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Processo nº 494/2016 Data: 12.01.2017
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “condução em estado de embriaguez ou sob influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas”.
Pena acessória.
Inibição de condução.
Suspensão da execução.
Motivo atendível.



SUMÁRIO

1. O art. 109°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007 faculta ao Tribunal a possibilidade de suspender a execução da pena acessória de inibição de condução.

2. Necessário é que existam “motivos atendíveis” para tal decisão, o que, como é óbvio, terá que ser matéria a ponderar em face do que provado ficou, em especial, em relação às circunstâncias do cometimento do crime em questão, personalidade e condições pessoais do arguido, da existência (ou não) de antecedentes criminais, e das necessidades de prevenção criminal.

O relator,

______________________


Processo nº 494/2016
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por sentença proferida pelo Mmo Juiz do T.J.B. nos Autos de Processo Sumário n.° CR3-16-0038-PCS, decidiu-se condenar A, arguido com os restantes sinais dos autos, como autor da prática de 1 crime de “condução em estado de embriaguez ou sob influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas”, p. e p. pelo art. 90°, n.° 2 da Lei n.° 3/2007, na pena de 4 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano, e na pena acessória de inibição de condução pelo período de 1 ano; (cfr., fls. 128 a 131 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o arguido recorreu.

Motivou para, a final, pedir apenas a suspensão da execução da pena acessória de inibição de condução; (cfr., fls. 144 a 153).

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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 172 a 174).

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Neste T.S.I., juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Na Motivação de fls.145 a 151 dos autos, o recorrente solicitou a suspensão da execução da pena acessória de inibição de condução pelo período de 1 ano aplicada pela MMa Juiz a quo na douta sentença posta em crise, assacando-lhe o erro notório na apreciação de prova, e a violação do disposto no n.°1 do art.109° da Lei n.°3/2007.
Antes de mais, sufragamos inteiramente as criteriosas explanações da ilustre Colega na Resposta (cfr. fls.172 a 173v.), no sentido do não provimento. E, com efeito, nada temos, de relevante, a acrescentar-lhes.
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É verdade que o recorrente apresentou documento afirmativo da sua profissão como condutor (doc. de fls.127 dos autos), e ele declarou, durante a audiência de julgamento, exercer profissionalmente a actividade de condução numa companhia privada.
Porém, importa ter presente que aquele documento particular, por ser emitido por uma companhia privada, e a declaração do próprio recorrente são meios de prova cuja força probatória sujeita à livre apreciação e convicção do julgador.
No que respeite ao «erro notório na apreciação de prova» previsto na c) do n.°2 do art.400° do CPP, é pacífica e consolidada, no actual ordenamento jurídico de Macau, a seguinte jurisprudência (cfr. a título meramente exemplificativo, Acórdãos do Venerando TUI nos Processo n.°17/2000, n.°16/2003, n.°46/2008, n.°22/2009, n.°52/2010, n.°29/2013 e n.°4/2014):
O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta.
Em esteira, parece-nos que não padece do arrogado o erro notório na apreciação de prova a douta sentença na parte de referir «但關於嫌犯的職業問題上,其在庭上表達含含糊糊,表示協助朋友接載其出入,也會協助作出一些銷售,對於其真正的職業,不太清晰。»
De outro lado, a MMa Juiz a quo apontou deliberadamente que «考慮到嫌犯非初犯,在兩次犯罪雖然距今有一段時間,但當中反映嫌犯的人格,經過兩次判刑後,再次犯下本案,考慮到吸毒習慣並不輕易受其個人意志而移轉,考慮到為特別預防,法庭認為有必要實際執行附加刑才能達到刑罰之目的,故決定不予緩刑。» O que dá a entender que a propósito de prevenção especial, a MMa Juiz a quo determinou não suspender a execução da inibição de condução, mesmo o recorrente seja condutor profissional.
Na mesma linha, e em conformidade com a douta jurisprudência que proclama «Os vícios referidos nas várias alíneas do n.°2 do art.°400.° do Código de Processo Penal, mesmo verificados, devem ser decisivos e pertinentes para a decisão do caso concreto, caso contrário serão irrelevantes e não implicarão as consequências legais.» (Acórdão do Venerando TUI no processo n.°23/2016), colhemos que é irrelevante o arrogado erro.
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Ora, adverte sensatamente que «A pena acessória tem um sentido e um conteúdo que visa não só garantir a tutela do ordenamento jurídico e a confiança na validade da norma violada mas, também, prevenir “a perigosidade individual”, tendo uma função preventiva adjuvante da pena principal”', devendo ser aplicada a quem for condenado pela prática do crime de “condução em estado de embriaguez”, ainda que o arguido não se encontre hábilitado a conduzir.» (Acórdão do Venerando TSI no Processo n.°475/2013)
Em termos mais concretos, é que «Mesmo que o arguido trabalhe como condutor de profissão, não se pode mandar suspender a execução da pena de inibição de condução em sede do art.109.°, n.°1 da Lei do Trânsito Rodoviário, porque nesta já é a segunda vez em que ele ficou condenado pela prática de acto de condução sob influência de álcool, não sendo assim de acreditar que a ameaça da execução da pena acessória de inibição de condução já o consiga prevenir da prática, no futuro, de acto de condução sob influência de álcool.» (Acórdão do Venerando TSI no Processo n.°416/2014)
E, «mesmo que ele seja um condutor profissional, não é de suspender-lhe a execução da pena de inibição de condução em sede do art.109.°, n.°1, da Lei do Trânsito Rodoviário, porquanto para além de ser muito elevado o grau de ilicitude da sua conduta de condução sob influência de estupefaciente (…), são também muito prementes as necessidades de prevenção geral deste tipo de conduta de condução (por ser consabidamente geradora, não poucas vezes, de acidente de viação, com ofensa grave à integridade física ou mesmo à vida humanas) – cfr. O critério material exigido na parte final do n.°1 do art.48.° do Código Penal para efeitos de decisão da suspensão da pena.» (Acórdão do Venerando TSI no Processo n.°110/2015 )
Em conformidade, temos por certo que a douta sentença recorrida não infringe o preceituado no n.°1 do art.109° da Lei n.°3/2007.
Por todo o expendido acima, pugnamos pela total improcedência do presente recurso”; (cfr., fls. 187 a 188-v).

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Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados na sentença recorrida a fls. 128-v a 129, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem o arguido recorrer da sentença que o condenou como autor de 1 crime de “condução em estado de embriaguez ou sob influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas”, p. e p. pelo art. 90°, n.° 2 da Lei n.° 3/2007, na pena de 4 meses de prisão com suspensão da sua execução por 1 ano, e na pena acessória de inibição de condução pelo período de 1 ano.

Entende – em síntese – que se lhe devia decretar a suspensão da execução da “pena acessória de inibição de condução” que lhe foi imposta, imputando à decisão recorrida “erro notório na apreciação da prova”.

Vejamos.

Nos termos do art. 90° da Lei n.° 3/2007:

“1. Quem conduzir veículo na via pública com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 gramas por litro, é punido com pena de prisão até 1 ano e inibição de condução pelo período de 1 a 3 anos, se sanção mais grave não for aplicável por força de outra disposição legal.
2. Na mesma pena incorre quem conduzir veículo na via pública sob influência de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas cujo consumo seja considerado crime nos termos da lei.
3. A negligência é punida”.

Por sua vez, nos termos do art. 109° da mesma Lei:

“1. O tribunal pode suspender a execução das sanções de inibição de condução ou de cassação da carta de condução por um período de 6 meses a 2 anos, quando existirem motivos atendíveis.
2. Se durante o período de suspensão se vier a verificar nova infracção que implique a inibição de condução, a sanção de inibição de condução a aplicar é executada sucessivamente com a suspensa.
3. A suspensão da execução da sanção de cassação da carta de condução é sempre revogada, se, durante o período de suspensão, se vier a verificar nova infracção que implique a inibição de condução.
4. A revogação referida no número anterior determina a execução da sanção de cassação da carta de condução”.

Em relação à “questão”, firme tem sido o entendimento deste T.S.I. no sentido de que:

“Só se coloca a hipótese de suspensão da interdição da condução, caso o arguido seja um motorista ou condutor profissional com rendimento dependente da condução de veículos ... até porque os inconvenientes a resultar ... da execução dessa pena acessória não podem constituir causa atendível para a almejada suspensão ... posto que toda a interdição da condução irá implicar naturalmente incómodos não desejados pelo condutor assim punido na sua vida quotidiana”; (cfr., v.g., os Acs. deste T.S.I. de 19.03.2009, Proc. n°. 717/2008, de 26.03.2015, Proc. n.° 247/2015, de 03.12.2015, Proc. n.° 972/2015, e mais recentemente, de 14.07.2016, Proc. n.° 418/2016).

Ora, no caso, diz o recorrente que é “motorista”, (cfr., fls. 127), devendo-se ter dado como provada tal “qualidade”, e, nesta conformidade, suspender-se-lhe a execução da pena acessória em questão.

Porém, como sabido é, não basta “alegar”, há que “provar”, e ao documento (particular) que apresenta, não se pode reconhecer tal virtude.

Outrossim, há que ter em conta que “provado” está que o ora recorrente não é primário, (cfr., fls. 113 a 125), e que, assim sendo, e como bem notou o Tribunal a quo, ainda que se pudesse considerar ter o recorrente a profissão de motorista, muito fortes são as necessidades de prevenção criminal, o que, necessáriamente, impedem que se dê como verificada uma situação de “motivo atendível”, (cfr., art. 109°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007), para efeitos de se decidir pela suspensão da decretada pena acessória de inibição de condução.

Por fim, e em face do aumento da sinistralidade rodoviária, muitas vezes com resultados trágicos, e em que concorrem situações como a dos autos, necessária é uma adequada “reacção penal”, o que não deixa de contribuir para a conclusão no sentido do acerto da decisão recorrida.

Tudo visto, cumpre decidir.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Pagará o recorrente 4 UCs de taxa de justiça.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 12 de Janeiro de 2017

José Maria Dias Azedo [Não obstante ter relatado o veredicto que antecede, mantenho o entendimento que expus na declaração de voto anexa ao Ac. deste T.S.I. de 28.01.2014, Proc. n.° 712/2011 e de 19.03.2015, Proc. 764/2014].
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 494/2016 Pág. 14

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