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Processo nº 154/2016
(Autos de recurso civil)

Data: 12/Janeiro/2017

Assunto: Cumulação de pedidos - cumulação simples e cumulação sucessiva

SUMÁRIO
1. Pode o Autor formular contra a Ré vários pedidos, desde que entre eles sejam substancial e processualmente compatíveis.
2. Essa cumulação pode ser simples ou sucessiva: é simples quando o acolhimento de um pedido não depende do acolhimento ou da rejeição de outro, sendo sucessiva aquela situação em que um dos pedidos é dependência ou consequência do outro.
3. Dada a configuração apresentada pelo Autor, uma vez julgado improcedente o pedido de reconhecimento das fracções autónomas em causa como bens comuns do casal (Autor e Ré), impunha-se julgar, consequentemente, improcedentes os restantes pedidos (de rectificação das escrituras de aquisições dessas mesmas fracções e dos respectivos registos), face à relação de dependência existente entre o primeiro e os restantes pedidos.



O Relator,

________________
Tong Hio Fong


Processo nº 154/2016
(Autos de recurso civil)

Data: 12/Janeiro/2017

Recorrentes:
- A (Autor) e B (Ré)

Recorridos:
- Os mesmos

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A (Autor), com os sinais nos autos, intentou acção declarativa sob forma ordinária que corre termos no Tribunal Judicial de Base contra B (Ré).
Realizado o julgamento, a acção foi julgada parcialmente procedente.
Inconformado com a sentença final, dela interpôs o Autor recurso ordinário, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos presentes autos, pela qual o Tribunal a quo julgou improcedentes os pedidos a) e b) formulados pelo Autor na petição inicial.
2. Peticionou o autor que as fracções autónomas “E5” e “F16”, melhor identificadas a fls. 18 a 44vº dos autos, fossem declaradas como bem comum do casal (Autor e Ré).
3. Pedidos que não foram aceites pelo Tribunal recorrido que qualificou como uma doação o dinheiro alegadamente transferido para a Ré pelo seu pai, C, e com o qual esta adquiriu as aludidas fracções.
4. Entende o Recorrente que mal andou a Sentença recorrida na referida qualificação e, bem assim, na declaração das fracções autónomas como bem próprio da Ré, e não como bens comuns do casal nos termos que haviam sido peticionados pelo Autor.
5. Isto porque no entender do Recorrente, a matéria de facto relativa aos quesitos 2º, 3º, 4º, 7º e 8º foi incorrectamente dada como provada.
6. Tal como resulta dos documentos constantes dos autos e, bem assim, da prova testemunhal produzida na audiência de discussão e julgamento, o dinheiro transferido para a Ré não foi atribuído pelo seu pai a título de doação.
7. Não sendo essa entrega feita a título de doação não pode ser conferida aos imóveis adquiridos com essas quantias a natureza de bens próprios, atendendo a que o Autor e a Ré eram casados no regime da comunhão de adquiridos (regime supletivo da lei chinesa).
8. Incorreu por isso o Tribunal a quo numa errónea apreciação da prova produzida nos autos, o que inquina a mesma decisão de erro de julgamento quanto à matéria de facto.
9. Os pedidos formulados pelo autor e que foram julgados improcedentes decorreram da celebração, pela Ré, de duas escrituras para a aquisição de duas fracções autónomas melhor identificadas nos autos, na qual aquela declarou ser casada com o Autor no regime da separação de bens quando tal facto não corresponde à verdade.
10. Contestou a Ré, excepcionando, alegando apenas que o dinheiro com que pagou a aquisição daqueles imóveis foi doado pelo seu pai, para proveito exclusivo daquela, sendo este o facto que sustentou o seu pedido de improcedência do peticionado pelo Autor.
11. Sem prejuízo da análise da consideração exposta, são essencialmente duas as razões que motivam o presente recurso:
a) O facto de o Tribunal a quo ter dado como provado que o pai da Ré, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, lhe transmitiu gratuitamente o valor de HKD$1.460.000,00 para a aquisição das duas fracções (cfr. respostas aos quesitos 2º, 3º, 4º e 7º da base instrutória).
b) O facto do Tribunal a quo ter dado como provado que o pai da Ré e a Ré acordaram que o dinheiro transmitido, bem como as fracções a adquirir com o mesmo, seriam para benefício exclusivo da Ré (cfr. resposta ao quesito 8º da base instrutória).
c) O facto do Tribunal a quo, com base nos factos que erradamente considerou provados, ter qualificado a transmissão desse dinheiro para a Ré como uma doação a seu favor e, por isso, declarar que as fracções em causa são bens próprios desta.
12. Ao abrigo do disposto no artigo 599º, n.º 1, alínea a) do CPC o Recorrente considera incorrectamente julgados os quesitos 2º, 3º, 4º, 7º e 8º.
13. Quanto ao Quesito 2º, dos documentos juntos aos autos a fls. 293, 334 e 335, 347, 294 e 295, 296, 297 e 298 que a quantia total de HKD$1.139.301,00 foi depositada na conta do pai da Ré por terceiros, no período compreendido entre 21 e 24 de Agosto de 2004.
14. Sendo que antes daquele 1º depósito, em 21 de Agosto de 2004, a referida conta apenas dispunha de um saldo de HKD$5.000,00, valor depositado pelo titular da conta no dia da sua abertura em 2 de Agosto de 2004.
15. Mais resulta dos documentos de fls. 348, 349 e 350 dos autos, quanto ao mesmo Quesito 2º, que o pai da Ré apenas depositou nessa mesma conta, em 24 de Agosto de 2004, o valor de HKD$120.698,00.
16. Por último, e ainda quanto ao Quesito 2º, provam os documentos a fls. 192, 193 e 336, a quantia total de HKD$210.000,00 foi transferida directamente para a conta da Ré pela senhora D, uma amiga do pai daquela.
17. Provando os documentos juntos aos autos que o dinheiro que o pai transferiu para a Ré não era seu, o Tribunal a quo não deveria ter dado por provado o Quesito 2º, porque o dinheiro não foi, efectivamente, transmitido pelo pai, dado que a mera transferência da conta deste para a conta da Ré não permite concluir, só por si, que essas entregas foram feitas a título de doação.
18. Por outro lado, a testemunha D, ouvida em audiência de discussão e julgamento e cujo depoimento se encontra acima transcrito, claramente indicou a origem do dinheiro que o pai da Ré tinha na sua conta bancária e que transferiu para a filha, tendo a testemunha esclarecido que disponibilizou um montante total de cerca de HKD$1.500.000,00 ao pai da Ré, através de transferências bancárias e entregas em numerário, para que esta emprestasse à filha o dinheiro para adquirir as duas fracções em causa.
19. Os elementos de prova e menção da transcrição do depoimento gravado da testemunha D, que impõem decisão diversa da ora recorrida, encontram-se devidamente identificados e transcritos, de acordo com o disposto no artigo 599º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 do CPC.
20. Deve, nesta sequência, ser dado como NÃO PROVADO o Quesito 2º, porque o pai da Ré, em rigor, não transmitiu a esta o valor de HKD$1.460.000,00 mas, apenas, HKD$1.250.000,00.
21. Quanto ao Quesito 3º entende o Recorrente que o Tribunal a quo, não deveria ter dado o mesmo por provado, porque as quantias de HKD$200.000,00 e HKD$10.000,00, transferidas pela D directamente para a Ré não foram feitas “por conta do pai” desta, considerando que era a Ré a devedora desses montantes.
22. Com efeito, é comummente entendido que a expressão “por conta de” significa “a cargo de”, “à custa de”, “para deduzir de”.
23. Ouvida a testemunha D, esta declarou que os valores referidos no Quesitos 3º foram emprestados à Ré a pedido do pai desta, mas que ficou acordado que a Ré restituiria esses valores à D com o produto da venda das fracções, como resulta do depoimento que prestou e que se encontra devidamente identificado e transcrito, ao abrigo do artigo 599º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 do CPC.
24. Quanto ao Quesito 4º, não deveria ter sido dado como provado, pelo Tribunal a quo, que o pai da Ré, por espírito de liberalidade e à conta do seu património, transmitiu os montantes identificados na resposta ao quesito 2º gratuitamente à Ré, tendo em vista a aquisição das referidas fracções.
25. E isto porque resulta do depoimento da testemunha C que este não transmitiu à Ré as quantias mencionadas na resposta ao quesito 2º gratuitamente, por espírito de liberalidade e à custa do seu património.
26. A testemunha C entregou aqueles montantes à Ré para que esta comprasse em Macau dois imóveis para conseguir obter a residência na Região.
27. Tendo a mesma testemunha C declarado que os montantes em causa foram emprestados por amigos e que esse dinheiro teria de ser restituído a quem o emprestou.
28. Os mesmos factos foram confirmados pela testemunha D que chegou a esclarecer que mesmo no caso do pai da Ré falecer, este já havia pedido à Ré que quando obtivesse a residência na Região venderia as fracções para com o respectivo produto da venda proceder à restituição do dinheiro à D.
29. Sendo que os depoimentos destas testemunhas, que se encontra devidamente identificados e transcritos, ao abrigo do artigo 599º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 do CPC, não foram contrariados pelas outras duas testemunhas, E e F ouvidas em tribunal.
30. Deverá, assim, ser dado como NÃO PROVADO o Quesito 4º, porque os montantes identificados na resposta ao quesito 2º, não foram entregues à Ré gratuitamente, por espírito de liberalidade e à conta do seu património do pai da Ré.
31. No que respeita ao Quesito 7º, o Tribunal a quo considera, igualmente, erradamente provado que o dinheiro que a Ré utilizou para pagar o preço da aquisição das duas fracções foi proveniente do dinheiro transmitido pelo pai da Ré na resposta ao quesito 2º.
32. No entanto, e como resulta da prova documental junta aos autos, a fls. 293, 334 e 335, 347, 294 e 295, 296, 297 e 298, o montante de HKD$1.139.301,00 foi depositado na conta do pai da Ré por terceiros.
33. Por sua vez, os documentos a fls. 192, 193 e 336 provam que o montante de HKD$210,000.00 foi transferido directamente para a conta da Ré pela D.
34. O que significa que a prova documental demonstra que o pagamento do preço das duas fracções pela Ré, e referido nas respostas aos Quesitos 5º e 6º, não foi feito com dinheiro transmitido pelo seu pai mas sim com dinheiro entregue por terceiros.
35. Este facto foi também objecto de depoimento pela testemunha D, que expressamente esclareceu ter emprestado um valor global de HKD$1.500.000,00 para a filha do pai da Ré comprar os imóveis, e que todo o dinheiro usado por esta para o pagamento do preço da aquisição teve origem no empréstimo que esta testemunha fez para esse efeito.
36. Depoimento da testemunha D que se encontra devidamente identificado e transcrito, ao abrigo do artigo 599º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 do CPC.
37. Deverá, assim, ser dado como NÃO PROVADO o Quesito 7º, atendendo a que o pagamento do preço das fracções não foi feito com dinheiro transmitido pelo pai à Ré.
38. No que respeita ao Quesito 8º, mal andou, também, a sentença recorrida ao dar como provado que tinha sido combinado entre o pai da Ré e a Ré que o dinheiro cedido, bem como as fracções que com o mesmo viessem a ser adquiridas, seriam para benefício exclusivo desta última.
39. Sucede que o dinheiro que foi transferido para a conta da Ré, além de não ter sido cedido pelo seu pai, mas sim por terceiros, não consubstanciou uma doação atenta a obrigação de restituição que ficou provada nos presentes autos pelos depoimentos das testemunhas C e D.
40. Estas testemunhas, de acordo com os depoimentos que prestaram nos autos e que se encontram devidamente identificados e transcritos, ao abrigo do artigo 599º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 do CPC, confirmaram que a entrega do dinheiro pelo pai da Ré à Ré foi feita a título de empréstimo e não de doação.
41. Deverá, assim, ser dado como NÃO PROVADO o Quesito 8º, na medida em que nem o dinheiro entregue nem as fracções com ele adquiridas se encontram excluídas da comunhão, pela inexistência de qualquer benefício a favor da Ré.
42. Deverá, assim, ser dado como NÃO PROVADO o Quesito 8º.
43. Doação é o contrato pelo qual por espírito de liberalidade e à custa do seu património, alguém dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito ou assume uma obrigação, em benefício do outro contraente (cfr. artigo 934º, n.º 1 do CC).
44. Sendo a doação um contrato gratuito, por inexistir uma contrapartida económica em relação à transmissão dos bens (no caso, as quantias mencionadas na resposta ao quesito 2º) não se encontra preenchido o primeiro requisito legal deste contrato, i.e., a atribuição patrimonial sem correspectivo.
45. E isto porque existia uma contrapartida a realizar pela Ré e que consistia na restituição do dinheiro que lhe foi entregue pelo seu pai e pela D, restituição que seria realizada com o produto da venda das fracções assim que obtivesse a residência na Região, o que retira a natureza gratuita a essa entrega.
46. O contrato celebrado entre a Ré e o seu pai, e entre aquela e a Wu Dai, constitui um contrato de mútuo, eventualmente gratuito, pelo qual lhe entregaram uma quantia em dinheiro, ficando a Ré obrigada a restituir igual valor. Não constituiu, por isso, essa entrega de dinheiro uma doação (vide artigo 1070º do CC).
47. Tendo, num primeiro momento, existido o enriquecimento patrimonial da Ré derivado da aquisição e do registo em seu nome dos imóveis, a verdade é que este enriquecimento patrimonial foi neutralizado com a correspondente obrigação da Ré de restituição do dinheiro entregue pelo seu pai e pela D, retirando à atribuição patrimonial a característica de doação.
48. São os factos que resultam dos depoimentos das testemunhas C, o pai da Ré, e D, devidamente identificados e transcritos supra, ao abrigo do artigo 599º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 do CPC, e não infirmados pelas outras testemunhas ouvidas nos autos.
49. Por outro lado, não se verifica o segundo requisito, a diminuição do património do doador, para que a entrega dos identificados montantes à Ré, seja pelo seu pai, seja pela D ou, eventualmente pelos restantes depositantes, possa ser qualificada como doação.
50. Pressupondo o contrato de doação uma efectiva diminuição patrimonial do doador, importando apenas sacrifícios económicos para o mesmo, encontrando-se provado nos autos, atentos os depoimentos devidamente identificados e transcritos supra, que o pai da Ré combinou com ela que as fracções seriam vendidas para pagar o valor que tinha sido entregue para a sua aquisição, seja o dinheiro que a senhora D emprestou ao pai, seja o que emprestou directamente à Ré, e que essa restituição seria feita mesmo que aquele falecesse, é manifesta a inexistência de uma efectiva diminuição patrimonial do alegado doador.
51. Inexistência de uma efectiva diminuição patrimonial do alegado doador que se demonstra, também, pelo facto do pai da Ré não dispor de dinheiro para transmitir à filha, não sendo património seu a totalidade do dinheiro que lhe entregou.
52. Mais acresce que falta a essa atribuição o requisito que é referido no artigo 934º, n.º 1 do CC: o enriquecimento de um dos contraentes, no caso da Ré, ser feito à custa do património do outro (no caso, o pai da Ré), o que não se verificou na medida em que esta se obrigou a vender as fracções e entregar o produto dessa venda ao pai e à D assim restituindo o valor emprestado.
53. O mesmo se passa quanto ao terceiro requisito exigido para qualificar a entrega de dinheiro à Ré como uma doação, ou seja, o espírito de liberalidade.
54. Não se presumindo o espírito de liberalidade, e não existindo um documento onde conste uma declaração que expresse a que título se justifica a entrega das referidas quantias à Ré, que se concretizou mediante uma mera transferência de dinheiro da conta do pai da Ré e da D para a conta da Ré, cumpria a esta, que alegou esse facto, provar esse espírito de liberalidade, o que não fez. Ao Autor cabia contrariar a qualificação como doação da transmissão daquele dinheiro, o que fez.
55. Resulta da prova testemunhal produzida nos autos, que acima se identificou e transcreveu em cumprimento do artigo 599º, n.º 1 e 2 do CPC, que a entrega das identificadas quantias à Ré, não teve subjacente qualquer espírito de liberalidade, porque o dinheiro, seja o entregue pela testemunha D ao pai da Ré, seja o que entregou directamente à Ré e, por sua vez, o que o pai entregou à Ré, foi feita a título de empréstimo, na medida em que sempre foi um pressuposto dessas entregas a sua posterior restituição.
56. A testemunha D claramente referiu as entregas do dinheiro que fez à Ré e os valores que transferiu ou entregou ao pai da Ré que, por sua vez, transferiu para a Ré, não foram feitas a título de liberalidade mas sim, a título de empréstimo, estando a Ré obrigada a restituir esses valores.
57. Não se presumindo o espírito de liberalidade e sendo este entendido como exigindo a vontade do doador de produzir o enriquecimento, sendo necessário averiguar essa vontade para que se verifique o terceiro elemento essencial do contrato de doação: é porque tem a intenção de dare que o doador atribui um direito ou assume uma obrigação do donatário, sem lhe exigir nenhuma contrapartida patrimonial (Maria do Rosário Ramalho, O Direito, 122, página 721), não se verifica este requisito, porque a intenção do pai da Ré em entregar dinheiro à Ré para a aquisição de duas fracções autónomas em Macau não pressupôs, nunca, o enriquecimento do património desta.
58. A intenção do pai da Ré foi que esta adquirisse a residência em Macau através da aquisição de imóveis, imóveis que seriam imediatamente vendidos após a obtenção dessa residência para com o produto desta alienação restituir à D, directamente ou através do seu pai, as quantias mencionadas na resposta ao quesito 2º.
59. O que significa que a Ré não demonstrou que a entrega das quantias mencionadas na resposta ao quesito 2º feita foi ditada por espírito de liberalidade.
60. Consequentemente, e também por esta razão, não podia o Tribunal a quo qualificar a transferência daquelas quantias para Ré como uma doação, na medida em que foi àquela exigida uma contrapartida patrimonial: a restituição das quantias que lhe foram transferidas ou entregues e que esta utilizou para a aquisição das duas fracções cujo fim único, e declarado nos autos, era a obtenção de residência em Macau.
61. Por último, não tendo as entregas de dinheiro à Ré, feitas pelo seu pai, a natureza de doação, atendendo ao que já se demonstrou, não pode esse dinheiro nem as duas fracções com ele adquiridas considerarem-se excluídos da comunhão, para efeitos do disposto nos artigos 1584º, n.º 1, alínea a) e 1587º, alínea c), por remissão do artigo 1604º, n.º 1, todos do CC.
62. Sendo essas fracções, por isso, bens comuns do Autor e da Ré, atendendo a que o regime em que casaram, regime supletivo da Lei Chinesa, é o equiparado à comunhão de adquiridos, o que confere aos identificados imóveis a natureza de bens comuns (artigo 1603º do CC).
63. Donde se retira que a decisão do Tribunal a quo incorreu numa errónea apreciação da prova trazida e produzida nos presentes autos, o que inquina a sentença ora recorrida em erro de julgamento da matéria de facto.”
Conclui, pedindo a alteração da matéria de facto, dando-se como não provados os quesitos 2º, 3º, 4º, 7º e 8º, bem como a revogação da sentença recorrida, no sentido de declarar que as fracções “E5” e “F16” são bens comuns do casal.
Ao recurso respondeu a Ré, formulando as seguintes conclusões alegatórias:
“1. 原告A對本案的請求被部分駁回之決定提起了上訴,認為原審法院駁回認定兩個不動產為夫妻共同財產的決定,是建基於證據審查的錯誤,並認為原審法院不應認定疑問點2、3、4、7及8條之內容為已證事實。(以下簡稱“被上訴裁判”)
2. 原告認為第2及3條疑問點不應被視為獲證實,被告父親支付予被告的款項並非其個人的款項,而是源於第三人在2004年8月21日至24日匯入被告父親銀行戶口之多筆款項。
3. 而且,原告認為被告用於購房的款項是源於證人D對被告父親及被告的借貸,D直接匯入被告帳戶的款項,並非基於被告父親的要求而匯入。
4. 然而,除了給予應有之尊重外,被告認為原告的主張及認定根本無法透過證人或書證得以證明。
5. 在庭審中,證人C及D已多次表示有匯錢及以現金方式給予女兒將近150萬港幣的款項。而且,為了從中國內地匯錢至其本人在澳門大豐銀行的帳戶,被告父親透過在珠海的中介代理機構辦理有關匯款。其在內地支付人民幣,而中介機構便直接將款項轉換成港幣,並匯入被告父親以在澳門的銀行戶口。
6. 此外,即使D曾直接匯款至被告的銀行帳戶,但這並不影響被告購房款項是由其父親提供的情況,因為證人C在庭上多次清楚表示了是D借錢予C,並由C匯款予被告,而有部分款項是由證人C直接叫D匯款至被告的銀行帳戶內。
7. 為此,根據題述卷宗第179頁至193頁以及結合證人上述所指的證言,都得以證實是由被告父親於2004年8月匯錢予被告之銀行戶口,且根據被告父親與D達成的協議,D匯款港幣21萬元予被告的銀行戶口,得以完全證明到疑問點第2條及第3條之內容。原審法院對於該兩條疑問點的事實認定不應受到質疑。
8. 此外,根據原告在上訴理由陳述中截錄的證人證言,原告認為被告父親並沒有出於慷慨意願,使用自己之財產無償地移轉疑問點第2條所指之款項,不符合《民法典》第934條贈與的定義。
9. 原告主張被告購房的款項是來自D對被告及其父親的借貸,被告父親已要求被告在被告父親死後需要向D返還有關借貸,且在被告取得澳門居留權後,被告需要出售物業以將出售房產所得用以履行借貸款項的返還。
10. 然而,除了給予應有之尊重外,被告對有關見解不表任何認同,並認為經整體解釋及考慮各名證人的證言,得以充分證實疑問點第4條及第7條之事實。
11. 證人C在庭上已清晰表示,是以自己的積蓄及向朋友D借錢以獲得資金,送予女兒在澳門購買房產,以投資移民澳門,並沒有要求對價。證人D及E都同樣表示是基於被告父親真心幫助被告,才會給予被告,使被告得以在澳門安居樂業,不會計較回報。
12. 甚至,被告父親除了提供購房款項外,還承擔了被告初來到澳門兩年內的生活費,因為被告根本沒有工作,沒有任何收入。
13. 從證人C及D一致的證言結合卷宗書證當中涉及銀行轉帳的資料可以充分顯示出,是證人D借錢予C,要償還貸款的債務人亦是C個人。
14. 有關借貸關係中的借款人是C,貸款人是D,並以口頭方式及款項於2004年實際借出而成立。
15. 借款目的是為了協助C唯一的女兒(即被告)在澳門買房,以取得在澳門的居留權。
16.C在取得了D貸予的款項後,根據《民法典》第1071條之規定,有關款項之所有權已屬於C本人所有,其再將錢給予被告時,便是C將本身擁有的款項給予被告,不屬於D擁有的款項。
17. 證人D根本不熟識被告,亦無任何直接關係,其無任何必要借錢予被告,其是知悉被告父親希望女兒能在澳門投資移民,才會借錢予被告父親(即D已認識超過50年的朋友)。
18. 雖然證人D表示存在協議是被告賣出房產後要還款予D,但縱觀上訴狀引述的第12至16頁及上述引述的C及D之證人證言,都明確表示了有關借貸是建立在D與C之間,而非D與被告之間,故此,有關的借貸關係根本不在法律上約束著被告。
19. 事實上,正如根據原告上訴狀第19頁援引之證人證言,D作為債權人,其只希望債權能獲得清償,不會理會被告父親是用什麼方式籌集到資金償還債務。
20. 雖然證人D表示被告父親曾向女兒表示要在被告父親死後不要忘記還錢,但從證人D轉引述被告父親的有關表述可見,被告父親清楚知悉為債務人,其是在提醒被告在其過世後,不應忘記存在該筆債務而已。
21. 根據D的有關證言結合一般經驗法則,我們僅可以合理得出的結論是,被告父親是一個信守承諾的人,在借貸關係缺乏書面協議,且是12年前設定的情況下,被告父親也不想失信於多年朋友,才會向被告提醒存在這筆債務,以便在被告父親死後,被告在其繼承遺產時,仍需遵守這項遺產之負擔。
22. 被告父親的這個提醒與父親為著女兒能在澳門安居樂業,贈與其款項在澳門購買不動產的意願是沒有任何衝突的。
23. 根據《民法典》第1864條及第1906條之規定,被告父親的這項債務在被繼承人死後會有繼承的情況,由被告父親遺下的遺產承擔有關債務。
24. 在此有必要重申,D與被告之間從來沒有任何協議或直接關係,證人D對於C可能籌錢還款方式之假定,並不等於證人D,與C又或被告之間存在任何協議要依照這方式去還款。
25. 即使被告父親現時仍未向D完全清償債務,但這不會因此引致借貸關係的主體出現任何變更。D對於還款方式的假定亦不會因此導致第三人(即被告)承擔任何債務。
26. 兩名證人C及D都清楚表示,被告父親給予被告款項,資助其在澳門購買物業及供其生活費都是出於父親真心幫助及愛護唯一的女兒,並沒有要求回報,是完全出於慷慨意願。
27. 被告父親在給予被告款項時,也沒有任何意圖要將其拖欠D的還款義務要轉移至被告。
28. 為此,被告父親是出於慷慨意願、無償處分其積蓄,及其向朋友借取而應被視為在其名下的款項,給予被告購買在澳門的兩個不動產,並沒有要求被告承擔任何對價,被告也接受了有關的贈與,這完全符合了《民法典》第934條規定的贈與合同的概念。被告父親與被告之間存在一個贈與的關係,並非借貸關係。
29. 有鑑於此,從上述證人證言結合卷宗書證,疑問點第4條及第7條之內容應被視為證實,被告父親無償贈與款項予被告,以購買已證事實c)項及d)項之不動產,被告當時亦無任何收入或積蓄,其使用了父親給予的款項以支付購買兩個不動產的樓款。原審法院對這兩項疑問點的認定不應受到質疑。
30. 原告認為由於被告父親支付予被告的款項只是借貸,而非贈與,故此,其認為以被告父親提供的資金而購買的房產並不會根據《民法典》第1604條第1款準用第1584條第1款a)項、1587條c)項之規定,被排除在夫妻共同財產之外。
31. 然而,除了給予應有之尊重外,被告對有關見解不表任何認同。正如上述已提及過,被告父親給予被告款項供其在澳門置業,是基於被告父親與被告之間所建立的贈與關係。
32. 即使不如此認為(純粹假設),根據證人C、D及E的證言,基於被告父親對原告的不信任,亦不認為原告與被告的關係得以持續,故此,被告父親在給予被告款項以購買房產時,被告父親與被告已有協議,有關款項及其後購買之房產是屬於被告個人所有,故此,才要求被告在購買房產時申報自己的婚姻財產制是分別財產制。
33. 根據上述所援引之證人證言,都得以證實被告父親與被告存在協議,被告父親給予被告的款項及其後購買的房產是只對被告一方的贈與,而非向被告與原告共同作出贈與。原審法院對疑問點第8條之事實認定不應受到質疑。
34. 綜上所述,根據《民事訴訟法典》第558條之規定,證據由法院自由評價,法官須按其就每一事實之審慎心證作出裁判。
35. 根據本澳普遍司法見解,原審法院對事實的裁判和證據評價享有自由心證。當卷宗內沒有具體證據證明原審法院對事實的裁判和證據的評價違反了法律規定和/或一般經驗法則,應維持原審法院對事實作出之裁判。
36. 在本案中,由於不存在任何具體事實反映原審法院在證據評價過程中出現明顯違反法律或一般經驗法則,原審法院對於疑問點第2、3、4、7及8條之事實裁判應予以維持。
37. 為此,基於上述獲得證實的事實,在法律適用上,不論是根據澳門《民法典》第934條、第1604條第1款、第1584條第1款a)項、第1587條c)項之規定,抑或是中國《合同法》第185條結合《最高人民法院關於適用《中華人民共和國婚姻法》若干問題的解釋(三)》第7條之規定,被告在已證事實c)及d)項所購買的兩個不動產是屬於被告的個人財產,而非夫妻的共同財產。
38. 因此,原審法院對於已證事實c)項及d)項不動產性質之事實及法律認定都不應受到質疑,有關物業屬被告個人財產認定應予以維持。”
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Por sua vez, também interpôs a Ré recurso ordinário para este TSI, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1. O presente recurso tem por fundamentos o erro sobre a interpretação e aplicação de normas legais, bem como a nulidade da sentença recorrida, nos termos do artigo 571º, n.º 1, alíneas c) e d) do CPC.
2. Tal como foi configurada a petição inicial reformulada, afigura-se à Ré que a mesma prevê um pedido dominante (ou dois pedidos dominantes) e quatro pedidos dependentes, vis-a-vis o teor dos artigos 18º, 19º e 20º do mesmo articulado, conjugado com o teor das 6 alíneas da conclusão do mesmo articulado.
3. Os pedidos correspondentes aos artigos 19º e 20º da petição inicial e às alíneas c), d), e) e f) da conclusão encontram-se em relação de dependência relativamente aos pedidos dominantes correspondentes ao artigo 18º e às alíneas a) e b) da conclusão, pelo que, devendo estes últimos improceder, devem, forçosamente, improceder os primeiros, sob pena da errada interpretação e aplicação do artigo 391º do CPC, lido em conjugação com o conceito de dependência ínsito no artigo 64º do mesmo Código.
4. Como causa de pedir o Autor invoca tanto o alegado facto de ter participado financeiramente na aquisição das fracções dos autos - o que é totalmente falso - como também invoca o regime de bens que vigorava entre os cônjuges.
5. Contudo, não há uma coincidência entre a causa de pedir e o pedido (ou pedidos).
6. Os pedidos começam a ser formulados nos artigos 18º a 20º da petição e o Autor estabelece expressamente uma relação de dependência entre o reconhecimento judicial de que as fracções dos autos são um bem comum do casal e as rectificações das escrituras e dos registos de aquisição.
7. Isto é, se, na formulação do Autor, devia reconhecer-se que as fracções dos autos são um bem comum do casal e, consequentemente, serem rectificadas as escrituras das respectivas aquisições, bem como os respectivos registos, a contrario sensu, improcedendo o pedido de declaração das fracções dos autos como bens comuns do casal, deviam e devem improceder, consequentemente, os pedidos de rectificação das escrituras e dos registos das respectivas aquisições, em conformidade.
8. A doutrina e a jurisprudência são pacíficas no sentido de que o pedido não deve restringir-se à conclusão da petição inicial, pois nem o pedido tem forçosamente de ser formulado na conclusão da petição inicial, nem é lícito interpretar-se a formulação do pedido adoptada na conclusão de forma descontextualizada do resto do articulado - e, in casu, está a Ré, ora Recorrente, em crer que o teor dos artigos 18º a 20º é determinante para considerar-se que os pedidos foram formulados em relação de dependência, nos termos expostos.
9. Atendendo à forma como o Autor encadeou os artigos 18º a 20º da petição inicial vis-a-vis a conclusão do mesmo articulado, impõe-se que não possa deixar de se entender que o mesmo formulou um pedido dominante (ou pedidos dominantes) - isto é, que se reconhecesse judicialmente que as fracções dos autos são um bem comum do casal - e quatro pedidos dependentes - isto é, que, em consequência, desse reconhecimento, fossem rectificadas as escrituras e os registos de aquisição, em conformidade.
10. E, salvo melhor opinião, é indiferente para aferir se os pedidos se encontram ou não em relação de dependência a circunstância de o Autor ter alegado como causa de pedir tanto o alegado facto de ter participado financeiramente na aquisição - o que, como já se viu, é totalmente falso - como o regime de bens que vigorava entre os cônjuges, uma vez que causa de pedir e pedido são ambos elementos definidores da acção, mas não se confundem e podem não coincidir se o autor não os fizer coincidir na sua petição inicial - como sucede no caso dos autos.
11. Atendendo ao exposto e reconhecendo a douta sentença recorrida as fracções dos autos são bens próprios da Ré, impunha-se que tivesse sido julgado improcedente o pedido de reconhecimento de que as fracções dos autos são um bem comum do casal e que, em consequência dessa improcedência, fossem julgados igualmente improcedentes os pedidos de rectificação das escrituras e dos registos de aquisição, a que respeitam os artigos 19º e 20º da petição, bem como as alíneas c), d), e) e f) da conclusão, em conformidade, sob pena de errada interpretação e aplicação do artigo 391º do CPC, lido em conjugação com o disposto no artigo 64º do mesmo Código.
12. E tanto assim deveria ter sido decidido que, em face da sentença recorrida, criou-se uma situação não só totalmente injusta e desajustada dos factos provados (uma vez que se julgou provado que as fracções dos autos são bens próprios da Ré, ora Recorrente), como as fracções dos autos foram colocadas num limbo jurídico, uma vez que, pese embora tenha sido reconhecido expressamente que são bens próprios da Ré, ordenou-se a rectificação das escrituras e registos de aquisição nos termos requeridos pelo Autor e recusou-se mandar explicitar que as mesmas estão excluídas da comunhão.
13. Analisado o texto da conclusão da petição inicial, atendendo ao teor dos artigos 18º a 20º, que não podem deixar de se entender constituírem o pedido para efeitos do artigo 398º, n.º 1, al. d) do CPC, chega-se à mesma conclusão.
14. Ou seja, na sequência do que expôs nos artigos 18º a 20º da petição inicial, o Autor conclui a sua petição inicial, pedindo que se declare que a fracção “E5” e a fracção “F16” (alíneas a) e b) da conclusão) como bens comuns do casal, com todas as consequências legais, - ou seja, que as escrituras de aquisição sejam rectificadas (alíneas c) e d) da conclusão), com todas as consequências legais - ou seja, que os registos de aquisição sejam rectificados.
15. Tendo o Autor configurado o(s) seu(s) pedido(s) desta forma, está a Recorrente em crer que, tendo o Tribunal a quo julgado que as fracções dos autos são bens próprios da Ré, deveria o douto Tribunal a quo julgar não só improcedentes os pedidos correspondentes ao artigo 18º da petição inicial e às alíneas a) e b) da conclusão, mas também julgar improcedentes os pedidos correspondentes aos artigos 19º e 20º do mesmo articulado e às alíneas c), d), e) e f) da conclusão, uma vez que deve entender-se que a procedência destes depende da procedência dos primeiros.
16. Assim não tendo procedido o Tribunal a quo, a douta sentença Recorrida padece de errada interpretação e aplicação do artigo 391º do CPC, lido em conjugação com o conceito de dependência ínsito no artigo 64º do mesmo Código, devendo a mesma, com o douto suprimento de V. Exas., ser revogada e substituída por outra que julgue a presente acção totalmente improcedente, nos termos do artigo 630º do CPC, com as consequências legais.
17. Pese embora o douto Tribunal a quo tenha julgado expressamente que “(…) tendo a Ré e o seu pai combinado que as fracções autónomas adquiridas com o dinheiro doado seriam para benefício exclusivo da Ré, as mesmas são bens próprios da Ré”, o douto Tribunal a quo absteve-se de pronunciar-se na parte decisória da sentença sobre os pedidos correspondentes ao artigo 18º da petição inicial e às alíneas a) e b) da conclusão do mesmo articulado.
18. Não o tendo feito, a douta sentença recorrida é nula nessa parte, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 571º do CPC, devendo a mesma ser revogada e substituída por outra que julgue improcedentes os pedidos correspondentes ao artigo 18º da petição inicial e às alíneas a) e b) da conclusão do mesmo articulado, em conformidade com a fundamentação da douta sentença recorrida, o que, desde já, requer a V. Exas.
19. A douta sentença é muito clara ao concluir, quanto à natureza dos bens adquiridos pela Ré, que os mesmos são próprios da Ré.
20. Pese embora o exposto e sem prejuízo do que se acima se disse quanto à natureza dominante dos pedidos a que se referem o artigo 18º da petição inicial e as alíneas a) e b) da conclusão, afigura-se à Ré que, tendo o Tribunal a quo reconhecido que as fracções dos autos são bens próprios da Ré, ora Recorrente, o mesmo Tribunal não podia ter ordenado a rectificação da escritura pública de compra e venda da fracção designada por “E5” e da escritura pública de compra e venda de aquisição da fracção designada por “F16”, por forma em que das mesmas passe a constar que a Ré, ora Recorrente, estava casada com o Autor no regime supletivo da lei chinesa (pontos 2 e 3 da Decisão), tampouco poderia ter ordenado a rectificação do registo de aquisição das mesmas fracções, averbando que a Ré estava casada com o Autor no regime supletivo da lei chinesa (pontos 4 e 5 da Decisão).
21. É que, dando a douta sentença recorrida como assente nos respectivos fundamentos que as fracções dos autos são bens próprios da Ré, a rectificação das escrituras e registos ordenada resulta em uma decisão contraditória nos seus próprios termos, uma vez que, a transitar em julgado a decisão ora recorrida, e por força da mesma, o registo passaria a reflectir uma realidade falsa, uma vez que o Tribunal não pode ignorar que “O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.” (artigo 7º do Código de Registo Predial)
22. Ora, se douto Tribunal a quo dá por assente, na fundamentação da sentença recorrida, que as fracções dos autos são bens próprios da Ré, ora Recorrente, teria, forçosamente, de julgar improcedentes os pedidos vertidos nos artigos 19º e 20º da petição inicial e nas alíneas c), d), e) e f) da conclusão do mesmo articulado, uma vez que, em face do decidido nos pontos 2, 3, 4 e 5 da Decisão, à luz do disposto no artigo 7º do Código de Registo Predial, o registo passaria a impor a presunção de que os bens eram bens comuns do Autor e da Ré - o que, como a própria sentença recorrida reconhece, não é, de todo, verdade.
23. Considerando o exposto e salvo o devido respeito, a decisão recorrida é nula nos termos da alínea c) do artigo 571º do CPC, uma vez que os respectivos fundamentos estão em oposição com a decisão, requerendo-se seja a mesma revogada e substituída por outra que julgue a presente acção totalmente improcedente, com as consequências inerentes.
24. Tal como requerido em sede de alegações de direito, caso, por hipótese, se tivesse mandado rectificar as escrituras que titulam a aquisição das fracções dos autos e respectivos registos, no que respeita ao regime de bens da Ré, deveria o douto Tribunal a quo ter mandado explicitar, oficiosamente, nas respectivas rectificações que as fracções dos autos estão excluídas da comunhão, sendo, por isso, bens próprios da Ré, nos termos dos artigos 1604º, n.º 1, 1584º, n.º 1, al. a) e 1587º, al. c) do Código Civil, evitando, assim, a nulidade prevista na alínea c) do artigo 571º do CPC.
25. Ora, não tendo o douto Tribunal a quo ordenado que se fizesse a menção naquelas escrituras e registos que as fracções dos autos estão excluídas da comunhão, sendo, por isso, bens próprios da Ré, nos termos requeridos, está a Ré, ora Recorrente, em crer que a douta sentença recorrida não só padece de nulidade nos termos da alínea c) do artigo 571º do CPC, como omitiu uma diligência necessária ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, violando, assim, o disposto no artigo 6º, n.º 3, e no artigo 563º, n.º 3 ambos do CPC, devendo por isso ser revogada por V. Exas. e substituída por Acórdão que julgue a presente acção totalmente improcedente ou que, caso assim não se entenda, o que não se concede e apenas admite por mera cautela de patrocínio, mande explicitar, oficiosamente, nas respectivas rectificações que as fracções dos autos estão excluídas da comunhão, sendo, por isso, bens próprios da Ré.
26. Sem prejuízo do exposto, mais se requer a V. Exas. possam revogar a douta sentença recorrida na parte em que condena a Ré, ora Recorrente, em custas nos termos expostos, na medida em que não pode considerar-se que a Ré deduziu um pedido reconvencional, nos termos do artigo 419º do CPC.”
Conclui, pugnando pela revogação da sentença recorrida e substituição por outra que julgue a acção totalmente improcedente, ou subsidiariamente, que se ordene oficiosamente que seja explicitado nas rectificações das escrituras e dos registos de aquisição das fracções dos autos que as mesmas são excluídas da comunhão, sendo, por isso, bens próprios da Ré, bem como a revogação da decisão que a condenou em custas de incidente.
Ao recurso respondeu o Autor, formulando as seguintes conclusões alegatórias:
“1. O recurso a que ora se responde foi interposto pela Ré, ora Recorrente, da douta sentença de fls. 377 a 386 proferida pelo Tribunal a quo, na parte em que decidiu julgar procedente a presente acção e decidiu não admitir o pedido reconvencional formulado pela Ré, ora Recorrente, a fls. 272vº, ordenar a rectificação das escrituras de compra e venda das fracções melhor identificadas nos autos para que passe a constar que a Ré, B, estava casada com o Autor, A, no regime supletivo da lei chinesa bem como dos correspondentes registos, averbando-se que a Ré estava casada com o Autor no regime supletivo da lei chinesa.
2. A sentença do Tribunal a quo não padece das nulidades invocadas pela Recorrente nas alegações de recurso a que ora se responde.
3. A douta sentença recorrida não padece da alegada errada interpretação e aplicação do artigo 391º do CPC, lido em conjugação com o artigo 64º do mesmo Código.
4. Os pedidos formulados pelo Autor, aqui Recorrido, no artigo 18º da petição inicial e os pedidos constantes das alíneas a) e b) da conclusão [que seja declarado pelo Tribunal que as duas fracções em causa nos autos são um bem comum do casal] não são pedidos dominantes.
5. Os pedidos formulados pelo Recorrido, no artigos 19º e 20º e alíneas b), c), d), e) e f) da conclusão da petição inicial [de rectificação das escrituras e dos registos das aquisições dessas fracções] não são pedidos dependentes dos anteriores.
6. Por isso, improcedência dos pedidos formulados no artigo 18º da petição inicial e os pedidos constantes das alíneas a) e b) da conclusão não implica a improcedência dos restantes, qualificados pela Recorrente como dependentes.
7. O artigo 64º do CPC não é aplicável à situação de cumulação de pedidos prevista no n.º 1 do artigo 391º do CPC.
8. A parte final do n.º 1 do artigo 391º do CPC remete expressamente para o artigo 65º do CPC, permitindo a lei processual a cumulação de pedidos desde que entre eles não se verifique nenhuma das situações em que não é admissível a coligação, i.e., as referidas no artigo 65º do CPC.
9. O legislador do Código de Processo Civil de Macau, quando admitiu, no artigo 391º, a cumulação de pedidos desde que não se verifiquem os obstáculos à coligação indicados no artigo 65º do CPC, pretendeu afastar a exigência de qualquer conexão substancial entre os pedidos.
10. A situação prevista no artigo 391º do CPC de Macau é distinta do artigo 471º do CPC português, onde se remete para as circunstâncias que impedem a coligação, situação regulada no artigo 64º do CPC de Macau.
11. O Recorrido cumulou na petição inicial seis pedidos pedidos compatíveis, cumulação legalmente admissível por não se verificar qualquer um dos obstáculos previstos no artigo 65º do CPC, inexistindo qualquer relação de dependência.
12. O regime de bens aplicável às relações patrimoniais entre a Recorrente e o Recorrido, não era o que foi declarado por aquela no momento da outorga das escrituras de aquisição das fracções em causa nos autos, mas sim o da comunhão de adquiridos (regime supletivo da lei chinesa actualmente em vigor).
13. A improcedência da qualificação das fracções como bens comuns do casal não altera o regime de bens ao abrigo do qual o casamento entre as partes foi celebrado.
14. O Tribunal a quo não omitiu a pronúncia sobre o alegado pelo Recorrido no artigo 18º da petição inicial e pedidos formulados nas alíneas a) e b) da conclusão desse articulado.
15. Aquilo que constitui a decisão numa sentença não resulta, única e exclusivamente, da sua parte dispositiva mas, também e ainda, da respectiva motivação.
16. Na sua motivação, o Tribunal a quo, no parágrafo imediatamente anterior à parte decisória, apreciou a questão colocada e o pedido formulado e decidiu sobre o mesmo, referindo expressamente que “(…) Afastada a qualificação feita pelo Autor acerca da natureza das fracções autónomas, o seu pedido de averbamento nas inscrições prediais das aquisições feitas pela Ré de que as fracções autónomas são bens comuns do casal não pode deixar de improceder. (…)”
17. Dos 5 pontos da decisão constante a fls. 385 e 385vº da sentença recorrida, em correlação com os fundamentos da sentença, não fica margem para quaisquer dúvidas sobre a concreta extensão do julgado quando à improcedência dos pedidos formulados pelo Recorrido nas identificadas alienas a) e b) da petição inicial.
18. Inexiste qualquer nulidade da sentença recorrida, por oposição entre os fundamentos e a decisão, por ter sido dado por assente o facto de as fracções em causa serem bens próprios da Ré e de terem sido julgados procedentes os pedidos de rectificação das escrituras e dos correspondentes averbamentos no registo predial (de que a Ré é casada com o Autor no regime supletivo da lei chinesa).
19. A procedência dos pedidos formulados nas alíneas c), d), e) e f) da petição inicial não afasta a presunção estabelecida no artigo 7º do Código do Registo Predial.
20. A presunção estabelecida no artigo 7º do Código do Registo Predial refere-se à existência do direito de propriedade relativamente ao titular inscrito nesse registo, dispensando este titular do ónus da prova dos factos fundadores da aquisição.
21. As fracções em causa nos autos estão inscritas no registo predial em nome da Recorrente, existindo a favor desta uma presunção da respectiva titularidade.
22. O facto de constar nas menções atinentes a essa inscrição predial o efectivo regime de bens do casamento da Ré com o Autor, não altera a extensão da presunção de que aquela beneficia, por força do disposto no artigo 7º do Código do Registo Predial.
23. Na contestação a Recorrente alegou que os imóveis em causa são um bem próprio, sem ter deduzido o correspondente pedido reconvencional para a definição da titularidade do bem, com vista a obter decisão judicial que definisse, em conformidade com o pedido, qual a natureza dos imóveis em causa.
24. O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, ou seja, as que são pelas partes expressas nos pedidos formulados nos articulados e as causas de pedir em que assentam (cfr. artigo 563º, n.º 2 do CP).
25. O Autor deduziu um pedido de declaração judicial no sentido de as fracções em causa serem um bem comum do casal e, a Ré, limitou-se a impugnar esse pedido invocando factos que tendentes a demonstrar serem aqueles imóveis um seu bem próprio.
26. O Tribunal a quo decidiu que o Autor não logrou demonstrar a natureza desses bens como comuns e, consequentemente, julgou improcedentes os pedidos formulados nas alíneas a) e b) da conclusão da PI.
27. O Tribunal a quo não podia emitir decisão no sentido de que esses imóveis eram um bem próprio da Ré porque essa questão não foi colocada ao Tribunal com vista à pronúncia sobre um pedido nesse sentido, mas apenas como forma de impugnação dos factos invocados pelo Autor.
28. Após o encerramento da discussão da causa não foi requerida qualquer modificação do pedido formulado pela Recorrente na contestação, com a excepção do que extemporaneamente deduziu em sede de alegações de direito, e que foi rejeitado pela decisão recorrida.
29. Em sede de alegações de direito apresentadas ao abrigo do disposto no artigo 560º do CPC, a Recorrente formulou um pedido, requerendo que na rectificação das escrituras e dos registos atinentes à aquisição das fracções fosse averbado que tais imóveis seriam seus bens próprios.
30. Este pedido é uma reconvenção, que devia ter sido formulada com a contestação.
31. Não tendo a Recorrente deduzido o pedido reconvencional nesse momento, ficou precludido o direito previsto no artigo 419º do CPC.
32. Tendo o pedido reconvencional sido deduzido extemporaneamente em sede de alegações de direito, é correcta a decisão que o indeferiu e condenou a Recorrente em custas por esse incidente.”
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Corridos os vistos, cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
O Autor e a Ré, ambos de nacionalidade chinesa, casaram em Shanghai, na República Popular da China, em 23 de Agosto de 2004, sem convenção pós-nupcial (alínea A) dos factos assentes).
Na altura do casamento, o Autora e a Ré residiam na China (alínea B) dos factos assentes).
A fracção autónoma designada por “E5”, do 5º andar “E”, para habitação, do prédio urbano sito em Macau, com os nºs 87 a 187 da Rua XXXX, 623 a 655 da Avenida XXXX, 465 a 583 da Avenida XXXX e 2 a 180 da Praça das Orquídeas, denominado XXXX, inscrito na matriz predial sob o artigo n.º 7XXXX, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 2XXXX, a fls. 28 do livro B132, encontra-se registada a favor da Ré sob a inscrição n.º 9XXXX do livro G (alínea C) dos factos assentes).
A fracção autónoma designada por “F16”, do 16º andar “F”, para habitação, do prédio urbano sito em Macau, na XXXX, S/N e com os n.ºs 6 a 32-D da Rua de XXXX e 620-A a 648 da Alameda Dr. XXXXXXXX, Lote A, denominado Edifício XXXX, inscrito na matriz predial sob o artigo n.º XXXXX, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 2XXXX, a fls. 177 do livro B106-A, com o regime da propriedade horizontal registado sob o n.º XXXX, a fls. 170 do livro F14K, encontra-se registada a favor da Ré sob a inscrição n.º 9XXXX do livro G (alínea D) dos factos assentes).
Por duas escrituras datadas de 28 de Outubro de 2004 lavradas no Cartório Notarial do Notário Privado XXXX, a Ré adquiriu as fracções autónomas mencionadas nas alíneas C) e D), pelos montantes de MOP$452.016,00 e MOP$887.520,00, respectivamente (alínea E) dos factos assentes).
Nas escrituras referidas na alínea E), a Ré declarou, perante o notário do referido Cartório Notarial, que era casada com o Autor no regime da separação de bens (alínea F) dos factos assentes).
Nos registos das fracções autónomas mencionada na alínea C) e D) constam que as mesmas são inscritas em nome da Ré, na qualidade de casada com o Autor no regime de separação de bens (alínea G) dos factos assentes)
O pai da Ré transmitiu à Ré o montante total de HK$1.460.000,00, nos termos seguintes (resposta ao quesito 2º da base instrutória):
a. HK$1.000.000,00, em 27 de Agosto de 2004, através do cheque nº XXXXXX do Banco Tai Fung;
b. HK$60.000,00, em 28 de Setembro de 2004, em dinheiro;
c. HK$30.000,00, em 30 de Setembro de 2004, em dinheiro;
d. HK$30.000,00, em 2 de Outubro de 2004, em dinheiro;
e. HK$130.000,00, em 5 de Outubro de 2004, em dinheiro;
f. HK$200.000,00, por transferência bancária proveniente do Hong Kong and Shanghai Banking corporation Limited de 28 de Setembro de 2004 (efectivamente transferido em 5 de Outubro de 2004);
g. HK$10.000,00, através do cheque nº XXXXXX do Banco Chekiang First Bank Ltd. (HK).
Os montantes de HK$200.000,00 e HK$10.000,00 mencionados nas alíneas f) e g) da resposta ao quesito 2º foram transferidos das contas de D a pedido e por conta do pai da Ré (resposta ao quesito 3º da base instrutória).
O pai da Ré, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, transmitiu os montantes identificados na resposta ao quesito 2º gratuitamente à Ré, que o aceitou, tendo em vista a aquisição das fracções referidas na alínea C) e D) dos factos assentes (resposta ao quesito 4º da base instrutória).
A Ré efectuou o pagamento da totalidade do preço de HK$438.000,00, referente à fracção autónoma “E5” identificada na alínea C) dos factos assentes nos termos seguintes (resposta ao quesito 5º da base instrutória):
a. HK$60.000,00, em 30 de Setembro de 2004, como sinal, dividido em HK$10.000,00, em dinheiro, e HK$50.000,00, através da ordem de caixa nº 2XXXXX do Banco da China, Sucursal de Macau;
b. HK$378.000,00, em 28 de Outubro de 2004, como remanescente do preço, através da ordem de caixa nº 2XXXXX do Banco da China, Sucursal de Macau.
A Ré efectuou o pagamento da totalidade do preço de HK$860.000,00, referente à fracção autónoma “F16” identificada na alínea D) dos factos assentes nos termos seguintes (resposta ao quesito 6º da base instrutória):
a. HK$200.000,00, em 5 de Outubro de 2004, como sinal, dividido em HK$50.000,00, em dinheiro, e HK$150.000,00, através da ordem de caixa nº 2XXXXX do Banco da China, Sucursal de Macau;
b. HK$660.000,00, em 28 de Outubro de 2004, como remanescente do preço, através da ordem de caixa nº 2XXXXX do Banco da China, Sucursal de Macau.
O dinheiro pago pela Ré e referido nas respostas aos quesitos 5º e 6º foi proveniente do dinheiro transmitido pelo pai da Ré na resposta ao quesito 2º (resposta ao quesito 7º da base instrutória).
Ficou combinado entre o pai da Ré e a Ré que o dinheiro cedido, bem como as fracções que com mesmo viessem a ser adquiridas, seriam para benefício exclusivo desta última (resposta ao quesito 8º da base instrutória).
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Recurso do Autor
Da impugnação da matéria de facto
O Autor vem impugnar a decisão da matéria de facto dada pelo Tribunal a quo, defendendo que os quesitos 2º, 3º, 4º, 7º e 8º da base instrutória foram incorrectamente julgados, devendo os mesmos, na sua perspectiva, serem julgados como não provados.
De facto, o Tribunal a quo apurou que as fracções autónomas em causa foram adquiridas pela Ré com dinheiro doado pelo pai desta, tendo eles acordado que as fracções a adquirir com o mesmo seriam para benefício exclusivo da Ré.
Contudo, entende o Autor que o dinheiro transferido para a conta da Ré não foi cedido pelo seu pai, mas sim por terceiros, daí que entende não consubstanciar uma doação.
Dispõe o artigo 629º, nº 1, alínea a) do CPC que a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância se, entre outros casos, do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada a decisão com base neles proferida.
Quando exista gravação dos depoimentos prestados em audiência, nos termos do nº 2, a Relação vai, na sua veste de tribunal de apelação, reponderar a prova produzida em que assentou a decisão impugnada, para tal atendendo ao conteúdo das alegações do recorrente e do recorrido, que têm o ónus de identificar os depoimentos, ou parte deles, que invocam para infirmar ou sustentar a decisão de 1ª instância.(…), na verdade, o alegado erro de julgamento normalmente não inquinará toda a decisão proferida sobre a existência, inexistência ou configuração essencial de certo facto, mas apenas sobre determinado e específico aspecto ou circunstância do mesmo, que cumpre à parte concretizar e delimitar claramente.1
Estatui-se nos termos do artigo 558º do CPC o seguinte:
“1. O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
2. Mas quando a lei exija, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, não pode esta ser dispensada.”
Como se referiu no Acórdão deste TSI, de 20.9.2012 (Processo nº 551/2012), “este princípio da livre apreciação da prova não surge na lei processual como um dogma que confere total liberdade ao julgador, uma vez que o tribunal não pode alhear-se de critérios específicos que o obrigam a caminhar em direcção determinada, de que é exemplo a inversão do ónus de prova em certos casos, a prova legal por confissão, por documentos autênticos, por presunção legal, etc. Todos sabemos isso muito bem.
Mas, por outro lado, nem mesmo as amarras processuais concernentes à prova são constritoras de um campo de acção que é característico de todo o acto de julgar o comportamento alheio: a livre convicção. A convicção do julgador é o farol de uma luz que vem de dentro, do íntimo do homem que aprecia as acções e omissões do outro. Nesse sentido, princípios como os da imediação, da aquisição processual (artº 436º do CPC), do ónus da prova (artº 335º do CC), da dúvida sobre a realidade de um facto (artº 437º do CPC), da plenitude da assistência dos juízes (artº 557º do CPC), da livre apreciação das provas (artº 558º do CPC), conferem lógica e legitimação à convicção. Isto é, se a prova só é “livre” até certo ponto, a partir do momento em que o julgador respeita esse espaço de liberdade sem ultrapassar os limites processuais imanentes, a sindicância ao seu trabalho no tocante à matéria de facto só nos casos restritos no âmbito dos arts. 599º e 629º do CPC pode ser levada a cabo.”
Mais se especificou naquele mesmo Acórdão que “…se o colectivo da 1ª instância, fez a análise de todos os dados e se, perante eventual dúvida, de que aliás se fez eco na explanação dos fundamentos da convicção, atingiu um determinado resultado, só perante uma evidência é que o tribunal superior poderia fazer inflectir o sentido da prova. E mesmo assim, em presença dos requisitos de ordem adjectiva plasmados no art. 599º, nºs 1 e 2 do CPC.”
No mesmo sentido, decidiu-se no Acórdão deste TSI, no Processo nº 332/2015 o seguinte:
“A primeira instância formou a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, e o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir, sob pena de se transformar a instância de recurso, numa nova instância de prova. É por isso, de resto, que a decisão de facto só pode ser modificada nos casos previstos no art. 629º do CPC.
E é por tudo isto que também dizemos que o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu (neste sentido, v.g., Ac. do TSI, de 19/10/2006, Proc. nº 439/2006).”
No caso vertente, foram dados como provados os quesitos 2º, 3º, 4º, 7º e 8º da base instrutória da seguinte forma:
2º - Provado que “O pai da Ré transmitiu à Ré o montante total de HK$1.460.000,00, nos termos seguintes:
a. HK$1.000.000,00, em 27 de Agosto de 2004, através do cheque nº 146432 do Banco Tai Fung;
b. HK$60.000,00, em 28 de Setembro de 2004, em dinheiro;
c. HK$30.000,00, em 30 de Setembro de 2004, em dinheiro;
d. HK$30.000,00, em 2 de Outubro de 2004, em dinheiro;
e. HK$130.000,00, em 5 de Outubro de 2004, em dinheiro;
f. HK$200.000,00, por transferência bancária proveniente do Hong Kong and Shanghai Banking corporation Limited de 28 de Setembro de 2004 (efectivamente transferido em 5 de Outubro de 2004);
g. HK$10.000,00, através do cheque nº XXXXX do Banco Chekiang First Bank Ltd. (HK).”
3º - Provado que “Os montantes de HK$200.000,00 e HK$10.000,00 mencionados nas alíneas f) e g) da resposta ao quesito 2º foram transferidos das contas de D a pedido e por conta do pai da Ré.”
4º - Provado que “O pai da Ré, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, transmitiu os montantes identificados na resposta ao quesito 2º gratuitamente à Ré, que o aceitou, tendo em vista a aquisição das fracções referidas na alínea C) e D) dos factos assentes.”
7º - Provado que “O dinheiro pago pela Ré e referido nas respostas aos quesitos 5º e 6º foi proveniente do dinheiro transmitido pelo pai da Ré na resposta ao quesito 2º.”
8º - Provado que “Ficou combinado entre o pai da Ré e a Ré que o dinheiro cedido, bem como as fracções que com mesmo viessem a ser adquiridas, seriam para benefício exclusivo desta última.”
Analisada a prova produzida na primeira instância, nomeadamente atendendo aos depoimentos de todas as testemunhas na audiência de julgamento e à prova documental junta aos autos, entendemos que não somos capazes de dar razão ao recorrente Autor, por que os dados permitem chegar à mesma conclusão a que o Tribunal a quo chegou, não se vislumbrando qualquer erro grosseiro e visível por parte do Tribunal recorrido na análise da prova.
Pelo contrário, somos a entender que a prova produzida em audiência está perfeitamente em sintonia com a decisão da matéria de facto, melhor dizendo, com as respostas dadas aos quesitos ora impugnadas.
Em primeiro lugar, a prova documental constante dos autos permite provar que o dinheiro depositado na conta bancária da Ré provinha do seu pai e duma amiga deste.
Em segundo lugar, não obstante as quantias depositadas ou transferidas na e para a conta do pai da Ré terem diferentes proveniências, mas face ao depoimento das testemunhas, dúvidas de maior não existe de que foi o pai da Ré quem pediu emprestado todo esse dinheiro junto de seus amigos, incluindo a testemunha D, bem como foi o pai quem assumiu a responsabilidade de devolver o dinheiro emprestado.
Sendo relações estabelecidas entre o pai da Ré e seus amigos, somos a entender que nenhuma relevância tem para o caso.
Além disso, foi feita a prova de que quando o pai dava dinheiro à Ré para aquisição das fracções em causa, aquele nunca esperou receber dela qualquer contrapartida, alegando por ser a Ré a sua única filha, e que tal oferta era uma manifestação do amor.
Ademais, segundo o depoimento da testemunha D, podemos chegar à conclusão de que o pai da Ré não gostava muito do seu genro, ora Autor, pelo que não era estranho que entre o pai da Ré e a Ré teria ficado combinado que o dinheiro cedido, bem como as fracções que com mesmo viessem a ser adquiridas, seriam para benefício exclusivo desta última.
Em boa verdade, não sendo o caso de prova plena, todos os meios de prova têm idêntico valor, cometendo-se ao julgador a liberdade da sua valoração e decidir segundo a sua prudente convicção acerca dos factos controvertidos, em função das regras da lógica e da experiência comum.
Nesta conformidade, por não se vislumbrar qualquer erro na apreciação da matéria de facto, improcede o recurso nesta parte.
Uma vez julgada improcedente essa parte, improcedentes são as razões invocadas pelo Autor no tocante à qualificação jurídica da relação estabelecida entre a Ré e o pai desta.
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Recurso da Ré
Da alegada nulidade da sentença por omissão de pronúncia quanto ao pedido
Alega a Ré que o Tribunal recorrido absteve-se de se pronunciar na parte decisória da sentença sobre os pedidos correspondentes ao artigo 18º da petição inicial e às alíneas a) e b) da conclusão do mesmo articulado, mais precisamente, entende que a sentença recorrida enfermava de nulidade na medida em que não se pronunciou na parte decisória da sentença sobre o pedido de reconhecimento das fracções autónomas designadas por “E5” e “F16” como bens comuns do casal (Autor e Ré).
Salvo o devido respeito por melhor opinião, entendemos não assistir razão à Ré.
Não obstante não constar da parte decisória da sentença ou do dispositivo o resultado da apreciação daquele pedido, mas a verdade é que o Tribunal recorrido teve oportunidade de se pronunciar sobre a referida questão na própria fundamentação da sentença.
De facto, conforme resulta da sentença recorrida, foi julgado expressamente que “tendo a Ré e o seu pai combinado que as fracções autónomas adquiridas com o dinheiro doado seriam para benefício exclusivo da Ré, as mesmas são bens próprios da Ré”, e “afastada a qualificação feita pelo Autor acerca da natureza das fracções autónomas, o seu pedido de averbamento nas inscrições prediais das aquisições feitas pela Ré de que as fracções autónomas são bens comuns não pode deixar de improceder”. Ao fim ao cabo, o Tribunal recorrido acabou por julgar improcedentes os pedidos a) e b) da conclusão da petição inicial, pelo que não se verifica a pretensa omissão de pronúncia prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 571º do CPC, pelo simples facto de não ter sido levada essa parte da decisão à conclusão ou dispositivo da sentença final.
Improcede, assim, esta parte do recurso da Ré.
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Da condenação em custas pelo incidente por ser extemporâneo o pedido reconvencional
Em sede de alegações de direito na primeira instância, a Ré pede que se faça constar das escrituras públicas e do registo predial de que as fracções autónomas estão excluídas da comunhão se os pedidos de rectificação das escrituras públicas e do registo predial forem julgados procedentes, mas foi o pedido indeferido pelo Tribunal recorrido, por entender que, sendo pedido reconvencional, foi apresentado fora do prazo, e foi a Ré condenada em custas pelo incidente.
Pede agora a Ré que se revogue a decisão na parte em que a condenou em custas.
Vejamos.
Estatui o artigo 409º do Código de Processo Civil que:
“1. Toda a defesa deve ser deduzida na contestação, exceptuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado.
     2. Depois da contestação só podem ser deduzidas as excepções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente.”
O processo civil é um processo das partes, cabendo às mesmas fixar o seu objecto, enquanto ao Tribunal compete aplicar livremente o direito.
Incumbe às partes em sede das alegações de direito discutir por escrito o aspecto jurídico da causa, fazendo a interpretação e aplicação da lei aos factos que hajam ficado provados.
Isso significa que, para além de alegarem o que entender no tocante à interpretação e aplicação do direito, as partes estão impedidas de formular qualquer pedido nesta fase processual, independentemente da natureza do pedido formulado.
Nestes termos, andou bem o Tribunal recorrido ao condenar a Ré em custas pelo incidente.
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Do erro sobre a interpretação e aplicação de normas legais
No caso vertente, o Autor pede que as fracções autónomas referidas nos autos sejam declaradas bens comuns do casal, e que as escrituras de compra e venda das mesmas bem como os registos de aquisição sejam rectificados, passando a constar que a Ré estava casada com o Autor no regime de comunhão de adquiridos (regime supletivo da lei chinesa).
Entretanto, o Tribunal recorrido julgou parcialmente procedente a acção, considerando não serem bens comuns as duas fracções adquiridas pela Ré, e ordenou que se procedesse à rectificação das escrituras públicas de compra e vendas e respectivos registos de aquisição das fracções, por forma a que passe a constar dos mesmos que a Ré estava casada com o Autor no regime supletivo da lei chinesa.
Alega a Ré que o Tribunal recorrido incorreu em manifesto erro sobre a interpretação e aplicação de normas legais, na medida em que, segundo a configuração da petição inicial reformulada e apresentada pelo Autor, este deduziu dois pedidos dominantes e quatro pedidos dependentes, ou seja, os pedidos correspondentes aos artigos 19º e 20º e às alíneas c), d), e) e f) da conclusão da petição inicial encontram-se em relação de dependência relativamente aos pedidos correspondentes ao artigo 18º e às alíneas a) e b) da conclusão do mesmo articulado, entendendo que, improcedendo os primeiros, improcedem necessariamente os últimos.
Sem embargos de melhor opinião, julgamos assistir razão à Ré.
Dispõe o nº 1 do artigo 391º do Código de Processo Civil que “o autor pode formular cumulativamente contra o mesmo réu, num só processo, vários pedidos que sejam compatíveis, se não se verificarem os obstáculos fixados no artigo 65º”.
Como observa Viriato de Lima, “dá-se cumulação de pedidos quando o mesmo autor pretende, em relação ao mesmo réu, o reconhecimento simultâneo de duas ou mais pretensões. (…) Essa cumulação não exige conexão, mas exige-se compatibilidade substancial, sem o qual a petição será inepta…”2
Assim sendo, pode o Autor formular contra a Ré vários pedidos, desde que entre eles sejam substancial e processualmente compatíveis.
Nas palavras do Professor Alberto dos Reis3, entende-se que essa cumulação pode ser simples ou sucessiva.
É simples quando o acolhimento de um pedido não depende do acolhimento ou da rejeição de outro, sendo sucessiva aquela situação em que um dos pedidos é dependência ou consequência do outro.
Segundo Anselmo de Castro4, um pedido depende de outro sempre que do primeiro só se possa conhecer no caso de procedência do segundo.
Daí resulta que há cumulação simples quando o autor formula 2 ou mais pedidos e deseja que todos sejam acolhidos, por exemplo acontece na formulação de pedidos de indemnização por danos materiais e danos morais.
Enquanto a cumulação sucessiva é aquela em que o autor formula 2 ou mais pedidos e só se o juiz conceder um, como sendo este dominante, é que deverá considerar consequentemente os outros, como por exemplo a acção de reconhecimento de paternidade em cumulação com o pedido de alimentos.
Qual será a situação dos autos?
O Autor formulou nos artigos 18º a 20º da sua petição inicial os seguintes pedidos:
18º - “De modo que se requer nestes autos o reconhecimento judicial de que as fracções autónomas designadas por “E5” e “F16”, melhor acima identificadas, são um bem comum do casal (Autor e Ré), com todas as consequências legais daí decorrentes.”
19º - “Devendo, consequentemente, as escrituras das respectivas aquisições, assinadas em 28 de Outubro de 2004, ser devidamente rectificadas em conformidade, de forma que das mesmas passe a constar que o regime de bens da Ré é o da comunhão de adquiridos (regime supletivo da lei chinesa actualmente em vigor).”
20º - “E devendo ainda, consequentemente, os registos das respectivas aquisições, lavradas com base nas escrituras de 28 de Outubro de 2004 serem igualmente rectificados em conformidade.”
Em boa verdade, também decorre da conclusão da petição inicial que o(s) pedido(s) dominante(s) do Autor traduz-se no reconhecimento das fracções autónomas designadas por “E5” e “F16” como bens comuns do casal (Autor e Ré) e, em consequência, pedindo que as escrituras das respectivas aquisições, assinadas em 28.10.2004, bem como os registos das respectivas aquisições lavradas com base nas escrituras de 28.10.2004, sejam rectificados em conformidade, por forma a que passe a constar dos mesmos que aquando da aquisição dos imóveis, o regime de bens do casal é o da comunhão de adquiridos (regime supletivo da lei chinesa).
No entanto, realizado o julgamento, não logrou a prova de que os imóveis são bens comuns, pelo contrário, provado está que os mesmos são bens próprios da Ré, e foi assim que se julgou improcedente o primeiro pedido.
A nosso modesto ver, dada a configuração apresentada pelo Autor, uma vez julgado improcedente o pedido de reconhecimento das fracções autónomas em causa como bens comuns do casal (Autor e Ré), impunha-se julgar, consequentemente, improcedentes os restantes pedidos, face à relação de dependência existente entre o primeiro e os restantes pedidos.
Aqui chegados, há-de conceder provimento ao recurso interposto pela Ré, e em consequência, julgando totalmente improcedente a acção intentada pelo Autor contra a Ré.
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Uma vez julgado provido o recurso interposto pela Ré, prejudicado fica o conhecimento da questão subsidiária suscitada pela mesma.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso interposto pelo Autor A, e conceder provimento ao recurso interposto pela Ré B.
Custas na primeira instância pelo Autor (sem prejuízo da condenação da Ré em custas do incidente), e nesta instância pelo Autor e Ré, respectivamente, na proporção de 80% e 20%.
Registe e notifique.
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RAEM, 12 de Janeiro de 2017
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
1 José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3º, pág. 96 e 97
2 Viriato de Lima, Manual de Direito Processual Civil, CFJJ, 2005, pág. 138 e 140
3 Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3º, 144, rodapé
4 A. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declarativo, 1981, 1º, pág. 179
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Recurso Civil 154/2016 Página 33