打印全文
--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------
--- Data: 12/01/2017 --------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Dias Azedo -----------------------------------------------------------------------------
Processo nº 583/2016
(Autos de recurso penal)

(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)

Relatório

1. A, assistente com os restantes sinais dos autos, vem recorrer da sentença proferida pela Mma Juiz do T.J.B. que absolveu o arguido B da imputada prática como autor de 1 crime de “injúria”, p. e p. pelo art. 175°, n.° 1 do C.P.M..

No seu recurso, e em sede de conclusões que a final da motivação apresentada produz, considera que a decisão recorrida padece do vício de “erro notório na apreciação da prova”; (cfr., fls. 151 a 165 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Respondendo, pugnam o Ministério Público e o arguido pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 168 a 172-v e 177 a 180).

*

Admitindo o recurso com efeito e modo de subida adequadamente fixados, vieram os autos a este T.S.I., onde, em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Na Motivação de fls.151 a 165 dos autos, a recorrente assacou, à douta sentença em escrutínio, o erro notório na apreciação de prova, argumentando «綜上所述,被上訴法院所持的立場「嫌犯否認作出被指控的事實,即使輔助人所陳述的情況亦與到場處理事件的警員之證言完全不同,故本院未能認定嫌犯曾向輔助人說過具有侮辱性質的說話。……」,上述所指出的「完全不同」顯然是嚴重忽略了作為輔助人之上訴人的聲明,是嚴重忽略了該聲明在各證據之間所占據的重要性。因此,初級法院第二刑事法庭獨任庭在審查有關證據上明顯有錯誤。»
Antes de mais, subscrevemos inteiramente as criteriosas explanações da ilustre Colega na Resposta (cfr. fls.168 a 172v.), no sentido do não provimento do presente recurso.
*
No que respeite ao «erro notário na apreciação de prova» previsto na c) do n.°2 do art.400° do CPP, é pacífica e consolidada, no actual ordenamento jurídico de Macau, a seguinte jurisprudência (cfr. a título meramente exemplificativo, Acórdãos do Venerando TUI nos Processo n.°17/2000, n.°16/2003, n.°46/2008, n.°22/2009, n.°52/2010, n.°29/2013 e n.°4/2014):
O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta.
Para a acertada compreensão deste conceito, importa recordar o sábio ensinamento do Venerando TUI no Processo n.°13/2001: O recorrente não pode utilizar o recurso para manifestar a sua discordância sobre a forma como o tribunal a quo ponderou a prova produzida, pondo em causa, deste modo, a livre convicção do julgador.
De outro lado, interessa não olvidar (Acórdão do Venerando TSI no Processo n.°470/2010): Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.
Posto isto, e voltando ao caso sub iudice, apresenta-se-nos que o que a recorrente tentou à fazer traduze em pôr em dúvida a livre apreciação e convicção pela MMa Juiz a quo sobre a sua declaração, a do arguido e o depoimento da testemunha, pretendendo prevalecer a força probatória e a credibilidade da sua declaração.
Deste modo, e em esteira das doutrinas e jurisprudências autorizadas, afigura-se-nos óbvio que não se verifica in casu o invocado o erro notório na apreciação de prova”; (cfr., fls. 193 a 194).

*

Em sede de exame preliminar constatou-se da manifesta improcedência do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados na sentença recorrida, a fls. 134 a 134-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem a assistente recorrer da sentença proferida pelo T.J.B. que absolveu o arguido B da imputada prática de 1 crime de “injúria”, p. e p. pelo art. 175°, n.° 1 do C.P.M..

E, como se deixou relatado, assaca (tão só) à decisão recorrida o vício de “erro notório na apreciação da prova”.

Porém, não se lhe pode reconhecer razão, sendo, dada a sua manifesta improcedência, de se rejeitar o recurso, muito não se mostrando necessário consignar, valendo-nos aqui das doutas considerações pelo Ilustre Procurador Adjunto explanadas no seu Parecer que dão cabal resposta ao recurso em questão e que se dão como reproduzidas para todos os efeitos legais.

Seja como for, não se deixa de consignar o que segue.

Como temos repetidamente entendido “O erro notório na apreciação da prova apenas existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 22.09.2016, Proc. n.° 562/2016, de 29.09.2016, Proc. n.° 465/2016 e de 03.11.2016, Proc. n.° 759/2016).

Como também já tivemos oportunidade de afirmar:

“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 22.09.2016, Proc. n.° 528/2016, de 29.09.2016, Proc. n.° 630/2016 e de 07.12.2016, Proc. n.° 177/2016).

No caso dos autos, o julgamento ocorrido no T.J.B. visava “comprovar” o teor da acusação particular pela assistente ora recorrente deduzida, (cfr., fls. 69 a 72), e, em audiência, prestou declarações o arguido, foram produzidos (e ouvidos) os depoimentos da assistente e de outras 3 testemunhas, (cfr., fls. 128 a 132-v), que, nos termos da fundamentação exposta na sentença recorrida, (cfr., fls. 135), dado, (essencialmente), à sua oposição, não permitiram que o Tribunal se convencesse que os factos pelos quais estava o arguido acusado – de dirigir palavras ofensivas da honra e consideração da assistente – tivessem, efectivamente, ocorrido.

Daí, a decretada absolvição.

E, assim sendo, há que dizer que trazendo a recorrente o presente recurso a este T.S.I., mais não faz do que repisar a sua versão dos factos e afrontar a livre convicção do Tribunal, o que, como é óbvio, e como repetidamente temos dito, não colhe.

Importa não olvidar que os fundamentos pelos quais o Tribunal de julgamento (T.J.B.), confere credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem, sempre, de um juízo de valoração efectuado com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum, e que esta mesma imediação, que se traduz no “contacto pessoal” entre o Juiz e os diversos meios de prova, confere ao julgador (em primeira instância) os meios de apreciação da prova pessoal de que o Tribunal de recurso não dispõe.

Com efeito, na apreciação do depoimento das testemunhas e das declarações dos arguidos atribui-se relevância aos aspectos verbais, mas também se pode considerar a desenvoltura do depoimento, a comunicação gestual, o refazer do itinerário cognitivo, os olhares para os advogados antes, durante e depois da resposta, os gestos, movimentos e toda uma série de circunstâncias, insusceptíveis ou de difícil captação pelo Tribunal de recurso, constituindo indicadores importantes e eventualmente reveladores da sua postura processual, e assim, (possívelmente) reveladores de desconforto, predisposição para a efabulação, etc…

O convencimento da entidade a quem compete julgar, depende assim de uma conjugação de elementos tão diversos como (v.g.), a espontaneidade e rapidez das respostas, a coerência e pormenorização do discurso, a emoção ou expressão exteriorizada, a extensão e consistência do depoimento assim como da “matéria seu objecto”, (factos recentes, pessoais, …), havendo, sempre, de se ter ainda em conta a sua compatibilidade com a demais prova relevante.

Dest’arte e, mostrando-se adequado o entendimento no sentido de que para avaliar da racionalidade e da não arbitrariedade (ou impressionismo) da convicção sobre os factos, há que apreciar, por um lado, a fundamentação da decisão quanto à matéria de facto, (os fundamentos da convicção), e, por outro, a natureza das provas produzidas e dos meios, modos ou processos intelectuais utilizados e inferidos das regras da experiência comum para a obtenção de determinada conclusão, (cfr., v.g., o Ac. da Rel. de Coimbra de 09.03.2016, Proc. n.° 436/14), revela-se-nos justificada a opção e decisão do T.J.B., evidente se apresentando não existir vício decisório por erro ostensivo quando o Tribunal ponderando no material probatório que dispunha proferiu a decisão recorrida.

Mais não se mostrando de consignar, e outra questão não havendo, resta decidir.

Decisão

4. Em face do exposto, decide-se rejeitar o recurso.

Pagará a recorrente a taxa de justiça individual de 3 UCs, e como sanção pela rejeição, o correspondente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).

Honorários ao Exmo. Defensor Oficioso do arguido no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 12 de Janeiro de 2017

Proc. 583/2016 Pág. 12

Proc. 583/2016 Pág. 11