Processo nº 923/2016 Data: 13.12.2016
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Danos não patrimoniais.
Indemnização.
SUMÁRIO
1. A indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer.
Visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu, sendo também de considerar que em matérias como as em questão, inadequados são “montantes simbólicos ou miserabilistas”, não sendo igualmente de se proporcionar “enriquecimentos ilegítimos ou injustificados”, exigindo-se aos tribunais, com apelo a critérios de equidade, um permanente esforço de aperfeiçoamento atentas as circunstâncias (individuais) do caso.
O relator,
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Processo nº 923/2016
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. “A, LTD”, (A有限公司), demandada no pedido de indemnização civil enxertado nos Autos de Processo Comum Colectivo no T.J.B. registado com a referência CR1-16-0003-PCC, vem recorrer do Acórdão aí a final proferido na parte que a condenou no pagamento a título de indemnização ao demandante B do montante total de MOP$208.399,38.
Em sede da sua motivação de recurso produziu as conclusões seguintes:
“I. Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão que condenou a Demandada Seguradora no pagamento ao Demandante de uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais no montante total de MOP$208,399.38.
II. O presente recurso circunscreve-se apenas à matéria dos danos não patrimoniais, no montante de MOP$200,000.00 por não se poder conformar com o elevado montante atribuído a esse título.
III. Para os devidos efeitos, dá-se por reproduzida toda a matéria de facto provada e descrita no Douto Acórdão recorrido.
IV. O Demandante ao cair da camioneta lascou os dentes, tendo ficado apenas com uma falha e sem qualquer incapacidade.
V. Apesar da Recorrente compreender que pelo facto do Demandante ter batido com a boca no chão e ter ficado com dores, no momento e nos momentos posteriores, a verdade é que não pode aceitar que as lesões descritas, a par dos factos provados, sejam susceptíveis de uma compensação, a título de danos não patrimoniais, no montante que foi atribuído pelo Tribunal a quo.
VI. No âmbito dos autos Proc. n.° 367/2011 do TSI, um ofendido de um acidente de viação que “fracturou as 2ª, 3ª, 5ª, 6ª e 7ª costelas, sofreu várias contusões nos tecidos moles, esteve sujeito a um período de convalescença de 60 dias, sem que tenha sida afectado por qualquer incapacidade permanente para o trabalho que o impeça de ter uma vida laboral activa na sociedade”, foi ao mesmo arbitrada uma indemnização por danos não patrimoniais, fixada equitativamente, na primeira instância, em MOP$320.000,00, reduzida em sede de recurso neste Venerando Tribunal de Segunda Instância para as MOP$200,000,00.
VII. Foi dado como provado que o Demandante ao cair ficou com a boca em sangue, que a batida com os dentes no pavimento lhe provocou dores e que tem dificuldade em trincar com os dentes da frente.
VIII. Contudo o Demandante não sofre de qualquer incapacidade.
IX. Considerando que os danos não patrimoniais têm por função ““pagar a dor com prazer”, através da satisfação de outras necessidades com o dinheiro atribuído para compensar aqueles danos não patrimoniais, compensando as dores, desgostos e contrariedades com o prazer derivado da satisfação das referidas necessidades” (in Processo n.° 405/2015 de 21.05.2015, TSI), dificilmente se compreende que o “pagamento dessa dor”, no caso em apreço, seja susceptível de uma “avaliação” – ainda que equitativa – no valor de MOP$200,000.00 (duzentas mil patacas)
X. Demandante, além de não ter qualquer incapacidade declarada ou deformação, não foi sujeito a qualquer cirurgia, não ficou com qualquer cicatriz nem com qualquer disfuncionalidade na boca, nos dentes ou no maxilar.
XI. Se se atentar ao prescrito nos artigos 489° e 487°, ambos do Código Civil, à matéria de facto provada e aos valores habitualmente concedidos e constantes na jurisprudência da RAEM, salvo o devido respeito, não se pode deixar de concluir que o arbitrado por danos não patrimoniais é um valor muito elevado para o caso em apreço.
XII. A Recorrente, reconhece que há danos não patrimoniais a serem ressarcidos, danos que pela gravidade merecem a tutela do direito.
XIII. O valor a ser atribuído a estes danos não patrimoniais deverá ser aferido com os critérios definidos legalmente, de modo a que os mesmos sejam ajustados a valores ponderados e aceites pela jurisprudência.
XIV. Sendo certo que o Demandante sofreu danos não patrimoniais, as dores físicas e o sofrimento (a dor psíquica), o mesmo deve ser indemnizado num montante que não se traduza, ou proporcione, um ““enriquecimento ilegítimo ou injustificado”, exigindo-se aos tribunais, com apelo a critérios de equidade, um permanente esforço de aperfeiçoamento atentas as circunstâncias (individuais) do caso” (In Ac. De 09.10.2014, Proc. N.° 607/2014).
XV. O Tribunal a quo deveria de igual forma ter atendido a outros requisitos plasmados no artigo 487.°, nomeadamente o “grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”.
XVI. As “demais circunstâncias do caso o justifiquem” não foram tidas em consideração.
XVII. Ficou apenas provado que o Demandante tem dores e que lhe custa morder com os dentes dianteiros.
XVIII. A Recorrente bem compreende que a equidade se traduz num conceito de “fazer justiça”, mas essa equidade deve ser balizada pelas circunstâncias do caso em concreto, atento o que estabelece o artigo 487.°.
XIX. O que está verdadeiramente em causa é saber se o “fazer justiça” é a atribuição, de forma equitativa, do montante de MOP$200,000.00 (duzentas mil patacas) por danos não patrimoniais ao Demandante perante o caso em concreto.
XX. Entende a Recorrente que o acórdão fez errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 487° e n.° 3 do artigo 489°, do Código Civil, violando essas disposições, afastando-se do princípio de equidade aí previsto, devendo por isso ser revogado;
XXI. E substituído por um outro que estabeleça uma indemnização, a título de danos não patrimoniais, não superior a MOP$50.000,00 (cinquenta mil patacas).
XXII. Tudo ponderado, resulta que a indemnização de MOP$200,000.00 (duzentas mil patacas), a título de danos não patrimoniais, atribuída ao Demandante é excessiva tendo em consideração os factos dados como provados, os bens jurídicos lesados e a jurisprudência da RAEM.
XXIII. Motivo pelo qual entendemos que tal decisão deverá ser revogada”; (cfr., fls. 260 a 268 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Respondendo diz o demandante que o recurso não merece provimento; (cfr, fls. 298 a 299).
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Nada obstando, passa-se a decidir.
Fundamentação
2. Como resulta do que se deixou relatado, vem a demandada seguradora já identificada recorrer do Acórdão prolatado pelo Colectivo do T.J.B., insurgindo-se tão só contra o segmento decisório que fixou em MOP$200.000,00 o quantum indemnizatório pelos “danos não patrimoniais” do demandante, ora recorrido.
Sendo apenas esta a questão a apreciar e decidir, vejamos.
Como é sabido, os “danos não patrimoniais” são aqueles que afectam a personalidade, o corpo ou a vida, na sua dimensão complexa biológica e mental, física e psíquica, e que, nos termos do art. 489°, n.° 1 do C.C.M., “pela sua gravidade, merecem a tutela do direito”.
Sobre esta matéria, teve já este T.S.I. oportunidade de se pronunciar, considerando-se, nomeadamente, que “a indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer.
Visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu”, (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 02.06.2016, Proc. n.° 384/2016 e de 03.11.2016, Proc. n.° 759/2016), sendo também de considerar que em matérias como as em questão, inadequados são “montantes simbólicos ou miserabilistas”, (vd., M. Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português”, II, Direito das Obrigações, III, pág. 755, onde se afirma que “há que perder a timidez quanto às cifras…”), não sendo igualmente de se proporcionar “enriquecimentos ilegítimos ou injustificados”, (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 14.04.2016, Proc. n.° 238/2016 e 12.05.2016, Proc. n.° 326/2016), exigindo-se aos tribunais, com apelo a critérios de equidade, um permanente esforço de aperfeiçoamento atentas as circunstâncias (individuais) do caso.
Na verdade, a reparação dos “danos não patrimoniais” não visa uma “reparação directa” destes, pois que estes – “danos não patrimoniais” – são insusceptíveis de serem contabilizados em dinheiro, sendo pois que com o seu ressarcimento se visa tão só viabilizar um lenitivo ao lesado, (já que é impossível tirar-lhe o mal causado).
Trata-se de “pagar a dor com prazer”, através da satisfação de outras necessidades com o dinheiro atribuído para compensar aqueles danos não patrimoniais, compensando as dores, desgostos e contrariedades com o prazer derivado da satisfação das referidas necessidades.
Visa-se, no fundo, proporcionar à(s) pessoa(s) lesada(s) uma satisfação que, em certa medida possa contrabalançar o dano, devendo constituir verdadeiramente uma “possibilidade compensatória”, devendo o montante de indemnização ser proporcionado à gravidade do dano, ponderando-se na sua fixação todas as regras de prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 12.05.2016, Proc. n.° 326/2016, de 02.06.2016, Proc. n.° 384/2016 e de 03.11.2016, Proc. n.° 759/2016).
Porém, e como sabido é, o C.C.M., não enumera os “danos não patrimoniais”, confiando ao Tribunal o encargo de os apreciar no quadro das várias situações concretas e atento o estatuído nos seus art°s 489° e 487°; (em recente Ac. da Rel. de Guimarães de 19.02.2015, Proc. n.° 41/13, in “www.dgsi.pt”, consignou-se que “são de ponderar circunstâncias várias, como a natureza e grau das lesões, suas sequelas físicas e psíquicas, as intervenções cirúrgicas eventualmente sofridas e o grau de risco inerente, os internamentos e a sua duração, o quantum doloris, o dano estético, o período de doença, situação anterior e posterior da vítima em termos de afirmação social, apresentação e autoestima, alegria de viver, a idade, a esperança de vida e perspectivas para o futuro, entre outras…”).
Nos temos do n.° 3 do art. 489° do dito C.C.M.: “o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 487.º; (…)”.
Por sua vez, prescreve o art. 487° deste mesmo Código que: “quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, pode a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”.
Aqui chegados, e (cremos nós), clarificada a natureza, sentido e alcance dos “danos não patrimoniais” assim como das razões para a sua “indemnização”, que dizer?
Antes de mais, cabe notar que, no caso dos autos, existem outros “factos provados relevantes” para a questão que, certamente por lapso, não foram pela recorrente considerados.
Com efeito, provado está que em resultado do acidente sofreu também o demandante fracturas em duas costelas, escoriações e hematomas, e que precisou de 60 dias para se recuperar; (cfr., facto provado n.° 5 e 6 e fls. 42 e 58).
E, assim, evidente sendo que teve que ser medicamente intervencionado em virtude das aludidas fracturas, que padeceu de dores, tristezas e outros inconvenientes por período de tempo (bastante) considerável, (2 meses), tendo (especialmente neste) ficado impedido de levar a vida que normal e habitualmente levava, (não olvidando aqui os danos nos dentes, mas que, como é óbvio, são reparáveis), cremos que mais adequado se apresenta o montante de MOP$150.000,00.
Daí, e outra questão não havendo a tratar, resta decidir.
Decisão
3. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam julgar parcialmente procedente o recurso.
Pagarão recorrente e recorrido, as respectivas custas pelos seus decaimentos, (sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia o recorrido).
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 13 de Dezembro de 2016
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José Maria Dias Azedo
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Tam Hio Wa
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Chan Kuong Seng
(vencido, por entender ser de manter a decisão recorrida).
Proc. 923/2016 Pág. 14
Proc. 923/2016 Pág. 15