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Processo nº 962/2016 Data: 05.01.2017
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Liberdade condicional.
Pressupostos.


SUMÁRIO

1. A liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.

2. É de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.

O relator,

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Processo nº 962/2016
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida o vício de violação do disposto no art. 56° do C.P.M.; (cfr., fls. 225 a 236 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).

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Em resposta, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 238 a 239-v).

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Em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público douto Parecer opinando também no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 246 a 246-v).

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Corridos os vistos legais dos Mmos Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.

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Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):

– A, ora recorrente, deu entrada no E.P.C. em 04.05.2013, para cumprimento sucessivo de uma pena de 3 anos e 6 meses de prisão pela prática de 1 crime de “furto qualificado”, e outra de 3 meses de prisão, pela prática de 1 crime de “reentrada ilegal”; (cfr., Proc. n.° CR2-13-0177-PCC e Proc. n.° CR1-13-0018-PCS);
– em 03.11.2015, cumpriu dois terços de tais penas, expiando-as em 03.02.2017;
– se lhe vier a ser concedida a liberdade condicional, irá viver com os seus pais em HEBEI, R.P.C., de onde é natural, tencionando ajudar a família.

Do direito

3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do art. 56° do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.

Cremos porém que se deve julgar improcedente a pretensão deduzida.

Vejamos.

— Preceitua o citado art. 56° do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:

“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).
   
Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. n.° 1).

“In casu” visto que o ora recorrente se encontra ininterruptamente preso desde 04.05.2013, preenchidos estão os ditos pressupostos formais.

Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do n.° 1 do referido art. 56°.

Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).

Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 23.06.2016, Proc. n.° 430/2016, de 03.11.2016, Proc. n.° 726/2016 e de 24.11.2016, Proc. n.° 798/2016).

Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.

Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?

Mostra-se-nos que de sentido negativo deve ser a resposta.

No caso dos autos, o crime de “furto” pelo ora recorrente cometido causou um prejuízo superior a MOP$2.000.000,00, e ocorreu encontrando-se o mesmo em situação de “clandestino”, em violação de uma ordem de expulsão e proibição de reentrada em Macau (por ter sido anteriormente encontrado nesta idêntica situação), tendo-se reintroduzido em Macau e cometido o crime poucos dias após condenado em julgamento sumário pela prática de 1 crime de “violação de reentrada”, evidentes sendo assim as fortes necessidades de prevenção especial e geral.

Assim, em face das expostas considerações, e verificados não estando os pressupostos do art. 56°, n.° 1 do C.P.M., há que decidir em conformidade.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Macau, aos 5 de Janeiro de 2017
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
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