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Processo nº 382/2016
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Nos Autos de Processo Comum Singular n.° CR4-14-0006-PCS, decidiu-se condenar A (A) como autor da prática de 1 crime de “ameaça”, p. e p. pelo art. 147°, n.° 1 do C.P.M., fixando-lhe o Tribunal a pena de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, na condição de, no prazo de 10 dias, pagar MOP$20.000,00 à R.A.E.M.; (cfr., fls. 242 a 245 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o arguido recorreu.

Motivou para, a final, produzir as conclusões seguintes:

“I. Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão, que condenou o ora Recorrente, pela prática do crime de Ameaça de forma consumada e continuada p.p. pelo n° 1 do artigo 147° do Código Penal de Macau, doravante CPM, na pena de três meses de prisão suspensa na sua execução por um período de um ano sob condição de pagamento de uma multa no montante de MOP$20.000,00, conforme melhor consta do referido Acórdão e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
II. O Recorrente foi condenado pela prática de tal crime por alegadamente ter dito à ofendida o seguinte: “Você deve ter mais atenção e cuidado, não consigo controlar o meu sentimento e ficar com calma, não tenho certeza do que vou fazer no futuro, mesmo que cause a morte de alguém!”
III. O Tribunal a quo, considerou como provado que o Recorrente tenha proferido as palavras “Você deve ter mais atenção e cuidado, não consigo controlar o meu sentimento e ficar com calma, não tenho certeza do que vou fazer no futuro, mesmo que cause a morte de alguém!”, tendo em conta o testemunho da Ofendida (1ª testemunha) e da empregada (2.ª testemunha) da empresa “Medicare Equipamentos Médicos” (local onde ocorreu os factos).
IV. Porém, por um lado que o depoimento da Ofendida é contraditório com o depoimento do ora Recorrente, e nenhum motivo existe para ser dada maior relevância ao depoimento de um em detrimento do depoimento do outro;
V. Por outro lado, não pode ser também ignorada a relação que existe entre a primeira e a segunda testemunha, pois se tratam de patroa e funcionária e além disso, os depoimentos prestados pela da segunda testemunha ao longo de todo o processo não foram coerentes, sendo que, a descrição que fez dos factos na audiência é diferente daquela que havia feito aquando das declarações que prestou perante o Ministério Público e não coincide com o relato da terceira testemunha (agente da autoridade que se deslocou ao local para reportar o ocorrido).
VI. Na audiência de julgamento a segunda testemunha só foi capaz de confirmar o teor das alegadas ameaças depois de as mesmas lhe serem transmitidas pelo Ministério Público, nunca tendo sido capaz de, de uma forma espontânea, dizer ao tribunal qual o teor das alegadas ameaças proferidas pelo ora Recorrente. (vide depoimento gravado no suporte digital onde foi registada a prova produzida no julgamento à passagem 12.42.04.)
VII. Sendo certo que, numa data muito mais próxima à da ocorrência, no Ministério Público a testemunha disse que nesse dia ele só disse para ela sair da loja e ela saiu e não sabe o que eles discutiram. (Fls. 41)
VIII. A segunda testemunha afirmou em audiência que o Recorrente quando entrou na empresa no dia dos factos “…tinha mandado algumas coisas para chão, alguns documentos e também o telefone”, porém a terceira testemunha – um agente da autoridade –, afirmou que quando chegou ao local dos factos não existia papéis nem telefone no chão nem nada nesse sentido lhe foi reportado ( vide depoimentos gravados no suporte digital onde foi registada a prova produzida no julgamento à passagem 12.42.04.)
IX. Pelo que, tal depoimento cheio de contradições e vacilações não poderia ter sido positivamente valorado e nem servido para dar como provados os factos constantes da acusação.
X. Não foi produzida qualquer prova relativamente ao seguinte facto: Devido às experiências de ser ofendida pelo Recorrente, as acções e os ditos do Recorrente resultam uma forma adequada a provocar-lhe medo e inquietação, por isso, a lesada pediu ajuda de PSP por telefone. Pois que,
XI. Segundo os factos dados como provados o Recorrente proferiu estas palavras por diversas vezes, desde Dezembro de 2009 a Abril de 2010, sendo certo que a ofendida continuou a viver e a trabalhar com o ora Recorrente até, respectivamente, Junho e Dezembro de 2010.
XII. É nítido que o presente caso se trata de uma vingança pessoal da ofendida, devido à participação criminal que o ora Recorrente apresentou contra a Ofendida e o seu irmão na sequência das agressões físicas de que foi vítima e pelas quais a Ofendida acabou por ser criminalmente condenada por decisão proferida no âmbito do processo que correu termos pelo 2.° Juízo Criminal, sob o numero de processo CR2-14-0321-PCC, já transitada em julgado e que não foi objecto de recurso, tendo a ofendida já pago a indemnização em que foi condenada ao ora Recorrente; cfr. cópia da sentença e do recibo de quitação que ora se juntam e cuja junção não foi possível fazer-se anteriormente por se tratarem de documentos supervenientes. (DOCS. 1 e 2)
XIII. Laborou assim o acórdão recorrido erro notório na apreciação da prova, previsto da alínea c) do n° 2 do artigo 400° do CPPM, pois o Tribunal ad quo com base no depoimento da ofendida e da testemunha B, não poderia ter dado como provados os factos constante da pronúncia.
XIV. Assim, o erro notório na apreciação da prova de que padece a decisão ora em recurso deve determinar o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do disposto no art. 418 do CPPM, ou absolvição do Recorrente pela prática do aludido crime.
XV. De acordo com o artigo 147.° do C.P., para que se preencha o tipo de crime é necessário anunciar a intenção de causar danos necessariamente futuros à ofendida, como também é preciso demonstrar uma intenção de causar medo ou intranquilidade da ofendida e não devem ser consideradas idóneos para o preenchimento do tipo legal os anúncios de ameaças ilusórias, as bazófias, o súbito assomo de ira, a advertência, e o aviso.
XVI. Porém, o Recorrente não dirigiu à Ofendida qualquer ameaça, aquilo que o Recorrente disse foi que a ofendida devia ter mais atenção, pois que ele não se conseguia controlar e, no futuro, toda esta situação poderia causar a morte de alguém… sem mencionar se esse alguém era a Ofendida, podendo mesmo ser o Recorrente que, com todas estas discussões e stress podia vir a sofrer, por exemplo, de um ataque cardíaco…
XVII. A prolação por parte do Recorrente daquela frase, desacompanhada da prova de outros factos que demonstrem que essas palavras constituem uma ameaça dirigida à vida da ofendida, não é passível de preencher o tipo do crime aqui em discussão.
XVIII. Por outro lado, o douto Tribunal a quo descurou por completo do contexto em que tal frase terá sido proferida, sendo que ficou provado, as discussões entre o casal eram frequentes, e que dias antes de apresentar queixa na polícia contra o ora Recorrente pela alegada prática deste crime de ameaça, a Ofendida havia agredido o Recorrente em plena via pública.
XIX. Ora, é patente que tais palavras foram proferidas num contexto de total instabilidade na vida daquele casal, em que as discussões eram frequentes e continuadas, as agressões físicas se verificaram contra o recorrente e por isso, neste contexto, a troca de palavras animada pelo clima de conflito existente entre o casal não é passível de integrar a prática do crime de ameaça p.p. pelo artigo 147.° do Código Penal.
XX. Também por este motivo pelo deve a decisão ora em recurso ser revogada e substituída por uma outra que absolva o ora Recorrente.
XXI. No art.° 64 do CPM, afirmativo de um critério orientador para a escolha das penas, o legislador da preferência a pena não privativa da liberdade, ai se sugerindo ao julgador que sendo o crime punível, em alternativa, com uma pena privativa da liberdade e uma pena não privativa da liberdade, opte por esta ultima se, dessa forma, ficarem adequada e suficientemente asseguradas as finalidades da punição
XXII. No caso sub judice, a aplicação ao ora Recorrente de uma pena não privativa da liberdade (in casu, de uma pena de multa prevista em alternativa no art.° 147 do CPM) satisfaria adequada e suficientemente as finalidades da punição, não se descortinando a necessidade da aplicação de uma pena de prisão com a que foi imposta, quer do ponto de vista da prevenção especial quer do da geral de integração.
XXIII. O Código Penal em vigor determina que a pena de prisão aplicada em medida não superior a 6 meses seja substituída por igual número de dias de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável. (art.° 44, n. 1 do CPM).
XXIV. No caso sub judice, o Recorrente foi condenado numa pena de 3 meses de prisão e para além de ser primário, ficou demonstrado em audiência ser um cidadão respeitador da lei e com uma certa influência na sociedade (demonstrado pelas testemunhas que a defesa apresentou), bem com desde da data dos factos até ao presente dia nunca mais foi acusado de outros crimes.
XXV. Por outro lado, discorda-se do entendimento plasmado na sentença recorrida de que os actos do Recorrente se deverem à má relação entre ambos, são os mesmos imputáveis com um alto grau de dolo, pois que, o legislador do CPM, quando confrontado com este tipo de situações, em vez de agravar atenua a culpa do agente, veja-se a propósito o crime previsto no artigo 130.° do CP.
XXVI. Ora, conforme resulta dos autos, o Recorrente e a ofendida encontravam-se em processo de divórcio, discutiam quase diariamente, no dia 12 de Abril de 2010 (dias antes dos factos em causa nos presentes autos), a ofendida havia agredido o ora Recorrente em plena rua (vide acórdão junto supra), resulta assim óbvio que ainda que tivesse cometido o crime de que veio acusado – o que por mera cautela de patrocínio se concede – o ora Recorrente terá agido sob um compreensível estado de comoção, stress e irritabilidade potenciados pelo clima de discussões e agressões que existia entre os sujeitos, clima esse que, ademais, não foi causado unicamente pelo Recorrente, pois que, como resultou demonstrado, também este foi vitima de agressões físicas por parte da ofendida.
XXVII. Por outro lado, à data do julgamento já se haviam passado mais de 4 anos desde a data dos factos que originaram o presente processo e, nesse intervalo temporal, não mais se verificaram participações criminais de parte a parte, o que, salvo devido respeito, evidencia que dificilmente se voltarão a verificar novos episódios de discussões e agressões entre o Recorrente e a ofendida.
XXVIII. Todos estes factos deveriam convencer o Tribunal a quo de que o ora Recorrente agiu com diminuto grau de culpa e que não voltara a cometer outros crimes, sendo, consequentemente, bastante para acautelar as necessidades de prevenção geral e especial a mera censura dos factos e a ameaça de cumprimento da pena que vier ser imposta.
XXIX. Devendo, em consequência, ser revogada a decisão e ser substituída por outra em que a pena de prisão seja substituída por multa ou por outra pena não privativa da liberdade.
XXX. Remetendo para o disposto no artigo 27.° do D.L. n.° 27/96/M de 03/07, o douto Tribunal a quo entendeu não ser de dispensar a transcrição da decisão proferida para o registo criminal do ora Recorrente.
XXXI. Porém, o tribunal recorrido parte de um manifesto erro ao assim decidir, pois que, tendo em conta que o ora Recorrente é Recorrente primário e que foi condenado numa pena de prisão de 3 meses, a não transcrição da condenação no registo criminal rege-se pelo disposto no artigo 21.°, alínea e) e não pelo artigo 27.°, ambos do supra citado diploma legal.
XXXII. E assim é porque o ora Recorrente é primário e a pena que lhe foi aplicada foi de 3 meses de prisão, suspensa por um ano, e sem que a esta corresponda qualquer interdição.
XXXIII. Ainda que assim não se entenda, e se considere ser aplicável ao presente caso o artigo 27.° do D.L. n.° 27/96/M de 03/07, sempre se diga que ainda assim, o tribunal a quo deveria ter dispensado a transcrição, pois que não se verifica qualquer perigo de o ora Recorrente incorrer na prática de novos crimes.
XXXIV. O Recorrente, além de ser uma pessoa já com alguma idade e com um estatuto na sociedade de Macau, desde a data da prática dos factos até à presente data, não voltou a praticar qualquer facto que consubstancie ilícito criminal, sendo certo que; desde então e até à data do julgamento haviam decorrido 4 anos sem que o Recorrente tenha praticado algum crime.
XXXV. O ora Recorrente é Técnico qualificado registado nos Serviços de Saúde relativo a importação, exportação e venda a grosso de narcóticos e substâncias psicotrópicas e a transcrição para o registo criminal desta condenação implicará que os Serviços de Saúde não lhe renovarem a respectiva licença, o que lhe provocara danos graves na sua actividade profissional.
XXXVI. O Recorrente, A, pode ser gravemente afectado no seu desenvolvimento profissional, social e familiar, se do Registo Criminal, passar a constar a prática de um crime.
XXXVII. A decisão sob recurso viola assim os artigos 147.°, 64.°, 40.° e 44 do Código Penal e os artigos 21.° alínea e) e 27.° do D.L. n.° 27/96/M de 03/07”; (cfr., fls. 254 a 282).

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Respondeu o Ministério Público, pugnando pela confirmação do decidido; (cfr., fls. 290 a 293-v).

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Admitido o recurso e remetidos os autos a este T.S.I., deu-se observância ao estatuído no art. 406° do C.P.P.M..

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Em sede de visto, apresentou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Na Motivação de fls.255 a 282 dos autos, o recorrente assacou, à douta decisão em causa, o erro notório na apreciação de prova, o erro da subsunção da sua conduta, a violação de lei por lhe não ser aplicada pena de multa, e outra violação de lei por não dispensar a transcrição da pena no registo criminal.
Antes de mais, sufragamos inteiramente as criteriosas explanações da ilustre Colega na douta Resposta (cfl. fls.290 a 293v. dos autos), no sentido do não provimento do recurso em apreço.
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No que respeite ao «erro notório na apreciação de prova» previsto na c) do n.°2 do art.400° do CPP, é pacífica e consolidada, no actual ordenamento jurídico de Macau, a seguinte jurisprudência (cfr. a título meramente exemplificativo, Acórdãos do Venerando TUI nos Processo n.°17/2000, n.°16/2003, n.°46/2008, n.°22/2009, n.°52/2010, n.°29/2013 e n.°4/2014):
O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta.
No caso sub iudice, sem prejuízo do elevado respeito pela opinião em sentido diferente, não podemos deixar de entender que a argumentação do recorrente não se integra em nenhuma das categorias delineadas pela doutrina e jurisprudência autorizadas no que respeite ao erro notário na apreciação de prova.
De outro lado, a mesma argumentação aduzida em sede do «erro notório na apreciação de prova» mostram nitidamente que ele pretendeu pôr em crise a apreciação e livre convicção do Tribunal a quo sobre os depoimentos das duas testemunhas que eram, naquela altura, empregadas da ofendida, tentando sobrepor a sua valorização sobre a do Tribunal.
O que justifica que recordamos o ensinamento do Venerando TUI no seu Processo n.°13/2001: O recorrente não pode utilizar o recurso para manifestar a sua discordância sobre a forma como o tribunal a quo ponderou a prova produzida, pondo em causa, deste modo, a livre convicção do julgador.
Por sua vez, o Venerando TSI inculca (aresto no Proc. n.°470/2010): Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.
Em conformidade com todas as sensatas jurisprudências supra citadas, afigura-se-nos inquestionável que não se verifica o invocado «erro notório na apreciação de prova», sendo os argumentos do recorrente supra transcritos vedado pelo preceito no art.114° do CPP.
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Sufragamos a conclusão de que «根據卷宗調查所得的證據,綜合已獲證明的事實,嫌犯多次向被害人說出︰「你地小心D!我控制唔到我D情緒,到時做咗D咩事我唔知架,可能會攪出人命!」。內容確實對被害人的人身安全構成威脅,其言行足以令被害人產生恐懼及不安,其行為完全符合了《刑法典》第147條第1款及第29條第2款所規定的以連續犯方式觸犯一項『恐嚇罪』的主觀及客觀要素。»
Relativamente à escolha e graduação da pena, julgamos ser exacta e sintética a conclusão extraída pela MMa Juiz a quo, de que «在本案中,考慮到嫌犯因夫妻之間的關係不和而向前妻作出恐嚇,行為應受到譴責,故意程度甚高,嫌犯在庭上極力否認被指責的行為,可顯示嫌犯沒有承擔責任的勇氣,未顯出有悔意,法院認為非剝奪自由的刑罰不足以及不適當實現刑罰的目的。»
O que conduz a que no nosso prisma, são perfeitamente sustentável a qualificação jurídica/subsunção e a determinação da pena operada pela MMa Juiz a quo na sentença impugnada, sendo decerto inviável o pedido de absolvição do crime de ameaça p.p. pelo n.°1 do art.147° do CPM.
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Dispõe o n.°1 do art.27° do D.L. n.°27/96/M: Os tribunais que condenem em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respectiva sentença nos certificados a que se refere o artigo 21.°.
Vê-se que a não transcrição nos certificados do registo criminal não é automática, e só tem lugar quando o julgador chegar razoavelmente à convicção de que das circunstâncias que tenham acompanhado o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes.
No caso sub iudice, acompanhar a douta observação da MMa Juiz a quo asseverando. «至於實質要件方面,在本案中,嫌犯因夫妻離婚事宜恐嚇前妻,嫌犯現在雖已與被害人離婚,亦已離開「XXXXXX公司」,嫌犯在社交方面的行為良好,但考慮到嫌犯是因夫妻關係不和及處理離婚事宜未能與被害人達成共識繼而向前妻作出恐嚇,而且嫌犯雖已與被害人離婚,但關於財產分割方面的事宜仍在處理之中,再加上嫌犯沒有坦白承認事實,直至目前,暫未能使本院相信嫌犯不會再因離婚所衍生的財產分割問題再與被害人C發生爭執,繼而再犯事。基於此,暫不予批准嫌犯提出的,不將嫌犯在本案的判決轉錄於刑事紀錄證明書內的請求。»
Daí decorre que pela nossa parte, não se descortina a violação do preceito no n.°1 do art.27° do D.L. n.°27/96/M.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso”; (cfr., fls. 309 a 310-v).

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Junto estando o transcrito Parecer, procedeu-se a exame preliminar, após o qual prosseguiram os autos para visto dos Mmos Juízes-Adjuntos.

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Nada parecendo obstar, cumpre conhecer.

Fundamentação

Dos factos

2. O T.J.B. deu como provados todos os factos da pronúncia e agora elencados na sentença recorrida, a fls. 242-v a 243, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos, (nenhum facto ficando por provar).

Do direito

3. Vem o arguido recorrer da sentença que o condenou como autor da prática de 1 crime de “ameaça”, p. e p. pelo art. 147°, n.° 1 do C.P.M., fixando-lhe o Tribunal a pena de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, na condição de, no prazo de 10 dias, pagar MOP$20.000,00 à R.A.E.M..

Em sede do seu recurso, e como – em nossa opinião – resulta das conclusões produzidas a final da motivação apresentada, coloca o arguido e importa decidir as questões seguintes:
- “Erro notório na apreciação da prova”;
- “Erro de direito na qualificação jurídica”;
- “Excesso de pena”; e,
- “Transcrição da decisão no C.R.C.”.

–– Como se apresenta lógico, começa-se pelo assacado “erro”.

Vejamos.

De forma firme e repetida tem este T.S.I. considerado que: “O erro notório na apreciação da prova apenas existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 22.09.2016, Proc. n.° 562/2016, de 29.09.2016, Proc. n.° 465/2016 e de 03.11.2016, Proc. n.° 759/2016).

Como também já tivemos oportunidade de afirmar:

“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 16.06.2016, Proc. n.° 254/2016, de 22.09.2016, Proc. n.° 528/2016 e de 29.09.2016, Proc. n.° 630/2016).

No caso, e sem necessidade de grandes desenvolvimentos, temos para nós que o erro não existe.

Como o próprio arguido o reconhece, sobre a matéria dos autos – e em especial, em relação à afirmação “Você deve ter mais atenção e cuidado …, mesmo que cause a morte de alguém”, (que lhe era imputada) – incidiram “3 depoimentos”.

O do arguido, da ofendida e de uma testemunha.

O arguido – como ele próprio afirma e assim resulta da sentença recorrida – (em audiência), “negou os factos, declarando que não proferiu as palavras (você …)”.

E como da sentença recorrida também consta, o depoimento da ofendida, coincide com o que se veio a dar como provado, sendo que o da testemunha, (empregada), confirma, no essencial, a versão apresentada pela ofendida; (cfr., “fundamentação”, a fls. 243 a 243-v).

Importa não olvidar que os fundamentos pelos quais o Tribunal de julgamento (T.J.B.), confere credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem, sempre, de um juízo de valoração efectuado com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum. A imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o Juiz e os diversos meios de prova, confere ao julgador (em primeira instância) os meios de apreciação da prova pessoal de que o Tribunal de recurso não dispõe.

Com efeito, na apreciação do depoimento das testemunhas e das declarações dos arguidos atribui-se relevância aos aspectos verbais, mas também se pode considerar a desenvoltura do depoimento, a comunicação gestual, o refazer do itinerário cognitivo, os olhares para os advogados antes, durante e depois da resposta, os gestos, movimentos e toda uma série de circunstâncias, insusceptíveis ou de difícil captação pelo Tribunal de recurso, constituindo indicadores importantes e eventualmente reveladores da sua postura processual, e assim, (possívelmente) reveladores de desconforto, predisposição para a efabulação, etc…

Como temos realçado repetidamente, ao Tribunal cabe determinar como os factos se passaram, exista ou não univocidade no teor dos depoimentos e declarações.

O convencimento da entidade a quem compete julgar, depende assim de uma conjugação de elementos tão diversos como (v.g.), a espontaneidade e rapidez das respostas, a coerência e pormenorização do discurso, a emoção ou expressão exteriorizada, a extensão e consistência do depoimento assim como da “matéria seu objecto”, (factos recentes, pessoais, …), havendo, sempre, de se ter ainda em conta a sua compatibilidade com a demais prova relevante.

A circunstância de alguém, por erro ou propositadamente, produzir uma ou outra declaração desconforme com a realidade, não significa, necessariamente, que seja falsa toda a sua narrativa, não estando o Tribunal “obrigado” à inutilização de todo um depoimento por uma contradição com outros elementos probatórios. Desde que nessa parte o raciocínio seja compreensível, o Tribunal poderá aceitar como verdadeiros certos segmentos das declarações ou do depoimento e negar fiabilidade a outros, distinguindo o que merece credibilidade porque consentâneo com outros elementos de prova, do que lhe surge como mera efabulação emocional ou, mesmo, como mero erro de percepção.

Por sua vez, há que ter presente que as declarações da ofendida, só por si, podem ser suficientes para criar nos julgadores a convicção de que determinados factos aconteceram e que deles foi o arguido seu autor; (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. da Rel. de Guimarães de 02.05.2016, Proc. n.° 92/15, in “www.dgsi.pt”).

Com efeito, mostra-se pois adequado o entendimento no sentido de que para avaliar da racionalidade e da não arbitrariedade (ou impressionismo) da convicção sobre os factos, há que apreciar, por um lado, a fundamentação da decisão quanto à matéria de facto, (os fundamentos da convicção), e, por outro, a natureza das provas produzidas e dos meios, modos ou processos intelectuais utilizados e inferidos das regras da experiência comum para a obtenção de determinada conclusão; (cfr., v.g., o Ac. da Rel. de Coimbra de 09.03.2016, Proc. n.° 436/14).

Dest’arte, e estando o arguido acusado de proferir a afirmação em questão, (“ameaçando a ofendida”), na presença (desta e) da referida testemunha, afigura-se-nos pois que nenhuma censura merece a decisão do Tribunal a quo, pois que não se vislumbra onde, como ou que termos tenha violado qualquer regra sobre a valor da prova tarifada, regra de experiência ou legis artis.

Com efeito, em nossa apreciação, revela-se justificada a opção e decisão do T.J.B., não existindo vício decisório por erro ostensivo ou contradição irresolúvel no texto da sentença quando o tribunal aceitou como bons os depoimentos que considerou para formar a sua convicção, havendo, assim, que negar provimento ao recurso na parte em questão.

–– Passemos agora para a questão da “qualificação jurídica”.

Aqui vem alegado que:
- “(…) o Recorrente não dirigiu à Ofendida qualquer ameaça, aquilo que o Recorrente disse foi que a ofendida devia ter mais atenção, pois que ele não se conseguia controlar e, no futuro, toda esta situação poderia causar a morte de alguém… sem mencionar se esse alguém era a Ofendida, podendo mesmo ser o Recorrente que, com todas estas discussões e stress podia vir a sofrer, por exemplo, de um ataque cardíaco…”;
- “A prolação por parte do Recorrente daquela frase, desacompanhada da prova de outros factos que demonstrem que essas palavras constituem uma ameaça dirigida à vida da ofendida, não é passível de preencher o tipo do crime aqui em discussão”;
- “(…) o douto Tribunal a quo descurou por completo do contexto em que tal frase terá sido proferida, sendo que ficou provado, as discussões entre o casal eram frequentes, e que dias antes de apresentar queixa na polícia contra o ora Recorrente pela alegada prática deste crime de ameaça, a Ofendida havia agredido o Recorrente em plena via pública”; e que,
- “(…) é patente que tais palavras foram proferidas num contexto de total instabilidade na vida daquele casal, em que as discussões eram frequentes e continuadas, as agressões físicas se verificaram contra o recorrente e por isso, neste contexto, a troca de palavras animada pelo clima de conflito existente entre o casal não é passível de integrar a prática do crime de ameaça p.p. pelo artigo 147.° do Código Penal”.

Ponderando sobre a questão, cremos que também aqui não tem o recorrente razão.

O crime de “ameaça” é p. e p. pelo art. 147° do C.P.M. que preceitua que:

“1. Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, integridade física, liberdade pessoal, liberdade ou autodeterminação sexuais ou bens patrimoniais de valor considerável, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.
2. Se a ameaça for com a prática de crime punível com pena de prisão de limite máximo superior a 3 anos, o agente é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
3. O procedimento penal depende de queixa”.

No caso dos autos, está provado que o arguido dirigiu-se ao estabelecimento comercial onde se encontrava a ofendida e a testemunha e que aí afirmou “você deve ter mais atenção e cuidado, não consigo controlar o meu sentimento e ficar com calma, não tenho certeza do que vou fazer no futuro, mesmo que cause a morte de alguém”.

Seguidamente, ordenava à empregada que saísse para ficar a sós com a ofendida.

Ora, provado estando (também) que arguido e ofendida estavam em processo de divórcio, que por causa deste discutiam, e que em consequência da supra referida afirmação ficou a ofendida com “medo e inquietação”, tendo o arguido agido de forma livre e voluntária, causando, como pretendia, medo à ofendida, e sabendo que era a sua conduta proibida e punida, verificados estão os todos elementos típicos do crime de “ameaça” pelo qual foi condenado.

De facto, atento o “contexto” e “circunstâncias” em que é proferida a “afirmação”, – note-se que a mesma começa com “Você” (deve ter mais atenção e cuidado …) – e que de seguida o arguido pedia à empregada para sair do estabelecimento, ficando a sós com a ofendida, razoável parece de concluir que a afirmação era dirigida a esta última.

E, provado estando que ficou a ofendida com “medo e inquietação”, tendo o arguido agido com dolo e consciência da ilicitude da sua conduta, visto está que incorreu no tipo de crime em questão.

–– Quanto à “pena”.

Diz o arguido que excessiva é a pena aplicada e que se devia aplicar uma pena não privativa da liberdade.

Pois bem, nos termos do art. 64° do C.P.M.:

“Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

E, preceitua o art. 44° do mesmo código que:

“1. A pena de prisão aplicada em medida não superior a 6 meses é substituída por igual número de dias de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes, sendo correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 3 e 4 do artigo seguinte.
2. Se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada, sendo correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 47.º”.

No caso, ponderando na factualidade dada como provada, entendeu o Tribunal a quo que adequada não era uma “pena de multa” – não privativa da liberdade – decretando ao arguido a pena de 3 meses de prisão, acabando porém por suspender a sua execução pelo período de 1 ano, na condição de, no prazo de 10 dias, pagar MOP$20.000,00 à R.A.E.M..

Resulta dos autos que a “conduta” do arguido foi desenvolvida em momentos de “desentendimentos” com a ofendida em virtude do processo de separação que enfrentavam.

Não se considera um “conduta justificada”, mas, seja como for, afigura-se-nos que tal circunstancialismo torna a situação mais “compreensível”, o que não deve deixar de ser devidamente valorado.

Por sua vez, o arguido – sendo relevante consignar, nascido em 1950 – é primário, com vida social, profissional e económica estável, apresentando-se o caso dos autos como uma “situação pontual”.

Ponderando no exposto, cremos que se deve dar aplicação ao art. 64° do C.P.M., (por verificação dos seus pressupostos legais), e atento o estatuído nos art°s 147°, n.° 1 do mesmo código, (sendo o crime em questão punível com multa até 240 dias), e ponderando também nos critérios dos art°s 40°, 45° e 65° do dito código, entende-se justa e adequada uma pena de 120 dias de multa, à taxa diária de MOP$150,00, o que perfaz a multa global de MOP$18.000,00 ou, 80 dias de prisão subsidiária.

Assim, nesta parte, procede o recurso.

–– Da “(não) transcrição da decisão condenatória no C.R.C.”.

Nos termos do art. 27° do D.L. n.° 27/96/M:

“1. Os tribunais que condenem em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respectiva sentença nos certificados a que se refere o artigo 21.º
2. No caso de ter sido aplicada qualquer interdição, apenas será observado o disposto no número anterior findo o prazo da mesma.
3. O cancelamento previsto no n.º 1 é revogado automaticamente no caso de o interessado incorrer em nova condenação por crime doloso”.

Perante pedido do arguido, entendeu o Tribunal a quo que verificado não estava o condicionalismo do n.° 1 do art. 27°, nomeadamente, que no caso havia “perigo da prática de novos crimes”.

Atenta a matéria de facto (dada como) provada e atrás retratada, e em conformidade com o que em matéria de “pena” se deixou exposto, mostra-se-nos que adequado não é o decidido, havendo pois que se proceder à sua revogação em conformidade, e sendo, também nesta parte, de se julgar procedente o recurso, com o deferimento do pedido em questão.

Aqui chegados, e outra questão não havendo a apreciar, resta decidir.

Decisão

4. Em face do exposto, e em conferência, concede-se parcial provimento ao recurso, ficando o arguido condenado como autor de 1 crime de “ameaça”, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de MOP$150,00, o que perfaz a multa global de MOP$18.000,00 ou, 80 dias de prisão subsidiária, revogando-se igualmente o segmento decisório que apreciou o pedido de não transcrição da sentença recorrida no C.R.C..

Pelo seu decaimento pagará o arguido a taxa de justiça que se fixa em 6 UCs.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 12 de Janeiro de 2017
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 382/2016 Pág. 30

Proc. 382/2016 Pág. 31