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Processo nº 439/2016 Data: 12.01.2017
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Acidente de viação.
Colisão de veículos.
“Ofensa à integridade física por negligência”.
Ultrapassagem pela esquerda.
Culpa.
Negligência.



SUMÁRIO

1. Não se mostra de responsabilizar a passageira de um táxi pela culpa do acidente, se o condutor do motociclo que lhe seguia atrás, vê (perfeitamente) os sinais luminosos deste a indicar que vai fazer manobra para encostar ao passeio para peões do lado esquerdo, e faz, (mesmo assim), uma “ultrapassagem pela esquerda”, vindo a embater na porta traseira da viatura que aquela abriu após a sua imobilização a meio metro do passeio.

O relator,

José Maria Dias Azedo



Processo nº 439/2016
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A (A), (2ª) arguida com os sinais dos autos, vem recorrer da sentença prolatada pela Mma Juiz do T.J.B. que a condenou como autora material da prática de 1 crime de “ofensa à integridade física por negligência”, p. e p. pelo art. 142°, n.° 1 do C.P.M. e art. 50°, n.° 5, al. 2) da Lei n.° 3/2007, na pena de 45 dias de multa, à taxa diária de MOP$120,00, perfazendo a multa de MOP$5.400,00 ou 30 dias de prisão subsidiária; (cfr., fls. 101 a 106 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformada, a arguida recorreu.

Motivou para concluir nos termos seguintes:

“a) Vem o presente recurso interposto da supra referida decisão que condenou a arguida, ora recorrente, A (A), na pena de multa de 45 dias, à razão de MOP$120,00/dia, num total de MOP$5,400.00, pela prática do crime p. e p. pelo art.° 142°, n.° 1 – “Ofensa à integridade física por negligência” – por violação do disposto no art.° 50°, n.° 5, ala 2 da Lei do Trânsito Rodoviário (L.T.R.).
b) Nesta sentença, foi absolvido o 1° arguido, B (B), da prática do mesmo crime.
c) Não se conforma a arguida recorrente com esta condenação, essencialmente porque, da matéria assente e da fundamentação da decisão, salvo o devido respeito, resulta que o acidente de que foi vítima C (C), teve como principal causa a conduta deste último e, quando assim se não entenda, no mínimo, a conduta do condutor do táxi, B (B) que, no entanto, veio a ser absolvido.
d) Dão-se aqui por reproduzidos os factos assentes em audiência de julgamento;
e) Da fundamentação da decisão, o Tribunal “a quo” referiu essencialmente, no que à ora recorrente interessa – tendo em conta que a versão dos factos do ofendido, C (C), “não é credível (sic); bem pelo contrário, a versão dos factos da testemunha D e do agente da PSP, E (E) “foi objectiva e clara” (sic);
f) que “quando ocorreu o acidente só havia dois veículos na rua, o táxi e o motociclo do ofendido”; que “o táxi sinalizou a mudança de direcção com a luz de pisca esquerda e que parou o veículo junto ao passeio”; que, “entre o táxi e o passeio havia uma distância de 0,5 metro”; que a 2ª arguida, a ora recorrente, “sentada no banco traseiro do táxi apenas podia ver as pessoas que passavam no passeio do lado esquerdo da via”; e que “a visão do que se passava na traseira do veículo é da responsabilidade do condutor do táxi”;
g) e que, final e principalmente, “a causa principal deste acidente está relacionada com a conduta do ofendido, pois que este viu que o táxi tinha sinalizado e parado o veículo e obviamente devia pensar que havia uma possibilidade extrema de um passageiro sair do veículo; mas, não obstante isso, o ofendido mudou repentinamente de direcção, saiu de trás do táxi e ultrapassou-o pela esquerda” (Tradução e negrito nosso).
h) Isto é, basicamente, o Tribunal “a quo” entendeu que a arguida recorrente se rodeou de todos os cuidados, que lhe eram exigíveis, antes de abrir a porta do táxi; de que a causa principal do acidente foi a conduta inapropriada do ofendido, o condutor do motociclo.
i) Na verdade, além de que o ofendido, como diz o Tribunal “a quo”, deveria ter previsto a abertura da porta do táxi e, aparentemente, de forma descuidada e imprudente, não o previu; temos também que, este mesmo ofendido, ultrapassou desnecessariamente o veículo táxi pela esquerda, tendo em conta o sentido de marcha de ambos os veículos; e procurou ultrapassá-lo pelo exíguo espaço de 0,5 metro.
j) O ofendido nos presentes autos violou as normas estradais previstas nos art.°s 38°, 39° e 40° da L.T.R ..
k) Acresce que, como consta dos autos, o ofendido é um agente das forças policiais de Macau.
Sobre ele, impende ainda um “maior respeito” por tudo o que é previsto na lei vigente em Macau.
Quanto mais não seja, por uma questão exemplar, face ao cidadão comum.
Ora, o que se verificou é que o ofendido violou de forma grave e patente as supra referidas normas de trânsito rodoviário.
l) Entende, por isso, a recorrente que a sua conduta, além de não ter violado a norma invocada na decisão recorrida – recorde-se que, num veículo táxi, a porta de saída do mesmo é accionada pelo respectivo condutor – não foi também a causadora do acidente.
m) Este sim, foi causado maioritariamente pela conduta desatenta e imprudente do ofendido e, eventualmente, pela acção e desatenção do condutor do táxi que veio a ser absolvido”; (cfr., fls. 124 a 131).

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Respondendo, considera o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 135 a 136).

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Admitindo o recurso e remetidos os autos a este T.S.I., deu-se observância ao estatuído no art. 406° do C.P.P.M..

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Em sede de vista, apresentou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Na Motivação de fls.125 a 131 dos autos, a recorrente solicitou a absolvição da acusação, invocando sinteticamente que a sua conduta não infringiu a norma invocada na decisão recorrida, nem foi a causadora do acidente de viação.
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Antes de mais, acompanha a prudente explanação da ilustre colega na Resposta (vide. fls.135 a 136 dos autos), no sentido de que a douta sentença em escrutínio não se padece do erro notório na apreciação de prova prescrito na alínea c) do no n.°2 do art.400° do CPP.
Para os devidos efeitos, resta-nos acrescentar-lhe que, segundo nos parece, não se arroga nem descortina in casu o vício contemplado na alínea a) do mesmo segmento legal, isto é, não existe a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Sem prejuízo do elevado respeito pela opinião diferente, a atenciosa ponderação das razões arrogadas pela recorrente aconselha-nos a entender que as quais devem ser encaixadas no erro de julgamento, e a recorrente não pretendeu assacar o erro notório na apreciação de prova.
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Note-se que, na devida altura, a recorrente/2ª arguida era a cliente e passageira do automóvel-táxi conduzido pelo 1° arguido que veio a ser absolvido da acusação. Então cabe acentuar que a eventual ilicitude ou culpa do 1° arguido não pode ser imputada à recorrente/2ª arguida.
Impõe-se ter presente que no caso sub judice, houve concurso de culpa para o acidente de viação. Com efeito, a MMa Juiz a quo apontou doutamente «事故的發生主要起因或責任在於被害人明知肇事的士已作亮左燈並作停車操作,按照現場環境及日常生活常理,作為駕駛者,理應合理及適當地意識到的士極有可能停車落客,在此情況下,被害人仍然從的士正後方轉向,然後在左方超車。根據兩車受撞後的相片及驗車報告,可見電單車右手柄與的士後門邊發生碰撞,碰撞未致使受害人倒地,但造成電單車傾右,被害人的手剛好被推開的士車門夾到。» (sublinhado nosso)
O que evidencia que a MMa Juiz a quo tinha perfeita consciência de que o próprio ofendido era o principal culpado do acidente de viação que lhe causou a lesão corporal. Ora, parece-nos ser concludente que não haveria lugar à lesão corporal do ofendido sem a manobra de ultrapassagem por si processada com culpa – mais grave do que a da recorrente.
Nesta linha de ponderação, afigura-se-nos que não existe nexo de causalidade adequada entre a conduta negligente da recorrente e a lesão corporal do ofendido e, desta maneira, aquela conduta da recorrente não devia ser subsumida no crime no qual foi condenada a recorrente como autora material. Nisto consiste o erro de julgamento.
Daí decorre que, no nossa modesta opinião, a recorrente devia ser absolvida da acusação que lhe imputara o crime de ofensa à integridade física por negligência p.p. pela disposição no n.°1 do art.142° do CPM em conjugação com a na alínea 2) do n.°5 do art.50° da Lei n.°3/2007 (Lei do Trânsito Rodoviário).
Por todo o expendido acima, propendemos pela procedência do presente recurso”; (cfr., fls. 155 a 156).

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Junto o aludido Parecer do Ilustre Procurador Adjunto, prosseguiram os autos com o seu exame preliminar e vistos dos Mmos Juízes-Adjuntos.

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Nada parecendo obstar, cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados na sentença recorrida a fls. 102 a 103, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem a arguida recorrer da sentença proferida pela Mma Juiz do T.J.B. que a condenou pela prática, como autora material de 1 crime de “ofensa à integridade física por negligência”, p. e p. pelo art. 142°, n.° 1 do C.P.M. e art. 50°, n.° 5, al. 2) da Lei n.° 3/2007, na pena de 45 dias de multa, à taxa diária de MOP$120,00, perfazendo a multa de MOP$5.400,00 ou 30 dias de prisão subsidiária.

E da reflexão que sobre a sua pretensão nos foi possível efectuar, cremos que se lhe deve reconhecer razão.

Vejamos.

O Tribunal a quo, (ponderando na factualidade dada como provada), considerou o ofendido o “principal culpado” pela eclosão do acidente relatado nos autos, reconhecendo, porém, que à arguida ora recorrida também cabia uma “pequena percentagem de culpa”.

Daí, a sua condenação.

Porém – e sendo (também) nós de opinião que censura não merece a “decisão da matéria de facto” – outra se nos apresenta a solução, passando-se a expor o nosso ponto de vista.

Pois bem, resulta dos autos que a conduta da ora recorrente foi – ou melhor, limitou-se a ser – a de abrir a porta traseira esquerda do táxi em que como passageira se fazia transportar – depois do mesmo (táxi) se dirigir para o lado esquerdo da via e aí se imobilizar a meio metro do passeio para peões – certo sendo que, neste momento, se dá a colisão entre o ofendido que, conduzindo um motociclo, vem a embater na dita porta.

E como se nos apresenta óbvio, pode-se (certamente) dizer que a arguida deveria – ainda assim – certificar-se que podia abrir a aludida porta em segurança, ou seja, sem por em risco ou causar qualquer tipo de prejuízo a outrém, especialmente, a nível da sua “integridade física”.

Em síntese, que cremos adequada, este o raciocínio do Tribunal a quo que considerou que a arguida não observou este “dever de cuidado” e que, desta forma, agiu com “negligência”.

É, sem dúvida, um entendimento que se respeita.

Todavia, em nossa opinião, cremos que não valora adequadamente (toda) a (dinâmica da) situação ocorrida e sub judice.

Não se pode olvidar que dos autos resulta também que o motorista do táxi, antes de iniciar a sua manobra e encostar e imobilizar o veículo junto – a meio metro – do passeio do lado esquerdo, sinalizou, devida e correctamente, (com os sinais luminosos), esta sua manobra, (desta forma evidenciando, antecipadamente, a sua intenção de a efectuar), que assim o fez por a arguida lhe ter pedido por pretender terminar a viagem, e que o ofendido, que seguia atrás do táxi, sem qualquer interferência e com total e boa visibilidade, viu os sinais luminosos e apercebeu-se (perfeitamente) da intenção em se efectuar a referida manobra, e, mesmo assim, decidiu (acelerar e) ultrapassar o táxi pela esquerda, (precisamente), para o lado onde aquele seguia para encostar, e que como se sabe, (ou, pelo menos, para quem detém habilitação legal para conduzir, “deve saber”), constitui “manobra proibida”; (“ultrapassagem pela esquerda”; cfr., art°s 38°, n.° 1 e 39°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007).

E, assim sendo, cremos que à arguida ora recorrente não deve ser assacada qualquer responsabilidade pelo acidente, já que, em nossa opinião, não era exigível outra conduta.

Com efeito, se o táxi, conforme instruções da arguida para parar o veículo, coloca-se, após sinalizar devidamente, junto – a meio metro – do passeio do lado esquerdo e imobiliza a viatura, (a meio metro do passeio para peões), normal e natural nos parece que se siga a sua saída, para o qual necessário se torna a abertura da porta do veículo, sendo de se consignar que a ter que haver cuidado antes de tal, o mesmo sempre caberia ao condutor-motorista do táxi, equipado com espelhos – retrovisores – adequados para assegurar a visibilidade da parte de trás e de ambos os lados do veículo.

Na verdade, se o que sucedeu foi o condutor acatar a instrução da arguida que pretendia descer do táxi, encostando a viatura ao passeio e imobilizando-a sem nada dizer, mais também não parece de se lhe exigir: se o veículo se imobiliza e nada lhe é dito por quem conduz e tem o dever e possibilidade de se assegurar que o está a fazer em segurança, então razoável é concluir que o local onde a viatura foi imobilizada é adequado para a sua saída.

De facto, importa também ponderar que a arguida apenas abre a porta da viatura após esta – sinalizar, encostar e – se imobilizar, e como se mostra de considerar, a ninguém deve caber responsabilidade, (ainda que por negligência), em consequência de irresponsabilidade, (ainda por cima, no caso, deliberada), de terceiro, pois que, como se deixou já retratado, demonstram os autos que o ofendido, que seguia atrás do táxi, viu os sinais luminosos a indicar a manobra para o lado esquerdo da via, apercebeu-se que o mesmo se encostou ao passeio do mesmo lado e que se ia imobilizar, (devendo aliás calcular que, tratando-se de um táxi, ia largar um passageiro), e que, mesmo assim, decidiu (acelerar e) ultrapassar o veículo pela esquerda, em contravenção ao estatuído nos (atrás já referidos) art°s 38°, n.° 1 e 39°, n.° 1, da Lei n.° 3/2007, onde se preceitua que “A ultrapassagem deve efectuar-se pela direita” e que “Deve fazer-se pela esquerda a ultrapassagem de veículo cujo condutor tenha assinalado a manobra de mudança de direcção para a direita, deixando livre a parte mais à esquerda da faixa de rodagem”.

Aqui chegados, (em causa não estando agora a conduta do motorista do táxi), constatando-se a contravenção cometida pelo ofendido e concluindo-se que não violou a arguida recorrente nenhum “dever de cuidado” que lhe cabia, correcta não é a sua condenação como autora de 1 crime de “ofensa à integridade física por negligência”, p. e p. pelo art. 142° do C.P.M., devendo do mesmo ser absolvida.

Tudo visto, resta decidir.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam conceder provimento ao recurso, absolvendo-se a arguida do crime pelo qual foi condenada.

Sem tributação, dada que a recorrente obteve a procedência do seu recurso e o ofendido é alheio ao mesmo.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 12 de Janeiro de 2017
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 439/2016 Pág. 18

Proc. 439/2016 Pág. 17