Processo nº 258/2016 Data: 13.12.2016
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “ofensa à integridade física”.
Atenuação especial.
Suspensão da execução da pena.
SUMÁRIO
1. “Graves” sendo as consequências dos factos, e não havendo “confissão integral e sem reservas” – motivos não existem para uma atenuação especial da pena.
2. Não sendo o arguido primário, tendo já sido condenado por idêntico crime de “ofensa à integridade física”, e revelando possuir uma personalidade com tendência para a violência, com facilidade para se exceder e se alhear das consequências dos seus actos, fortes são as necessidades de prevenção especial, mostrando-se insuficiente uma “simples censura do facto e ameaça de prisão”.
O relator,
______________________
José Maria Dias Azedo
Processo nº 258/2016
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A, com os sinais dos autos, vem recorrer da sentença que o condenou como autor de 1 crime de “ofensa simples à integridade física”, p. e p. pelo art. 137°, n.° 1 do C.P.M., fixando-lhe a pena de 6 meses de prisão, afirmando, em síntese, que excessiva é tal pena; (cfr., fls. 115 a 118-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
*
Respondendo, diz o Ministério Público que nenhuma censura merece a decisão recorrida; (cfr., fls. 120 a 123).
*
Neste T.S.I., juntou agora o Ilustre Procurador Adjunto douto Parecer com o teor seguinte:
“Na Motivação de fls.116 a 118v. dos autos, o recorrente assacou, à douta sentença em escrutínio, a excessiva severidade da pena aplicada a si, sendo a de seis meses de prisão efectiva, e a violação da disposição no art.48.° do Código Penal.
Antes de mais, subscrevemos as criteriosas explanações do ilustre Colega na Resposta (cfr. fls.120 a 123 dos autos), no sentido do não provimento do recurso em exame.
*
Em sede de sustentar o pedido de redução equitativa da pena que lhe tinha sido aplicada, o recorrente arrogou a circunstância de atenuação especial consagrada na alínea c) do n.°2 do art.65° do Código Penal, e a não elevada gravidade da consequência da sua conduta ilícita, e demais circunstâncias em seu favor (vide. as 6 a 11 conclusões)
Repare-se que ao esclarecer as circunstâncias tidas em conta para a graduação da pena, o MM° Juiz a quo referiu, no penúltimo parágrafo da pág. 5 da sentença em crise, a confissão dos factos e o depósito efectuado anteriormente ao julgamento. O que revela que as circunstâncias atenuantes alegadas pelo recorrente foram atendidas pelo MM° Juiz a quo.
Ainda bem que o MM° Juiz a quo não se esquecesse das circunstâncias desfavoráveis ao recorrente. Pois, ele apontou com toda a clareza que «尤其嫌犯明知玻璃杯會對受害人造成較大的傷害,仍將不止一隻的玻璃杯擲向被害人面部,亦考慮到被害人的傷勢,本次犯罪後果嚴重程度、不法性及故意程度均極高,嫌犯有傷人的刑事記錄……»
Nestes termos, e tomando como base a moldura penal prescrita no n°1 do art.137° do Código Penal de Macau – pena de prisão até 3 anos ou a de multa, colhemos que não se mostra excessivamente severa, mas sim justa e equilibrada, a pena cominada na douta sentença em escrutínio.
*
O próprio art.48° n.°1 do CPM evidencia que a suspensão da pena de prisão depende do preenchimento cumulativo de dois pressupostos: o formal e objectivo traduz em a pena aplicada não ser superior a 3 anos; e o material consubstancia-se na razoável conclusão (do julgador) de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam, adequada e suficientemente, as finalidades da punição.
E à luz deste segmento legal, tal conclusão tem de angular-se em apreciação e valorização prévias, de índole prudente e prognóstico, de personalidade do agente, das condições da sua vida, da conduta anterior e posterior ao crime e das circunstâncias deste.
Interessa ter na mente que mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão, não será decretada a suspensão se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime. (Acórdãos do TSI nos Processos n.°242/2002, n.°190/2004 e n.°192/2004)
No caso sub judice, a ilicitude, o dolo directo, a consequência bem como os antecedentes criminais implicam, de modo inquestionável, que a suspensão da execução será fatalmente vã e infrutífera, não logrando os efeitos reeducativos, por ser inadequada e insuficiente para a realização das finalidades da punição. Daí flui que o pedido da suspensão de execução fica desprovido de qualquer razão.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso”; (cfr., fls. 142 a 143).
*
Passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados na sentença recorrido a fls. 101-v a 102, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Como se deixou relatado, condenado que foi como autor de 1 crime de “ofensa simples à integridade física”, p. e p. pelo art. 137°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 6 meses de prisão, vem o arguido recorrer por considerar excessiva a pena fixada.
Dúvidas não havendo que face a factualidade provada incorreu o arguido no crime pelo qual foi condenado, e outras questões de conhecimento oficioso não havendo a conhecer, vejamos.
Nos termos do art. 137° do C.P.M.:
“1. Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2. O procedimento penal depende de queixa.
3. O tribunal pode dispensar de pena quando:
a) Tiver havido lesões recíprocas e não se tiver provado qual dos contendores agrediu primeiro; ou
b) O agente tiver unicamente exercido retorsão sobre o agressor”.
No caso, diz o arguido que devia beneficiar de uma “atenuação especial da pena”, pedindo também a “suspensão da sua execução”.
Como repetidamente temos vindo a considerar, “a atenuação especial só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, ou seja, quando a conduta em causa “se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo”, (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 12.05.2016, Proc. n.° 305/2016, de 21.07.2016, Proc. n.° 483/2016 e de 22.09.2016, Proc. n.° 561/2016).
No caso dos presentes autos, não nos parece que possa haver lugar a uma “atenuação especial”, pois que não se vislumbra a “excepcionalidade” da situação.
Cabe, por sua vez, notar que in casu nem sequer houve “confissão integral e sem reservas” – cfr., acta de julgamento a fls. 95 e fls. 102 da sentença – sendo (muito) “graves” as consequências do facto, pois que a ofendida (uma jovem com pouco mais de 20 anos de idade), foi agredida com (vários) copos de vidro que o ora recorrente lhe atirou à cara, causando-lhe várias feridas – com alguns centímetros – que tiveram de ser suturadas, e que, muito provávelmente, lhe deixarão com marcas e cicatrizes na face e testa.
Daí, e (totalmente) afastada que se nos apresenta a pretendida “atenuação especial”, é caso para dizer também que nenhuma censura – por excesso – merece a pena fixada, (de 6 meses de prisão), já que (igualmente) aplicável se não mostra o art. 64° do C.P.M., sendo outrossim de notar que a dita pena se encontra em harmonia com os critérios do art. 40° e 65° do mesmo Código.
Cabe aqui consignar também que como decidiu o Tribunal da Relação de Évora:
“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II - Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., o Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e Decisão Sumária do ora relator de 30.05.2016, Proc. n.° 355/2016, de 15.09.2016, Proc. n.° 485/2016 e de 14.10.2016, Proc n.° 695/2016).
Também, recentemente, decidiu este T.S.I. que:“Não havendo injustiça notória na medida da pena achada pelo Tribunal a quo ao arguido recorrente, é de respeitar a respectiva decisão judicial ora recorrida”; (cfr., o Ac. de 24.11.2016, Proc. n.° 817/2016).
–– Em relação à matéria da “suspensão da execução da pena”, já teve este T.S.I. oportunidade de dizer que:
“O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 16.06.2016, Proc. n.° 254/2016, de 21.07.2016, Proc. n.° 483/2016 e de 29.09.2016, Proc. n.° 550/2016).
O instituto da suspensão da execução da pena baseia-se numa relação de confiança entre o Tribunal e o condenado. Aquele convence-se, em juízo de prognose favorável, que o arguido, sentindo a condenação, é capaz de passar a conduzir a sua vida de modo lícito e adequado, acreditando ainda que o mesmo posto perante a censura do facto e a ameaça da pena, é capaz de se afastar da criminalidade; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 14.01.2016, Proc. n.° 863/2015 e de 16.06.2016, Proc. n.° 254/2016).
E ponderando sobre a questão, cremos que também aqui improcede o recurso.
O arguido, ora recorrente não é “primário”, tendo já sido condenado em 2011 por um idêntico crime de “ofensa à integridade física”, (no caso, “qualificada”), demonstrando a factualidade dada como provada que é detentor de uma personalidade (algo) violenta, com facilidade para se exceder, alheando-se das consequências dos seus actos, muito fortes assim sendo as necessidades de prevenção criminal (especial), tudo a indicar que insuficiente é a “simples censura do facto e ameaça de prisão”.
Decisão
4. Em face do exposto, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Pagará o arguido 5 UCs de taxa de justiça.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 13 de Dezembro de 2016
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 258/2016 Pág. 14
Proc. 258/2016 Pág. 13