Processo n.º 659/2016
(Recurso cível)
Relator: João Gil de Oliveira
Data : 12/Janeiro/2017
ASSUNTOS:
- Representação sem poderes
- Simples mora e incumprimento definitivo
- Resolução tácita
- Pedido implícito de resolução do contrato
SUMÁRIO :
1. Com a entrada em vigor do Código Civil de Macau, foi introduzido uma nova disposição que permite acolher a chamada “representação tolerada” ou consentida e “representação aparente”, figuras tratadas na doutrina e jurisprudência alemãs, preceituando-se o n.º 2 do artigo 261º do Código Civil que “Contudo, o negócio celebrado por representante sem poderes é eficaz em relação ao representado, independentemente de ratificação, se tiverem existido razões ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justificassem a confiança do terceiro de boa fé na legitimidade do representante, desde que o representado tenha conscientemente contribuído para fundar a confiança do terceiro.”
2. Se a Ré se comprometeu a providenciar por uma matrícula do interior da China, na sequência da venda de um automóvel, não tendo sido fixado prazo, se foi interpelada pelo Autor para cumprimento da sua obrigação, mas nunca satisfez a sua obrigação nem alegou qualquer causa justificativa de não a fazer, encontra-se na situação de inadimplemento.
3. Mas a simples mora não dá lugar à resolução do contrato, sendo necessário que o devedor seja colocado numa situação de incumprimento definitivo, por uma interpelação admonitória resolutiva. No caso de incumprimento temporário, isto é, a simples mora, a lei concede ao credor o direito de ser reparados os danos a que lhe é causado pela mora no cumprimento.
4. A mora do devedor só dá ao credor o direito a resolver o contrato, por incumprimento definitivo, no caso de perda do seu interesse na prestação, ou no caso de esta não poder ser realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor.
5. O “terminus” do acordo, a impossibilidade ou falta de vontade em o não cumprir de uma forma definitiva, agora e sempre, é matéria que pode ser indagada e extrair-se do concreto circunstancialismo apurado.
6. A falta de resposta a contactos telefónicos, o adiamento na angariação da dita matrícula, o recebimento e retenção do dinheiro pago pelo serviço, por pessoa, considerada empregada da Ré, a afirmação de que, por norma, aquela agência vendedora de automóveis não trata desses assuntos, afirmação produzida em sede de contestação, mas para tentar afastar a eficácia da obrigação assumida na sua pessoa jurídica, não pode ser entendida ainda como uma renúncia definitiva ao cumprimento.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 659/2016
(Recurso Civil e Laboral)
Data : 12/Janeiro/2017
Recorrente : A
Recorrida : B, Limitada
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – RELATÓRIO
1. A, Autor nos autos a margem referenciados e aí mais bem identificado, em que e Ré a B, Limitada, vem, inconformado com a sentença proferida que julgou improcedente a acção e, em consequência, decidiu absolver a Ré do pedido de pagamento do dobro da quantia entregue, HKD$465.000,00, ou, subsidiariamente, da quantia em singelo, por alegado incumprimento de contrato em que a Ré se comprometeu, na sequência da venda de um automóvel, a providenciar pela matrícula que possibilitava a circulação no interior da RPC,
apresentar as sua alegações, tendo concluído da seguinte forma:
I
Na sequência da sentença proferida nos autos acima indicados, o Tribunal a quo julgou improcedente a acção e, em consequência, decidiu absolver a Ré do pedido formulado pelo Autor.
II
Na fundamentação jurídica da sentença em crise, o douto tribunal começa por analisar o negócio jurídico celebrado em nome da Ré e, quanto à representação sem poderes conclui que (2° parágrafo da pag. 8) o acto praticado pela Ré é eficaz em relação a ela, por forca do n.º 2 do art. 261° do CC.
III
Na página 12 da mesma sentença, diz que no caso sub judice, não foi alegada qualquer matéria fáctica sobre a perda do interesse por parte do Autor nem da interpelação admonitória para se poder consubstanciar o caso como incumprimento definitivo, acrescentando que o Autor nunca pediu a resolução do contrato celebrado com a Ré, pelo que o tribunal fica impedido em conhecer essa questão, ao abrigo do disposto do n.º 1 do art. 564° do C.P.C. que determina que a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir e, não tendo o contrato sido resolvido, não poderá o Autor exigir da Ré a restituição do montante que entregou a esta no cumprimento da sua prestação.
IV
O Autor entende que, com o devido respeito, o douto Tribunal violou as normas previstas no art. 562 e seguintes do CPC, na medida em que a sentença ignora pontos importantes constantes no processo e não releva decisões tomadas pela Jurisprudência e ensinadas pela Doutrina.
V
Com efeito, o tribunal ignorou todos os pontos constantes no processo que mostram que o contrato foi de facto "resolvido" quando o devedor declara expressamente não pretender cumprir a prestação a que está adstrito e adopta conduta manifestamente incompatível com o cumprimento.
VI
Assim, o Autor considera que só haveria lugar ao pedido de resolução do contrato (por parte do Autor, aqui credor) se houvesse a necessidade - e portanto o dever - de ( o credor) libertar o devedor do seu dever de prestar e, neste caso concreto, tal necessidade não existia.
VII.
Com efeito, na Contestação que consta nas páginas 38 a 46 dos autos, diz a Ré no ponto 3°: "A Ré não se comprometeu a proceder à colocação de qualquer matrícula da Republica Popular na China" e no ponto 5° da mesma contestação: " ... a Ré não presta serviços no sentido da obtenção de tais matrículas", isto é, esse serviço não está incluído na actividade da empresa e assim afasta definitivamente a possibilidade de cumprir a sua parte constante neste contrato, ou seja, a Ré declara de modo claro, expresso, definitivo e ostensivo que definitivamente não cumprirá nunca a prestação que lhe competia no contrato em causa e apresenta a razão por que o faz: "a Ré não presta serviços no sentido da obtenção de tais matrículas" declarando assim que esse serviço está fora da sua actividade empresarial.
VIII.
O Autor, obviamente interessado no cumprimento do contrato, insistiu com a Ré no sentido de esta rever a sua posição e cumprir o contrato, contudo, depois de verificar que a Ré estava a impedir a continuação de qualquer contacto por parte do Autor - "os responsáveis deixaram de atender o Autor" como foi provado - o Autor, seguindo a lógica que nos ensinam as regras da experiência da vida e constatando que a resolução do contrato por parte da Ré era efectivamente definitiva e que mais nada podia fazer nesse sentido, exigiu a restituição do montante da sua prestação e, como provado, "a Ré não aceita restituir o montante recebido".
IX.
Ora, sobre a declaração referida constante na Contestação da Ré, diz a Jurisprudência, nomeadamente o Acórdão do STJ processo n.º 08A2353 datado de 12/02/2008: I - "A confissão judicial espontânea, sob a forma escrita, feita à parte contrária, admissível pela sua própria essência, goza de força probatória plena contra o confitente e não é susceptível de ser apreciada, livremente, pelo tribunal, sob pena de existência de erro na apreciação da prova".
X.
A douta sentença não teve também em consideração o que diz a Doutrina sobre pressupostos da resolução de um contrato, como, por exemplo, constam na nota 2 ao art. 436° do CCP (equivalente ao art. 430 do CCM) anotado por Pires de Lima e Antunes Varela onde se ensina que a faculdade de fixar um prazo para exercer o direito de resolução se destina exactamente a evitar que a outra parte fique indefinidamente na dúvida e, por isso, entendemos que não faz sentido, neste caso concreto, que o credor exerça o direito de resolução quando o devedor declara, de modo claro, ostensivo, reiterado, expresso e definitivo que " ... a Ré não presta serviços no sentido da obtenção de tais matrículas", entendendo-se que se referia tanto a este cliente/Autor, como a qualquer outro cliente, declarando assim que esse serviço está fora da sua actividade empresarial, pelo que não há hipótese de ficar na dúvida sobre resolução ou manutenção do contrato, estando este resolvido definitivamente por sua (da Ré) decisão.
XI.
Além disso, está registado na gravação da audiência e julgamento, ao minuto 49° desta; que a 2ª testemunha do Autor, C, diz: "o pessoal da Ré não voltou a atender o telefone do Autor...".
XII.
A mesma 2ª testemunha, como registado ao minuto a 1.02.30 diz: "por (o pessoal da Ré) não atender o telefone do Autor, este (Autor) decidiu apresentar queixa à polícia".
XIII.
A la testemunha da Ré como registado a 1.08.00 da mesma gravação (versão portuguesa: translatorl) "a nossa companhia não ajuda a tratar das matrículas da China".
XIV.
Igualmente é matéria dada com provada - quesito 8 - que: "os responsáveis (da Ré) deixaram de atender o Autor".
XV.
É também matéria dada com provada - quesito 9 - que: "a Ré não aceita restituir o montante recebido", ou seja, a Ré não aceita o pedido feito pelo Autor em consequência da resolução do contrato que ela ilegitimamente (como declara doutamente a sentença: 2 parágrafo da pag 8) considerava ineficaz em relação a si.
XVI.
Ora, o referido pedido do credor (Autor) para a Ré restituir o montante recebido, tem como pressuposto e complemento - como logicamente conclui um cidadão normal com experiência da vida - a libertação definitiva do respectivo dever de prestar (Ré) - se esse dever existisse - pois ficaria totalmente deserta a prestação do credor/Autor.
XVII.
O tribunal não valorou, pois, ensinamentos da Jurisprudência, como os constantes no Processo N° 321/2002.CI do Tribunal da Relação de Coimbra, cujo acórdão é datado de 06-12-2011, que no ponto VIII ponto do seu sumário diz:" ... deve notar-se que o incumprimento definitivo surge não apenas quando por força da não realização ou do atraso na prestação o credor ... mas igualmente nos casos em que o devedor declara expressamente não pretender cumprir a prestação a que está adstrito ou adopta uma qualquer outra conduta manifestamente incompatível com o cumprimento" e em "IX - Quando tal ocorra, não se toma necessário que o credor lhe assinale um prazo suplementar para haver incumprimento definitivo: a declaração do devedor é suficiente ... " - confirmando-se assim a existência de incumprimento definitivo.
XVIII.
O douto tribunal a quo não valorou o facto de que, para um cidadão normal com experiência de vida, não faz sentido pedir a alguém aquilo que esse alguém ostensivamente oferece.
XIX.
Também, nestas circunstâncias e tendo em consideração os factos referidos, não podemos concordar com a afirmação de que poderia existir qualquer condenação "em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pediu", como dispõe o n° 1 do art. 564° do CPC , pois o que se pediu no pedido alternativo foi exactamente a importância "entregue equivalente a MOP478.950,00 (quatrocentas e setenta e oito mil e novecentas e cinquenta patacas) acrescido dos juros de mora desde o recebimento até à data de pagamento que, na presente data (data da apresentação da PI), atingem MOP167.727,63 (cento e sessenta e sete mil setecentas e vinte e sete patacas e sessenta e três cêntimos)".
XX.
Confirmando esta posição do Autor, consta na anotação n.º 18 ao art. 664° (567° no CPCM) do CPCP de Abílio Neto (11ª edição de 1993, pag.557)): "O juiz não excede os limites impostos pelas regras do art. 664° do Cod. Proc. Civil quando, para fundamentar o julgamento de direito, se serve de matéria de facto não expressamente alegada, mas que é pressuposto de afirmação de direito e de facto produzidas pela parte (Ac. STA, de 26.4.1977: Rec.8640: BTE, 2ª Série,11.° - 77, pag.1522).
XXI.
Também sobre esta mesma questão o tribunal não valorou a vasta Jurisprudência de que é exemplo a nota 26 ao art 661 ° do CPCP anotado de ABÍLIO NETO (11ª edição de 1993, pag. 558) (correspondente ao 564° do CPCM): "é permitido proferir condenação com base em causa de pedir não expressamente invocada, desde que o autor implicitamente a admita (Ac. RC, de 3.2.1981: Col. Jur.,1981, 1°-32)".
XXII
Igualmente, o tribunal não valorou a Jurisprudência que consta na Revista/processo n.º 2574/04.8TVLSB.L1.S1 – 7ª Secção do STJ - datada de 02-12-2010, em que foi decidido que "no desenvolvimento do princípio dispositivo, compete às partes o ónus de alegar os factos que integram a causa de pedir, não estando, porém, o juiz sujeito a essas alegações no que concerne à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito ....".
XXIII.
O tribunal igualmente não valorou a doutrina que consta na Nota n.º 4 ao art. 5° (Princípio dispositivo) do Código de Processo Civil de Macau anotado por Cândida Pires e Viriato de Lima relativamente à procedência das pretensões formuladas ou das excepções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros que as partes tenham oportunamente alegado e resultem da instrução e discussão da causa: "são ainda considerados na decisão os factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das excepções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros que as partes tenham oportunamente alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que seja dada à parte interessada a possibilidade de sobre eles se pronunciar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório", .. E ainda: "Consagra-se o dever de o juiz considerar factos essenciais à procedência da acção ". mesmo que não tenham sido alegados pelas partes. Exigem-se, no entanto, vários requisitos: a)- Os factos devem ser complemento ou concretização de outros que as partes tenham oportunamente alegado. Os factos são complemento quando, por exemplo, tratando-se de causa de pedir complexa, se alegaram vários factos, mas se omitiram outros," ... "Os factos concretizam outros já alegados quando exprimam melhor determinadas expressões de carácter conclusivo ou quando clarifiquem afirmações imprecisas ou dubitativas", ao não considerar que o Autor ao pedir a restituição do montante recebido pela Ré tinha como pressuposto o complemento ou concretização de que a Ré ficaria liberta, ou seja, concretizar-se-ia o pedido ou a comunicação da resolução do contrato - na hipótese da Ré estar ainda adstrita ao respectivo cumprimento.
PEDIDO:
Por todo o exposto e tendo em consideração o previsto nomeadamente nos artigos 560° n.º 1, 558° a 565°, 787° e 790° do CC, deve, nos termos referidos e com o indispensável e douto suprimento de Vossas Excelências:
O recurso interposto ser declarado procedente e, em consequência, a Ré ser condenada a pagar ao Autor a quantia de MOP478.950,00 recebida do Autor e respectivos juros de mora à taxa legal, desde o recebimento até ao integral pagamento.
2. A B, LIMITADA, veio apresentar as suas CONTRA-ALEGAÇÕES, o que fez, em síntese:
A - Atentos os factos e o(s) pedido(s) deduzidos pelo Autor e ora Recorrente nos presentes autos, logo se vê que o Autor não alegou factos que consubstanciem a conversão da mora em incumprimento definitivo e, mesmo que o tivesse feito - e não o fez! -, é incontornável que o Autor não pediu ao Tribunal que declarasse a resolução do contrato.
B - Contrariamente ao que se diz no recurso, a Recorrida limitou-se a impugnar a factualidade alegada pelo Recorrente, negando ter-se vinculado à prestação de qualquer serviço ao mesmo, donde forçosa é a conclusão de que a Recorrida não pode confessar factos inexistentes e, muito menos, de pedidos que não foram feitos pelo Recorrente.
C - O Recorrente não resolveu extrajudicialmente o contrato, nem pediu ao Tribunal que declarasse a sua resolução, sendo que tal pedido não se pode depreender ou considerar como "tacitamente" formulado.
D - Pelo exposto, verifica-se que, no caso, o Tribunal a quo limitou-se a fazer aplicação do princípio do dispositivo, nos termos impostos pelos arts. 5.°, n.º 2 e 564.°, n.º 1 do C.P.C..
E - A sentença recorrida não viola quaisquer normas jurídicas, procedendo, pelo contrário, a necessária aplicação do disposto nos arts. 5.°, n.º 2 e 564.°, n.º 1 do C.P.C..
Nestes termos e melhores de direito que V. Ex.ªs doutamente suprirão, deve o recurso ser declarado improcedente, mantendo-se a douta sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base.
3. Foram colhidos os vistos legais.
II - FACTOS
Vêm provados os factos seguintes:
Da Base Instrutória:
- Em 28 de Fevereiro de 2011, o Autor adquiriu por compra, à Agência de C Limitada, o automóvel MX-XX-XX, tendo o título de propriedade do mesmo sido emitido em 18/07/2011. (resposta ao quesito 1º da base instrutória)
- O Autor dirigiu-se ao local de venda da Ré sito na Av. xxxxxx, edif. xxx Garden, n.ºxxx, xx em Macau, onde foi atendido por um individuo D, que acordou, em nome da sociedade, tratar do processo da colocação da desejada matrícula da RPC, pelo preço, a pagar adiantadamente pelo Autor, de HKD$465.000,00, de modo ao automóvel ficar apto a circular com dupla matrícula, podendo assim circular, tanto Interior da República da China (na Província de Guangdong), como em Macau. (resposta ao quesito 2º da base instrutória)
- O montante referido no item anterior correspondia ao preço da 2ª matrícula (para circular no interior da RPC) no montante de HK$423,000.00 (quatrocentos e vinte e três mil dólares de Hong Kong), acrescido de HK$42,000.00 (quarenta e dois mil Hong Kong dólares) referentes às despesas a fazer para que dois motoristas conduzissem o automóvel através da fronteira entre Macau e o Interior da China. (resposta ao quesito 3º da base instrutória)
- Em cumprimento do acordo referido no ponto anterior, o Autor entregou, em 19 de Julho de 2011, o montante referido à Ré, na pessoa do mesmo empregado desta, e recebeu o respectivo recibo. (resposta ao quesito 4º da base instrutória)
- A companhia vendedora foi pedindo o adiamento do cumprimento do compromisso em causa. (resposta ao quesito 6º da base instrutória)
- Apesar de diversas e variadas interpelações feitas pelo Autor aos responsáveis da Ré, esta, até à presente data, nunca tratou da licença de autorização e a respectiva chapa de matrícula para poder circular na RPC. (resposta ao quesito 7º da base instrutória)
- Os responsáveis deixaram de atender o Autor. (resposta ao quesito 8º da base instrutória)
- A Ré não aceite restituir o montante recebido. (resposta ao quesito 9º da base instrutória)
- Dnão é trabalhador, nem representante legal da Ré. (resposta ao quesito 10º da base instrutória)
III – FUNDAMENTOS
1. Com a presente acção, alegou o Autor ter celebrado um acordo com a Ré, mediante o indivíduo D nos termos do qual esta se comprometeu a tratar do processo da colocação da matrícula da RPC no seu veículo, que comprou a esta, pelo qual pagou adiantadamente o preço de HKD$465.000,00.
Porque não honrou o seu compromisso, de que providenciaria pela matrícula da RPC, não tendo o A. aceitado restituir o montante já pago pelo Autor, veio ele pedir a restituição do dobro do montante pago e, subsidiariamente, o montante pago em singelo.
Na contestação a Ré negou que o indivíduo D com quem a Autora contactou para o arranjo da matrícula da RPC fosse seu empregado, impugnando que o contrato tivesse sido com a Autora.
O objecto do presente litígio passava pela resposta à divergência das partes sobre se o D tinha poderes de representação para celebrar o negócio jurídico em nome da Ré; se o D não tivesse poderes de representação e o negócio jurídico praticado por ele não fosse eficaz em relação à Ré, caía por terra toda a fundamentação que servia de base à pretensão do Autor. Resolvida que foi essa questão – e bem - no sentido de se ter por integrada a previsão do art. 261º, n.º 2 do CC, não sendo agora objecto de recurso, essa questão mostra-se assente, no sentido de o negócio se ter por eficaz em relação à Ré.
Posto isto, importa agora apreciar as questões que vêm colocadas relativas ao incumprimento, mora e pedido formulado, tendo o A. deixado cair o pedido do dobro do que entregou, para passar a pedir a restituição em singelo.
2. Atentemos no teor da fundamentação expendida na douta sentença proferida:
“Representação sem poderes
Conforme o disposto do art° 251° do C.C., “o negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último.”
Vem provado que na celebração do negócio alegado, o Autor foi atendido no estabelecimento comercial da Ré por um indivíduo de nome D, que acordou, em nome da sociedade, tratar do processo da colocação da desejada matrícula da RPC, pelo preço, a pagar adiantadamente pelo Autor, de HKD$465.000,00.
Flui desse factualidade, o D celebrou um contrato com o Autor em nome da Ré, aparentemente, o D actuou em representação da Ré. Mas, para haver lugar representação, é necessário que representante tem poderes de representação ou poderes representativos.
Está assente que o D não é trabalhador nem representante legal da Ré. Apesar de alegar celebrar o negócio com a Autora em nome da Ré, na realidade, o tal D não tem poderes de representação para agir em nome desta.
Trata-se de caso de representação sem poderes.
Na representação sem poderes existe uma autuação de alguém em nome de outrem, sem estar investida dos necessários poderes, sem estar legitimada para o efeito no momento da prática do acto, ou porque não tem nem, nunca teve, essa legitimidade, ou porque, tendo-a tido, entretanto, cessou, ou porque, finalmente, tem legitimidade representativa quando da prática do acto mas a mesma não é suficiente para abranger o acto praticado. (Cfr. Acórdão do T.S.I., Proc. 100/2015 de 24/09/2015)
Dispõe-se o n°1 do art°261° do C.C., o negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado.
Em princípio, o negócio celebrado por representante sem poderes de representação carece da ratificação pelo representado para que o negócio produz efeito em relação a este. No caso, pela posição assumida pela Ré, é patente que não deu ratificação.
Com a entrada em vigor do Código Civil de Macau, foi introduzido uma nova disposição, preceitua-se o nº3 do mesmo artigo que “Contudo, o negócio celebrado por representante sem poderes é eficaz em relação ao representado, independentemente de ratificação, se tiverem existido razões ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justificassem a confiança do terceiro de boa fé na legitimidade do representante, desde que o representado tenha conscientemente contribuído para fundar a confiança do terceiro.”
A ideia consagrada nesse preceito corresponde-se à chamada “representação tolerada” ou consentida e “representação aparente” , figuras surgidas e evoluídas na doutrina e jurisprudência alemãs (Cfr. Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, pg 545, nota-pé e António Menezes Cordeiro, in Comemorações dos 35 Anos do Código Civil, Vol. II, pag. 414 e 415). Nesses casos, embora não haja verdadeira representação, reconhece-se ao representante os autênticos poderes de representação.
Esse preceito destina-se, obviamente, a protecção de terceiro de boa fé, que não sabendo da falta dos poderes de representação do representante, mas atentas as circunstâncias concretas e os próprios comportamentos do representado, confiando, sem culpa dela, na aparência da legitimação representativa.
Ou já, apesar da falta da poderes de representação ou da ratificação o negócio jurídico praticado pelo representante poderá, em alguns casos, produzir efeito em relação ao representado.
Para saber se o negócio é eficaz em relação à Ré, urge quilatar se existem circunstâncias concretas que justificam a confiança do Autor na legitimação representativa do D e se a Ré tem contribuído para essa confiança.
Segundos os factos assentes, o Autor dirigiu-se ao local da venda da Ré onde foi atendido por D que acordou, em nome da sociedade, tratar do processo da colocação da desejada matrícula da RPC. Pois, não é qualquer pessoa que se surgiu à frente do Autor que este aceitou a celebrar o negócio, mas sim alguém que lhe atendeu no local de venda quanto o Autor dirigiu ao estabelecimento comercial da Ré. Assim, ao olho de consumidor geral, quando for atendido por alguém que está dentro duma loja, é natural e razoável pensar que é trabalhador ou representante da empresa.
Para além disso, ficou provado que o Autor entregou o montante acordado ao D em 19/07/2011 e recebeu o respectivo recibo. Conforme o teor do doc. de fls. 19, o recibo emitido pelo D consta não só a denominação do estabelecimento comercial mas também o mesmo endereço.
Tomando em conta essas circunstâncias fácticas, o atendimento pelo D na própria loja da Ré e a emissão do recibo com o nome do estabelecimento da Ré, é legítimo que, como qualquer pessoa média colocada nas mesmas situações, que o Autor acredita em fazer o negócio com a empresa explorada pela Ré e não com alguém alheio à empresa. A boa fé do Autor também não será posta em causa, visto que é residente na China e entrou em contacto com o D por acaso de ter dirigido à loja da Ré.
A Ré defende que o mesmo D não é seu trabalhador nem representante, facto esse é considerado provado. Mas, a Ré não esclarece qual é a razão é que um terceiro que não tem ligação com ela poderá actuar e atender os clientes dirigidos à sua loja como seu empregado e até emitir recibo com a sua denominação. Uma coisa é certa, o D não é um desconhecido da Ré, esta deixou-lhe a ficar na sua loja e contactar com os seus clientes, foi nessas circunstâncias é que levou o Autor a confiar que o tal D fosse seu empregado e celebrou o acordo com ele, em nome da Ré. Acrescenta que o contacto tido entre o Autor e D foi ocorrido dentro da loja da Ré, a vista dos seus empregados ou represente legal, se o acto do D não fosse consentido pela Ré, não se justifica que esta o deixou a angariar o cliente dirigido ao seu próprio estabelecimento sem dizer nada. O silencio da Ré não poderá deixar de entendido como consentimento tácito desta de deixar o D a actuar em seu nome perante terceiro, daí que o comportamento da Ré contribui também para o Autor fundar a confiança no D.
Deste modo, o Autor confiou na legitimação representativa do D por razões acima expostas, assim, embora não haja verdadeira representação nem ratificação da Ré, o acto praticado pelo D em seu nome é ainda eficaz em relação a ela, por força do n°2 do art°261° do C.C..
Natureza jurídica do acordo entre o Autor e a Ré
O Autor alegou na p.i. que o acordo celebrado com a Ré é compra e venda. Qualificação essa que não partilhamos.
Segundo o teor do acordo, a Ré acordou no tratamento do processo da colocação da desejada matrícula da RPC, pelo preço a pagar pelo Autor de modo ao automóvel ficar apto a circular com dupla matrícula, podendo assim circular, tanto no Interior da RPC como em Macau.
A obrigação assumida pela Ré consiste essencialmente na prestação de assistência para obter a matrícula da RPC. Como é óbvio, a matrícula da RPC só será possível emitida pela entidade competente da RPC e não pela Ré. Esta não tem competência para emitir a licença da autorização nem a chapa de matrícula, não sendo possível a venda das coisas desse género por ela. O acordo em causa não poderá ser considerado como contrato de compra e venda nem de contrato de fornecimento de matrícula. Pois, o que a Ré ficou vinculada a prestar é tratar o processo da colação da matrícula que, na prática, implica não mais de tratar as formalidades junto da entidade competente para obter a licença de autorização, e na sequência da autorização, a respectiva chapa de matrícula.
Assim, o acordo entre as partes deverá enquadrar-se no conceito de contrato de prestação de serviço, consagrado no art°1080° do C.C. segundo o qual uma as partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição, visto que a Ré obrigou se a tratar o processo para obter a licença da autorização junto da autoridade continental e a colocação de matrícula da RPC contra a remuneração paga pelo Autor.
Incumprimento
Argumenta o Autor que a Ré não tratou da licença de autorização e a chapa de matrícula para poder circular na R.P.C., apesar de várias interpelações, imputando à Ré no incumprimento do contrato.
Nos termos do n°1 do art°400° do CC., “O contrato deve ser pontualmente cumpridos.” Dispõe-se, por outro lado, o n°1 do art°752° do C.C., “O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado.”
Decorre dessa norma que o devedor deverá prestar a obrigação no prazo e lugar determinado.
Nos termos do art°793° do C.C., “1. A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor 2. O devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido.”
“A mora é o atraso culposo no cumprimento da obrigação. O devedor incorre em mora, quando, por causa que lhe seja imputável, não realiza a prestação no tempo devido, continuando a prestação a ser ainda possível.” (Antunes Varelas, in Das Obrigações em geral, Vol. II. ,pag. 112)
Preceitua-se o n°1 do art°794° do C.C., “O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.”
Segundos a factualidade apurada, o Autor já cumpriu a sua prestação, pois, demonstrado fica que já entregou o preço acordado no montante de MOP478.950,00 à Ré, mediante o D em 19 de Julho de 2011.
Não foi alegado nos autos que há prazo certo para cumprimento do cordo.
Mas vem provado que a Ré nunca trata da licença de autorização e a respectiva chapa de matrícula, apesar de várias interpelações feitas pelo Autor. Ou seja, a Ré foi interpelada pelo Autor para cumprimento da sua obrigação, mas nunca satisfez a sua obrigação nem alegou qualquer causa justificativa de não a fazer. Portanto, a Ré está na inadimplemento.
Pedido do Autor
Importa agora determinar qual é a consequência do incumprimento da Ré.
Pretende o Autor que a Ré seja condenada a pagar o valor recebido no montante de 478.950,00 em dobro, ao abrigo do disposto do art°436° do C.C. ou, em singelo, acrescido dos juros de mora a partir da data de recebimento.
Em primeiro lugar, o valor entregue pelo Autor à Ré em 19 de Julho de 2011 é, de modo nenhum, poderá ser considerado como sinal. De acordo com o disposto do art°434° do C.C., a entrega antecipada da coisa prestação é havida como antecipação do cumprimento, salvo as partes quiserem atribuir o carácter de sinal. No caso, não foi demonstrado nem mesmo alegado pelo Autor que as partes haviam considerado como sinal o pagamento de preço de MOP478.950,00, não assume este a natureza do sinal. Portanto, ao presente caso, não é aplicável o disposto do art°436° do C.C., não podendo exigir à Ré o dobro da quantia entregue.
Quanto à quantia de MOP478.950,00 em singelo. Considera-se que existe um contrato de prestação de serviço entre o Autor e a Ré, com o pagamento antecipado do preço por parte do Autor, mas não houve cumprimento da prestação assumida pela Ré, qual é a consequência do incumprimento, poderá o Autor exigir à Ré a restituição da quantia paga.
Ora bem. O incumprimento pode ser temporário ou definitivo. No caso de incumprimento temporário, isto é, a simples mora, a lei concede ao credor o direito de ser reparados os danos a que lhe é causado pela mora no cumprimento.
No caso em apreço, a quantia de MOP$478.590,00 corresponde-se ao montante pago pelo Auto à Ré no cumprimento antecipado do acordo, parece o que pretende o Autor, é a restituição daquilo que foi pago à Ré a título de preço. Pois, não foi alegado pelo Autor que a quantia de MOP478.590,00 é danos sofridos por causa do incumprimento da Ré.
Então, em que condição é que poderá um credor reaver do devedor da sua prestação.
Dispõe-se o n°2 do art°790° do C.C., a propósito da impossibilidade culposa, que “Tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro.”
Esse preceito é também aplicável ao caso de incumprimento temporário convertido em definitivo por força do disposto do art°797° do C.C..
Dito de outro modo, em consequência da mora, se o credor perder o interesse que tinha na prestação do credor ou no caso de interpelação admonitória, pode pedir a resolução do contrato e a restituição daquilo que tiver prestado, para além do direito à indemnização.
“A mora do devedor só dá ao credor o direito a resolver o contrato, por incumprimento definitivo, no caso de perda do seu interesse na prestação, ou no caso de esta não poder ser realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor.”(cfr. Acórdão do T.R.P. de 19 de Janeiro de 1993, in CJ, Ano XVIII, Tomo I, 203)
Mas, no caso sub judice, não foi alegada qualquer matéria fáctica sobre a perda do interesse por parte do Autor nem da interpelação admonitória para se poder consubstanciar o caso como incumprimento definitivo. Aliás, mesmo que houvesse esses factos, a pretensão do Autor não poderá deixar de se soçobrar.
Pois, independentemente da conversão em incumprimento definitivo, o Autor nunca pediu a resolução do contrato celebrado com a Ré.
Como se sabe, os efeitos da resolução são equiparados aos da nulidade ou anulabilidade de negócio jurídico. Assim, destruída a relação contratual, dá lugar à restituição tudo o que tiver sido prestado, por força do disposto do art°427° e 282° do C.C..
Não tendo o Autor formulado o pedido de resolução do contrato, fica impedido o tribunal em conhecer essa questão, ao abrigo do disposto do n°1 do art°564° do C.P.C.
Não tendo o contrato resolvido, não poderá o Autor a exigir da Ré a restituição do montante que entregou a esta no cumprimento da sua prestação. A restituição haverá lugar com a destruição da relação contratual, mas, se se mantiver válido a relação contratual, já deixará de ter razão de ser de exigir à contraparte a restituição da obrigação, visto que o próprio Autor tem obrigação de prestar no cumprimento do contrato em causa.
Desse modo, sem com a resolução do contrato, não assistirá ao Autor o direito de exigir a Ré a restituição da sua prestação, e, nem dos respectivos juros.”
3. Para responder às questões que vêm colocadas a primeira questão que se coloca é a de saber qual o negócio que foi celebrado.
Na douta sentença afasta-se o contrato de compra e venda de veículo, que assim terá sido configurado pelo A., inclinando-se a Mma Juíza para um contrato de prestação de serviços.
Afigura-se-nos correcta, face à matéria de facto que ficou provada, a configuração jurídica do negócio dada na sentença, não se percebendo por que razão o A. fala em compra e venda que parece não estar em causa, parecendo mostrar-se cumprida, sem que tenha alegado que esse negócio, de alguma forma, estivesse condicionado ao tratamento da obtenção da matrícula da RPC.
Parece não haver dúvida de que o contrato celebrado para obtenção dessa matrícula está perfeitamente cindido do negócio relativo à compra e venda do automóvel, não se sabendo qual o preço deste, qual a matrícula, apenas que ele estava já na posse do A. e que o entregou na agência onde comprara o automóvel para aposição da matrícula do Interior da China.
Temos assim que, adquirido o veículo, a Ré – mediante um negócio eficaz em relação a ela, na medida em que realizado por alguém em sua “presumida” representação – se compromete, mediante um preço, a providenciar junto das autoridades competentes por uma segunda matrícula que habilitaria o carro a circular na RPC e a possibilitar a sua condução por dois condutores através da fronteira Macau-China. Anote-se até que na matéria que vem provada se diz que a pessoa que se comprometeu a tal serviço era empregada da Ré.
4. Posto isto, o que temos?
Não se mostra que tenha sido estabelecido um prazo para o cumprimento por si assumido.
A Ré foi pedindo o adiamento do compromisso assumido. Apesar das diversas interpelações do A., até à presente data, aquela não tratou da licença da aludida chapa de matrícula para a viatura poder circular na RPC.
A Ré deixou de atender o A. e não aceita restituir o montante recebido.
Há um facto que o recorrente reputa como relevante e resultaria de uma pretensa “confissão”, em sede de contestação, de que a Ré não se comprometeu à colocação de qualquer matrícula e de que a Ré não presta serviços no sentido da obtenção de tais matrículas, para daí retirar um incumprimento definitivo por força de um anúncio de que não iria cumprir, o que representaria uma mora definitiva por parte da Ré.
Mas não tem razão, desde logo porque essa factualidade alegada não traduz nenhuma confissão, sendo desmentida pelos factos que se comprovam e se traduzem na assunção, pelo menos naquele caso, de que ia tratar do assunto, face ao funcionamento do mecanismo da representação como supra visto, matéria que não se mostra impugnada.
Isto é, a Ré nega os factos, diz que nunca trata desses assuntos, mas não foi isso que se provou. Pelo menos naquele caso em concreto.
Não há dúvida que até à data incumpriu e que o A. não atende os seus telefonemas. Ora, perante isso, o que o A. devia fazer era dar-lhe um prazo, colocá-lo em mora geradora de incumprimento definitivo e, consequentemente resolver o contrato. Em vez de pretender sustentar um presumido incumprimento definitivo inelutável e um tácito pedido de resolução, devia o recorrente colocar a Ré em mora definitiva e comunicar a resolução.
Como sabemos que a Ré, instada a cumprir, findo um prazo que fosse fixado para o efeito, sob pena de lhe ser comunicada a resolução, com todas as consequências daí advindas não se aprestaria a cumprir aquilo que teimava em recusar? É, pelo menos, hipótese que não pode deixar de ser equacionada.
5. É verdade que há condutas das quais se pode retirar uma vontade definitiva ou uma impossibilidade culposa de incumprimento, mas não nos parece que esse seja o caso presente. Foi a Ré interpelada para cumprir, não atendeu os telefonemas do A., mas também é certo que foi adiando sempre o cumprimento. Na acção, em sede de contestação, diz que nunca fazia esse serviço e nega a assunção desse compromisso. Esta posição deve ser encarada numa perspectiva de defesa. Confrontada com a eficácia do negócio na sua esfera, nada nos diz que não se possa aprestar a cumprir.
No fundo foi esta a tese acolhida na douta sentença prolatada e que aqui se acolhe.
Esta a interpretação da factualidade provada e que se funda na correcta interpretação do disposto no artigo 790º, n.º 1, n.º 2, 797º, n.º b) e n.º 2 .
6. Quanto ao pedido do recorrente
Não há qualquer fundamento, nem ele vem indicado, para se contemplar a restituição do dobro do montante que foi entregue.
Aliás, o recorrente deixou cair esse pedido principal.
Fica o pedido subsidiário.
Este só podia ser atendido se houvesse sido pedida a resolução, o que não se fez, nem se faz na presente acção, por força do disposto no art. 427º do CC que equipara os efeitos da resolução aos da nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, por via do art. 282º, n.º 1 do CC.
O art. 430º do CC diz-nos que a resolução do contrato pode fazer-se mediante declaração à outra parte, o que, realmente – aí concede-se que o recorrente não deixa de ter razão - que essa declaração não tem de ser necessariamente expressa.
O recorrente defende que o pedido de restituição do que foi pago pressupõe a formulação tácita desse pedido. Não cremos que assim seja; na verdade, o pedido que vem expressamente formulado podia fundar-se numa qualquer outra causa de pedir. Tanto assim, que o A. até começou por formular um outro pedido.
De qualquer modo, mesmo que por mera hipótese de exercício de raciocínio se entendesse que no pedido de restituição estaria implícito o pedido de resolução do contrato, necessário seria que a esse direito a Ré se tivesse oposto. Como assinalam P. Lima e A. Varela ”A resolução pode fazer-se por acordo, mesmo que o direito tenha sido conferido a penas a uma das partes. Pode fazer-se judicialmente, se houver conflito entre os contraentes e um deles negar ao outro o direito de resolução. E pode fazer-se por declaração à parte contrária.”
É verdade que o “terminus” do acordo, a impossibilidade ou falta de vontade em o não cumprir de uma forma definitiva, agora e sempre, é matéria que pode ser indagada e extrair-se do concreto circunstancialismo apurado. Assim se entendeu, em termos de Jurisprudência Comparada: “ … determinar, perante as circunstâncias do caso concreto, se houve ou não acordo de vontades das partes – expresso ou tácito - na extinção de uma relação contratual é essencialmente uma questão de facto, a apreciar face à matéria concretamente alegada e aos meios probatórios produzidos em audiência, não podendo a livre convicção das instâncias sobre tal factualidade ser alterada – como parecem pretender os recorrentes – no âmbito de um recurso de revista, com apelo a considerações de mera probabilidade ou plausibilidade.”1
Por outro lado, em relação à pretensa valoração de uma declaração tácita por parte da Ré, “a maioria das declarações que revestem um mínimo de complexidade tem de ser expressa, sendo as declarações tácitas normalmente apenas destinadas a produzir um efeito simples (embora porventura com remissão para conteúdos contratuais complexos – assim, por exemplo, na aceitação de uma proposta, ou num prolongamento tácito de um contrato de fornecimento, em que se remete para as condições respectivas)”.2
Ora, o que se verifica no caso “sub judice”, é que, a nosso ver, a falta de resposta a contactos telefónicos, o adiamento na angariação da dita matrícula, o recebimento e retenção do dinheiro pago pelo serviço, por pessoa, considerada empregada da Ré, a afirmação de que, por norma, aquela agência vendedora de automóveis não trata desses assuntos, afirmação produzida em sede de contestação, mas para tentar afastar a eficácia da obrigação assumida na sua pessoa jurídica, não pode ser entendida ainda como uma renúncia definitiva ao cumprimento.
Há que pôr as coisas, branco no preto, faltando, no caso, uma interpelação admonitória final.
7. Pretende o recorrente que a posição da Ré, assumida nos autos, é fundamento bastante para a resolução do negócio, mas há que integrar as declarações produzidas num contexto exceptivo de defesa, em que diz que nunca assumiu essa obrigação. Se assim é e se prova o contrário, então, tem que lhe ser dado um prazo admonitório resolutivo final, não tendo sido dado anteriormente.
Nesta conformidade, somos a sufragar a decisão proferida, na medida em que não se verifica uma situação clara de incumprimento definitivo e porque não se operou nem se formula um pedido de resolução do negócio justificativo do pedido concreto que vem formulado.
IV – DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Macau, 12 de Janeiro de 2017,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 - Ac. STJ, de 10/4/2014, Proc. n.º 1301/11.8 TBFLG.G1.S1
2 - Paulo Mota Pinto, Declaração Tácita, 517
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659/2016 30/30