onde é natural e onde tem família.
Do direito
3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do art. 56° do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.
Porém, é evidente que nenhuma razão lhe assiste.
Vejamos.
–– Preceitua o citado art. 56° do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:
“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).
Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. n.° 1).
“In casu”, atenta a pena que ao recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 19.05.2007, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.
Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do n.° 1 do referido art. 56°.
Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).
Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 02.06.2016, Proc. n.° 361/2016, de 23.06.2016, Proc. n.° 430/2016 e de 03.11.2016, Proc. n.° 726/2016).
Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.
Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?
Cremos que de sentido negativo deve ser a resposta, mostrando-se-nos de subscrever o teor do douto Parecer do Ilustre Procurador Adjunto, que aqui, por uma questão de economia processual, se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
Com efeito, para além de difícil ser o necessário juízo de prognose positivo quanto à vida do ora recorrente se reposto em liberdade, isto, em especial, devido às suas várias (5) punições disciplinares, atento o tipo de crime cometido, (o de “tráfico de estupefacientes”), e os seus prejuízos e malefícios para a saúde pública, (sendo aqui de notar que o ora recorrente foi surpreendido com mais de 1.700 gramas de “heroína”, e que com outros 4 co-autores, estavam na posse de um total de cerca de 5.000 gramas de heroína), (muito) fortes são as necessidades de prevenção criminal (geral), especialmente, na situação dos autos, dada a sua vertente de “crime transfronteiriço”, (em que o arguido entra em Macau com o estupefaciente escondido no seu corpo), apresentando-se-nos assim que viável também não se mostra de considerar como verificado o pressuposto do art. 56, n.° 1, al. b) do C.P.M., pois que, importa acautelar a repercussão de tal tipo criminalidade na sociedade, o que equivale a dizer que não podem ser postergadas as exigências de tutela do ordenamento jurídico, (cfr., F. Dias in “Dto Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 528 e segs.), havendo igualmente que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade no que toca à validade da norma violada através do “restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada”; (cfr., F. Dias in “Temas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 106).
Assim, em face das expostas considerações, manifesto sendo que verificados não estão os pressupostos do art. 56°, n.° 1 do C.P.M., à vista está a solução.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, decide-se rejeitar o recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 3 UCs, pagando também como sanção pela rejeição o equivalente a 3UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).
Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.
Registe e notifique.
Oportunamente, nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 05 de Dezembro de 2016
José Maria Dias Azedo
Proc. 877/2016 Pág. 12
Proc. 877/2016 Pág. 13